A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

quinta-feira, fevereiro 28, 2013

André Macedo - Economia para tótós

Diário de Notícias
ANDRÉ MACEDO

Economia para totós

por ANDRÉ MACEDOOntem69 comentários

 
Vou escrever sobre a última do Camilo Lourenço. Digo a última porque parece que ele faz de propósito. Reconheço que, dentro do estilo, ele até é relativamente moderado, embora seja a favor da über austeridade e eu não consiga perceber porquê. Desta vez, o Camilo decidiu afirmar que é um disparate tirar uma licenciatura em humanidades porque não há mercado. A escolha de uma profissão deve ser feita, diz ele, tendo como norte as leis da oferta e da procura. Optar por uma profissão é, digamos assim, um processo linear e previsível. Tiras o curso de História, vais para o desemprego. Tiras o curso de Gestão, acabas na Goldman, vais de férias para o Taiti e regalas-te numa piscina a transbordar de garotas.
Isso das garotas interessa-me, é um belo incentivo, mas não julgo ser preciso citar as estatísticas que demonstram ser elevadíssimo o desemprego entre todos os jovens, licenciados ou não, embora haja áreas em que é certamente mais elevada. Mas o Camilo não se limita a dizer que há profissões em que há mais desemprego. Isso é evidente. O que ele sugere é mais abrasivo: que os mais novos devem fazer as escolhas tendo em conta não a vocação e o talento individual, mas o mercado. Faltam médicos? Vou para cirurgião, apesar de odiar sangue. Os portugueses têm uma higiene oral horrível? As cáries são uma excelente oportunidade de negócio.
De acordo com este método, as grandes escolhas de vida são coisas rasteiras. Ser ou não ser é um sentimentalismo literário que já não vende. No essencial, a vida é uma espécie de economia para totós. Quer escolher uma carreira? Abra o Expresso Emprego e veja o que está a dar. Nada de dramas, impulsos, romantismos: siga a manada. Na escola, a mesma coisa. As disciplinas dividem-se entre as úteis e as inúteis. No primeiro grupo, a Matemática, as Ciências, o Chinês e, claro, o Alemão. No segundo, a Literatura, a Música, as Artes.
O problema com este raciocínio é que não é raciocínio: é preconceito. Os nossos sistemas educativos - defende a Harvard Business Review - centram-se em ensinar os alunos de ciências e de gestão a controlar, prever, verificar, garantir e testar dados. Não ensinam como navegar nas questões "e se..." ou em futuros desconhecidos. "Se quer um pensamento original" - acrescenta a HBR -, "precisa de libertar a criatividade das pessoas. Os humanistas são treinados para serem criativos. Steve Jobs reconheceu como estudar caligrafia o levou a criar o Mac."
Não são estas também as ferramentas que se exigem num mundo cada vez mais complexo e dinâmico? Eu diria que sim. Diria que, em vez de apostar no Excel para moldar o futuro - e falhar -, talvez faça sentido cultivar uma maior variedade de talentos. Só assim um dia podemos fazer alguma coisa de original em vez de passar o tempo a olhar para o retrovisor à procura do que era para ser e, afinal, nunca será.
P. S. Já agora: há banqueiros da Goldman licenciados em História...

http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3078994&seccao=Andr%E9&page=-1

quarta-feira, fevereiro 27, 2013

Juntos pela mudança ~Vozes pelo 12 de Março

27 Fevereiro 2013


Jumtos pela mudança

Vozes pelo 2 de Março


Onde pára a democracia?Para onde quer que se olhe, os sinais que avançam e nos cercam são os de um país que empobrece e se afunda, enquanto uma caixa negra nos nega as mais nítidas evidências do imenso desastre que para nós preparam.

1. A Dívida, quê?
A dívida, quê? A dívida Soberana é como se chama a uma dívida assumida e garantida por um ser ou uma entidade soberana (um estado ou o seu banco central). Este par (nome + adjectivo) joga, com a gramática, um jogo que te leva à certa. Só compreenderás o que ele significa, se compreenderes que, no fim de qualquer passo de dança, a dívida deixou de ser uma propriedade ou uma qualidade do estado. O que ela exprime é que é ela que é soberana. Quem manda na política sou eu, a dívida. Tal como quem manda nisto tudo são os bancos (privados).

2. Soberania
Que Europa é esta que nos atou ao pescoço o BPN, em cujo buraco o estado enterrou vai para sete mil milhões de euros, e não nos autoriza o investimento de 1300 milhões de euros para o saneamento financeiro da TAP, o maior exportador do país e uma empresa estratégica para o nosso desenvolvimento soberano? É certamente a mesma Europa que fica sentada à espera que o governo português manobre de forma a tornar aceitável o inaceitável, a destruição dos estaleiros de Viana do Castelo.

3. Incomensurável, inaceitável hipocrisia.
As manifestações como aquela a que se assistiu nas instalações do ISCTE, em que um grupo de estudantes calou essa figura inenarrável de licenciado-com-emprego (Miguel Relvas), equiparado a governante, «suscitam necessariamente», disseram eles, os da sua pandilha, «o repúdio da parte de todos quantos prezam e defendem as liberdades individuais, designadamente o direito à livre expressão no respeito pelas regras democráticas». E, coisa espantosa, eis que se lhe juntam alguns outros, de outra pandilha, mas da mesma troika, usando os mesmos argumentos e tiques de quem se prepara para criminalizar o protesto.

