A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

quinta-feira, agosto 30, 2012

David M. Kotz - A Teoria Marxista da crise e severidade da crise económica actual


Domingo, 28 de Agosto de 2011


A Teoria Marxista da crise e severidade da crise económica actual


A teoria da crise económica ocupa desde há muito um lugar importante na teoria marxista. Uma razão para isso é a crença de que uma crise económica severa pode desempenhar um papel chave na superação do capitalismo e a transição para o socialismo. Alguns antigos escritores marxistas procuraram desenvolver uma ruptura na teoria da crise económica, na qual é identificada uma barreira absoluta para a reprodução do capitalismo. [1] Contudo, não é preciso seguir uma abordagem tão mecanicista para considerar a crise económica como central para o problema da transição ao socialismo. Parece altamente plausível que uma crise de acumulação severa e duradoura criaria condições que são potencialmente favoráveis a uma transição, embora uma tal crise não seja garantia de tal resultado. [2]



Os analistas marxistas geralmente concordam em que o capitalismo produz duas espécies qualitativamente diferentes de crise económica. Uma é a recessão do ciclo de negócios periódico, a qual é resolvida após um período relativamente curto pelos mecanismos normais de uma economia capitalista, embora desde a II Guerra Mundial a política monetária e fiscal do governo tenha sido empregada frequentemente para abreviar a recessão. A segunda é uma crise económica duradoura que exige reestruturação significativa — isto é, mudança institucional — se a crise tiver de ser resolvida dentro do capitalismo e com o processo de acumulação de capital restaurado. Apesar do reconhecimento generalizado de que estes dois tipos de crise são diferentes, não há uma terminologia consensual para distingui-las. Aqui será usada a expressão "crise estrutural de acumulação" para o segundo tipo de crise económica e "recessão do ciclo de negócios" para o primeiro tipo.



A história mostra que as crises estruturais de acumulação podem ser mais ou menos severas, como será discutido abaixo. O nosso objectivo aqui é identificar as condições que dão lugar a uma severa crise estrutural de acumulação, uma vez que é este tipo de crise que pode desempenhar um papel na morte do capitalismo. A Grande Depressão da década de 1930 foi, todos concordam, uma severa crise estrutural de acumulação. Embora ainda seja cedo para dizer, tudo indica que a crise económica principiada em 2007-08 pode ser uma outra severa crise estrutural(ver ponto 2) abaixo). Em contraste, será argumentado abaixo que a crise estrutural verificada na década de 1970 foi da variedade menos severa. Este documento esboçará uma análise da crise actual, comparando-a com as duas crises estruturais anteriores, a fim de fazer inferências acerca das condições que tendem a produzir uma severa crise estrutural de acumulação.



A teoria marxista localiza a causa da crise em mecanismos internos do sistema capitalista, os quais reflectem o carácter contraditório do processo capitalista. A literatura marxista da teoria da crise apresenta análises de vários mecanismos internos que pode provocar uma crise. Tais mecanismos causais foram chamados tradicionalmente "tendências de crise", as quais incluem o subconsumo, a tendência da queda da taxa de lucro devido à elevação do valor do meios de produção em relação à força de trabalho, o esmagamento do lucro devido a um declínio do exército industrial de reserva (expressão de Marx para trabalhadores desempregados) e o super-investimento (ou super-acumulação), bem como outros mecanismos.



As tendências de crise que tradicionalmente povoam a literatura marxista são o ponto de partida necessário para considerar a(s) causa(s) possíveis de uma crise estrutural severa. Contudo, o nível de abstracção da análise habitual das tendências tradicionais de crise é demasiado elevado para este objectivo. Este documento argumenta que uma crise estrutural severa tende a emergir uma forma institucional particular de capitalismo. Se alguém analisa apenas o capitalismo-em-geral — isto é, se se incluir apenas as características definidoras do capitalismo — então tendências de crise podem ser derivadas mas não pode ser determinado de um modo sistemático se qualquer tendência de crise particular provocará uma crise moderada ou severa. [3]



No ponto 2) considera resumidamente a teoria estrutura social de acumulação (ESA) da crise capitalista, concluindo que ela apresenta uma teoria fecunda da crise estrutural mas não proporciona uma explicação satisfatória dos factores que causam uma crise estrutural severa. No ponto 3) examina as raízes da actual crise económica, centrando-se sobre a economia dos EUA na qual teve origem esta crise. Retira-se a lição de que a severidade da crise actual resulta do tipo de estrutura institucional capitalista que prevaleceu nas últimas décadas, nomeadamente uma estrutura institucional liberal. Ponto 4) compara a crise actual com as crises estruturais das décadas de 1930 e de 1970, notando semelhanças com a primeira e diferenças com a segunda. No ponto 5) apresenta comentários conclusivos.



2). A teoria da estrutura social de acumulação e crises estruturais severas



É comum na literatura marxista tradicional da teoria da crise suplementar uma análise de uma tendência particular de crise localizada no capitalismo-em-geral com a consideração de um evento histórico específico ou de uma política de estado, como um meio para explicar a emergência de uma crise que é severa e duradoura. Contudo, tal abordagem ad-hoc aproxima-se inconfortavelmente da teoria da crise devida ao "factor externo" encontrável na teoria económica convencional. Há uma abordagem alternativa, a qual leva em conta o facto de que o capitalismo nunca existe somente "em geral" mas assume sempre uma forma institucional específica.



A escola da estrutura social de acumulação argumenta que, em países capitalistas individuais e no capitalismo global como um todo, pode ser identificada uma sequência de estruturas institucionais relativamente estáveis, cada uma delas perdurando por várias décadas (Gordon, Edwards, and Reich, 1982; Kotz, McDonough, e Reich, 1994; McDonough, Reich, e Kotz, 2010). Tal estrutura institucional é denominada uma estrutura social de acumulação (ESA). Esta literatura tem argumentado que cada ESA é um conjunto coerente de instituições que, por um longo período, promove a acumulação de capital. Com o tempo as contradições presentes em qualquer ESA intensificam-se, de modo que a ESA já não mais promove a acumulação, conduzindo a um longo período de crise estrutural. A crise continua até que uma ESA seja construída.



A teoria ESA pode apresentar uma explicação da razão porque se verificam crises estruturais de acumulação severas, mas os registos históricos mostram que alguns dos períodos de crise identificados na literatura ESA – tal como a década de 1970 – não parecem ajustar-se ao conceito de uma crise estrutural severa. Como notaram muitos analistas, nos países capitalistas com alto rendimento o desempenho macroeconómico piorou após 1973, em comparação com o período 1948-73. Nos EUA houve uma recessão relativamente aguda desde o quarto trimestre de 1973 até o primeiro trimestre de 1975, com o PIB caindo para uma taxa anual de 2,5% ao longo de cinco trimestres. O resto da década de 1970 foi caracterizado pelo crescimento económico reduzido, alta inflação e desemprego, além de instabilidade no sistema monetário internacional — isto é, foi um período de estagnação relativa e de instabilidade económica.



Pode-se argumentar que a década de 1970 representou uma crise estrutural da ESA capitalista regulada do pós-guerra, a qual levou ao seu passamento e substituição por uma estrutura institucional neoliberal bastante diferente no princípio da década de 1980. Contudo, o crescimento do PIB e da acumulação de capital recuperou rapidamente após a recessão de 1974-75. Utilizando uma medida do ciclo de negócios pico a pico, durante 1973-79 — o núcleo do período de crise estrutural identificado na literatura ESA — a economia estado-unidense realmente expandiu-se, com crescimento do PIB real a uma taxa anual média de 3,0% e o investimento interno privado bruto a 3,4%. [4] A taxa de desemprego, a qual havia ascendido a 8,8% em Junho de 1975, caiu para 5,6% em Maio de 1979. A taxa de desemprego não atingiu números com dois dígitos durante este período até a parte inicial da era neoliberal, quando chegou a 10,8% no fim de 1982. Isto resultou da política deliberada do governo, pois o Federal Reserve aplicou uma política monetária muito rígida a qual conduziu as taxas de juro a mais de 20%, tendo em vista destruir o poder de negociação do trabalho, travar a inflação e promover o valor internacional do US dólar.



A crise da década de 1970 não parece ser uma severa crise estrutural de acumulação da espécie representada pela Grande Depressão da década de 1930. De 1929-33 o PIB nos EUA declinou durante 3,5 anos, caindo em 30,5% ao longo daquele período. Dez anos depois ele havia recuperado para apenas 2,8% acima do seu nível de 1929. O investimento fixo dos negócios, o qual em 1933 caiu 28,7% em relação ao seu nível de 1929, dez anos depois (1939) ainda era apenas 57,7% do seu nível de 1929. A taxa de desemprego atingiu os 24,9% em 1933 e era de 17,9% em 1939. Todo o sistema bancário entrou em colapso em 1933, um contraste agudo com a década de 1970 quando não se verificou nenhuma crise financeira séria.



Há muitas evidências de que a crise actual tornar-se-á uma severa crise estrutural de acumulação, mais como aquela da década de 1930 do que a da de 1970. A recessão no sector real dos EUA começou oficialmente em Dezembro de 2007, embora o PIB não tenha iniciado um declínio constante até o terceiro trimestre de 2008. O lado financeiro da crise começou muito mais dramaticamente, ganhando momento na Primavera e Verão de 2008 e atingindo subitamente o ponto do colapso financeiro em Setembro de 2008, quando a maior parte das maiores instituições financeiras nos EUA e em muitos outros países tornaram-se subitamente insolventes. Um colapso financeiro total foi evitado pela Reserva Federal e o Departamento do Tesouro dos EUA providenciando uns estimados US$12,1 milhões de milhões (trillion) em várias formas de apoio a instituições financeiras gigantes e aos mercados financeiros em geral. [5]



Um estudo recente descobriu que, para a economia global, tanto a produção industrial como o comércio mundial contraíram-se pelo menos tão rapidamente no primeiro ano da crise actual como o fizeram no ano seguinte ao início da Grande Depressão (Eichengreen e O'Rourke, 2009). Um relatório das Nações Unidas projectou um declínio do PIB em 2009 de 6,5% no Japão e de 6,1% na Alemanha (UNCTAD 2009, p. 2).



