A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

domingo, outubro 28, 2007

Brasil - Escravas do sexo



CPI do Senado registra aumento do tráfico de mulheres no Centro-Oeste. Brasília está na rota do crime: meninas saem do interior de Goiás e vêm até a capital da República antes de seguir para a Europa
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* Guaíra Índia Flor

A promessa é de uma carreira de ascensão. As que apresentam os melhores resultados viram escravas sexuais na Espanha. Quem não se destaca pela beleza ou desenvoltura fica em Brasília, fazendo programa vigiada por cafetões. É isso mesmo. A capital do país está na rota do tráfico de mulheres como um lugar de passagem. A cidade recebe meninas vindas do interior de Goiás para fazer ‘‘estágio’’ no mercado da exploração sexual. Quem satisfaz melhor os clientes ganha passagens para o exterior e um sonho — ganhar muito dinheiro na noite, viver com qualidade e conhecer outras culturas. A realidade, no entanto, é cruel. Elas são obrigadas a trabalhar 24 horas por dia e a fazer sexo quantas vezes for exigido pelos agenciadores. Sem passaporte, terminam presas em cubículos, sem salário ou dignidade.


Esses dados fazem parte da pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para fins de exploração sexual (Pestraf), da região Centro-Oeste. O estudo é realizado por um grupo de organizações não-governamentais com apoio do Ministério da Justiça e da Organização dos Estados Americanos (OEA). A versão aprofundada sobre o tráfico na região central do Brasil foi apresentada semana passada na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a exploração sexual de crianças e adolescentes no país.


‘‘O objetivo da pesquisa é verificar como acontece a exploração sexual e não apenas quantos casos são registrados’’, afirma Estela Márcia Escandula, coordenadora do estudo na região Centro-Oeste. Segundo ela, o tráfico de mulheres e crianças em Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal abastece principalmente a Espanha. As vítimas são aliciadas no interior ou na periferia das capitais. Elas normalmente são mães solteiras em busca de dinheiro para sustentar os filhos e a família. Iludidas com a oportunidade de enriquecimento rápido, deixam os lares com a intenção de conquistar uma vida melhor no estrangeiro ou na cidade grande.


‘‘Chegando em Brasília, essas garotas são colocadas em quitinetes junto com outras quatro ou cinco companheiras’’, explica Aldair Brasil, pesquisadora encarregada de mapear o tráfico no Distrito Federal. ‘‘De lá, só saem para trabalhar nas boates.’’ Aldair conversou com essas meninas nos 20 minutos livres que elas têm para jantar. O contato é complicado pois todas são vigiadas e apanham dos agenciadores. A grande maioria veio do interior de Goiás e ‘‘assinou’’ contrato de um ano de trabalho. Quem chama a atenção pela beleza, desenvoltura ou cultura tem chances de ir para o exterior. As outras são colocadas para fora do apartamento — localizado normalmente na Asa Norte — e têm de se virar para sobreviver, pois os traficantes estão sempre em busca de ‘‘carne nova’’. Segundo relatos da pesquisa, essas adolescentes e jovens não imaginavam que a dita ‘‘vida fácil’’ seria tão difícil e desgastante. Ninguém lhes falou sobre as surras, vigilância constante e impossibilidade de guardar dinheiro.


Investigação

Existem 43 inquéritos e processos sobre crimes de exploração sexual de mulheres e crianças na Justiça do Centro-Oeste. Goiás aparece como a principal rota de tráfico da região. Existem 24 investigações e 11 processos sobre o mesmo assunto no estado. No DF, os números caem para 5 e 1, respectivamente.


Segundo Estela, as rotas de tráfico nacional e internacional cresceu no Goiás por falta de fiscalização policial nos aeroportos e rodovias. ‘‘É fácil embarcar as vítimas no Aeroporto Santa Genoveva (Goiânia) sem enfrentar problemas com a polícia. De lá, elas fazem escala em Guarulhos (SP) e partem para a Espanha’’. A capital do estado, aliás, é o ponto principal de saída.


‘‘Esta situação é insustentável’’, afirma a senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO), integrante da CPI. ‘‘As vítimas da exploração sexual passam por uma violência que não é só física, mas emocional e moral.’’ A parlamentar defende que o governo não se contente apenas em reprimir o agressor. ‘‘É necessário oferecer educação e cidadania às prováveis vítimas.’’


A presidente da CPI, senadora Patrícia Gomes (PPS-CE), disse ao Correio que a comissão tem indícios de que os responsáveis pelo tráfico de mulheres estejam ligados ao crime organizado do país. Segundo ela, quando os trabalhos forem concluídos, será pedida a revisão da legislação brasileira que trata de crimes contra a infância e adolescência. As mudanças ainda não foram definidas. Na primeira reunião de ministros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu prioridade na elaboração de políticas públicas para o combate da exploração sexual de crianças e adolescentes. Atualmente, o número de denúncias de tráfico de crianças em todos os estados não chega a 10% dos casos existentes. Os familiares e amigos das vítimas silenciam. Na cabeça deles, conforme o relatório, quem sai de casa para se prostituir nas grandes cidades vive melhor que no interior.


Muito jovens

12 e 25 anos - é a média de idade das adolescentes e mulheres identificadas nas rotas do tráfico para fins sexuais.


Sonho de ganhar dinheiro


Simone Borges Felipe morava no Setor Santos Dumont, região norte de Goiânia, com um filho de 4 anos, uma irmã e os pais. A família era sustentada pelo salário de R$ 128 recebido pelo pai de Simone, que era músico da banda da prefeitura. No dia 22 de janeiro de 1996, Simone embarcou para a Espanha com o objetivo de juntar muito dinheiro e oferecer melhores condições de vida aos familiares. Segundo os parentes de Simone, ela viajou para trabalhar inicialmente como doméstica e depois como garçonete.


O convite para a viagem partiu das irmãs Elícia e Eleuza Magalhães de Brito, que trabalhavam como prostitutas na Espanha. ‘‘Quando cheguei em Goiânia, toda a vizinhança sabia em que eu estava trabalhando e o papo que corria é que eu estava ganhando muito dinheiro. Imediatamente, todas as nossas amigas, inclusive a Simone, foram lá para casa’’, contou Eleuza, que veio ao Brasil visitar a família com a condição, dada pelo dono da boate na qual ela trabalhava, para aliciar mais brasileiras.


Na primeira quinzena de fevereiro de 1996, Simone ligou, de um telefone público, para casa. Chorava copiosamente. Disse à mãe que havia trabalhado a noite toda e a manhã seguinte até o meio-dia. Não mencionou à família que estava se prostituindo. Pediu apenas que a mãe entrasse em contato com o consulado brasileiro na Espanha para tirá-la de lá. ‘‘Isso aqui é um inferno’’, disse. Segundo a família, a jovem foi obrigada a se prostituir. A versão é corroborada por outra brasileira que a conheceu na Espanha.


Simone chegou a comprar a passagem de volta para o dia 24 de abril, mas às 9h do dia 6, os parentes foram informados de sua morte. Segundo a certidão de óbito, Simone morreu de tuberculose aguda. Os pais duvidam da causa da morte. Na Espanha, Simone deu entrada três vezes no Hospital Basurto. A doença pulmonar nunca foi diagnosticada.
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Fonte: Relatório Nacional Pestraf-Brasil

in Correio Braziliense - 05/07/2003

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