A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

terça-feira, outubro 12, 2010

Outras saídas para a Crise do Capitalismo - Uma alternativa de ruptura a construir



Vermelho - 10 de Outubro de 2010 - 11h00

A última “gracinha” econômica das direitas na Europa

"Uma das ideias mais daninhas que as direitas na União Europeia (Merkel, Sarkozy, Rajoy) estão a propor é incluir uma emenda na Constituição dos seus países que proíba ao estado ter déficits públicos". Artigo de Vicenç Navarro, no Informação Alternativa, mostra os erros nos quais se baseiam estas propostas.

"Uma das ideias mais daninhas que as direitas na União Europeia (Merkel, Sarkozy, Rajoy) estão a propor é incluir uma emenda na Constituição dos seus países que proíba ao estado ter déficits públicos.

Argumenta-se que os estados têm que se comportar como as famílias e que, portanto, não devem gastar mais dos que recebem. Esta postura, amplamente estendida em meios conservadores e neoliberais, baseia-se em vários erros. Um deles é que desconhece o comportamento econômico das famílias. Na realidade, as famílias endividam-se constantemente.

Muito poucas são as famílias que quando compram uma casa ou um carro, por exemplo, pagam o seu custo total em efetivo. A maioria endivida-se. Sem se endividarem, as famílias não poderiam manter os seus níveis de vida. Pois o mesmo ocorre com o Estado. Daí o déficit e a dívida pública.

É preocupante uma elevada dívida pública? A resposta é que depende de como se gere. Por exemplo, se uma família se endividou para ir de férias ao Caribe, o caráter da dívida é diferente do endividamento que a família tenha adquirido para facilitar os estudos dos filhos ou para comprar um carro necessário para ir para o trabalho.

Nestes dois últimos casos, os gastos são investimentos necessários para aumentar agora ou no futuro o rendimento familiar. No primeiro caso, a dívida familiar era um consumo e não um investimento.

Pois o mesmo ocorre no caso dos Estados. Os estados podem endividar-se para pagar os cortes fiscais que beneficiam os ricos (como foi ocorrendo em grande parte dos países da UE, incluindo Espanha, onde as reformas fiscais regressivas beneficiaram os rendimentos altos e o mundo financeiro e empresarial), sendo essa uma das causas do crescimento da dívida pública [1].

Esta é uma dívida não produtiva, pois foi gerada para proteger os rendimentos dos ricos. Mas os estados podem endividar-se para investir em infra-estruturas físicas e sociais necessárias para aumentar a produtividade, o crescimento econômico, a criação de emprego e o nível de vida presente e futuro.

Daí que, no caso de o Estado não se endividar para fazer estes investimentos, o nível de vida dos filhos seria pior que o dos seus pais, ponto no qual é preciso insistir, pois os que querem eliminar o déficit e a dívida sempre sublinham que ter uma dívida elevada é penalizar os filhos, que terão que a pagar. É ao contrário, sem tais investimentos, não melhorará o país no qual viverão os nossos filhos e netos.

Estes pontos elementares, que se ensinam nos cursos introdutórios nas Políticas Públicas, são ignorados constantemente por economistas e políticos neoliberais, que assumem que todos os déficits e todas as dívidas públicas são maus.

E daí o seu errôneo conselho de que há que eliminá-los. A realidade, no entanto, é diferente do dogma neoliberal. E, tal como está a economia, a redução do déficit e da dívida pública fará muito dano, pois a sua diminuição facilitará a recessão.

Neste momento em que a procura de produtos e serviços é muito escassa (resultado da crise econômica e financeira), é urgente e importante que haja uma procura pública à base de aumentar a despesa pública, inclusive à custa de aumentar o déficit e a dívida pública.

Mas existe outro erro que as direitas cometem e é que, além de desconhecerem a necessidade de endividar-se que as famílias têm, ignoram que o estado pode imprimir dinheiro e as famílias não. Aí há uma diferença maior.


Uma função dos Bancos Centrais foi precisamente a de imprimir dinheiro. Esta situação mudou com a introdução da Espanha na zona euro. A partir de então, é o Banco Central Europeu quem imprime o dinheiro e o empresta aos bancos, mas não aos estados (situação que mudou recentemente), sendo o único Banco Central entre os Bancos Centrais das grandes economias que não tem tal responsabilidade.

