A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sábado, fevereiro 06, 2010

Mídia perdeu capacidade de análise: o Haiti não é o Afeganistão

América Latina

Vermelho - 4 de Fevereiro de 2010 - 11h13

Os 20 mil soldados norteamericanos no Haiti, país com 9 milhões de habitantes perfaz proporção superior às forças conjuntas dos Estados Unidos e da Otan no Afeganistão nesse primeiro ano do governo Obama: 70 mil para uma população de 28 milhões. Nenhuma emissora de televisão e nenhum jornal de renome chamaram a atenção de sua audiência e de seus leitores para esse fato.

Por Washington Araújo*, em Carta Maior

A repórter se aproxima, cria o suspense básico, informa que tem uma pessoa soterrada a menos de três metros de seus pés, aumenta o suspense carregando aflição na voz, aproxima o microfone do chão sem deixar de dizer que “já posso ouvir a voz de uma pessoa, de uma mulher, tem uma mulher aqui embaixo!”
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Quantas dessas cenas não assistimos nas últimas semanas? É inegável que havia compaixão nas cenas gravadas pela repórter. Também é inegável que ela já intuíra que aquelas cenas iriam ocupar o melhor espaço na escalada de notícias da noite, levadas ao conhecimento público por seu principal telejornal. Reportagens como esta correram o mundo e imagens das vítimas, vivas ou mortas, fizeram o mesmo trajeto.
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Foi assim que o mundo tomou consciência da existência do Haiti. Em nosso imaginário, o Haiti assume as feições de pessoa ferida, impotente, entre a vida e a morte, cercada por destroços de construções e também nas informações dando conta que 150 mil a 200 mil pessoas morreram no país em decorrência do terremoto do dia 12/01/2010. As imagens na televisão capturam aquela poeirinha fina, agregando ao ar respirado partículas de areia, cimento e cal.

