A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

domingo, dezembro 16, 2012

Relatório militar revela que tropas portuguesas participaram em decapitações






Exército português participou em Angola numa “acção punitiva” em que “terroristas” foram decapitados. Havia testemunhos pessoais destas práticas, mas este é o primeiro documento escrito.
Exposição sobre a Guerra do Ultramar, em 2000, no Museu Militar do Porto PÚBLICO/ARQUIVO



A violência do documento é óbvia e incómoda, por vezes desconcertante. Tão desconcertante na sua brutalidade, que se tivesse sido produzido pelos inimigos dos militares portugueses que participaram na guerra colonial em Angola, dificilmente seria mais verosímil.
A “cerimónia” de fuzilamento com mutilação de cadáveres começou às 10h30 na sanzala Mihinjo, a cerca de 20 quilómetros de Luanda. É descrita em 11 pontos, sendo o primeiro uma explicação muito incompleta dada ao povo pelo soba, o chefe tribal, para a presença de um pelotão de execução português.
Segue-se o disparo do que devem ser seis pistolas-metralhadoras. E os suspeitos de terrorismo caíram. Depois, vem a violência extrema.
“5 – Avançaram os cortadores de cabeças. Cumpriram a sua missão.
6 – Avançou o soba. Colocou as cabeças nos paus. Ficaram dois sem cabeça. As cabeças ficaram espetadas pela boca, submissamente viradas para o chão.
7 – Clarim tocou ombro arma, apresentar arma.
8 – Soba falou ao povo, explicando a razão porque tinham ficado dois paus sem cabeça, à espera dos futuros não respeitadores da lei.
9 – Ao soba eu disse: os corpos podem ser enterrados as cabeças ficam sete dias, os paus ficam para sempre.”
Quem quer deixar a mensagem dos paus vazios “para sempre” é um capitão do Exército português e autor do relatório militar onde são descritos os acontecimentos que tiveram lugar a 27 de Abril de 1961. Este capitão de cavalaria do 1.º Esquadrão dos Dragões — cujo nome o PÚBLICO não revela porque a lei dos arquivos o impede ao abrigo da protecção da imagem e da vida privada — comanda uma “acção punitiva de pacificação”, segundo o título do próprio documento, muito provavelmente uma reacção aos massacres da União dos Povos de Angola (UPA), que ocorreram nas fazendas do norte do país, um mês e meio antes, em que morreram milhares de colonos brancos e os seus empregados africanos, muitos deles também mutilados.
Catorze dias antes desta cerimónia, a 13 de Abril, António de Oliveira Salazar, presidente do conselho, profere o célebre discurso de “andar rapidamente e em força” para Angola, onde formalmente é anunciada a intenção de fazer a guerra de África.
Este documento, que é publicado na íntegra pela primeira vez, é revelado no livro O Império Colonial em Questão (sécs. XIX-XX), que acaba de ser lançado pelas Edições 70, num artigo da autoria do historiador António Araújo.
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A oposição inteletual ao regímen fascio-colonialista, já muito antes do 25/04/74, denunciava estes crimes. Havia mesmo uma canção gravada, que, se bem me recordo era muitas vezes reproduzida nas emissões de A VOZ DA LIBERDADE, que começava: "rebola uma bola sangrenta no chão de Angola..." Quem, além de mim, se recorda? Recordam-se de quem a interpretava?

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 Relatório militar "Dragões - 1.º Esquadrão"
DRAGÕES – 1º ESQUADRÃO




ASSUNTO: ACÇÃO PUNITIVA DE PACIFICAÇÃO DE 250930 ABR NA SANZALA MIHINJO


            Para cumprimento no exarado em alínea c) nº 2 das Normas para a actividade operacional, nº 2 do C. M. A. (Q.G.-3ª Rep.) 21ABR61