Tanto o Banco Central estadunidense (The Federal Reserve Board) como o Banco Central do Japão, ou o Banco Central do Reino Unido, imprimem dinheiro que os estados utilizam para pagar as suas dívidas.

Daí que o tamanho da dívida pública não seja o indicador mais importante do endividamento público de um país, pois a única dívida da qual o estado tem que pagar juros é a que se chama dívida líquida, isto é, a dívida pública (os títulos do Estado) que gera juros que o Estado deve pagar aos investidores privados que a possuem.

Daí se retira que a informação mais importante não é a dívida bruta (que é a que constantemente se cita), mas a dívida líquida. O Japão tem uma dívida bruta que representa 225% do PIB, e em contrapartida tem que pagar juros de apenas 2% (Espanha tem que pagar juros de 3,6%), e isso como consequência de a dívida líquida ser muito inferior à bruta.

Daí o erro de querer baixar a dívida e o déficit, sem entender que tanto o déficit como a dívida são entidades e conceitos mais complexos do que as direitas parecem estar conscientes.

Por muito elevada que pareça a dívida pública em Espanha (e não o é, pois está abaixo da média da UE-15), este não é o maior problema que o nosso país tem, pois o tamanho da dívida liquida é relativamente menor em Espanha.

O maior problema da Espanha é o escasso crescimento econômico e o elevado desemprego. E isso piorará com as medidas de austeridade de despesa pública (incluindo despesa pública social) e com a desregulamentação dos mercados de trabalho.

O que se requer é um crescimento da despesa pública para estimular a economia e criar emprego. Será tal crescimento que absorverá o déficit, diminuindo-o [2]. Daí que a aprovação da proposta do PP seria uma medida enormemente negativa que impossibilitaria à economia espanhola poder responder às recessões que periodicamente ocorrem na vida econômica de um país.

[1] Ver o meu artigo As políticas fiscais neoliberais, 08/07/2010.

[2] Ver o relatório Alternativas a la austeridad fiscal en España e o meu artigo Outras políticas públicas são possíveis e necessárias?.
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  • Dinheiro=dívida

    10/10/2010 16h06 O post acima apenas confirma como ainda é grande a desinformação do público em geral e , em particular, daqueles que se julgam no direito de passar, intolerantemente, sentenças condenatórias às posições distintas daquelas que julgam ser suas, no que diz respeito à função do dinheiro=dívida nas economias capitalistas contemporâneas. Mais uma vez, repito: se liga, mané! E a todos os interessados, sugiro a leitura deste artigo correlacionado: http://www.legrandsoir.info/Omerta-sur-les-faux-monnayeurs-des-temps-modernes.html
    José A. de Souza Jr.
    Campinas - SP
  • Dinheiro é dívida

    10/10/2010 13h04 Não fosse o endividamento, simplesmente não haveria dinheiro nas economias capitalistas contemporâneas. O que as direitas do mundo inteiro estão querendo é que todo o endividamento, inclusive o público seja privilégio exclusivo da banca privada. Os governos não vão deixar de se endividar (tal como as famílias), porém, ao invés de criar dinheiro do nada como faz a banca privada, vão ter que se servir desta e escravizar suas sociedades às dívidas (desnecessárias) futuro adentro. É uma tremenda patranha. Se liga, mané!
    José A. de Souza Jr.
    Campinas - SP
  • Famílias precisam se endividar?