Repórteres incluem em suas matérias frases, antes impactantes e agora absolutamente normais, óbvias como: “Aqui, no que foi um prédio de 6 andares, deve haver algumas centenas de pessoas soterradas” ou frases mais elaboradas e não menos dramáticas como “Estamos em um imenso cemitério... Porto Príncipe está todo assim!” A linha que separa jornalismo de sensacionalismo foi, é e continuará sendo tênue, muito tênue.
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Nos últimos 21 dias o trabalho da imprensa se resumiu a mostrar imagens da destruição da capital haitiana. Devastação e caos. Resgate das vítimas. Ajuda humanitária a caminho. A cobertura brasileira abriu capítulo especial: estamos de luto também por Zilda Arns, Luiz Carlos da Costa e mais 19 militares que atuavam na Força de Paz mantida pela ONU em Porto Príncipe. A imprensa potencializou as dificuldades do país: para lidar com sua reconstrução e demonstrou que o país caribenho apresentava sérios ´defeitos´ de construção.
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Terra de ninguém. Será mesmo?
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A história do Haiti verá o terremoto como evento que desnudou de vez a extrema pobreza e miséria em que o país se encontrava aprisionado. É corrente a percepção que se o Haiti fosse menos pobre os efeitos da tragédia seriam imensamente menores. O Haiti aparece no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) relativo a 2008 na 148ª posição, sendo a nação mais pobre das Américas, com uma expectativa de vida de 60,78 anos e analfabetismo atingindo 52,9% da população. Dos quase 9 milhões de habitantes, 80% vivem abaixo da linha da pobreza. Nos últimos anos, empresas multinacionais, principalmente têxteis, se instalaram no Haiti atrás de mão de obra barata.
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Um mundo tão permeado de boas intenções, tão rápido em oferecer (e enviar) ajuda humanitária, tão sensível a ponto de oferecer aporte financeiro de monta para a reconstrução do devastado país parece deslocado ou incompetente para criar plano de reconstrução do país calcado em princípios básicos de autosustentabilidade.
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O Haiti precisa ser ajudado não apenas por ter sofrido terremoto de magnitude 7 mas porque tem uma história marcada por outras tragédias. No século XIX três potências européias invadiram o Haiti, a França em 1869, a Espanha em 1871 e a Inglaterra em 1877; no século XX os Estados Unidos invadiu o Haiti três vezes: 1914, 1915, permanecendo até 1934; e novamente voltou a invadi-lo em 1969. Cada invasão externa assemelha-se a uma fábrica de saques, ruínas, destruição, dor e morte.
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Os haitianos foram, portanto, vítimas de terremotos morais provocados por outras nações tiveram sua autoestima como nação e povo reduzida a nota de rodapé da História. É bom recordar que uma nação não invade outra, mobiliza tropas, gasta fortunas com deslocamentos e guerras unicamente pelo prazer de invadir. Um país é invadido porque tem riquezas a serem saqueadas, possui localização geográfica estratégica e sua população – militar e civil – é despreparada para o exercício bem sucedido da autodefesa.
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As invasões, isoladamente, não foram suficientes para exterminar o Haiti e na entressafra de invasões estrangeiras o povo haitiano foi vítima de ditaduras sanguinárias instaladas pelo médico François Duvalier, o temido bicho-papão (tonton macoute) conhecido como Papa Doc (1957 a 1971), sucedido por seu filho Papa Doc (1971 a 1986). Ajoelhado, ante o pedestal dos dominadores estrangeiros, o Haiti viu sua história desaparecer no ralo. E de forma quase ininterrupta.
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A imprensa substitui olho humano por olho de vidro
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A imprensa vem informando que o maior desafio pós-terremoto é levar a ajuda humanitária aos milhões de necessitados, no menor espaço de tempo possível. E até a guerra de bastidores envolvendo brasileiros e usamericanos para determinar qual país seria o responsável pela coordenação geral das operações recebeu amplo espaço na imprensa. O Brasil tinha 1.266 militares no Haiti, subiu para 2.600. Os Estados Unidos que tinha menos que 1.000 soldados no país apoiando a Força de Paz da ONU para Estabilização do Haiti (Minustah) elevou este contingente para 20.000.
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Considerando que a embaixada dos EUA em Porto Príncipe era a terceira maior embaixada americana no mundo e tinha 3 mil homens, o número de americanos no Haiti ronda os 25.000. Neste ponto a imprensa tem deixado vazios abissais como o de não apresentar tabelas comparativas com número de militares, por nacionalidade, chegando e saindo do Haiti e inexistência de “boxes” no estilo “Entenda o caso” para informar sobre a história do país e a relação destes com algumas das potências estrangeiras que no passado ali estiveram como invasores e agora como pontas-de-lança de ajuda humanitária pós terremoto.
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A cobertura privilegia o superficial, as imagens da tragédia, as dificuldades para a vida voltar ao normal na capital haitiana, denúncias sobre seqüestro de crianças vem sendo veiculadas. Mas nenhuma emissora de televisão e nenhum jornal de renome chamaram a atenção de sua audiência e de seus leitores para o fato de que os 20.000 soldados norteamericanos no Haiti, país com 9 milhões de habitantes perfaz proporção superior às forças conjuntas dos Estados Unidos e da OTAN no Afeganistão nesse primeiro ano do governo Obama: 70 mil para uma população de 28 milhões.
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A imprensa parece ter perdido nos escombros de Porto Príncipe sua capacidade de análise, afinal, em um cálculo preliminar constata-se que numa base per capita haverá mais tropas no Haiti do que no Afeganistão, zona de guerra declarada já há bastante tempo.