Nos EUA, o PIB caiu em 3,8% no ano seguinte ao seu nível de pico no segundo trimestre de 2008. No primeiro trimestre de 2009, o investimento fixo privado mergulhou a uma espantosa taxa anual de 39,2%, a mais baixa taxa de declínio desde a II Guerra Mundial. A partir de Setembro de 2009, o emprego total havia experimentado o seu maior declínio desde 1945, caindo em 5,8% desde o seu pico, o que deve ser comparado aos declínios de 2,8% da recessão dos meados da década de 1970 e de 3,1% no princípio da recessão da década de 1980 (Norris, 2009). [6] A taxa de desemprego subiu de 4,8% em Fevereiro de 2008 para 10,3% em Outubro de 2009, uma ascensão precipitada que ultrapassou em muito o aumento da taxa de desemprego da crise dos anos 1970. Isto verificou-se apesar de um plano de estímulo governamental de US$787 mil milhões aprovado em Fevereiro de 2009.



Certos relatos de que a crise económica está a acabar deixam de distinguir uma recessão de ciclo de negócios de uma crise estrutural. O PIB dos EUA aumentou, a uma taxa anual de 2,8%, no terceiro trimestre de 2009, uma viragem que em grande medida parece ser devida a intervenções do governo. Contudo, uma expansão do ciclo de negócios pode, e habitualmente faz, ter lugar durante um período de crise estrutural, como aconteceu em 1933-37 e em 1975-79. Se a história serve de guia, as contradições que produziram esta crise — as quais são discutidas na próxima secção — podem ser resolvidas apenas pela reestruturação significativa do sistema e um tal processo de reestruturação mal começou neste momento.



A teoria ESA convencional, a qual encara as crises estruturais das décadas de 1930 e 1970 como fenómenos semelhantes, não proporciona uma explicação do(s) factor(es) que faz(em) com que uma crise estrutural de acumulação seja severa. Contudo, o foco da teoria ESA sobre o papel da forma institucional de capitalismo na explicação de crises económicas aponta na direcção correcta. O componente que falta é uma análise ainda mais concreta de estruturas institucionais capitalistas. Examinar o modo pelo qual a estrutura institucional nos EUA na era neoliberal deu lugar ao que parece ser uma outra crise estrutural severa pode iluminar os factores chave que produzem aquele tipo de crise.



3). A crise actual e estruturas institucionais liberais



A teoria ESA tradicionalmente tem asseverado que toda nova ESA é historicamente única. Contudo, argumenta-se em Kotz (2003a) e Wolfson e Kotz (2010) que estruturas institucionais capitalistas caem em dois tipos, liberais e reguladas. As principais características de uma estrutura institucional regulada são as seguintes:
 1) o estado regula activamente a economia, incluindo regulação do comportamento dos negócios e das finanças;
2) a relação capital-trabalho no lugar de trabalho tem um elemento de compromisso significativo entre os dois lados, particularmente entre o grande capital e o trabalho;
 3) os grandes negócios empenham-se numa forma de competição correspondente e restritiva;
 4) a ideologia dominante enfatiza os benefícios da regulação dos negócios, da cooperação capital-trabalho e da competição "civilizada".

Em contraste, a estrutura institucional liberal tem as seguintes características principais:
1) há apenas limitada regulação estatal da economia, dos negócios e das finanças;
2) o capital, incluindo o grande capital, esforça-se por dominar completamente o trabalho no local de trabalho;
3) grandes corporações empenham-se em competição sem restrições, implacável; e 4) uma ideologia de mercado livre, ou liberal clássica, é dominante, a qual vê o estado como um inimigo da liberdade e da eficiência e louva as virtudes da competição irrestrita. [7]



O neoliberalismo, que ascendeu cerca de 1980, deu lugar a estruturas institucionais liberais nos EUA, Reino Unido e muitos países (embora não todos) e também ao nível global em que as principais instituições económicas começaram a seguir o modelo neoliberal. A crise económica que começou em 2007-07 emergiu inicialmente nos EUA e emergiu das instituições neoliberais nos EUA e nas economias globais.



Um exame do processo que levou à crise actual mostra porque, e como, uma estrutura institucional liberal tende finalmente a produzir uma severa crise estrutural de acumulação. [8] O nosso exame centrar-se-á sobre a economia dos EUA, onde teve origem a crise actual.
O capitalismo neoliberal nos EUA deu lugar a três desenvolvimentos que levaram à crise actual:
1) crescente desigualdade entre salários e lucros e entre famílias;
2) uma série de grandes bolhas de activos; 
3) um sector financeiro que se tornou cada vez mais absorvido em actividades especulativas e de risco.



A desigualdade cresceu rapidamente na era neoliberal, aumentando a um ritmo acelerado quando a estrutura neoliberal atingiu a maturidade no último ciclo de negócios completo da era neoliberal, de 2000 a 2007. De 1979 a 2007 os rendimentos horários reais médios de trabalhadores em funções não supervisórias declinou ligeiramente, em 1,1%, ao passo que a produção por hora cresceu em 69,8%, indicando que a totalidade do ganho de produtividade ao longo do período foi para o capital. Em meados dos anos 2000 o grau de desigualdade entre famílias havia atingido um nível nunca visto desde 1929 (Kotz, 2009a).



O aumento rápido da desigualdade tende a criar um problema de realização — isto é, uma insuficiência de procura agregada em relação ao produto. A ascensão de lucros estimula a acumulação rápida e o crescimento do produto, mas os salários estagnados ou em queda limitam o crescimento da procura. O aumento da concentração do rendimento no topo extrema limita o crescimento da procura, uma vez que os muito ricos não gastam uma grande fatia do seu vasto rendimento com o consumo.



Contudo, a estrutura institucional neoliberal tem características que adiam a realização da crise. Os lucros em crescimento rápido estimulam a elevação rápida de negócios de investimento, os quais constituem uma parte da procura pelo produto. Isto pode perpetuar uma expansão por algum tempo, mas se isto for o único mecanismo a operar para resolver o problema da realização, verificar-se-á rapidamente um desequilíbrio pois os meios de produção cresceriam demasiado rapidamente em relação ao produto. A estrutura institucional neoliberal produziu grandes bolhas de activos, as quais provocaram uma resolução muito mais demorada do problema da realização.



Uma bolha de activos é uma ascensão auto-perpetuadora do seu preço que resulta da expectativa de aumentos futuros no preço do mesmo. Exemplo: se investidores financeiros esperarem que o preço do imobiliário ascenda rapidamente no futuro próximo, eles terão um incentivo para comprar imobiliário a fim de obter ganhos de capital com a ascensão de preços. Isto pode tornar-se um processo auto-sustentador se os lucros ganhos pelos investidores com a ascensão do preço do activo atraírem cada vez mais investidores, cujas compras por sua vez fazem que o preço do activo continue a ascender. Cada uma das expansões económicas longas da era neoliberal nos EUA assistiu a uma grande bolha de activos, no imobiliário comercial do Sudoeste na década de 1980, no mercado de acções na de 1990 e no sector habitacional nos anos 2000.



Houve três expansões económicas longas nos EUA da era neoliberal: em 1982-90, 1991-2000 e 2001-2007. Uma bolha de activos pode prolongar uma expansão ao retardar a percepção de que a crise tende a resultar do aumento da desigualdade. Assim o faz pelo aumento da riqueza de papel daqueles que possuem o activo que passa pelo processo de bolha. O aumento da riqueza de papel leva o consumidor a gastar esse crescimento em relação ao rendimento.



O rácio entre as despesas do consumido e o rendimento após impostos tendeu a descer desde 1960 a meados dos anos 1980. A seguir o rácio tendeu a subir agudamente desde meados dos anos 1080, quando começou a recuperação do deprimido princípio da década de 1980, até 2005. A primeira bolha da era neoliberal que foi suficientemente grande para afectar claramente a economia dos EUA como um todo foi a bolha do mercado de acções dos anos 1990. Após 1992 o rácio dos gastos do consumidor em relação ao rendimento subiu drasticamente, atingindo 93,8% em 1999 quando era de 89,1% em 1992. Quando a bolha habitacional começou após 2002, o rácio subiu outra vez, dos 93,9% em 2002 para 95,9% no seu pico em 2005. [9] Ao longo de umas duas décadas de neoliberalismo, este rácio subiu em quase dez pontos percentuais, principiando em 1984 com 86,0% do rendimento. Em relação ao PIB, os gastos do consumidor ascenderam de uns baixos 62,0% em 1981 para 70,5% do PIB em 2008. [10]

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Contudo, a elevação dos gastos do consumidor em relação ao rendimento familiar, se bem que adiando a realização da crise, tornou pior a crise final. As empresas respondem a um longo período de ascensão nos gastos do consumidor investindo fortemente em capital fixo para aumentar a sua capacidade produtiva. Além disso, uma bolha gigante gera expectativas optimistas acerca de lucros futuros do investimento real, as quais tendem a estimular um aumento no investimento e portanto no volume de capacidade produtiva. Uma vez estourada a bolha — como todas as bolhas de activos acabam por fazer — a despesa do consumidor cai para uma relação mais normal em relação ao rendimento enquanto as expectativas de lucros simultaneamente entram em colapso. O declínio súbito na procura do consumidor e de investimento revela uma grande quantidade de excesso de capacidade que não era aparente enquanto a bolha ainda estava a inchar. Isto pode deprimir o incentivo para investir por um longo período de tempo, acarretando uma severa e duradoura crise de sobre-investimento.



Quando a bolha do mercado de acções estado-unidense estourou em 2000, o investimento fixo das empresas caiu em 13,0% ao longo dos dois anos seguintes. Contudo, naquele momento foi evitada uma severa crise de sobre-investimento com a emergência em 2002 de outra bolha, desta vez ainda mais maciça, na habitação. Após 2002 o investimento fixo dos negócios recuperou, elevando-se em 29,1% durante 2002-2007. A bolha habitacional começou a entrar em colapso em 2007. No segundo semestre de 2008 os gastos do consumidor caíram rapidamente, a uma taxa anual de mais de 3%. O investimento fixo das empresas começou a cair muito rapidamente no quarto trimestre de 2008 e no terceiro trimestre de 2008 havia caído 20,2% em relação ao seu pico no segundo trimestre de 2008.