    10/10/2010 12h57
    As famílias se endividam para manter o nível de vida? De onde esse cara tirou isso? Apenas as famílias irresponsáveis fazem isso, e passam a vida sofrendo com cobranças e, ficando sem crédito na praça. As responsáveis, gastam menos do que ganham, e aidna fazem uma poupança para emergências, O cara que fala uma coisa dessas mostra que não entende muita coisa de economia...
    Filipe
    Fortaleza - CE
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    As políticas fiscais neoliberais

    Vicenç Navarro; 8 de Julho de 2010 
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    Este artigo mostra que uma das causas do crescimento dos défices públicos na maioria de países da UE-15 se deve às reformas fiscais regressivas neoliberais (tais como baixar os impostos) levadas a cabo pelos governos de tais países, incluindo Espanha.
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    Uma das políticas fiscais que caracterizaram o pensamento neoliberal reproduzido na maioria dos partidos dirigentes na União Europeia, tanto de direita como de centro-esquerda, foi a redução de impostos. Dizia-se que tal baixa de impostos libertava a capacidade criativa, tanto dos cidadãos como das empresas, estimulando assim a economia. Em Espanha, não só a direita – tanto espanhola (PP), como catalã (CiU) – como também a esquerda dirigente (PSOE), enfatizaram a conveniência de baixar os impostos. O presidente Zapatero iniciou o seu mandato com a declaração de que «baixar impostos é de esquerda». Antes, os governos do PP tinham feito dessa baixa o elemento central da sua política fiscal.
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    E algo semelhante ocorreu em vários países da UE. Na Alemanha, por exemplo, os impostos sobre o capital reduziram-se (de 1995 a 2009) nada menos que 26 pontos, ao mesmo tempo que o nível de incidência fiscal dos rendimentos superiores se reduziu 9,5 pontos. Em Espanha e na França, a redução dos impostos dos rendimentos superiores foi inclusive maior, reduzindo-se 13 pontos. Em Itália, o Imposto de Sociedades baixou 20,8 pontos e o dos rendimentos superiores 6,1 pontos. Tais reduções favoreceram os rendimentos do capital e os rendimentos superiores, de modo que tais rendimentos, como percentagem dos rendimentos nacionais, dispararam, aumentando as desigualdades de rendimento de uma forma muito acentuada. Desta maneira, a regressividade fiscal e as desigualdades sociais aumentaram espectacularmente nestes últimos 15 anos.
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    O argumento que foi utilizado para promover estas políticas fiscais, favoráveis aos rendimentos do capital e aos rendimentos superiores, era que havia que cuidar (mimar, seria a expressão mais adequada) os factores móveis – tais como o capital e os rendimentos superiores –, evitando que se assustassem e deixassem o país. Este era o discurso neoliberal que os meios de comunicação de maior difusão do país sustentaram. Por trás dele existia o enorme poder político do capital financeiro e empresarial (e muito em particular o relacionado com as exportações), bem como o dos rendimentos superiores. Onde esta influência adquiriu maior desenvolvimento foi na Alemanha, cujo modelo económico estava, e continua a estar, baseado num modelo financeiro e exportador com uma competitividade elevada, enraizada em salários estagnados que não melhoravam com o crescimento da produtividade. Esse aumento