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quinta-feira, dezembro 29, 2011

João Marques de Almeida ~ Vinte anos depois


Diário Económico

 
Vinte anos depois28 | Dezembro | 2011 
João Marques de Almeida
Guerra


Diário Económico, 28|Dezembro|2011
Nas suas memórias da II Guerra Mundial, cuja versão reduzida foi recentemente publicada em português, Winston Churchill afirma que o conflito de 1939-1945 “acabou por destruir o que o anterior conflito tinha deixado de pé”.

Não pretendo comparar a actualidade com a primeira metade do século XX (há comparações que são tão falsas como desnecessárias), mas a afirmação de Churchill ajuda a entender muito do que se passou em 2011. Embora as grandes mudanças não ocorram apenas num só ano, 2011 mostrou de um modo muito nítido o desaparecimento daquilo que o fim da Guerra Fria "tinha deixado de pé". Entre 1989 e 1991, acabou a Guerra Fria, mas não começou uma nova ordem; iniciou-se apenas um momento de transição. Os vinte anos de transição acabaram, e o mundo que aí vem será completamente diferente daquele que foi construído desde o pós-Guerra e durou até ao início do século XXI.

Em primeiro lugar, a distribuição do poder mundial está a alterar-se dramaticamente. Os historiadores do futuro escreverão que a seguir à ordem bipolar da segunda metade do século XX, veio um mundo multipolar. O "momento unipolar", dominado pelos Estados Unidos, passará à história como um breve período de transição. Percebemos agora que a unipolaridade norte americana foi apenas um dos restos da Guerra Fria. A ordem global do futuro será composta por várias grandes potências. Os Estados Unidos serão uma entre outras, como a China, a Índia, o Brasil e a Rússia. E no mundo multipolar, os países europeus serão os grandes derrotados. Segundo a maior parte das previsões, em 2050, nenhum país europeu estará entre as seis maiores economias do mundo (China, EUA, Índia, Japão, Brasil e Rússia, por esta ordem). No entanto, a União Europeia no seu conjunto, estará entre as três maiores (uma razão por si só suficientemente poderosa para fortalecer a União).

Há ainda duas observações a fazer em relação ao mundo multipolar. Além das potências globais, é necessário contar com a influência das potências regionais. Em termos relativos, estas últimas terão mesmo mais poder do que durante a ordem bipolar da Guerra Fria. Dito de outro modo, a influência das potências globais será menor do que era a dos Estados Unidos e da União Soviética durante a segunda metade do século XX. Por outro lado, está na altura de esquecer os BRICS em termos de coligação entre potências emergentes. Todos eles serão importantes, mas o alinhamento entre eles tornar-se-á menos frequente e mais precário. O objectivo comum foi acabar com o "momento unipolar". Com o fim do objectivo comum, a rivalidade entre eles acabará por prevalecer. Não escaparão á lógica da competição multipolar, o que de resto já começou a ser claro durante 2011. Qualquer analista asiático observará que a segurança regional é cada vez mais determinada pela rivalidade entre a China e a Índia. Em termos económicos, a "ameaça chinesa" domina as notícias e os comentários no Brasil.

Tal como no plano global, também na Europa, se assistiu à consolidação de uma dramática alteração na distribuição de poder. Mas ao contrário do mundo, onde o "momento unipolar norte americano" chegou ao fim, na Europa assiste-se ao "momento unipolar alemão". Vinte anos depois, concluíram-se as transformações de 1990-1991. A Alemanha reunificada está no topo da hierarquia de poder na Europa e será necessário concluir um Pacto Orçamental para completar o Tratado de Maastricht. E os dois processos estão intimamente ligados. O que está em jogo é saber se Berlim vai aceitar a institucionalização do seu poder. A questão decisiva para 2012 será a seguinte: irá a Alemanha aceitar que o aumento do seu poder signifique igualmente o reforço do método comunitário e do papel das instituições da União?

Para aqueles que favorecem as regras comunitárias e os métodos institucionais, como os médios e pequenos países, os sinais são relativamente positivos. Até à data, a transferência de competências para a União, no âmbito da governação económica, tem reforçado as instituições e nomeadamente a Comissão Europeia. Há um ponto que tem a ver com as regras não-escritas da política europeia que é necessário entender. Por razões históricas e políticas, a Alemanha tem que prosseguir uma dupla estratégia. Por um lado, tem que conceder uma aparente liderança à dupla Berlim-Paris. Mas por outro lado, não só aceita como procura, no plano substancial, um reforço das competências das instituições.

Esta dupla estratégia procura responder a um dos maiores dilemas da diplomacia alemã: a conciliação entre a gestão da relação bilateral com Paris e a liderança de uma União de 27 países. Tendo em conta o "momento unipolar" germânico, Berlim tem que gerir a relação com Paris com muita cautela. A França será sempre o país que sentirá mais dificuldades para lidar com a liderança alemã (ainda mais do que o Reino Unido). Ora, será necessário impedir o surgimento de uma França ressentida (e quem quiser observar os primeiros sinais do ressentimento gaulês, acompanhe com atenção a campanha eleitoral que aí vem). A construção da figura mediática "Merkozy" tem sido a forma de impedir o crescimento do ressentimento francês, criando-se a aparência de uma liderança a dois (apesar do termo "Merkely" capturar melhor a realidade). O risco será obviamente a emergência de outros ressentimentos na Europa, nacionais e não só, para evitar o ressentimento francês. O que mostra a natureza extremamente delicada e difícil da estratégia alemã.

Ao mesmo tempo, existe uma desconfiança em Berlim em relação à capacidade e vontade reformistas francesas nos planos económico e social. E esta desconfiança tende a transformar-se numa relutância em relação ao método intergovernamental. Berlim quer regras e mecanismos institucionais claramente definidos, precisamente porque não confia inteiramente na cultura económica dos seus principais parceiros europeus. Por isso, é provável que à aparência "Merkozy" se junte a consolidação da substância comunitária e institucional, através da conclusão do Pacto Orçamental.

Em termos da "grande história", 2011 foi o ano que veio depois de 1991: terminou o "momento unipolar" dos Estados Unidos, e a crise da zona Euro expôs os limites do Tratado de Maastricht e evidenciou a liderança alemã na Europa, destruindo a ilusão da relação igual entre Berlim e Paris. Uma coisa é certa: 2012 não será como 1992. O que será, ninguém sabe.

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