4. O desemprego
Em Portugal, 51 % dos jovens licenciados estão no desemprego. É uma violência que lhes é feita, assim como ao país que se vê por essa via impedido de utilizar o seu trabalho qualificado. A dor humana do desemprego jovem é a dor causada por uma amputação social de perspectivas de vida. Entretanto cresce também o desemprego de longa duração. Às suas vítimas cabe agora o sofrimento de verem desqualificada e ofendida a sua experiência de vida. Jogar uns contra os outros é uma jogada miserável contra o trabalho. Torna-se cada vez mais claro que esta ofensiva contra direitos individuais e colectivos é uma révanche do grande capital, que quer arrancar aos trabalhadores assalariados tudo o que foi obrigado a ceder-lhes ao longo do último século e que constitui uma plataforma civilizacional avançada.

5. Saúde pública
Ela entrou na nossa sala, como se fosse uma pequena ventania que se libertasse e disse: «eu e o Óscar, foi já demasiado tarde que nos apercebemos que ela não aviava na farmácia as receitas por inteiro. Agora sei que deitá-los de lá abaixo já não é só um objectivo político, tornou-se uma necessidade urgente de saúde pública».

6. A organização da nossa legítima defesa
Tendo perdido o medo ou a repugnância que lhe provocavam certas palavras e frases que usamos, sobretudo em circunstâncias em que se trata de atribuir intenções a certos gestos ou modos de agir, chegou um dia em que a ouvimos dizer, muito calma e cheia de fúria: «mas eles estão a matar-nos; eles querem matar-nos». A nota de espanto que soava na sua voz indicava que ela já estava preparada para compreender que se tratava de pôr na ordem do dia a organização da nossa legítima defesa.

7. Quem somos nós?

Nós somos «a esperança que não fica à espera».

Quem pode ser no mundo tão quieto
Que o não movem nem o clamor do dia
Nem a cólera dos homens desabitados
Nem o diamante da noite que se estilhaça e voa
Nem a ira, o grito ininterrupto e suspenso
Que golpeia aqueles a quem a voz cegaram
Quem pode ser no mundo tão quieto
Que o não mova o próprio mundo nele.

terça-feira, fevereiro 26, 2013

José Ferreira - sair ou não sair do euro ?

Fala Ferreira

Assim me saúdam os amigos de Guatemala.

  • Crítica do Passa a Palavra

    A relação que tenho com as tomadas de posição do blog Passa a Palavra é, em certo sentido, semelhante às que tenho com o PCP. O seu ponto de partida é correto; mas o seu ponto de chegada é equivocado. Li e comentei o extenso texto do João Valente de Aguiar (JVA). Mas o argumento repete-se aqui e aqui. Mas é o primeiro destes últimos que me esclarece a essência da posição do grupo. Eles insistem que a saída mais provável de uma crise económica é o fascismo. E, portanto, que a ideia de “patriotismo de esquerda” – empregue, de fato, por Stálin para travar a sangria de militantes do PC Espanhol em direção à direita nacionalista – é um discurso de direita que estende um tapete vermelho ao fascismo. Por outra palavras, ao dizer-se patriótica, a esquerda coloca no debate político uma questão cara ao fascismo: a identidade nacional; em suma, faz o jogo do inimigo
  • .
    Consequentemente, eles rejeitam a palavra de ordem de saída do euro. Não queria tocar na questão dos custo económicos e sociais. O JVA limita-se a concordar com o Francisco Louçã contra o Octávio Teixeira. Mas posso resumir a minha opinião em duas linhas. Octávio Teixeira  faz contas supondo que sairíamos do euro sem tumulto social; Louçã assume que o tumulto social será tão grande que não há como fazer contas. Mas, ao mesmo tempo, Louçã assume que esse tumulto social manteria inócuo o poder a burguesia sobre a sociedade: desse modo, os custos incalculáveis da saída do euro seriam pagos pelos trabalhadores. Octávio Teixeira supõe a boa vontade da burguesia; Louçã supõe que a esquerda seria capaz de impor uma, mas só uma – a saída do euro – decisão à burguesia. Como se vê, o debate está mal enquadrado. Basta colocar a questão de quem é o sujeito da saída do euro para ver que é a burguesia! E que, portanto, a esquerda está a debater do ponto de vista da burguesia.

  • O segundo argumento do Passa a Palavra não se resolve assim. Defender a saída do euro é abrir a porta ao nacionalismo fascista – diz o Passa a Palavra. Aqui o sujeito é a esquerda. Mas terão razão? Aqui divergimos. Sem dúvida, o fascismo da primeira metade do século XX foi nacionalista. Mas será o fascismo do séc. XIX uma cópia do anterior? Será necessariamente chauvinista?

  • Todo o meu investimento no estudo da hipótese de uma solução fascista para a crise, me leva a crer que ela não é necessariamente nacionalista. O fascismo, pelo menos do modo como eu o entendo, é fruto, de um lado, da ideologia das massas desorganizadas e, do outro, do oportunismo da burguesia monopolista em servir-se dessa ideologia. De de ideologia se trata? Ora, as massas desorganizadas – compostas com elementos de todas as classes dominadas, de pequeno-burgueses a trabalhadores – encontram-se numa situação de dupla vulnerabilidade. Incerteza quanto ao seu futuro socioeconómico e incapacidade de organizarem-se e criar um projeto político próprio. No plano subjetivo, terminam 1) rejeitando as formas de luta tipicamente operárias, greves e manifestações, uma vez que elas só obrigam a burguesia a ceder porque criam mais incerteza. Ora, com a incerteza já sofrem as massas. Portanto, as massas são tipicamente de direita. (No 18 de brumário, Marx usa esta oposição entre classe com projeto político e massa sem projeto político, portanto, alienada). 2) Consequentemente, a única esperança para a situação em que se encontram está no surgimento de uma solução sebastiânica – ou, no caso português, salazarista. Facilmente, a burguesia monopolista lhe dará um D. Sebastião como deu Mussolini e Hitler no século passado. As massas investirão contra os sindicato, destruindo o movimento operário e abrirão caminha à reconstrução violenta do capitalismo.