da produtividade repercutia-se primordialmente em aumentar os benefícios do capital, muito em particular das empresas exportadoras e da banca, e não em aumentar os rendimentos do trabalho. Como disse Peter Bofinger, membro do Conselho Económico alemão, «o problema da Alemanha é que vive muito abaixo das suas possibilidades», quer dizer, a riqueza que era criada e continua ser criada não se repercute no nível de vida dos trabalhadores e das classes populares alemãs. O Governo social-democrata do chanceler Gerhard Schröeder (1998-2005) foi o que iniciou – no seu programa de 2010 – a redução dos impostos de sociedades e dos rendimentos superiores, política seguida mais tarde por Angela Merkel e os seus governos de coligação. Algo parecido tem vindo a ocorrer em França, onde a crescente regressividade fiscal explica um notável crescimento das desigualdades sociais. De novo foi um governo social-democrata, dirigido por Lionel Jospin (1997-2002) quem iniciou a política de redução de impostos, política que foi acentuada por Nicolas Sarkozy em 2007.
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    Tal redução de impostos dos rendimentos superiores, além de aumentar as desigualdades, criou também as bases para que aparecesse o problema do défice do Estado. Este défice foi causado, em parte, pela diminuição da actividade económica. Mas as políticas de redução de impostos, com a conseguinte redução dos ingressos para o Estado, contribuíram enormemente para a criação dos défices e do aumento da dívida pública. Na Alemanha, por exemplo, se os níveis de imposição fiscal fossem os mesmos que existiam em 1998, o Estado alemão teria arrecadado 75.000 milhões de euros mais por ano do que aqueles que arrecadou em 2009, uma quantia semelhante, por sinal, ao défice que o Governo Merkel quer resolver mediante os cortes muito acentuados que propôs sobre o Estado de bem-estar alemão. Algo semelhante ocorre em Espanha, onde o défice do Estado não seria tão elevado se os níveis de imposição, tanto dos rendimentos do capital como dos rendimentos superiores, se tivessem mantido iguais aos existentes nos anos oitenta.
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    Estes dados apontam o erro do argumento amplamente utilizado nas instituições europeias (Conselho Europeu, Comissão Europeia e Banco Central Europeu) em defesa da austeridade da despesa pública (incluindo a despesa pública social), indicando erroneamente que «temos estado a viver durante todos estes anos acima das nossas possibilidades», assumindo que gastámos mais do que temos. Mas não é verdade e é fácil de demonstrar. Temos a despesa pública social mais baixa da UE-15, o que não se deve a que Espanha não tenha recursos. Espanha tem já o nível de riqueza da UE-15. O seu PIB per capita é 94% da média da UE-15. E, no entanto, a despesa social é apenas 73% da média da UE-15. Se gastássemos 94% da média teríamos 66.000 milhões de euros mais para gastar no nosso magro Estado de bem-estar. Espanha tem estes recursos. O que ocorre é que o Estado não os arrecada. E aí está o problema. Não é que vivamos acima das nossas possibilidades, o que se passa é que os ricos, os bancos e os grandes empresários não pagam o que deveriam. As políticas neoliberais favoreceram os rendimentos superiores, criando uma enorme polarização social, que geraram a crise actual e que estão a dificultar a recuperação económica. E aí está o problema que os meios de persuasão não tocam.