O sector financeiro, especulativo e propenso ao risco, é o terceiro desenvolvimento que desempenhou um papel chave na crise actual, somando-se ao aumento da desigualdade e às grandes bolhas de activos. Como toda a gente sabe, o sector financeiro estado-unidense empenhou-se numa orgia de actividade especulativa nos anos 2000, grande parte dela relacionada com o sector habitacional. Enquanto a bolha habitacional continuou a inchar, isto contribuiu para a expansão económica. Ao proporcionar um enorme volume de empréstimos hipotecários aos proprietários de casas existentes, incluindo proprietários com uma fraca classificação de crédito, o sector financeiro tornou possível a expansão rápida do gasto do consumidor baseada na elevação dos valores dos lares das pessoas. [11] Se o único meio para que os proprietários das casas pudessem gastar algo do valor em ascensão rápida das suas casas tivesse sido vender a casa, a bolha habitacional podia não ter continuado. Portanto, a concessão de empréstimos especulativos do sector financeiro tornou possível à bolha continuar a inchar enquanto permitia também que o valor em ascensão da habitação estimulasse a ascensão do gasto do consumidor.



Contudo, o resultado deste processo foi um sector financeiro cada vez mais frágil. Não só o sector financeiro estado-unidense criou milhões de milhões de dólares de maus activos cujo valor acabou por entrar em colapso como também tomou emprestados cada vez mais fundos para prosseguir as suas actividades especulativas altamente lucrativas. A figura 2 mostra a dívida total de cada um dos três principais sectores privados da economia dos Estados Unidos. A dívida do sector dos negócios não financeiros subiu apenas modestamente na era neoliberal. A dívida do sector habitacional cresceu rapidamente após o princípio dos anos 1980 e a um ritmo acelerado após 2000. De 1980 a 2008 o rácio da dívida habitacional em relação ao PIB quase duplicou. Em 2008 a dívida das famílias tornara-se insustentável na ausência de uma bolha habitacional contínua, a qual permitia às famílias continuarem a retirar liquidez das suas casas para permanecerem à tona. Contudo, durante aquele mesmo período, de 1980 a 2008, a dívida do sector financeiro cresceu quase seis vezes.

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Portanto, o sector financeiro especulativo e propenso ao risco estava preparado para um colapso em 2008. Um colapso do sector financeiro torna uma crise económica mais severa e mais difícil ao controle do estado. É este aspecto da crise actual que tem recebido a maior parte da cobertura nos mass media e é um factor importante para a explicação da sua severidade. Contudo, este é apenas um dos factores importantes. Todos os três desenvolvimentos — desigualdade crescente, uma série de grandes bolhas de activos e um sector financeiro especulativo e propenso ao risco — actuaram em conjunto para produzir o arranque do que parece como uma severa crise estrutural de acumulação em 2007-08. A causa fundamental é uma crise bolha-de-activos-induzida-pelo-sobre-investimento agravada por uma crise financeira severa.



Estes três desenvolvimentos — ascensão da desigualdade, grandes bolhas de activos e um sector financeiro especulativo e propenso ao risco — não são características inerentes do capitalismo-em-geral. Por exemplo: nos EUA durante o período da ESA regulada em 1948-73, os salários subiram a aproximadamente a mesma taxa da produtividade do trabalho, ao passo que a distribuição do rendimento familiar tornou-se ligeiramente menos desigual (Kotz, 2009). Durante aquele período não houve bolhas de activos e as principais instituições financeiras empenhavam-se principalmente nas actividades financeiras tradicionais de efectuar e manter empréstimos, vender acções e títulos e oferecer segurança convencional. Não houve grandes falências bancárias ou pânicos financeiros naquele período.



Estes três desenvolvimentos são características da forma institucional liberal do capitalismo. A fraca posição negocial do trabalho numa forma liberal de capitalismo tende a provocar estagnação ou queda salarial enquanto os lucros ascendem rapidamente. A limitada intervenção do estado no mercado permite aos fortes arrebatarem, e manterem, uma fatia crescente do produto social.



Uma estrutura institucional liberal dá lugar a grandes bolhas de activos, por duas razões. Primeiro, o aumento da desigualdade leva a que os lucros, e o rendimento das famílias ricas, excedam as oportunidades disponíveis de investimento produtivo lucrativo. Portanto, algo daquele rendimento encontra o seu caminho na compra de activos tais como acções corporativas ou no imobiliário, o que inicia uma bolha de activos. Segundo, as instituições financeiras desreguladas numa estrutura institucional liberal são livres para efectuarem os empréstimos especulativos sem os quais uma bolha de activos não pode continuar a crescer.



O terceiro desenvolvimento que surge na era neoliberal — um sector financeiro que busca actividades especulativas e de risco — resultou primariamente da desregulamentação financeira. Uma vez que as instituições financeiras são livre para buscar lucros máximos sem supervisão ou regulação, elas buscarão tais actividades arriscadas, as quais prometem uma taxa de lucro muito mais elevadas do que as funções financeiras tradicionais e triviais. Pelo menos, isto é assim enquanto as grandes bolhas de activos perdurem e antes que os investimentos arriscados se revelem maus.

4. Os frenéticos anos 1920, a ESA do pós-guerra e a era neoliberal

De acordo com a visão convencional encontrada na literatura ESA, os anos 1920 tinha uma ESA que teve origem nos anos 1890. Aquela ESA era caracterizada pelo monopólio de poder e significativa regulação estatal dos negócios (Gordon et al, 1982, ch 4; Kotz, 1987). Contudo, após a I Guerra Mundial houve grandes mudanças no capitalismo estado-unidense. As novas agências regulatórias do estado que haviam aparecido durante a Era Progressiva de 1900-16 foram capturadas pelos negócios e/ou cessaram de exercer qualquer supervisão. Os limitados movimentos dos grandes negócios rumo a uma relação cooperante com os sindicatos na Era Progressiva deram lugar a um assalto ao trabalho, iniciado pela ruptura de uma grande greve na indústria do aço em 1919. Em meados da década de 1920 o movimento dos trabalhadores estava em declínio pronunciado. O padrão de preços cooperativos estabelecido por J.P. Morgan e outros capitalistas financeiros após os anos 1890 enfraqueceram, quando a Wall Street perdeu poder para novos centros de finanças no Meio Oeste e no Oeste e quando emergiram novas indústrias (tais como automóveis) que estavam fora do controle da Wall Street (Kotz, 1978, ch. 3). Uma ideologia extremamente individualista tornou-se dominante. Os EUA da década de 1920 ajustavam-se estreitamente às características de uma estrutura institucional liberal.



Os anos 1920 nos EUA também assistiram aos mesmos três desenvolvimentos que surgiram na era neoliberal. A desigualdade cresceu drasticamente, quando os salários ficaram atrás do crescimento da produtividade e o rendimento familiar concentrou-se no topo. De 1920 a 1929 os salários horários reais na indústria manufactureira ascenderam 19,3% ao passo que o produto por hora de trabalho na manufactura ascendeu 62,6%. [12] A fatia do rendimento após impostos indo para os 1% do topo ascendeu de 11,8% em 1920 para 19,1% em 1928. Emergiram grandes bolhas de activos, no imobiliário da Florida em meados dos anos 1920 seguida pela bolha gigante no mercado estado-unidense de títulos no fim dos anos 1920. O sector financeiro tornou-se cada vez mais envolvido em actividades especulativas e arriscadas. Se bem que isto tenha começado com instituições financeiras de média dimensão, no fim dos anos 1920 os maiores bancos tradicionais estavam voltados para isso (Kotz, 1978, ch. 3).



A Grande Depressão foi desencadeada pelo colapso da bolha de títulos no fim de 1929. Isto foi seguido por um declínio rápido no consumo e no investimento, levando finalmente, em 1933, a um colapso completo do sistema bancário. Como foi observado acima, o investimento permaneceu deprimido durante uma década a seguir a 1929. Enquanto os conservadores atribuem a culpa disto ao temor dos negócios com as reformas do New Deal, pode-se argumentar que isto é explicado por uma severa crise de sobre-investimento induzida pelas grandes bolhas de activos da década de 1920. A combinação da bolha que induziu o sobre-investimento e de uma crise financeira é bastante semelhante às condições de hoje. [13] Portanto, os antecedentes históricos da crise actual, juntamente com a da Grande Depressão, dão apoio à visão de que uma forma institucional liberal de capitalismo cria condições que tendem finalmente a desencadear uma severa crise estrutural de acumulação.



As crises estruturais mais suaves e mais curtas que se seguiram ao colapso da forma de capitalismo regulado do pós II Guerra Mundial podem ser explicadas pelas diferentes tendências dominantes de crise em tal forma de capitalismo. Sob o capitalismo regulado, o trabalho tende a ter um poder significativo de negociação. Em consequência, as expansões económicas tendem a iniciar um tipo de crise de compressão do lucro, pois o exército de reserva em declínio leva à ascensão de salários suficientemente rápida para comprimir lucros (Kotz, 2009b; Wolfson e Kotz, 2010). Um estudo (Kotz 2009b) descobriu que toda recessão de ciclo de negócios do período 1948-73 foi provocada tendência de crise de compressão do lucro. [14]



As análises ESA mais comuns da crise estrutural dos anos 1970 vêem um factor chave na emergência daquela crise como sendo uma espécie versão da tendência à compra do lucro a longo prazo (Bowles et al., 1990, parte II). De acordo com este argumento, ao longo do período de capitalismo regulado, havia um aumento a longo prazo na força relativa do trabalho, bem como de outros grupos, em relação aos capitalistas dos EUA. Finalmente isto levou a um conjunto de conflitos agudos entre capitalistas e trabalho (e outros grupos tais como fornecedores de matérias-primas do terceiro mundo) que desestabilizaram a ESA capitalista regulada e o processo de acumulação que havia apoiado.



Por que as crises estruturais resultantes foram menos severas do que a Grande Depressão? Se a causa subjacente da crise foi o acrescido poder negocial do trabalho e outros grupos populares, aquele "problema" podia ser resolvidos por uns poucos anos de muito alto desemprego e punição económica politicamente induzidos no princípio dos anos 1980. A reestruturação neoliberal — a qual foi cumprida de modo relativamente rápido pela reafirmação do poder do capital, pelo desmantelamento da regulação estatal dos negócios e por um corte drástico em programas sociais — serviu para resolver a crise do capitalismo regulado.