  • O que havia de nacionalismo na solução fascista da década de 1930 era o “sebastianismo”. Foi o Estado nacional que surgiu como salvador na situação trágica da crise de 1929. Mas não está garantido que seja o Estado nacional que venha a ser apontado como salvador da atual crise. Pode até ser a Comissão Europeia e – a surgir e vento em poupa – o Banco Europeu de Investimento. Nesse caso, o argumento do Passa a Palavra volta-se contra ele e defender o euro pode ser, no fim de contas, o tapete vermelho para uma solução fascista. Além do mais, não vale a pena argumentar que o nacionalismo é melhor enraizado que o europeísmo. Na década de 1930, o nacionalismo estava pouco melhor enraizado que o europeísmo de hoje. (Lembremos que a unificação da Itália e a unificação da Alemanha terminaram ambas em 1870. E que na passagem do séc. XIX para o XX se contava uma anedota segundo a qual o El Rei de Portugal havia perguntado a uma embarcação de pescas “- Sois portugueses? A resposta foi “- Não Majestade. Somos da Póvoa de Varzim!”).

  • Isto não impede que eu reconheça que o “patriotismo de esquerda”, incompatível com o “internacionalismo proletário” , tolde a visão da esquerda atual. Em primeiro lugar, porque a pátria anula as classes. Ao discutir o que o país deve ou não deve fazer está-se, na verdade, a debater o que a burguesia deve ou não deve fazer. Em outras palavras, a esquerda está a assumir o ponto de vista burguês. Mas também é verdade que o Passa a Palavra ao fazer a crítica do “patriotismo de esquerda” deixa de lado a crítica do imperialismo alemão e europeu! Creio que a saída, como propôs Floristã Fernandes para o caso brasileiro, é que a luta contra o imperialismo não é uma luta contra a burguesia estrangeira (no nosso caso, alemã). Mas, antes de mais, uma luta contra a burguesia  nacional a quem o imperialismo serve (a banca)! Pois, sem apoio interno, nenhum imperialismo é possível.

    Nacionalismo e anticapitalismo

    Li, finalmente, o texto do do João Valente Aguiar sobre o discurso nacionalista da esquerda (ver parte 1, 2, 3 e 4). Vale a pena ler também a tomada de posição prévia do João no 5dias, e um debate entre ele e o Miguel Serras Pereira (mote e resposta) no Vias de Facto.
     
    1. O João acusa os partidos de esquerda de subsumirem o discurso de classe ao discurso patriótico.  Por exemplo, quando se protesta contra o FMI, se faz em nome da soberania nacional antes de fazer-se contra o aumento da exploração do trabalho. Crítica-se o imperialismo alemão sem que “imperialismo” seja pensado pelo seu teor económico (exportação de capital e retirada de mais-valia), senão pelo seu teor político (conquista de território). As comparações entre Merkel e Hilter demonstram este erro – Hitler nunca foi imperialista no sentido que Lénin entendia o imperialismo.
     
    O discurso patriótico condena a esquerda a dois erros:
    a) O discurso propriamente marxista, isto é, assente na oposição entre trabalhadores e burgueses, aparece inevitavelmente subordinada ao discurso nacionalista. (Além de, implicitamente, recusar património genético do marxismo – o internacionalismo proletário). Consequentemente, não apenas se indica o caminho errado aos trabalhadores, como esse caminho arrisca-se ainda a ser o do fascismo.
    b) Se a burguesia abandona hoje os Estados nacionais – depreende-se das ideias do João – é porque a economia é já europeia. A infraestrutura ultrapassou a super-estrutura. Portanto, a burguesia desmantela os Estados nacionais porque nenhuma solução nacional pode ser encontrada para a crise. Isto implica que, mesmo para o proletariado, não há soluções nacionais. O patriotismo é a defesa de uma super-estrutura inadequada para lidar esta crise estrutural.
     
    2. Estou totalmente de acordo com o primeiro argumento. Aliás, se a minha análise é correta, o argumento do João não é apenas uma teimosia. (Ainda que fosse uma teimosia, sabemos, pela crítica de Marx a Lassale, que são essas teimosias intelectuais que distinguem o socialismo científico do socialismo utópico). Como tenho argumentado, as classes trabalhadores têm-se dividido entre a luta contra o capitalismo e a luta conta a corrupção, entre a luta contra o sistema e a luta contra as opções por dentro do sistema. De fracasso em fracasso, a primeira levar-nos-á à tomada de consciência (assim esperavam Marx e Engels quando escreveram o Manifesto Comunista). De fracasso em fracasso, a segunda luta levar-nos-á certamente ao fascismo. É por isso que os partidos de esquerda não podem nem sequer flertar (piscar o olho, como dizia o Carvalhas) outro discurso que não o discurso de classe. O discurso patriótico não é somente errado… é fascista.
     
    3. O segundo argumento, esse, é péssimo. O João tem pelo menos a intuição das suas contradições, quando se pergunta (na primeira nota de rodapé da parte 3) se a vanguarda proletária deve preocupar-se com questões tipicamente burguesas. A resposta é não na medida em que não se trata de dizer o que fazer (“na medida em que não se trata de salvar o capitalismo”). E sim na medida em que se trata “avaliar as tendências de desenvolvimento do capitalismo e as encruzilhadas reais e concretas em que a luta da classe trabalhadora pode prosseguir”. Mas, ao longo do texto, esquece tudo o que disse, e afirma: “Quem à esquerda tem defendido a saída do euro talvez devesse começar por confrontar as suas teses delirantes com os dados e as alternativas concretas em cima da mesa”.
     