    Artigos deste autor

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    Outras políticas públicas são possíveis e necessárias

    Vicenç Navarro; 29 de Julho de 2010 
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    Este artigo documenta o efeito negativo que as políticas de austeridade de despesa pública podem ter no crescimento económico e na redução da dívida pública dos países da União Europeia, incluindo Espanha. Mostra os dados do relatório do prestigioso Center for Economic and Policy Research sobre a situação da dívida pública em Espanha, que expressa a preocupação de que tais políticas possam piorar, em lugar de melhorar, a situação económica espanhola (incluindo a sua dívida pública). O artigo e o relatório apresentam políticas públicas alternativas que estimulariam a economia ao mesmo tempo que reduziriam o déficit público.
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    Estamos a assistir nestes dias a um dos cortes de despesa pública, incluindo despesa pública social, mais substanciais que vimos desde há anos, cortes que nos dizem ser necessários para recuperar “a confiança dos mercados financeiros”, uma frase que parece determinar todas as políticas propostas tanto pelo governo espanhol como pelo maior partido da oposição, o PP. A redução da qualificação dos títulos soberanos de Espanha, passando de AAA para AA+, pela Agência Fitch, provocou um pânico que forçou toda uma série de medidas de austeridade, estimuladas por sua vez pelo Fundo Monetário Internacional, o Conselho Europeu, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e, como não, o Banco de Espanha, todas elas instituições de clara e conhecida orientação neoliberal.
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    Estas medidas tomadas pelo governo espanhol significam um corte equivalente a 1,4% do PIB (15.300 milhões de euros) que deve realizar-se em dois anos. O governo propôs também o aumento dos impostos numa quantia equivalente a 1,6% do PIB (17.900 milhões de euros), com o que, o impacto fiscal seria equivalente a 3% do PIB na sua contribuição para a redução do déficit público. Estas medidas foram acompanhadas de alterações na regulação do mercado de trabalho, que terão como consequência o aumento do desemprego e a diminuição dos salários (ainda que o discurso oficial explicite outros objectivos menos impopulares). Esta redução dos salários considera-se necessária para aumentar a produtividade (mais baixa que a existente na Alemanha e na França), permitindo uma maior competitividade, já que a impossibilidade de desvalorizar a moeda deixa apenas essa opção para que Espanha seja mais competitiva.
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    Tais medidas de austeridade de despesa pública, acompanhadas das reformas laborais, terão, no entanto, um impacto negativo no estímulo económico, diminuindo ainda mais o crescimento económico espanhol. Na realidade, a diminuição na qualificação dos títulos soberanos baseia-se na leitura que as agências de avaliação de tais títulos fizeram do que definem como “a fragilidade da economia espanhola” (uma forma diplomática de se referirem ao escasso crescimento económico). Uma consequência desta percepção é que é cada vez mais difícil encontrar compradores de tais títulos soberanos, o que significa um aumento dos seus juros e um aumento dos custos da dívida pública, que os chamados “mercados financeiros” duvidam se possa pagar. Tais medidas de austeridade estão, pois, a preocupar os mercados financeiros, com o que estas medidas estão a conseguir atingir objectivos opostos aos que tentaram. Daí que seja surpreendente que a resposta que o governo espanhol está a dar à crise seja precisamente acentuar ainda mais a austeridade de despesa pública e a redução dos salários, medidas que o maior partido da oposição, o PP, acentua inclusive mais, limitando-se assim o debate político entre os dois partidos maioritários do país, o PSOE e o PP, em qual dos dois “é mais austero” e “desregula mais o mercado de trabalho”. O PP quer mais, e o PSOE quer menos. Mas, no demais, os dois coincidem em que há que prosseguir tais políticas. Nem é preciso dizer que tanto a Banca como a grande patronal estão a aplaudir estas medidas que, na verdade, têm vindo a desejar durante muitos anos a fim de debilitar o mundo do trabalho.
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    O Center for Economic and Policy Research, um dos centros de investigação económica mais importantes dos EUA (que tem no seu conselho assessor dois Prémios Nobel de Economia, Robert Solow e Joseph Stiglitz), acaba de publicar um relatório sobre a situação da dívida pública em Espanha que questiona o mérito de tais medidas [1]. Como bem assinalam os seus autores, Mark Weisbrort e Juan Montecino, a dívida pública espanhola foi descendo durante o período 2000-2007, passando de ser equivalente a 59,3% do PIB a 36,2%, descida que se deveu ao elevado crescimento económico durante aquele período. O déficit do estado baixou também, atingindo-se um superávit nos anos 2005, 2006 e 2007. Ao iniciar-se a crise, a dívida pública era, pois, uma das mais baixas da UE-15. E a situação era inclusive melhor quando se analisa a evolução da dívida pública neta (isto é, a que exclui a dívida propriedade do Estado). Tal dívida pública neta (que é a dívida que se deve ao investidor privado) foi inclusive mais baixa, tendo-se reduzido para 26,5% do PIB em 2007. Daí que o argumento utilizado por muitos economistas neoliberais de que a crise foi ocasionada por um excessivo gasto público, não tem nenhuma validade, o que, infelizmente, não é obstáculo para que os meios de informação e persuasão (a maioria de persuasão neoliberal) continuem a promover esta explicação da crise.