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Para além das imagens de mães em transe acalentando filhos mortos em seus braços, cenas que perfuraram minha alma como se fossem afiados ganchos, a imprensa apresentou ao mundo o Haiti como um país, como um Estado falido, uma nação desgovernada por completo, como se um terremoto - por maior que fosse sue grau na escala Richter – tivesse o poder letal de transformar em ruína a capacidade de um povo de usufruir o direito à autodeterminação.
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Nesse sentido, vemos o terremoto como pano de fundo para que se passe à opinião pública mundial o conceito de que o Haiti é incapaz de se organizar e se governar por si só. Está, então, desfraldada a perversa tese de que o Haiti necessita ser monitorado e seu bem-estar passa por um regresso aos tempos dos protetorados. E tudo isso para o seu bem. Os haitianos que vi nos telejornais eram todos eles sobreviventes da catástrofe.
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Procuram-se: 8.800.000 haitianos
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Onde se encontram os demais oito milhões e oitocentos mil haitianos, esse formidável contingente populacional não afetado diretamente pelo terremoto? Faltam imagens em minha mente de haitianos não afetados diretamente pelo terremoto e falando de seu país. É preciso destacar que a população do Haiti ultrapassa aos 9 milhões. Onde estão professores, engenheiros e médicos haitianos? E seus comerciantes e donas de casa? Por que não foram alcançados pelos diligentes profissionais da imprensa?
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Será que não deveríamos saber a opinião dos próprios haitianos sobre como entendem que deveria ser conduzido o trabalho de reconstrução de Porto Príncipe? Como a população vê a ação de militares estadunidenses ao empreender o resgate de seu país tão terrível e tragicamente empobrecido? Eles entendem que se trata, desta vez, de uma ação humanitária ou de uma nova invasão? Alguém conhece algum jornalista haitiano que tenha se pronunciado sobre o dia seguinte sobre a semana seguinte após o terremoto?
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A cobertura sobre o Haiti, como um todo, nos subtraiu a voz e o pensamento dos haitianos. E chega de mais matérias tratando apenas do sofrimento humano.
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É mais fácil, claro, tirar um peso da consciência assinando cheque de US$ 375 milhões ou de 50 milhões de euros do que propor e executar políticas públicas de inclusão social e educacional, diminuir sua elevada taxa de mortalidade infantil e criar mecanismos para elevar a qualidade de vida do povo haitiano. Quanto a este aspecto penso que a imprensa tem um importante papel a desempenhar trazendo tais temas para a agenda relacionada à cobertura do Haiti nos próximos meses.
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Existem muitas maneiras de ajudar o povo do Haiti, mas nem só de pão vivem vítimas de catástrofes, sejam estas naturais ou históricas. Veículos de comunicação poderiam influir no futuro do Haiti se mantivessem ´acesas´ reportagens críticas ao mero assistencialismo - sábio e oportuno num primeiro momento e danoso como forma de minar a capacidade de seu povo – e colocassem na agenda do dia a necessidade de que governos e organismos multilaterais agissem de forma ousada e consistente para reconstruir a confiança dos haitianos de que é eles quem melhor poderão... escrever seu próprio futuro.
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*Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil, Argentina, Espanha, México.
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    06/02/2010 17h05 "E não paro por aqui",pois todos aprendemos recorrente e pedagogicamente "os meios ,a vontade e a visão das grandes potências para cumprir os compromissos assumidos".Ora,Thiago,ou você é uma alma inocente,absolutamente pura,que não teve que se expor aos martírios e sofrimentos de que somos objetos ao conhecermos os horrores registrados nas páginas da História- que nos falam precisamente dos "meios,da vontade e dos compromissos das grandes potências",para com os povos por elas colonizados,saqueados.assassinados,etc-ou,então,é um agente a serviços dos interesses dessas potências a militar contra os interesses dos povos,como tantos outros que também nos deparamos.Não se esqueça jamais que foi com essa massa podre que Golbery moldou o seu SNI.Mas,como em nós ainda subsiste um pouco de pureza,queremos acreditar de todo coração,que não passas de uma alma pura e boa, comovida com os acenos de ajuda humanitária e desinteressada das grandes potências,recusados por nós.
    Darcy Brasill rodrigues da Silva
    Rio de Janeiro - RJ
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    06/02/2010 14h16 Desde quando "um grupo de intelectuais haitianos" é representativo do contingente de 9 milhões de haitianos?E mais,tal grupo em vez de denunciar a ameaça que as tropas americanas representam à soberania do Haiti,capitulam e subscrevem um atestado de incapacidade do povo haitiano para autogovernar-se?"Intelectuais" como estes,nós também os temos-e aos montes-espraiados pelas nossas academias,embora não constituam a sua maioria.Um destes"intelectuais",por sinal,por aqui nos deu aulas inesquecíveis de traição nacional.A propósito,Papa Doc também se contava entre o seleto grupo de intelectuais haitianos.Conhecemos bem o material de que são feito supostos membros desta "elite intelectual",em um país onde a maioria do seu povo carece de escolarização .São espíritos colonizados.Neles,a instrução não afugentou o complexo de inferioridade que o colonilismo secular buscou impingir em seu povo-muito pelo contrário-somente a reforçou.Trata-se de uma "doença"de que você,Thiago,também padece!
    Darcy Brasill rodrigues da Silva
    Rio de Janeiro - RJ
  • Erro