Além disso, há uma diferença na capacidade administrativa do estado no fim dos dois tipos de estrutura institucional do capitalismo. Quando o capitalismo regulado entra numa crise, o estado tem experiência recente na administração da economia, a qual facilitar a resolução da crise. Contudo, quando o capitalismo liberal entra numa crise, o estado atravessou um longo período de esvaziamento e tem pouca capacidade para a administração efectiva da economia. Apesar dos programas arrojados da administração Roosevelt, a economia dos EUA não emergiu plenamente da Grande Depressão rumo a um novo caminho de acumulação vigorosa até após a II Guerra Mundial, uns quinze anos após 1929. Na crise actual temos testemunhado as dificuldades experimentadas pela administração Obama devido à falta de experiência recente, e ao compromisso para, de administração estatal activa da economia. O programa de estímulo económico de Fevereiro de 2009 foi concebido para criar ou salvar apenas 1,6 milhão de empregos, a comparar com os 15 milhões que estavam oficialmente desempregados no fim de 2009, e a sua implementação foi muito lenta. [15]



5). Comentários conclusivos



Tanto as considerações teóricas como a evidência histórica apoiam a visão de que uma forma liberal de capitalismo tende finalmente a causar uma severa crise estrutural de acumulação, ao passo que a forma regulada de capitalismo encontra no fim uma crise estrutural mais suave. Isto tem graves implicações.



Primeiro, há uma implicação para a teoria marxista. A análise acima sugere que é necessário ir para além da análise do capitalismo em geral, ou simplesmente suplementar tal análise com o acréscimo ad hoc de desenvolvimentos históricos particulares ou políticas de estado. Os marxistas deveriam procurar analisar sistematicamente as formas institucionais particulares de capitalismo que surgem na história para determinar as suas propriedades e tendências. Parece haver alguma relutância em assim fazer, talvez como resultado de uma preocupação em que focar a forma institucional particular de capitalismo desviará atenção dos males do próprio capitalismo e da necessidade de substituí-lo totalmente. Uma tal preocupação não tem lugar de ser. Para sermos eficazes no entendimento e desafio ao capitalismo devemos analisar as suas características particulares institucionais no tempo e lugar actual.



Segundo, a análise acima coloca um paradoxo para a transição ao socialismo. Um longo período de capitalismo regulado tende a fortalecer a classe trabalhadora. O levantamento radical à escala mundial do fim da década de 1960 ocorreu após vinte anos de capitalismo regulado. Contudo, o capitalismo regulado também tende a provocar uma ascensão do padrão de vida e expansão de serviços públicos para a classe trabalhadora, o que torna menos provável o desafio com êxito ao capitalismo. A estas considerações a análise acima acrescenta o argumento de que a crise de acumulação final do capitalismo regulado tende a ser relativamente branda, o que mais uma vez reduz a probabilidade de uma transição para o socialismo.



Em contraste, um longo período de capitalismo liberal tende a enfraquecer a classe trabalhadora e os movimentos radicais. Temos observado isto na era neoliberal e uma tendência semelhante verificou-se nos EUA na década de 1920. Se uma forma liberal de capitalismo tende finalmente a provocar uma severa crise económica, ele entra naquela crise com o movimento da classe operária e o movimento radical fracos e divididos. Portanto, o potencial que pode surgir para estar presente naquela severa crise estrutural que se segue a um período de capitalismo liberal a fim de promover uma transição para o socialismo incide no problema de que pode não haver um agente de tal transformação que esteja pronto para promovê-la.



Contudo, contra as considerações acima deve ser ponderada a conclusão de que crises estruturais que se seguem a uma forma institucional liberal de capitalismo provavelmente não serão fácil ou rapidamente resolvidas. Se a crise actual continuar por algum tempo, os efeitos desmobilizadores do neoliberalismo podem ser substituídos pelos efeitos radicalizantes de uma crise económica prolongada e severa. Na parte inicial da Grande Depressão nos EUA houve alguns protestos, mas o período de grande efervescência trabalhista e radical foi 1934-39. Embora qualquer analogia histórica seja altamente imperfeita, estamos agora num tempo análogo a 1930-31 — isto é, os primeiros um ou dois anos da actual crise estrutural.



Os principais estados capitalistas parecem neste momento estar a tentar ressuscitar o capitalismo neoliberal, mas a análise apresentada aqui sugere que neste momento ele não pode ser ressuscitado como uma base viável para acumulação capitalista renovada. Um novo estado de capitalismo regulado poderia constituir a base para a acumulação renovada, mas exigiria um período de tempo extenso construir uma tal nova forma de capitalismo. Esta crise apresenta uma oportunidade, a qual pode perdurar por alguns anos, para a esquerda organizar uma alternativa real ao capitalismo.



Referências

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Greenspan, Alan, and Kennedy, James. 2007. Sources and Uses of Equity Extracted from Homes. Federal Reserve Board Finance and Economics Discussion Series No. 2007 20. Available at www.federalreserve.gov/pubs/feds/2007/200720/200720pap.pdf .

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____________. 2003b. “Neoliberalism and the U.S. Economic Expansion of the 1990s,” Monthly Review, 54:3, April, 15-33.

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Notas:

1. Ver Sweezy (1970, cap. 11) para uma revisão das teorias marxistas da ruptura.

2. A História mostra que uma viragem para o fascismo também é um resultado possível de uma severa crise económica.

3. As características definidoras do capitalismo são, em suma, a produção mercantil e a relação de trabalho assalariado.

4. Os dados apresentados neste documento sobre PIB, investimento de empresas, desemprego, taxas de juro, salários, produtividade do trabalho e desigualdade de rendimento são, a menos que indicado em contrário, das seguintes fontes: Economic Report of the President 1967; U.S. Bureau of Economic Analysis, 2009; U.S. Bureau of Labor Statistics, 2009; U.S. Bureau of the Census, 1960; and U.S. Federal Reserve System, 2009a and 2009b.

5. Desde o princípio da crise financeira até 1 de Abril de 2009, o governo federal comprometeu com o sector financeiro US$7,7 milhões de milhões como investidor, US$2,3 milhões de milhões como prestamista e US$2,1 milhões de milhões para garantir a dívida do sector financeiro. Dos US$12,1 milhões de milhões comprometidos, US$2,5 milhões de milhões haviam sido gastos até 1 de Abril ( The New York Times, 2009).

6. Durante a desmobilização e reajustamento económico pós II Guerra Mundial, em 1945, o emprego caiu em 10,1%.

7. Nenhuma destas característica de uma ESA liberal impede os grandes negócios de aproveitar oportunidades para fazer lucros através das suas relações com o estado ou de procurar e obter poder monopolista em mercados.

8. Esta análise é retirada de Kotz (2009a), a qual proporciona exame pormenorizado das raízes da crise actual.

9. A elevação dos gastos dos consumidores em 2005 para 95,9% do rendimento disponível não implicava que a poupança pessoal fosse quase 4% do rendimento, uma vez que parte do rendimento disponível vai para o pagamento de juros e pagamentos de transferência. Naquele ano a taxa de poupança pessoal caiu para apenas 0,4% do rendimento.

10. Ver Kotz (2003b and 2008) para uma análise pormenorizada dos efeitos de bolhas sobre gastos do consumidor e procura agregada nas décadas de 1980 e 2000.

11. No período 2004-06 as famílias dos EUA tomaram emprestado contra os seus lares uma quantia que rondava os 9,5% do rendimento pessoal disponível (Greenspan and Kennedy, 2007).

12. Calculado do U.S. Bureau of the Census, 1960, pp. 92, 126, 600. Os salários nominal estavam estagnados mas os preços caíram ao longo da década.

13. Uma diferença pouco percebida entre a década de 1930 e os dias de hoje é que na crise actual o sistema financeiro se aproximou da insolvência bem antes do início da crise económica, ao passo que nos anos 1930 o colapso financeiro, que aconteceu na Primavera de 1933, seguiu-se a três anos e meio de declínio no sector real.

14. Por contraste, no período de expansão nas décadas de 1980, 1990 e 2000, o salários reais não subiram suficientemente rápido para comprimir lucros (Kotz, 2009b, suplementado com dados actualizados).

15. Por contraste, o estado chinês, o qual tem presidido um sistema que permaneceu fortemente regulado pelo estado ao longo da era neoliberal, foi capaz de aplicar um programa de estímulo relativamente muito mais amplo o qual teve efeito quase imediatamente e restaurou o crescimento económico rápido, embora fizesse isso promovendo investimento para um nível que pode ser insustentável.




quarta-feira, agosto 29, 2012

Sinival Osorio Pitaguari - Economia Marxista - o Capitalismo e suas Crises

Economia Marxista - o Capitalismo e suas Crises

Juan José Millás -. Um canhão pelo cu


‎"Um canhão pelo cu" é o título de um texto de Juan José Millás publicado na semana passada no El País e que se tornou viral. O suplemento Dinheiro Vivo ( do DN e JN) publica hoje a sua tradução que, com a devida vénia, aqui republico.
Aviso: contém linguagem que pode ser considerada ofensiva.
- Um canhão pelo cu

«Se percebemos bem - e não é fácil, porque somos um bocado tontos -, a economia financeira é a economia real do senhor feudal sobre o servo, do amo sobre o escravo, da metrópole sobre a colónia, do capitalista manchesteriano sobre o trabalhador explorado. A economia financeira é o inimigo da classe da economia real, com a qual brinca como um porco ocidental com corpo de criança num bordel asiático.

Esse porco filho da puta pode, por exemplo, fazer com que a tua produção de trigo se valorize ou desvalorize dois anos antes de sequer ser semeada. Na verdade, pode comprar-te, sem que tu saibas da operação, uma colheita inexistente e vendê-la a um terceiro, que a venderá a um quarto e este a um quinto, e pode conseguir, de acordo com os seus interesses, que durante esse processo delirante o preço desse trigo quimérico dispare ou se afunde sem que tu ganhes mais caso suba, apesar de te deixar na merda se descer.

Se o preço baixar demasiado, talvez não te compense semear, mas ficarás endividado sem ter o que comer ou beber para o resto da tua vida e podes até ser preso ou condenado à forca por isso, dependendo da região geográfica em que estejas - e não há nenhuma segura. É disso que trata a economia financeira.

Para exemplificar, estamos a falar da colheita de um indivíduo, mas o que o porco filho da puta compra geralmente é um país inteiro e ao preço da chuva, um país com todos os cidadãos dentro, digamos que com gente real que se levanta realmente às seis da manhã e se deita à meia-noite. Um país que, da perspetiva do terrorista financeiro, não é mais do que um jogo de tabuleiro no qual um conjunto de bonecos Playmobil andam de um lado para o outro como se movem os peões no Jogo da Glória.