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    A maior causa da crise foi a explosão de duas bolhas. Uma, a imobiliária (que começou em 2007), coincidindo com o início da recessão mundial. Tal bolha tinha adquirido maior intensidade no período 2000-2006, quando a construção passou de representar 7,5% do PIB em 2000 para 10,8% em 2006. Desde então, tal actividade económica caiu 87%, uma valor que está na raiz do problema económico espanhol. Mark Weisbrot e Juan Montecino assinalam no seu relatório as similitudes entre as bolhas imobiliárias de Espanha e dos EUA e o seu impacto na economia. A outra bolha foi no mercado de valores. Tal bolha atingiu um nível máximo de 125% do PIB em Novembro de 2007, e caiu até 54% do PIB um ano mais tarde. Em ambos os casos – a bolha imobiliária e a bolha bursátil – o seu rebentamento criou um enorme vazio da procura, que só o estado pode preencher. Como indicam os autores, esperar que seja o sector privado a preencher este vazio é profundamente erróneo. Cortar, além do mais, o gasto público é um suicídio económico, que aprofunda a recessão.
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    Tais políticas de austeridade podem levar a uma situação de crescimento económico muito lento e juros da dívida muito elevados, o que dificultará enormemente a recuperação económica, aumentando por sua vez a dívida pública. Mais, a redução da procura interna (consequência da descida da despesa público e da redução dos salários) significará que o maior estímulo económico terá que depender de factores externos, pouco previsíveis num momento de recessão mundial, tais como as exportações. Esta estratégia, que é a que estão a defender tanto o governo espanhol como as direitas espanholas, PP e CIU, é enormemente arriscada e errónea.
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    QUAIS SÃO AS ALTERNATIVAS?
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    Para propor uma alternativa às políticas de austeridade, há que ter em conta que a dívida pública espanhola, inclusive agora, não é exagerada. Na realidade, representa 65.000 milhões de euros e calcula-se que atingirá 78.000 milhões de euros em 2011. Esta quantia é uma quantia muito menor comparada com os 750.000 milhões de euros que a UE e o FMI têm disponíveis para ajudar os estados membros da UE em dificuldades financeiras. Daí que se as autoridades da UE e do FMI desejassem evitar o crescimento dos juros da dívida pública soberana espanhola, poderiam fazê-lo facilmente, pondo aquele dinheiro à disposição de Espanha, assegurando assim aos mercados financeiros que Espanha poderia pagar tal dívida sem mais dores de cabeça. Destes números deduz-se que a dívida pública não teria que ser um obstáculo para a recuperação económica. Daí que Mark Weisbrot e Juan Montecino concluam que as políticas de redução do déficit e da dívida são desnecessárias e desaconselháveis, pois o que pensam que se deveria fazer é, precisamente, aumentar a despesa público com o fim de estimular a economia e o crescimento económico, que é o que algumas vozes solitárias têm estado a dizer em Espanha, sem que esta mensagem tenha tido algum eco na maioria dos meios de comunicação [2].
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    O argumento que o governo e o maior partido da oposição utilizam para não seguir esta estratégia é que o nível de endividamento público espanhol é excessivo. Mas neste argumento esquece-se um elemento chave: quem é o proprietário da dívida? Na verdade, mais importante que o tamanho da dívida é a quem se devem pagar os juros de tal dívida. Não é o mesmo que os juros tenham de ser pagos a investidores privados (dívida neta) que ao estado. A dívida bruta é toda a dívida, incluindo a neta, mas também a dívida que o estado deve a si mesmo. (Neste último caso, tal dívida não representa um ónus sobre o orçamento do Estado). Os juros da dívida dependem primordialmente da dívida neta. Assim, o Japão tem uma dívida enorme (227% do PIB) e em contrapartida os juros da dívida são apenas de 2% (os juros da dívida espanhola são de 3,6%). E isso deve-se a que a dívida neta é muito menor que a dívida bruta (é 112% do PIB). O Banco Central Japonês foi imprimindo dinheiro com o qual comprar a dívida pública japonesa. A dívida neta – que é a que configura os juros da dívida – é bem mais baixa, daí que os juros sejam bem mais baixos do que seriam se toda a dívida se devesse aos investidores privados. Uma situação semelhante ocorreu nos EUA onde o Banco Central imprimiu dinheiro (equivalente a 8% do PIB) para pagar a dívida pública soberana, bem como para ajudar os bancos e as empresas. Tanto nos EUA como no Japão, tais quantias não criaram inflação devido à recessão no sector privado.