    De facto, se discutir o fim ou não do euro (bem como a renegociação ou o repúdio da dívida pública) são questões burguesas, quais são as questões “operárias”? Em poucas palavras, pode dizer-se que as perguntas “operárias” são aquelas que se colocam à classe operária na sua posição de classe. Grosso modo, uma classe pode ser dominante ou estar dominada; e, sendo dominada, estar em refluxo ou acumulando forças. Estas três situações não são mais do que uma síntese de um número infinito de arranjos quando se considera não apenas a existência de mais de duas classes mas igualmente as suas frações. Portanto, a primeira pergunta que se coloca a todas as classes dominadas é ‘qual o arranjo de classes existente?’; ‘em que lugar se encontra a minha classe?’. Somente à classe dominante convém não partir destas questões. Perguntar ‘qual é a melhor opção para o país?’ implica, no melhor dos casos, ignorar a divisão de classes existente e, no pior dos casos, legitimar a hierarquia entre classes – ou, pelo menos, todas as coisas que sustentam essa hierarquia.
     
    Além de contraproducente, o debate tipicamente burguês não leva a lado nenhum. Como se reconhece, de imediato, o debate burguês? É fácil. Dada a questão ‘devemos sair do euro?’, coloca-se outra ‘nós quem?’. “Nós portugueses” – o que visivelmente, pegando no primeiro argumento do João, é uma maneira indireta de obliterar o critério de classe pelo critério da nacionalidade. Ao mesmo tempo, enquanto a resposta não for “nós vanguarda” ou, pelo menos, “nós trabalhadores”, a resposta dada ao ‘Devemos?’ nunca implica consequências práticas. Vemos que a questão ‘Devemos sair do euro?’ só se torna prática para a burguesia que, sendo classe dominante, dirige o Estado de acordo com essa resposta. Torna-se evidente que se trata de uma questão tipicamente burguesa e não proletária. Além do mais, a justeza da resposta dada só se determina na prática; e estamos longe de poder testar na prática a opinião do João acerca da saída do euro.
     
    (A este respeito vale acrescentar que os estudos sistematizados na parte 3 do artigo do João supõem que a desvalorização da moeda nos países que sairiam do euro seriam compensada por um aumento das taxas aduaneiras do comércio desse país para a zona euro. Assim, os ganhos de competitividade externa devido à desvalorização da moeda seriam anulados pela imposição de taxas de importação. Deste modo, os custos da saída do euro seria até 10 vezes maiores que o pagamento da dívida. Ora, este suposto tem muito que se lhe diga: a Islândia desvalorizou a moeda em relação ao euro em 40%. Nem por isso a zona euro aumentou os impostos sobre os seus produtos. Por outro lado, a saída da Grécia da zona euro poria em causa a credibilidade do euro assim como do novo dracma. As consequências disto poderiam ser insignificantes e ao fim de uns meses essa credibilidade podia estar reestabelecidas. Mas como os homens são difíceis de prever, elas poderiam ser enormes. E a Europa poderia entrar num  buraco sem fundo. Em suma: as consequências do fim do euro são imprevisíveis. Só arriscando poderemos verificá-las).
     
    4. É preciso lembrar que a classe operária saiu de uma situação de refluxo para uma situação de acumulo de forças para identificar as questões que realmente se colocam a essa classe. A primeira delas é ‘como vamos acelerar esse processo de acumulação de forças?’. O movimento avança a passo de tartaruga. Exige-se da vanguarda revolucionária o estudo da composição de classe da sociedade de modo a identificar estratégias do tipo bola de neve. Em poucas palavras, qual é a aliança entre classes mais pertinente nesta fase e como devem dirigir-se ao governo? A minha intuição é que a disputa acerca desta questão na primeira metade do séc. XX enrijeceu este debate. Assim hoje temos modelos prontos: seja a aliança operário-camponês leninista; seja a aliança operário-capas médias da era pós-stalinista da União soviética. A verdade é que a sociedade se complexificou muito após a II Guerra Mundial e, portanto, é provável que nenhuma destas soluções sirva. Colocar a questão não em termos de classe, mas em termos de frações de classe, pode ajudar a 1) romper com os modelos prontos e 2) apreender a complexidade da sociedade contemporânea.
     
    Isto não implica que os partidos de esquerda não devam ter uma posição sobre questões tipicamente burguesas nesta época de acumulação de forças. É cedo para romper de vez com as instituições capitalistas – por exemplo, a Assembleia da República – e, portanto, somos obrigados a ter soluções para gerir o capitalismo. Mas deixa-me preocupado ver a esquerda a gastar rios de tinta sobre se é preciso ou não sair do euro, se é preciso ou não pagar a dívida, etc., isto é, ver a esquerda mais ocupada com questões tipicamente burguesas do que com questões operárias. É o efeito, mas também a causa, do atraso na “tomada de consciência” da classe operária. Mais do que superar estes desacordos, é imprescindível que entremos em desacordo – que é uma maneira de ver as várias faces de uma questão – sobre as questões realmente de esquerda.
     
    5. A minha análise das questões que eu considero realmente de esquerda está aqui. A base em que esse resumo se apoia está aqui e aqui.
     
    http://falaferreira.wordpress.com/2012/08/19/nacionalismo-e-anticapitalismo/


    Crítica do Passa a Palavra (rev.)

    Alguém me disse, com razão, que um texto que escrevi há dias estava confuso. É a crítica de um texto do blog Passa a Palavra disponível aqui. Respondi, nos comentários, a essa crítica com um esclarecimento do meu argumento. Não obstante, porque acho que a crítica é acertada, publico aqui a resposta.

    Olá Ermelinda
    É verdade que está confuso. É difícil meter o Rossio na Betesga. O Passa a Palavra, como podes ver seguindo os links (aqui e aqui, para além destes: 1, 2, 3 e 4), tem defendido a permanência de Portugal no euro – assumindo, por vezes um sectarismo anti-PCP – por duas ordens de razão.

    a) A saída de Portugal do euro era pior para os trabalhadores.
    b) Quem defende isso parte de um ponto de vista patriótico e, ainda que lhe chame “patriotismo de esquerda” (como o PCP), comete um erro. Todo o patriotismo/nacionalismo é de direita.