A primeira operação do terrorista financeiro sobre a sua vítima é a do terrorista convencional: o tiro na nuca. Ou seja, retira-lhe todo o caráter de pessoa, coisifica-a. Uma vez convertida em coisa, pouco importa se tem filhos ou pais, se acordou com febre, se está a divorciar-se ou se não dormiu porque está a preparar-se para uma competição. Nada disso conta para a economia financeira ou para o terrorista económico que acaba de pôr o dedo sobre o mapa, sobre um país - este, por acaso -, e diz "compro" ou "vendo" com a impunidade com que se joga Monopólio e se compra ou vende propriedades imobiliárias a fingir.

Quando o terrorista financeiro compra ou vende, converte em irreal o trabalho genuíno dos milhares ou milhões de pessoas que antes de irem trabalhar deixaram na creche pública - onde estas ainda existem - os filhos, também eles produto de consumo desse exército de cabrões protegidos pelos governos de meio mundo mas sobreprotegidos, desde logo, por essa coisa a que chamamos Europa ou União Europeia ou, mais simplesmente, Alemanha, para cujos cofres estão a ser desviados neste preciso momento, enquanto lê estas linhas, milhares de milhões de euros que estavam nos nossos cofres.

E não são desviados num movimento racional, justo ou legítimo, são-no num movimento especulativo promovido por Merkel com a cumplicidade de todos os governos da chamada zona euro.

Tu e eu, com a nossa febre, os nossos filhos sem creche ou sem trabalho, o nosso pai doente e sem ajudas, com os nossos sofrimentos morais ou as nossas alegrias sentimentais, tu e eu já fomos coisificados por Draghi, por Lagarde, por Merkel, já não temos as qualidades humanas que nos tornam dignos da empatia dos nossos semelhantes. Somos simples mercadoria que pode ser expulsa do lar de idosos, do hospital, da escola pública, tornámo-nos algo desprezível, como esse pobre tipo a quem o terrorista, por antonomásia, está prestes a dar um tiro na nuca em nome de Deus ou da pátria.

A ti e a mim, estão a pôr nos carris do comboio uma bomba diária chamada prémio de risco, por exemplo, ou juros a sete anos, em nome da economia financeira. Avançamos com ruturas diárias, massacres diários, e há autores materiais desses atentados e responsáveis intelectuais dessas ações terroristas que passam impunes entre outras razões porque os terroristas vão a eleições e até ganham, e porque há atrás deles importantes grupos mediáticos que legitimam os movimentos especulativos de que somos vítimas.

A economia financeira, se começamos a perceber, significa que quem te comprou aquela colheita inexistente era um cabrão com os documentos certos. Terias tu liberdade para não vender? De forma alguma. Tê-la-ia comprado ao teu vizinho ou ao vizinho deste. A atividade principal da economia financeira consiste em alterar o preço das coisas, crime proibido quando acontece em pequena escala, mas encorajado pelas autoridades quando os valores são tamanhos que transbordam dos gráficos.

Aqui se modifica o preço das nossas vidas todos os dias sem que ninguém resolva o problema, ou mais, enviando as autoridades para cima de quem tenta fazê-lo. E, por Deus, as autoridades empenham-se a fundo para proteger esse filho da puta que te vendeu, recorrendo a um esquema legalmente permitido, um produto financeiro, ou seja, um objeto irreal no qual tu investiste, na melhor das hipóteses, toda a poupança real da tua vida. Vendeu fumaça, o grande porco, apoiado pelas leis do Estado que são as leis da economia financeira, já que estão ao seu serviço.

Na economia real, para que uma alface nasça, há que semeá-la e cuidar dela e dar-lhe o tempo necessário para se desenvolver. Depois, há que a colher, claro, e embalar e distribuir e faturar a 30, 60 ou 90 dias. Uma quantidade imensa de tempo e de energia para obter uns cêntimos que terás de dividir com o Estado, através dos impostos, para pagar os serviços comuns que agora nos são retirados porque a economia financeira tropeçou e há que tirá-la do buraco. A economia financeira não se contenta com a mais-valia do capitalismo clássico, precisa também do nosso sangue e está nele, por isso brinca com a nossa saúde pública e com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma que um terrorista doentio, passo a redundância, brinca enfiando o cano da sua pistola no rabo do sequestrado.

Há já quatro anos que nos metem esse cano pelo rabo. E com a cumplicidade dos nossos.»

| Juan José Millás
| Via: Patrícia Fonseca / Blogkiosk
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Estados Unidos - A crise de 1929


    O início
Editora Ática


A partir de 1929, grande parte do mundo sofreu uma grave crise econômica. A produção industrial e o nível de emprego foram reduzidos, prejudicando um número incalculável de trabalhadores.

Essa crise teve início nos Estados Unidos, que, durante a Primeira Guerra Mundial, haviam enriquecido muito. O otimismo reinante no país naquela época fez com que a possibilidade de uma crise fosse ignorada. Milhões de pessoas foram surpreendidas quando ela ocorreu, e seus efeitos foram sentidos por mais de uma década.

Até a Primeira Guerra Mundial, a maior parte do mundo era abastecida por produtos industrializados vindos da Europa, principalmente da Inglaterra. Naquela época, as fábricas dos Estados Unidos produziam para o mercado interno e para outros países da América.

Durante a guerra, as empresas estadunidenses passaram a vender para antigos clientes dos europeus. Para aumentar a produção, os industriais fizeram investimentos por meio de empréstimos bancários, ou com o lançamento de ações (ver boxe Como funciona o mercado de ações).

Esse movimento foi acompanhado por empresas de outros países, levando a um aumento da capacidade de produção mundial. Investir no parque industrial nesse período tornou-se um negócio extremamente lucrativo nos EUA, pois a concorrência havia enfraquecido no mercado internacional. Porém, ao final do conflito, as firmas europeias se reconstituíram aos poucos, buscando retomar seus antigos mercados.

Mesmo assim, as companhias estadunidenses não paravam de crescer. E elas dependiam de mercados externos para vender sua produção.

Nos EUA, a renda dos trabalhadores era insuficiente para absorver tudo o que saía das fábricas. Os operários recebiam baixos salários, o que os impedia de comprar a maior parte das mercadorias que produziam.

VOCABULÁRIO

Grande Depressão: Nome dado ao período que sucedeu à crise de 1929 e que compreende, principalmente, a década de 1930. Foi marcado pelo desemprego e pela crise econômica.

Mercado interno: O mercado interno é constituído por empresas, consumidores e governos que se relacionam economicamente
– comprando e vendendo produtos diversos e serviços – dentro das fronteiras do país.

Demanda: Ação de procurar alguma coisa; qualquer bem ou serviço procurado no mercado por determinado preço e em determinado momento.

Superprodução: Produção de uma quantidade de mercadorias muito superior à demanda.
O crack da Bolsa de Nova York

Na década de 1920, a procura por produtos industrializados estadunidenses no mundo todo foi caindo à medida que aumentava a procura por mercadorias europeias. Mas as companhias estadunidenses continuaram a trabalhar a plena carga. Em circunstâncias assim, sem demanda, os estoques aumentam e pode haver uma crise de superprodução.

Finalmente, as empresas que tinham acumulado enormes estoques tiveram de parar ou reduzir a produção. O valor de suas ações mostrou os primeiros sinais de enfraquecimento nas Bolsas de Valores, após um longo processo de valorização. Enquanto as Bolsas promoviam grandes lucros, um número cada vez maior de cidadãos aplicava seu dinheiro em ações.

Os preços subiam sem parar; os lucros da valorização atraíam mais e mais gente. E assim por diante.

Os bancos engrossaram esse movimento, na medida em que passaram a emprestar dinheiro para quem queria comprar ações. Eles aceitavam como garantia as próprias ações adquiridas pelos clientes, que mais adiante pagariam por isso.

Chegou o momento, porém, em que muitas empresas começaram a ter dificuldade de vender seus produtos. Com isso, caiu o preço de suas ações. Quem possuía ações de empresas em dificuldades passou a vendê-las. Em 1929, o número de pessoas que queria vender ações era cada vez maior. 

No dia 24 de outubro de 1929, a pressão para vender ações foi intensa na Bolsa de Valores de Nova York. Sem compradores, os preços dos títulos despencaram a ponto de os administradores da Bolsa terem de fechar as portas para evitar um desastre maior.

Crianças carregam cartazes em manifestação de trabalhadores durante 
a Grande Depressão, em St. Paul, Minnesota, EUA, 1937. No cartaz 
que o menino segura lê-se: Por que você não dá um emprego a 
meu pai?
Riqueza e pobreza

Até a Primeira Guerra Mundial, a maior parte do mundo era abastecida por produtos industrializados vindos da Europa, principalmente da Inglaterra. Naquela época, as fábricas dos Estados Unidos produziam para o mercado interno e para outros países da América.

Durante a guerra, as empresas estadunidenses passaram a vender para antigos clientes dos europeus. Para aumentar a produção, os industriais fizeram investimentos por meio de empréstimos bancários, ou com o lançamento de ações (ver boxe Como funciona o mercado de ações).

Esse movimento foi acompanhado por empresas de outros países, levando a um aumento da capacidade de produção mundial. Investir no parque industrial nesse período tornou-se um negócio extremamente lucrativo nos EUA, pois a concorrência havia enfraquecido no mercado internacional. Porém, ao final do conflito, as firmas europeias se reconstituíram aos poucos, buscando retomar seus antigos mercados. Mesmo assim, as companhias estadunidenses não paravam de crescer.
E elas dependiam de mercados externos para vender sua produção.

Nos EUA, a renda dos trabalhadores era insuficiente para absorver tudo o que saía das fábricas. Os operários recebiam baixos salários, o que os impedia de comprar a maior parte das mercadorias que produziam.

Em setembro de 2004, Nova York, centenas de pessoas participaram 
de uma manifestação contra o aumento do desemprego nos EUA. Na 
foto, manifestantes exibem pink slips (aviso de dispensa, que no Brasil é 
chamado bilhete azul), onde se lê: O próximo pink slip pode ser seu!
Fazendo um estudo comparativo entre a crise de 29 e a crise econômica atual somos levados a crer numa certa incapacidade dos americanos de lidar com o sucesso. Que eles são trabalhadores e muito criativos não dá para negar, mas falta-lhes, creio eu, o hábito da reflexão aprofundada, uma visão geral dos fenômenos econômicos e sociais, falta-lhes certa prudência, a partir das experiências anteriores, como acontece a europeus e asiáticos.