            Pelas 09H00 o Esquadrão (-) estava na Funda, onde integrou na coluna um “Land-Rover vermelho” com dois civis e o regedor da localidade (um preto). Este informou que pelo menos 5 dos agressores de José Augusto Moreira e Joaquim da Silva Coelho estavam na Sanzala MIHINJO, já tinha estado com eles e que tinham confessado.
            às 09H30 estávamos a 1 Klm. da sanzala.
            Avançou a viatura dos civis com mais o guia da coluna – o António Machado da Cruz, armado de 375 com a missão de deixar o regedor na sanzala para ir reunindo o povo para uma “conversa sua”.
            Às 09H45 partiu a coluna a toda a velocidade, cercando a sanzala. Operação em U apoiando as extremidades no Rio Bengo.
            Pelas 10H00 o regedor e o soba da sanzala separou 5 dos agressores que se sentaram no chão, com guarda.
            Interrogados por mim, confessaram que tinham estado na confusão com os brancos.
            - Quem é que tirou a espingarda?
            - Fui eu, disse um deles.
            O Soba já tinha entregado a espingarda ao regedor.
            Pelas 10H30 estava montado o dispositivo em anexo.
            Às 10H35 deu-se início à cerimónia:
            1 – O soba falou ao povo explicando a razão da cerimónia, acrescentando: - Quando tem razão de queixa, faz mesmo queixa no regedor, não pode fazer mesmo justiça pelas suas mãos. Aqueles homens quis matar mesmo. Vai morrer… etc. etc.
            2 – Clarim tocou a sentido, ombro arma, apresentar arma.
            3 – Furriel Helder disse:
            - Pelotão de execução, preparar, apontar. Fogo.
            4 – As 6 P.M. dispararam. Os terroristas caíram.
            5 – Avançaram os cortadores de cabeças. Cumpriram a sua missão.
            6 – Avançou o soba. Colocou as cabeças nos paus. Ficaram dois sem cabeça. As cabeças ficaram espetadas pela boca, submissamente viradas para o chão.
            7 – Clarim tocou ombro arma, apresentar arma.
            8 – Soba falou ao povo, explicando a razão porque tinham ficado dois paus sem cabeça, à espera dos futuros não respeitadores da lei.
            9 – Ao soba eu disse: os corpos podem ser enterrados as cabeças ficam sete dias, os paus ficam para sempre.
            10 – O Esquadrão regressou ao Quartel.
            11 – Levei a secção Penaguião ao Hospital para que vissem os dois agredidos
            - Um estava em coma, na reanimação.
            - O outro já se sentava.
Ambos quase irreconhecíveis, pois tinham sido barbaramente agredidos à catanada, pedrada e paulada.
Foram assaltados no Klm. 56 do C.F. – Fundo Cabiri, quando levavam um indígena preso para o regedor da Funda: operação efectuada a pedido do regedor.

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            REACÇÕES:
            Do povo da sanzala – completamente esmagados pelo aparato da cerimónia. Nem uma palavra, um gesto, um choro de criança sequer.
            Os condenados – inicialmente com ar arrogante, a gesticular e falar muito com o regedor e soba. Quando se começaram a [?] os paus, ficaram calados. O mais novo, nessa altura, disse que três já tinham fugido. No final já estavam com a assistência indígena, completamente vencidos e conformados.
            Os civis – guia e 2 ocupantes do “Land Rover”, um pouco impressionados:
                        - Isto é impressionante, mas tem de ser.
            O nosso pessoal militar: de uma maneira geral, pálidos. Cerca de 20% com o olhar incerto e assustado. Cerca de 10% prestes a desmaiar. O resto portou-se bem.
            As catanas têm de estar bem afiadas (não estavam) saltavam ao bater, como se fosse em borracha. O corte da catana requer a sua técnica não deve ser em pancada directa e seca. A lâmina deve bater em movimento de translação ao longo do fio. Golpe de corte dos alfanges árabes.

CONCLUSÃO
1)     – No respeitante ao efeito da cerimónia, no elemento indígena, teremos de esperar uns dias pelos relatórios dos administradores da região.
2)     – No pessoal: Foi fortemente sacudido e posto pela primeira vez perante a realidade de uma guerra total de sobrevivência sem quartel. A experiência foi-lhe benéfica, pois:
Quando o pelotão parou, já na estrada de Catete, a ordem dada a uma secção para juntar o pessoal e revistar uma pequena sanzala de um dos lados da estrada foi cumprida com uma eficiência, rapidez e entusiasmo jamais vistos nas operações anteriores desta natureza. No final verificou-se serem Bailundos. Foram-lhes restituídas as catanas, enxadas e demais ferros com “pancadas nas costas”. O Sargento enfermeiro interveio pela primeira vez, para pensar um buraco de uma baioneta mais impaciente no braço de um deles. Afastámo-nos com gestos de adeus, de parte a parte.
Luanda, 27 de Abril de 1961
O Comandante do 1º esquadrão de Dragões
[ass.]
[identificação no original]
Cap. De Cav.ª
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