    Quando a a) eu acho que o debate está mal feito. Mas não vou alongar-me na questão. Fica para outro post neste blog. Até porque o Passa a Palavra limita-se a concordar com o Louçã e, já agora, com o Eugénio Rosa contra o Octávio Teixeira e o João Rodrigues. (Ponho estes quatro nomes para mostrar que é algo que não divide o PCP do BE, mas divide internamente o PCP e o BE).

    A questão central do Passa a Palavra e do JVA é a segunda e, a meu ver, está meio errada. Há três pontos que devem ser tocados:

    1.º O aspeto em que ele está certo. O “patriotismo de esquerda” nada tem de esquerda. Em primeiro lugar, foi inventado por Stálin para estancar a sangria de operários do PC Espanhol, quando estes foram atraídos pelo nacionalismo fascista. Em segundo lugar, está nas antípodas do “internacionalismo proletário” que sempre fundou o pensamento de Marx e Lénin e que se traduz na frase “nem guerra entre nações, nem paz entre classes. Em terceiro lugar, quando o PCP, o PCTP/MRPP ou mesmo o BE se perguntam “o que os Portugueses devem fazer?”, e procuram dar uma resposta, estão a pensar – consciente ou inconscientemente – do ponto de vista burguês. Pois só a classe dominante ou em vias de tornar-se dominante coloca os problemas a partir da nação e não de si mesma. Afinal, quando se pergunta “o que Portugal pode fazer?”, está-se, na realidade, a perguntar “o que quem manda em Portugal pode fazer?”, logo “o que é que a burguesia portuguesa pode fazer?”.

    A minha crítica ao Passa a Palavra, e a todo o debate acerca da saída do euro, é que ele é sempre posto, por todos, do ponto de vista nacional… logo burguês. Mesmo o Passa a Palavra, defendendo o contrário, não consegue evitá-lo.

    2.º O aspeto em que ele está meio certo. O patriotismo é sempre fascista, porque a caraterística fundamental do fascismo é o chauvinismo. Com a defesa de um “patriotismo de esquerda”, as organizações de esquerda estão, na verdade, a defender um valor caro ao fascismo, portanto a estender-lhe um tapete vermelho para crescer. Isto é falso! Só é verdade se aceitarmos que o fascismo do século XX será igual ao fascismo do segundo quartel do século XX. Mas a coisa é complicada e temos que ver duas coisa.

    i) A iminência do fascismo. Nisto o JVA tem mais razão que o PCP que erra ao defender uma “democracia avançada”, isto é, um capitalismo com direitos sociais para os trabalhadores. Isto só é possível com um crescimento do PIB na ordem dos 5% ao ano. Nós estamos com um decrescimento de 1 a 3%. Nestas condições objetivas, só é possível duas coisas: ou a destruição violenta do capitalismo; ou a reorganização igualmente violenta do capitalismo. Por outras palavras, estamos condenados a optar entre o Socialismo e o fascismo.

    (Aliás, em abono de verdade, o JVA considera não haver condições para fazer o socialismo, mas sim para evitar o fascismo. Quer dizer que, como o PCP, ele também supõe a possibilidade de uma “democracia avançada”. Mas, ao contrário do PCP, o JVA acredita que este “capitalismo bom” só é possível se for construído com toda a Europa e não apenas em Portugal. Partido da esfera nacional ele é impossível).

    ii) As determinantes subjetiva do fascismo. Para o JVA, a principal determinante subjetiva do fascismo é o nacionalismo. Não só para ele: conheço inúmeros intelectuais de esquerda que defendem o mesmo. Leandro Konder tem um excelente trabalho argumentado isso. Contudo, eu baseio-me tanto nas minhas análises da conjuntura atual quanto numa análise recente sobre porque é que os pobres brasileiros votavam, até 2003, na direita (não conheço análises semelhantes para Portugal).

    Ora, os trabalhadores mais pobres votam à direita por uma razão muito simples: eles detestam quem faz greves e manifestações, portanto, a esquerda. Deixa-me explicar-te porquê. Primeiro, eles não têm um emprego seguro; segundo, por isso mesmo, é raro participarem em sindicatos e outras organizações. Por outras palavras, eles são duplamente vulneráveis: económica e politicamente. Ora, as greves e as manifestações só funcionam – só obrigam a burguesia a ceder – porque geram incerteza. Mas se essa incerteza é aceitável para os trabalhadores que fazem a greve – quase sempre trabalhadores do Estado – , ela é inaceitável para outros que já vivem numa situação de vulnerabilidade.

    Contudo, trata-se de uma direita sui generis, pois é uma direita que defende (no caso brasileiro) uma elevada participação do Estado na economia. No caso português é distinto: estes trabalhadores desorganizados politicamente acusam o Estado e a corrupção de estar na origem da crise. Mas os trabalhadores brasileiros de direita acreditam no Estado porque veem nele um D. Sebastião capaz de resolver a sua situação de pobreza. E nós também vemos, nos trabalhadores de direita portuguesa, a mesma esperança em salvadores sebastianicos. Ou, no caso particular de Portugal, a esperança no salazarismo.