Enquanto as outras nações definham lentamente, dando lugar às novas forças hegemônicas, os americanos simplesmente desabam, criando um perigoso vácuo político econômico – a última vez em que isso ocorreu, o mundo acabou na mais sangrenta guerra mundial da história. Os elementos são parecidos: uma crença ingênua no liberalismo clássico, quase inexplicável depois de tudo que o já aconteceu, nas leis cegas de mercado e em um ciclo de prosperidade aparentemente interminável, embora a crise de atual tenha um agravante em relação à de 29: a crise atual pegou os americanos em meio a uma guerra longa e ainda indefinida, contra os inimigos de Israel. Espero que uma reflexão sobre 29 ajude a compreensão daquilo que está ocorrendo atualmente e, na medida do possível, tranquilize os angustiados e alerte aos responsáveis. 

COMO FUNCIONA O MERCADO DE AÇÕES

         O dono de uma fábrica de sapatos que produz mil pares por mês quer ampliar a produção para 50 mil pares por mês. Uma das formas de conseguir dinheiro para aumentar o capital da empresa é atrair sócios para o investimento, com a promessa de distribuição de parte dos lucros futuros. Para isso, o empresário poderá emitir ações e vendê-las aos interessados, levantando os recursos de que necessita.

         Uma ação é um documento representativo de uma parcela do capital da empresa. O empresário deste exemplo poderia lançar 1 milhão de ações ao preço unitário de 10 reais. Se vendesse todas, obteria 10 milhões de reais no mercado. Com esse dinheiro, teria condições de ampliar instalações, comprar novas máquinas, mais matéria-prima e aumentar o número de funcionários. Ele deixaria de ser o único dono do empreendimento, mas poderia conservar em seu poder uma quantidade de ações que lhe permitiria manter o controle da firma. 

         Realizada a emissão das ações, o empresário, se quiser, poderá cuidar apenas das operações da fábrica. Isso porque, depois do lançamento, as ações têm “vida própria” no mercado, onde normalmente são negociadas aos milhões diariamente. Os locais onde se realizam essas negociações chamam-se Bolsas de Valores. Aí os preços das ações sobem e descem de acordo com as expectatativas dos investidores quanto aos lucros futuros das empresas e suas possibilidades de crescimento.

         É comum o diretor de uma empresa ser convidado a assumir um cargo no governo. Quando isso acontece, as ações de sua empresa normalmente ficam mais caras. Não é necessário que a empresa lucre mais. O simples fato de os investidores imaginarem que isso possa ocorrer já eleva os preços das ações. Se um especulador fica sabendo disso antes dos outros investidores, compra diversas ações dessa empresa apenas para revendê-las alguns dias depois por preço mais alto.
A atual crise que assola o capitalismo tem sido comparada ao “crash” (quebra) de 1929, que iniciou uma longa depressão na economia mundial e teve efeitos catastróficos para a classe trabalhadora. O que aconteceu naqueles dias de outubro não foi apenas um pequeno abalo ou uma turbulência semelhante a várias outras crises capitalistas.

A crise de 1929 foi o maior desastre da história capitalismo no século 20 e representou uma devastação da economia mundial. Os resultados foram a pobreza generalizada das massas, uma drástica desvalorização e a aniquilação de capitais e mercadorias. O tombo, evidentemente, foi mais alto nos EUA, epicentro da crise e a maior economia global.

Os historiadores E. Hobsbawn e Paul Kennedy estimam que, entre 1929 e 1931, a produção norte-americana de automóveis caiu pela metade. A produção industrial dos EUA caiu em um terço no mesmo período. Entre 1929 e 1932, as exportações e importações (trigo, seda, borracha, chá, cobre, algodão, café etc.) despencaram em taxas de 70%. Em 1929, apenas nos EUA, 4,6 milhões de trabalhadores tinham perdido seus empregos. Em outubro de 1931, eram 7,8 milhões; em 1932, somavam 11,6 milhões; e em 1933 havia nos EUA 16 milhões de desempregados, 27% de toda força de trabalho do país.

A crise se expandiu para todo o sistema capitalista. O comércio mundial caiu 60%. Houve uma crise na produção básica de alimentos e matérias-primas devido à queda vertiginosa dos preços destes produtos. O Brasil tornou-se símbolo do desespero e da dramaticidade da crise, quando o governo queimou os estoques de café (principal produto de exportação do país) em locomotivas a vapor numa inútil tentativa de frear a queda dos preços do produto.

A Grande Depressão não teve efeitos catastróficos apenas para os trabalhadores norte-americanos. No pior período da depressão, entre 1932 e 1933, o desemprego chegou a níveis nunca vistos na história do capitalismo. Na Inglaterra, o índice chegava a 23%. Na Alemanha, a taxa de desemprego atingiu os espantosos 44%.

O desemprego em massa produziu cenas macabras como as enormes filas de sopas – conhecidas como Marchas da Fome – em bairros operários onde as fábricas estavam totalmente paradas. O drama dos trabalhadores também foi registrado pelo o olhar de artistas da época. É o caso do livro A Vinha da ira, do escritor norte-americano John Steinbeck, cuja história é de uma família pobre do estado de Oklahoma durante a Grande Depressão, que se vê obrigada a abandonar suas terras, perdidas por dívidas bancárias. Ou ainda, o filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, fabuloso registro da miséria daqueles tempos e uma rigorosa crítica da produção com base no sistema de linha de montagem e especialização do trabalho.


Estados Unidos, um gigante de pós-guerra
Prof. Eduardo Simóes, Rede Estadual de Ensino de São Paulo


Lincoln Memorial, monumento localizado em
Washington D.C., Estados Unidos, em homenagem
ao ex-presidente Abraham Lincoln
Não há como entender a quebra de 1929 sem compreender as contradições econômicas, sociais e políticas do mundo que emerge após a Primeira Guerra Mundial (1914-1919).

A guerra foi consequência de uma profunda transformação estrutural do capitalismo com o advento do imperialismo, grau superior do desenvolvimento capitalista.

As transformações econômicas dessa nova fase histórica do capitalismo são assim definidas por Lênin: 1) substituição da livre concorrência entre capitalistas pelos monopólios das grandes corporações; 2) exportação de capitais dos países imperialistas em escala global; 3) domínio absoluto do capital financeiro, a partir da fusão do capital bancário com o industrial.

Lênin afirmava que, no limiar do século 20, estava dada uma “situação monopolista de uns poucos países riquíssimos, nos quais a acumulação do capital tinha alcançado proporções gigantescas. Constitui-se um enorme ‘excedente de capital’ nos países avançados”. Daí a necessidade de que esse capital excedente fosse exportado em busca de uma colocação lucrativa. A possibilidade da exportação de capitais vinha do fato de existirem países onde “os capitais são escassos, o preço da terra e os salários relativamente baixos, e as matérias-primas baratas (...) já incorporados na circulação do capitalismo mundial”.

Como consequência, era preciso controlar o mercado mundial. Por isso as burguesias das principais potências imperialistas empenharam-se febrilmente na preparação da Primeira Guerra Mundial como forma de dividir e conquistar os mercados.

EUA: um gigante do pós-guerra 

A Primeira Guerra fez com que os EUA emergissem como a principal economia do planeta. As transações de produtos industriais e agrícolas se ampliaram com a abertura de créditos aos países aliados, seguidas pela concessão de empréstimos à Inglaterra, França e, posteriormente, Alemanha. A produção norte-americana deu um salto gigantesco em vários setores, destacando-se a indústria bélica, de material de campanha e alimentos. Os EUA se tornaram o maior credor do mundo e no final dos anos 1920, o país respondia por mais de 42% da produção industrial global. Enquanto isso, França, Inglaterra e Alemanha juntas detinham 28%.

O fim da guerra, porém, provocou uma pequena queda na economia norte-americana. Mas logo o crescimento econômico é retomado, quando a França e a Inglaterra (e posteriormente Alemanha) passam a saldar suas dívidas com os EUA. Esse período é marcado por grande entusiasmo e ficou conhecido como “Big Bussines”, ou grandes negócios, caracterizado por uma superprodução de mercadorias e um mercado em expansão.

Em 1924, a economia mundial parecia retomar o crescimento, embora o desemprego nos países da Europa continuasse muito alto, com 12% na Inglaterra e 18% na Alemanha. A superprodução foi característica de todo esse período, favorecida pela política de liberalismo econômico, responsável pelo aumento dos estoques, pela queda nos preços, pela redução dos lucros e pelo desemprego.

No entanto, já em 1921, na contramão dos prognósticos mais otimistas, Trotsky avaliava que o breve crescimento da economia era algo efêmero e cíclico que não deteria a crise estrutural do capitalismo:

Quais são as perspectivas econômicas imediatas? É evidente que América se verá obrigada a diminuir sua produção, não tendo a possibilidade de reconquistar o mercado europeu de antes da guerra. Por outro lado, Europa não poderá reconstruir suas regiões mais devastadas nem os ramos mais importantes de sua indústria. Por essa razão, assistiremos no futuro a uma volta penosa ao estado econômico de antes da guerra e a uma dilatada crise: ao marcado estancamento em alguns países e em ramos das indústrias particulares; em outros, a um desenvolvimento muito lento. As flutuações cíclicas seguirão tendo lugar, mas em geral, a curva do desenvolvimento capitalista não se inclinará para cima senão para abaixo” (relatório aos membros do Partido Comunista Russo, utilizado por Trotsky para o III Congresso da Internacional Comunista; 23 de junho de 1921).

Com o início da recuperação do setor produtivo dos países europeus, a produção norte-americana começou a entrar em declínio. Essa situação expressou-se principalmente no setor agrícola, com o aprofundamento da queda dos preços dos produtos primários.

A crise dos agricultores norte-americanos seria o prenúncio de 1929. Na medida em que as exportações diminuíam, os grandes proprietários não conseguiam saldar as dívidas contraídas com os bancos. Além disso, as ações das empresas tinham se sobrevalorizado imensamente num movimento de especulação financeira.

Foi questão de tempo para que a crise no campo causasse desabastecimento nas cidades que já enfrentavam problemas com o desemprego.

Quando veio o colapso das bolsas, no dia 29 de outubro, dia conhecido como “quinta-feira negra”, os bancos do país estavam sobrecarregados de dívidas não saldadas, ações supervalorizadas de empresas que estavam em queda e, assim, recusaram refinanciamentos ou novos empréstimos para a habitação, automóveis etc. Calcula-se que cerca de mil hipotecas de casas foram executas por dia após 1929.