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    Em Espanha também não existe inflação e o perigo é precisamente o contrário, o da deflaçao. O problema que Espanha tem é que o Banco Central espanhol não pode imprimir dinheiro. Mas o Banco Central Europeu sim pode. Daí que o BCE poderia imprimir e comprar dívida pública espanhola, revertendo os juros de tal dívida ao estado espanhol, com o que o efeito seria o mesmo que a compra por parte dos Bancos Centrais estado-unidense e japonês da sua dívida pública. Mark Weisbrot e Juan Montecino calcularam o que aconteceria com a dívida neta espanhola se o Banco Central Europeu comprasse dívida pública espanhola numa quantidade equivalente a 4% do PIB espanhol durante dois anos (e devolvendo os juros da dívida ao governo espanhol, tal como fazem o Banco Central estado-unidense e o Banco Central japonês). Isso permitiria um estímulo económico de cerca de 3,9% do PIB, aumentando a sua dívida neta de 50,3% do PIB em 2010 para 66,5% do PIB em 2020, o que é um crescimento totalmente aceitável. (Hoje a dívida neta média da UE é 79% do PIB). Esta alternativa permitiria estimular significativamente a economia espanhola (com base em investimentos em criação de emprego, tanto na infra-estrutura física como na social) com um efeito imediato na redução do desemprego, sem custos inaceitáveis no pagamento da dívida pública neta. Na realidade, a dívida pública espanhola representa apenas 0,5% do PIB da UE.
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    O ERRO DAS POLÍTICAS ACTUAIS
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    A continuação das políticas actuais (tal como exigem o FMI, a UE e o BCE) conduzirá, no entanto, a uma pioria da economia, contribuindo para a sua fragilidade. Neste aspecto, as receitas que a UE e o FMI têm estado a aplicar aos países do Leste da Europa, em preparação para a sua integração na EU, foram um desastre para aquelas economias. As projecções que tais instituições fizeram para aqueles países provaram ser profundamente erróneas, provocando uma deterioração das suas economias bem mais acentuado do que se estimou. Assim, tinham calculado uma descida do PIB da Letónia de 5% do PIB para 2009, sendo a descida real de 18%. O mesmo ocorreu com a Irlanda, onde o FMI projectou uma descida de apenas 1% do PIB para 2009, quando a descida foi de 10%. Prosseguir estas políticas é profundamente erróneo. E pensar-se que o estímulo económico provirá do aumento da competitividade para aumentar as exportações é irreal, entre outras razões porque – tal como fica indicado anteriormente – esta grande recessão é a nível mundial. Daí a importância da procura interna como motor do estímulo económico, que passa por um investimento público muito acentuado.
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    Tal como documentam Weisbrot e Montecino, a continuação das políticas recessionistas actuais implica que a dívida pública terá que aumentar os seus juros para poder encontrar compradores, aumentando consideravelmente o custo da dívida e a própria dívida. É provável que a dívida pública aumente até 104% do PIB, com juros que poderiam chegar a 6, 7, e inclusive 8%. Em suma, o resultado poderia ser um crescimento económico muito lento, acompanhado de um aumento notável da dívida pública e dos juros para pagá-la. Daí o erro das políticas de austeridade que se apresentam como medidas necessárias para reduzir o déficit e a dívida pública quando, na realidade, o que fazem é aumentá-la. A experiência passada em momentos de crise mostra a evidência que permite tirar tal conclusão.
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    Infelizmente, nem a União Europeia nem o Fundo Monetário Internacional apoiarão as medidas aqui sugeridas, que exigiriam políticas diferentes das que o Banco Central Europeu tem vindo a seguir. O Banco Central Europeu não é um banco central como o é o Banco Central estado-unidense ou o japonês [3]. Tudo somado, Weisbrot e Montecino propõem ao governo espanhol desenvolver um estímulo económico, pedindo dinheiro emprestado aos mercados internacionais. Os dois autores fazem um cálculo de vários cenários, e entre eles incluem um em que o estímulo económico atingido, com um crescimento da despesa pública equivalente a 1% do PIB em 2010, e 1,3% em 2011, significaria um crescimento da dívida neta, passando de ser 54% em 2010 a 68% em 2020, permitindo ao mesmo tempo reduzir o déficit, baixando-o para 3% do PIB em 2013. Tal crescimento da dívida neta, ainda que superior ao projectado pelo governo, seria aceitável, facilitando assim um crescimento económico que absorveria a dívida, permitindo por sua vez diminuir o déficit do estado. Os dados estão aí para quem queira vê-los. São dados claros e convincentes que é improvável que tenham maior impacto devido ao dogma neoliberal que absorve e contamina toda a cultura económica dominante na UE e em Espanha, e que se reproduz nos maiores meios de informação e persuasão no nosso país. E aí está o problema.
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    [1] Mark Weisbrot e Juan Montecino, Alternativas a la austeridad fiscal en España, Julho de 2010.
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