    Aqui chego a um dos pontos em que eu discordo do JVA. O nacionalismo chauvinista só foi uma caraterística do fascismo do segundo quartel do séc. XX na medida em que o Estado nacional surgiu como salvador. Hoje é muito mais provável que a Comissão Europeia e o recém criado Banco Europeu de Investimento assumam esse papel. Portanto, é provável que o fascismo do séc. XXI seja, não internacionalista, mas europeísta. Daí todo o apoio à “regra de ouro” que a Alemanha impôs ao resto da Europa. Se eu tenho razão, o argumento do JVA volta-se contra ele mesmo. (Vale acrescentar que, se o nacionalismo hoje é bem mais forte que o europeísmo, o nacionalismo do início do séc. XX era pouco mais forte que o europeísmo de hoje. Basta ver que unificação alemã e italiana foram terminadas por volta de 1870 e a criação de uma identidade nacional portuguesa só esteve completa no final do séc. XIX).

    3.º O aspeto que ele esquece. Existe uma relação imperialista entre a Alemanha e o sul da Europa por detrás da crise. Uma das razões porque as taxas de juro da dívida pública portuguesa são tão altas é para ajudar os bancos portugueses (que cobram essa taxa de juro) a pagar o que “devem” aos bancos alemães. Os bancos alemães investiram muito na especulação imobiliária em Portugal, Grécia, Espanha, etc. E a Alemanha não está disposta agora a ficar com o prejuízo desse arranjinho de comadres entre alguns empresários do sul e toda a banca europeia (incluindo a alemã). Ao fazer tábua rasa de qualquer discussão ao nível da nação, o JVA perde de vista o imperialismo alemão
    .
    Pela minha parte, considero que é necessário sair do euro com parte do desmonte desse jogo imperialista e não por algum sentimento patriótico. A questão é: como não cair no discurso patriótico, inevitavelmente enganador (nisso estou de acordo com o JVA), e ao mesmo tempo fazer a crítica do imperialismo alemão? Isso Floristã Fernandes já resolveu há muito tempo: não havia imperialismo se a burguesia nacional – ou uma fração dela – não tivesse interesse nisso. Uma coutada no campo de um burguês da cidade não passa sem um mordomo. No caso português, o mordomo da Alemanha que transforma Portugal numa coutada alemã é a banca. Por isso, a solução não é nem a defesa vazia da soberania nacional (como faz o PCP), nem uma europeização da luta (como defende o JVA), mas a estatização da banca.
     

segunda-feira, fevereiro 25, 2013

Serafim Lobato ~ FORÇAS ARMADAS PORTUGUESAS OU FORÇAS ARMADAS EUROPEIAS?

tabanca de ganturé

 

Segunda-feira, 25 de Fevereiro de 2013


FORÇAS ARMADAS PORTUGUESAS OU FORÇAS ARMADAS EUROPEIAS?


1 – De repente, nos últimos dias, começou a surgir no interior da actual classe dirigente, um sector militar de topo, formado, essencialmente, por antigos chefes de Estado-Maior e próximos, na reserva/e/ou reforma, que se coloca em bicos de pés e pretende dar orientações para a governação do Estado, como se eles fossem, na realidade, os mentores políticos do poder executivo.

Merece, todavia, uma reflexão.

Porque este movimento e as suas propostas não são apenas corporativas, nem estão enquadradas,  somente,  no seu desejo de fazer vir ao de cima a supremacia castrense, com alguns privilégios e prebendas que mantiveram ao longo de toda a segunda metade do século XX.

A questão dos cortes orçamentais nas Forças Armadas portuguesas, que é real, não pode ser analisada apenas do ponto de vista do nacionalismo lusitano, e da sua maior ou menor importância isolada na geo-estratégia europeia e até mundial, como os antigos chefes militares transmitem nos seus argumentos.

O assunto português, e o pretenso patriotismo e nacionalismo desses cínicos que foram os chefes militares desde o 25 de Novembro de 1975, cúmplices com o poder político e económico, tem de ser visto e debatido dentro de um avanço político e estratégico que foi a criação da Unidade Europeia.

A unidade europeia, construída desde a segunda metade do século XX, não é uma questão que possa ser posta em prática, isoladadamente por cada Estado, com a actual crise mundial, provocada pelos Estado Unidos da América, como centro do grande capital financeiro lúmpem e especulativo e não é, além do mais, uma questão centrada, presentemente, na Alemanha.

É um problema político criado pelas burguesias nacionais, que perderam poder e querem sacar mais valias internas à custa do levantamento de uma questão nacional, que é artificial, tal como é colocada por essa gente, mas que somente pode ser equacionada pela perda de poder reivindicativo e económico das classes laboriosas.

2 – A unidade europeia não é produto de uma “ideia utópica” de homens como Monet, Schumann, ou até de Gaulle.

A unidade europeia surgiu, cresceu e vingou, porque se tinha conjugado dentro das diferentes classes - mas principalmente entre as classes trabalhadoras que saíram sempre massacradas pela guerra e entre a parte mais avançada do capital industrial e comercial, que era sempre atingido em larga escala - que somente a interligação económica e política transnacional poderia fazer prosperar a Europa, e colocá-la na vanguarda do desenvolvimento económico e impedia a sua fragmentação entre conflitos nacionais e interesses mesquinhos das respectivas burguesias pró-imperialistas, com a alemã, a francesa, a inglesa, e em menor escala, a italiana.


Ou seja, a unidade europeia tem, no seu bojo, um interesse sumamente económico e material.

Como se agigantou, economicamente, num tempo relativamente curto, desde a segunda metade dos anos oitenta até à primeira década deste século, este unidade, para ser preservada, teria – e terá -  de ser construída não só contra os “poderes económicos internos” (não pudemos esquecer que figuras políticas como Cavaco Silva eram contra, antes de ascenderem ao governo e aos dinheiros da Comunidade Europeia, tentaram minar essa construção), mas também contra os “nacionalismos” bacocos de Partidos que se dizem internacionalistas, como o PCP/Verdes/MDP e PC (R) /UDP, este hoje defunto), mas contra as potências político-económico-militares, como o caso principal dos Estados Unidos da América.