A quebradeira levou centenas de bancos à falência. Na época, o sistema financeiro norte-americano era extremamente débil. Não havia bancos gigantes, como na Europa. O sistema bancário do país consistia em pequenos bancos locais e regionais. Mas o tombo da economia norte-americana só estava começando.

Disputa pela hegemonia 

A quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque não só iniciou uma profunda depressão econômica internacional que perdurou por toda a década de 1930. Também aprofundou os enormes conflitos interimperialistas, abrindo, assim, os portões para uma nova guerra mundial.

Na Grande Depressão, os Estados imperialistas procuravam defender suas burguesias como podiam. Não hesitaram em levantar barreiras tarifárias para proteger seus mercados dos efeitos da crise, contrariando as doutrinas de livre comércio em que afirmavam repousar a prosperidade do mundo.

O fim da Primeira Guerra já marcava claramente a crise final da hegemonia inglesa no sistema capitalista, o declínio econômico da Europa e a expansão econômica dos EUA. No entanto, o imperialismo norte-americano ainda não tinha conquistado a posição de potência hegemônica na esfera capitalista. Isto é, sua ascensão ainda não representava uma nova divisão mundial de forças, esferas de influência e mercados.

O poderio dos EUA e a debilidade do imperialismo europeu aumentaram os conflitos com as potências da Europa. Uma tendência prevista em análises da Internacional Comunista, particularmente por Trotsky, nos anos 1920.

Mediante uma política expansionista e agressiva, potências imperialistas, como o Japão e a Alemanha dos anos 1930, procuraram uma maior participação no mercado mundial.

Já nos EUA, a partir do New Deal, plano empregado pelo presidente eleito Franklin Roosevelt, pôs uma breve interrupção à depressão. Diante de um enorme desemprego e um possível descontrole social, o governo fez com que o Estado interviesse na economia, criando grandes obras de infra-estrutura, salário-desemprego, assistência aos trabalhadores e concessão de empréstimos. No entanto, os Estados Unidos só conseguiram retomar seu crescimento econômico com o início da produção armamentista para a Segunda Guerra Mundial, no final de 1940.


Movimento de massas e a crise de 1929
Jeferson Chome, revista Opinião Socialista


Grande Depressão de 1929 se seguiu à quebra da bolsa de
Nova York: lições foram tiradas para enfrentar a crise atual
O “crash” teve enormes desdobramentos e aumentou a polarização social e política em todo mundo nos 1930. A crise levou a uma fragilidade das democracias burguesas, colocando abaixo todas as formas ideológicas que ocultavam as relações de exploração e permitiam a realização dos lucros. Para a democracia burguesa funcionar, é necessário convencer ideologicamente as massas de que com ela o povo decide quem vai governar, de que o Estado está acima dos interesses de classe etc.

A propósito disto, Lênin já observava que a submissão ideológica do proletariado inglês à burguesia inglesa tinha como base as migalhas oferecidas pelo imperialismo inglês aos trabalhadores de seu país, obtidas com o saque das nações coloniais e semicoloniais. A estabilidade das democracias dos países imperialistas da Europa dependia, em grande medida, desta rapina.

Por outro lado, as instituições do regime burguês são destinadas a obter o consenso das outras classes sociais. Aqui entram também a Igreja, os partidos políticos, os sindicatos, as escolas, a imprensa, os intelectuais, o senso comum etc., que formam as consciências que aceitariam a ordem vigente.

Uma crise econômica, porém, produziu um golpe colossal contra esse sistema de dominação. Não seria mais possível sustentar as migalhas de antes e tampouco a cobertura democrática que oculta o horror da exploração. O rei estava nu. Assim, a depressão econômica gerou uma radicalização do cenário político e o confronto direto entre as opções pelo socialismo e o fascismo.

Ao mesmo tempo, o prestígio da URSS crescia entre as massas e a opção pelo socialismo ganhou enorme audiência entre os trabalhadores. O movimento operário, na América e na Europa, foi à luta. E foi o destino destas lutas que, em grande medida, selou o cenário político dos anos subseqüentes.

Nos EUA, o movimento operário levantou a cabeça e protagonizou importantes greves, como a dos mineiros, e a greve dos caminhoneiros em Mineápolis em 1934. A onda de greve no país fez irromper um sindicalismo combativo e um processo de reorganização do movimento sindical, culminando na criação de uma nova central independente, a CIO.

Na Espanha, os operários e camponeses lutaram bravamente contra o golpe fascista de Franco e contra o governo republicano. Protagonizaram uma das maiores revoluções operárias da história, mas foram derrotados pela política traidora do stalinismo e do Partido Comunista Espanhol de colaboração com a burguesia republicana.

Na França, após a eleição de um governo de Frente Popular encabeçado pelo Partido Socialista, os operários realizaram uma poderosa onda de greves em 1936, abrindo um processo revolucionário. Na Inglaterra, os operários também realizaram greves que colocaram dificuldades ao governo trabalhista.

Nos países coloniais e semicoloniais, aumentou também a atividade antiimperialista. Na América Latina, surgiram regimes nacionalistas burgueses, como de Cárdenas, no México, ou do Para, no Peru. No Brasil, a velha oligarquia cafeeira foi varrida do poder. Na Índia, se intensificaram as lutas pela independência nacional.

O fascismo surgiu para derrotar a ferro e fogo a classe operária. Mas seria a derrota das lutas do movimento operário europeu que criariam as condições necessárias para o ascenso do fascismo. E foi na Alemanha que se deu o confronto mais decisivo daqueles anos.

Contra-revolução nazista 

A Grande Depressão foi muito sentida na Alemanha, particularmente pelo seu proletariado. No auge da crise, em 1932, contam-se mais de 6 milhões de desempregados, ou 44% da força de trabalho germânica. Cerca de 80% dos filiados do poderoso Partido Comunista Alemão eram trabalhadores desempregados.

O país já vivia uma fase de crises e instabilidades desde o fim da Primeira Guerra que fez ruir o antigo regime imperial. Uma revolução operária o varreu, mas a social-democracia sustentou um novo regime republicano. Esse regime, a chamada República de Weimar sempre primou pela instabilidade política. Quando se precipitou a crise catastrófica de 1929, já era claro que a alternativa colocada diante do país era, tão somente, entre um governo dos sovietes ou uma ditadura fascista.

Mas a tradicional organização, a força e coragem dos trabalhadores da Alemanha não detiveram o perigo nazista devido à política de suas direções. Suas organizações, especialmente o PC, foram incapazes de promover a mais elementar união às vésperas de Hitler tomar o poder.

Na época, a Internacional Comunista (já convertida em instrumento da burocracia stalinista) se recusava a realizar uma Frente Única com a social-democracia para combater o nazismo. A Internacional dizia que “o fascismo e a social-democracia são apenas as duas faces de um só e mesmo instrumento da ditadura do grande capital. Por isto, a social-democracia jamais poderá ser um aliado firme do proletariado na luta contra o fascismo”.

Essa desastrosa política foi trágica para movimento operário. Esse teve suas organizações aniquiladas quando o nazismo chegou ao poder. Para a burguesia germânica, o nazismo foi a solução diante da ameaça da revolução operária. Com o nazismo, se implementaria uma política estatal de rearmamento, e o país caminharia para a carnificina da Segunda Guerra Mundial.

Não é objetivo deste artigo realizar uma análise detalhada do fenômeno do fascismo. No entanto, do ponto de vista da utilidade do regime fascista para a acumulação do capital, Ernest Mandel comentou: “A ascensão do fascismo é a expressão da grave crise social do capitalismo na sua idade madura, duma crise estrutural que, como nos anos 1929-1933, pode coincidir com uma crise econômica clássica de sobreprodução, mas que ultrapassa amplamente uma simples flutuação de conjuntura. (...) A função histórica da tomada do poder pelo fascismo é a alteração pela força e a violência das condições de reprodução do capital, a favor dos grupos decisivos do capital monopolista”.

A economia da URSS foi uma alternativa à depressão 

A catástrofe de 1929 foi um acontecimento de conseqüências terríveis sentidas em todo o mundo. Mas havia uma opção contra a devastação causada pela crise do capitalismo. Essa opção era a URSS, único país que não foi atingido pela crise e que chegou a registrar, na década de 1930, um crescimento anual de 20%.

Nos anos em que a economia capitalista entrou em depressão, a economia da URSS se encontrava em plena expansão. Entre 1929 a 1940, a produção industrial soviética triplicou, subindo de 5% dos produtos manufaturados no mundo para 18%. No mesmo período Inglaterra, França e EUA viram sua fatia cair de 59% para 52%. Se naqueles anos o sistema capitalista condenava milhões à pobreza, na URSS não havia desemprego.

Isso porque a URSS não era parte do mercado mundial capitalistas. Apesar das profundas deformações burocráticas provocadas pelo stalinismo, a economia estatal planificada demonstrou todo seu potencial e a jovem república soviética se transformou de um país atrasado e agrário numa grande potência econômica mundial.

Para isso, foi fundamental o fim da propriedade privada dos meios de produção e a planificação econômica, que suprimiram o eixo sobre o qual funciona o capitalismo: a busca pelo lucro. Dessa forma, a planificação econômica estatal e centralizada, foi organizada para satisfazer às necessidades dos trabalhadores e das massas.


Reportagem de outubro de 1929
Revista Veja

As primeiras horas do pregão de 24 de outubro em Wall Street passarão às páginas da história como responsáveis por abrir o alçapão em que sucumbiu a Bolsa de Nova York neste fim de década. Não se chegou, até agora, a uma explicação plausível sobre o frenesi que levou os investidores a se desfazerem, literalmente a qualquer custo, de suas antes preciosas ações naquela quinta-feira. Mas desde o início da semana as vendas já se mostravam significativas, e os índices desciam escadaria abaixo. Com o grande volume de negócios, os tickers instalados nas corretoras ao redor do país – máquinas que imprimem em fita as cotações dos papéis selecionados – não davam conta de atualizar as cotações em tempo real. Ainda na segunda-feira, o ticker só terminou de trazer o péssimo resultado daquele dia uma hora e quarenta minutos após o fechamento. Quando os investidores percebiam que poderiam estar arruinados, já era tarde demais para tomar qualquer providência. Mesmo assim, 6.091.870 títulos mudaram de mãos, no que se tornou o terceiro maior volume de negócios da história da Bolsa. 