    04/02/2010 15h55 Caro Washington Araujo, Com todo o respeito, o senhor comeca o texto com um erro grosseiro: 20.000 sobre 9 milhoes nao eh proporcao maior do que 70.000 sobre 28 milhoes. Nao que o numero nao seja consideral, mas o tal fato que anunciou eh um erro matematico. Abraco
    Pedro Fernandes
    Rio de Janeiro - RJ
  • E não para por aí

    04/02/2010 15h13 O grupo ainda afirma que "apenas as grandes potências têm a vontade, a visão e os meios para responder no longo prazo pelos compromissos assumidos. O Haiti não tem condições de servir outra vez como tubo de ensaio para ambições de POTÊNCIAS REGIONAIS, cujo papel nos últimos anos tem sido, na melhor das hipóteses, supérfluo. Erros repetidos não podem ser acobertados pelos escombros. A responsabilidade jamais assumida por resultados jamais alcançados não deve desaparecer numa vala comum". Assinam o texto os seguintes haitianos: Michèle Oriol (professora de sociologia da Universidade de Estado do Haiti); Daniel Supplice (professor de história da Universidade de Estado do Haiti; Michel Soukar (historiador); Eric Balthazar (sociólogo) e Jean-Philippe Belleau (professor de antropologia da Universidade Harvard). Taí... Para bom entendedor, pingo é letra!
    Thiago Nogueira
    Rio de Janeiro - RJ
  • O que os haitianos realmente querem

    04/02/2010 15h10 Por ignorância ou má-fé, o autor do texto omite que os haitianos já expressaram a sua vontade sobre o processo de reconstrução da capital Porto Princípe. Pouco mais de uma semana após o terremoto que devastou a cidade, a Folha públicou um artigo escrito por grupo de intelectuais haitianos. Gostaria de destacar alguns trechos: "Nos últimos seis anos, os arranjos estabelecidos entre um Estado falido e as desorientadas Nações Unidas e outras organizações multilaterais produziram um fracasso retumbante. Enquanto estas ofereciam os fundos de ajuda, aquelas legitimavam-nas e implementavam-nos, com resultados, na melhor das hipóteses, inexpressivos. À frente dessa nova estrutura de comando e coordenação SOMENTE PODERIAM ESTAR OS AMERICANOS OU OS FRANCESES, uma vez que a liderança dos esforços multilaterais por países caribenhos ou latino-americanos nos últimos 15 anos simplesmente não funcionou".
    Thiago Nogueira
    Rio de Janeiro - RJ
  • A ponta de um iceberg...

    04/02/2010 13h42 Washington Araújo, voce está de parabens pelo excelente texto que resume a tragedia do Haiti. Fica demonstrado que existe uma tragedia bem anterior ao terremoto.E este só fez trazer a tona a ponta de um iceberg de dominações historicas explicitas ou disfarçadas de naçoes europeias e dos USA mais recentemente.O rei estava nú, a grande midia esconde esta nudez e voce disse tudo.
    Tadeu Colares
    Recife - PE
  • Perda d.e. capacidade

    04/02/2010 11h53
    Parabéns ao Mestre Araújo pelo texto, mas a mídia não perdeu capacidade de análise, perdeu a capacidade de informar, o que é muito pior!
    Edú Fróes
    Belo Horizonte - MG
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