Ora, as forças políticas e sociais que forjaram a Unidade Política Europeia deveriam ter a percepção que para se conseguir manter essa unidade,  haveria necessidade, de imediato, de lhe dar uma componente unificada de poder militar.

Porque para construir o Estado Federal ou Confederal  tem de ser enquadrado por uma força castrense e pública, que seja capazes de agir, colocando-se, acima dos conflitos inevitáveis, de uma reorganização de envergadura como é o avanço dos Estados nacionais para o Estado federal ou confederal , como “ autoridade superior” a todos os empecilhos nacionais, que vão aparecer.

E, se não se conseguir dar este passo, naturalmente os interesses económicos mais pujantes da burguesia imperial alemã, que está a “cristalizar-se” no poder naquele país, sobrepor-se-ão à não existência de uma instituição que, por muito deficiente que seja, tem o poder violento, de retirar veleidades de supremacia a essa mesma burguesia e a outras como a francesa, representada actualmente pelo senhor Hollande.

3 -   Significa isto que é mais importante, do meu ponto de vista, que se planeie, desde já, um Orçamento Europeu Militar de Segurança Interna e Externa, do que se façam debates intermináveis sobre a capacidade militar de Portugal, que será sempre nula, na actual conjuntura geo-estratégica, será uma estrutura de servidão de potências, normalmente exteriores ao espaço europeu, como está  a acontecer agora.

Porque não houve até agora a definição de um Plano Europeu Comum de Defesa Estratégica?

Porque não uma Marinha Comum Europeia, em que o comandante de um porta-aviões seja português e fique estacionado no rio Tejo, e o imediato um holandês, ou o contrário, porque naõ se estrutura uma flotilha de submarinos de raiz comunitário, cujo espaço principal de actuação seja a zona exclusiva, no presente, portuguesa, flotilha essa que fique sob o comando de um francês.

O mesmo para a Força Aérea ou para o Exército.

Apesar de toda a crise financeira, concentrada desde 2008 num ataque sem precedentes à moeda europeia, porque será que o euro continua a ser uma moeda forte, e atractiva para outros espaços territoriais, fora da órbita da potência norte-americana?

Porque continua a ser a Unidade Europeia, o principal espaço económico produtivo e de consumo comparativo com os valores da sua produção interna e da sua capacidade produtiva, bem como do espaço mais valioso em termos de valor comercial.


4 – Finalmente,  umas breves notas sobre a questão castrense e a autoridade.

A História tem-nos mostrado, inclusive nos períodos revolucionários de envergadura, como a Comuna de Paris e a Revolução Soviética de Outubro de 1917, que a possibilidade de construir um novo sistema de autoridade e de organização militar somente terá viabilidade se houver capacidade material e política de dar corpo a um outro Estado social.

Naturalmente, temos de lutar contra a imposição desumana da repressão classista,  da autoridade brutal  do cacete e da fuzilaria sobre os explorados.  

E é nessa luta que se vai construindo a possibilidade de vir a criar e constatar que é possível outro tipo de Estado e  de organização social mais igualitária.
 
Mas, a sociedade onde vivemos tem de continuar a existir e a organizar-se. 

Ora, tal pressupõe um sentido de autoridade, que leva em caso extremo à subordinação, apesar de estar assente em leis anti-democráticas. Temos de combate-las.

Todavia, a sociedade actual tem as suas formas de organização, desde a fábrica até à superestrutura militar.

Enquanto o poder estiver nas mãos das classes dirigentes e exploradoras o seu sistema de organização é que prevalece.

Somente quando houver condições materiais para criar uma outra estrutura económica, politica e social, serão corridas as formas repressoras daquelas classes.

Mas, não podemos esquecer que mesmo uma revolução social, para vingar, terá de fazer prevalecer os seus próprios princípios de autoridade.
    

domingo, fevereiro 24, 2013

José Pacheco Pereira - o nº que está tatuado nos braços dos prtugueses: o ñº de contribuinte

 
ABRUPTO
 
 
23.2.13


O NÚMERO QUE ESTÁ TATUADO NOS BRAÇOS DOS PORTUGUESES: 
O NÚMERO DO CONTRIBUINTE


Aqui há uns anos houve uma discussão sobre o número único a propósito do cartão do cidadão. É uma matéria pouco popular, tida como importando apenas aos intelectuais e aos políticos, que as pessoas comuns vêem com muita indiferença. Se lhes parece mais eficaz que cada um tenha um número único que sirva para o identificar num bilhete de identidade, para reconhecer uma assinatura, na Segurança Social, no fisco, numa ficha médica, num cartão de crédito ou de débito, qual é o problema? Se isso lhe poupa tempo e papéis, qual é a desvantagem? Se isso permitir perseguir um criminoso, que importa existir uma base de dados com o ADN das pessoas? E se as tecnologias o permitirem, como permitem, qual o mal em podermos vir a ter um chip como os cães, ou uma etiqueta electrónica como as crianças à nascença, por que razão é que nós não podemos ser numerados por um qualquer código de barras tatuado no braço?
 
A maioria das pessoas é indiferente ao abuso do Estado nestas matérias se daí vier uma aparente maior eficácia e menor burocracia. E os proponentes destas medidas, uns tecnocratas, outros fascinados pelos tecnocratas, outros ainda gente mais perigosa e securitária cujo ideal de sociedade perfeita é o 1984 de Orwell, todos manipulam a opinião contra os antiquados defensores dos "direitos cívicos", que continuam a achar que não se deve ter número único, chip, ou código de barras, em nome dessas coisas tão de "velhos do Restelo" como sejam as liberdades e o direito do indivíduo em ter uma reserva da sua vida íntima e privada, sem intromissão indevida do Estado onde ele não deve estar.