O 'ticker' pifou: cotações atrasadas 


O 'ticker' pifou: cotações atrasadas
Na quarta, véspera do primeiro colapso, depois de um começo tranqüilo, vendas massivas de ações de acessórios de automóveis foram registradas; pouco depois, toda a lista entrava na dança. Apenas na última hora do pregão, 2.600.000 ações foram vendidas. A média industrial do Times despencou de 415 para 384, o que representou, na prática, a anulação de todo lucro registrado desde o fim de junho. Para piorar, a queda levou à convocação de um sem-número de investidores para pagamento do aumento da margem. Muitos não tinham nenhuma economia; todo o dinheiro estava aplicado nas ações. Não havia outra alternativa, então, senão se desfazer dos papéis para recuperar o investimento – ou o que restava dele. A essa altura, milhares de pessoas já haviam decidido abandonar o barco enquanto, imaginavam, ainda havia uma saída viável. Ela não existia. 

Foi quando veio, finalmente, a quinta-feira negra. O volume de vendas no início do dia foi inacreditavelmente grande, o que fez os preços cederem com notável rapidez. Novamente, o ticker atrasava, retardando a revelação da catástrofe iminente. Dominadas pelo medo, mais e mais pessoas decidiam vender suas ações. As que não conseguiram atender às chamadas para o pagamento do aumento da margem estavam simplesmente liquidadas. Por volta das 11h30, os reflexos do pânico já haviam se alastrado: onze conhecidos especuladores haviam cometido suicídio. As bolsas de Chicago e Buffalo fecharam. O clima dentro da Bolsa de Nova York era desesperador: pouco depois do meio-dia, funcionários cerraram a galeria dos visitantes para que nenhum curioso testemunhasse as cenas de agonia que se descortinavam no salão abaixo. 


Efeito devastador: fila para saque em um banco do estado de Massachusetts

Ao mesmo tempo, os banqueiros convocavam uma força-tarefa emergencial para agir de imediato. Em uma reunião no escritório do J. P. Morgan, na mesma Wall Street, diversos mandarins do dinheiro – entre eles Charles E. Mitchell, do National City Bank, Albert H. Wiggin, do Chase National Bank, e Thomas W. Lamont, do Morgan – decidiram despejar caminhões de verdinhas na Bolsa para escorar o mercado. Finda a reunião, Lamont recebeu os repórteres para uma série de declarações apaziguadoras. "Houve uma pequena aflição na Bolsa de Valores, devido a um requisito técnico do mercado. Mas as coisas são suscetíveis de melhorar", garantiu, impávido, o célebre banqueiro. Pouco tempo depois, Richard Whitney, chefão da Richard Whitney & Co., apareceu no salão da Bolsa e ofereceu 205 dólares por 10.000 ações da United States Steel, cotadas naquele momento a míseros 190. Whitney fez encomendas semelhantes de diversas outras empresas. Em um piscar de olhos, a recuperação desabrochava.

Boa parte do fervor das vendas era determinado por investidores que queriam apenas parar de perder, e estavam dispostos a se desfazer de suas ações por qualquer valor. Com isso, os papéis desprezados retornavam ao mercado e faziam os preços caírem mais ainda. O dinheiro dos banqueiros e a nova alta interromperam essa reação em cadeia, substituindo o medo de perder pela vontade de ganhar. Os preços então voltaram a subir, e o balanço do dia registrou uma recuperação notável – a média industrial do Times fechou apenas 12 pontos abaixo do dia anterior. O que fez o dia 24 de outubro tão significativo – e trágico – foi o volume total de vendas: 12.894.650 transações, recorde absoluto da história de Wall Street. Nessa dança, para inúmeros americanos já não adiantava mais que o mercado tivesse se recuperado: ao vender suas ações na baixa, estavam quebrados.

O banqueiro Lamont: 'pequena aflição' 


O banqueiro Lamont: 'pequena aflição'
Sexta-feira e sábado, 25 e 26 de outubro, foram dias de relativa calmaria nos mercados. Os preços se mantiveram firmes. Corretoras seguiam trabalhando diuturnamente para colocar os negócios em dia. Representantes das 35 maiores firmas do mercado tiveram uma reunião nos escritórios da Hornblower and Weeks na sexta e emitiram um comunicado para a imprensa. "O mercado está fundamentalmente sólido e tecnicamente em melhores condições do que estivera durante meses." Uma mensagem da corretora anfitriã completou o panorama animador: "A começar com as transações de hoje, o mercado deve iniciar o assentamento das fundações para o progresso construtivo que, acreditamos, caracterizará 1930." Como essa, houve no fim de semana uma série de análises e perspectivas favoráveis ao mercado altista. Mas a chegada da segunda-feira trouxe uma ducha de água gelada a todas elas, e solidificou a percepção de que o bear market, o tão temido mercado baixista, era inevitável e irreversível. 

O volume de vendas do dia 28 foi bem menor que o da quinta-feira: cerca de 9.250.000 ações. O grande problema foi o tombo: as médias industriais do Times despencaram 49 pontos. Os banqueiros reuniram-se outra vez no escritório da J. P. Morgan, desta vez no fim da tarde, num encontro que durou duas horas e que, para desespero dos corretores, não culminou em nenhuma ação de resgate ou salvamento. Ao contrário: o resumo da reunião fornecido à imprensa relatava que os abastados executivos decidiram não agir, porque não estava "dentro da finalidade dos banqueiros manter qualquer nível determinado de preços ou proteger o lucro de quem quer que fosse". Os magnatas estavam preocupados apenas em que não existissem "vácuos" – ações sem compradores –, para que assim o mercado mantivesse sua ordem. Já estava claro, a essa altura, que a situação já fugia a qualquer controle. Não havia mais promessas a serem feitas. A ruína se avizinhava.

Toda a tragédia, assim, se convergiu para a terça-feira negra, 29 de outubro de 1929, data devastadora para a Bolsa de Nova York e todos os mercados mundiais. Logo no início da manhã, uma enxurrada de papéis foi colocada à venda – e em muitos casos, lotes e lotes não encontraram compradores, pesadelo mais temido pelos banqueiros. As ações da White Sewing Machine Company, que nos meses anteriores chegaram a 48 e fecharam na véspera a 11, foram negociadas a 1 dólar. A United States Steel, socorrida por Richard Whitney na quinta-feira anterior a 205 a ação, fechou em 174. Na média, os piores desempenhos da jornada foram os dos papéis dos consórcios de investimentos, cuja trajetória nos últimos anos era de dar inveja a qualquer indústria. A Goldman Sachs, que terminara a segunda-feira cotada a 60, fechou a 35. Seu fundo de investimento Blue Ridge, que no começo de setembro era negociado por 24, prostrou-se a ínfimos 3 dólares a ação no fechamento da terça negra. 

Turbulência de outubro: apesar dos discursos otimistas, nervosismo persiste em NY 


Turbulência de outubro: apesar dos discursos otimistas, nervosismo
persiste em NY
Mais uma vez, os banqueiros acharam por bem não enviar missões de resgate à Bolsa. Pior: correram boatos de que os magnatas estavam na verdade vendendo suas ações – o que foi desmentido de forma oficial por Thomas W. Lamont, da J. P. Morgan. Mesmo assim, o prestígio dos bancos, tão em alta na quinta-feira, havia desmoronado junto com as ações. A população contava novamente com eles para a salvaguarda financeira do mercado, mas a decisão já estava tomada. Naquele dia, os piores pesadelos se reuniram em um pregão: o volume de vendas foi superior ao da quinta-feira-negra, com 16.410.030 ações trocando de dono, sem contar aquelas que não conseguiram ser vendidas mesmo com preços no atoleiro. As médias industriais do Times caíram quase nos mesmos patamares da véspera: 43 pontos, o que, na prática, anulava o lucro dos doze formidáveis meses precedentes. 

Depois dessa terça-feira, entre mortos e feridos, ninguém se salvou. Se na primeira semana os cidadãos comuns foram as maiores vítimas da carnificina acionária, na seguinte, pelo tamanho dos lotes colocados à venda, pôde-se perceber que também os muito ricos perderam dinheiro ao se livrarem de seus papéis a preço de banana. Atordoados, especuladores à beira da bancarrota vagavam pela metrópole. O clima era soturno e melancólico, como a ressaca de uma inebriante celebração que acabara subitamente. A polícia de Nova York resgatou o corpo de um agente comercial das águas do rio Hudson. Além da roupa do corpo, seus únicos pertences eram 9,04 dólares e alguns avisos para pagamento do aumento da margem. 

Em uma ironia dos infindáveis mistérios do mercado financeiro, as ações registraram surpreendentes ganhos no dia 30, com as médias industriais do New York Times tomando o elevador e subindo 31 pontos – e sem nenhum apoio organizado para tanto. Talvez o discurso de tranqüilização, repetido em coro por todos os mandas-chuvas, tivesse surtido efeito. O subsecretário de Comércio dos Estados Unidos, Julius Klein, foi ao rádio na noite do dia 29 para lembrar à população que o presidente Herbert Hoover dissera que os negócios elementares do país ainda resistiam. "O ponto principal que eu quero destacar é a solidez fundamental da maior parte das atividades econômicas", defendeu. O homem mais rico do mundo, John D. Rockefeller, quebrou um silêncio que já durava várias décadas e reapareceu em público para dizer que estava comprando ações (leia reportagem nesta edição). No último dia do mês, em pregão de apenas três horas, nova alta permitiu um respiro ao mercado.

O nervosismo, porém, ainda é latente em Wall Street e nas outras Bolsas ao redor do planeta. Já se provou nos últimos dias que a vontade do mercado é incontrolável, e seu furor, devastador. Os escritórios de corretagem já anunciaram que não darão folga aos funcionários no primeiro fim de semana de novembro, quando a Bolsa, mesmo com o mercado suspenso, abrirá seus salões para a conclusão de negociações e correção de erros gerados pela turbulência do crepúsculo de outubro. A gravidade da situação pode ser percebida até mesmo na curiosa e atabalhoada tentativa do jornalista Arthur Brisbane, editor da cadeia de jornais Hearst, de levantar o moral dos americanos. "Para se consolar, se você perdeu, pense na gente que vive perto do monte Pelée, que recebeu ordem para abandonar suas casas", escreveu o colunista, citando o furioso vulcão que já matou 30.000 pessoas no Caribe desde o começo do século. Não seriam poucos os investidores falidos, de ventas ao chão, que prefeririam estar na calorosa vizinhança do vulcão da Martinica – mas ainda com dinheiro para comer um cachorro quente com Coca-Cola. 

Saiba como a crise afetou o Brasil