Infelizmente, insisto, a indiferença cívica é o pano de fundo de muitos abusos e a sociedade e o Estado que estamos a construir são os ideais para uma sociedade totalitária. Se uma nova polícia política aparecer - e para quem preza a liberdade esse risco existe sempre -, não precisa de fazer nenhuma lei nova, basta usar os recursos já disponíveis para obter toda a informação sobre um cidadão que queira perseguir. 


A promessa que nos é feita é de que os dados "não são cruzados". Mas esta afirmação não só não é verdadeira como não garante nada. Não impede um serviço de informações que queira abusar, de obter cumplicidades e "cruzar" dados, não impede uma polícia de fazer o mesmo (o episódio do acesso da PSP às filmagens não editadas sem ordem judicial é um exemplo de práticas costumeiras que só são escrutinadas depois de um acidente de percurso), não impede a utilização de software mais sofisticado para fazer buscas na Internet, muito para além da informação já vasta que se pode obter no Google. E se somarmos as câmaras de vigilância e outros meios cada vez mais generalizados de controlo dos cidadãos, mais nos preocupamos com as liberdades no mundo orwelliano em que já vivemos. 


E quanto ao "cruzamento de dados" a partir de um número único com informação indevida, tudo isso já existe e chama-se NIF, número de identificação fiscal, ou mais prosaicamente, "número de contribuinte". De há dez anos para cá, o Governo Sócrates e depois o Governo Passos Coelho transformaram o fisco no mais parecido que existe com uma polícia global, e uma polícia global é também política, e o número de contribuinte no verdadeiro número único dos portugueses, cujo acesso permite todos os cruzamentos de dados e uma violação sem limites da privacidade de cada cidadão. Se somarmos a isso o facto de o fisco ser a única área da lei em que a presunção da inocência não existe e o ónus da prova cai no cidadão, temos um retrato de um Estado de excepção dentro de um Estado que se pretende de direito.


E não preciso de estar a recitar a litania do combate à evasão fiscal, porque este caminho de abuso tem sido trilhado exactamente porque o combate à evasão fiscal tem sido ineficaz onde deveria ser. O furor do Estado volta-se contra as cabeleireiras, os mecânicos de automóveis e as tabernas, mas ignora os esquecimentos de declaração de milhões de euros, que só são declarados quando descobertos e não merecem uma palavra de condenação nem do ministro das Finanças, nem do Banco de Portugal, nem de ninguém dos indignados com a factura dos cafés. E é exactamente porque o combate à evasão fiscal falha, ou porque a economia está morta, ou porque os Monte Brancos são mais numerosos do que todas as montanhas dos Alpes, dos Andes, do Himalaia, que se assiste a uma espécie de desespero fiscal que leva o Estado (os governos) a entrar pela liberdade e individualidade dos cidadãos comuns de forma abusiva e totalitária. Digo totalitária, mais do que autoritária, porque a tentação utópica de "conhecer" e controlar a sociedade e os indivíduos através da monotorização de todas as transacções económicas é de facto resultado de mente como a do Big Brother


Num computador do fisco está toda a nossa vida já inventariada e cruzada através do número de contribuinte e dos poderes discricionários da Autoridade Tributária. Se de manhã ao pequeno-almoço não pedir factura do café, pode vir um fiscal e multar-me (não pode porque é ilegal, impossível de facto, e o Governo anda a mentir-nos a dizer que já o fez quando se devem contar pelos dedos da mão as contra-ordenações realizadas, se é que há alguma à data do anúncio), e para lavrar o "auto" terá de dizer onde estou, o que consumi sem factura e informar o Estado sobre se tomo chá, café ou chocolate, doces ou salgados, etc. Depois passo por uma livraria e na factura estão os livros que comprei e está o número de contribuinte. Hum! Este anda a ler livros subversivos, ou quer saber coisas sobre a Tabela de Mendeleev (a química é sempre perigosa), ou uma história sexualmente bizarra como a Lolita, (diga aí ao assessor do senhor ministro que um boato de pedofilia é sempre mortífero e o homem lê livros sobre isso), ou o Vox do Nicholson Baker (uma história de sexo por telefone que o procurador Starr queria usar como prova contra Clinton, pedindo à livraria que lhe confirmasse a compra do livro por Monica Lewinsky, o que a livraria recusou e bem). Depois foi almoçar, e pelo número de contribuinte verifico que almoça muitas vezes a dois, e dois é um número suspeito. Coloque lá no mapa o sítio do pequeno-almoço, mais a livraria, mais o restaurante, e as horas. E depois? A Via Verde cujo recibo tem o número de contribuinte mostra que entrou na portagem X e saiu na portagem Y. Interessante, o que é que ele foi fazer ao Entroncamento? E levantou dinheiro no Multibanco. Muito ou pouco? Bastante. Veja lá as facturas que ele pagou no Entroncamento. Aqui está, comprou uma mala de viagem. Então a factura? Não há, comprou nuns chineses, mas foi visto com a mala na câmara de vigilância de um banco. Anote aí para mandar uma inspecção do fisco e da ASAE aos chineses, imagine o que seria se nós não tivéssemos as imagens do banco! O que é que ele vai fazer com a mala? E por aí adiante.


A nossa indiferença colectiva face ao continuo abuso do Estado, que nada melhor nos dias de hoje revela do que o fisco, vai acabar por se pagar caro. Muitos tentaram fugir ao fisco? É verdade, muitos inclusive nunca pagaram impostos e vivem numa economia paralela, mas a sanha contra eles, que face ao fisco não tem direitos, nem defesa, nem advogados, contrasta com a complacência afrontosa com a fraude fiscal com os poderosos. É que também nisso, na perseguição aos pequenos, se revela o mundo totalitário de 1984 e do Triunfo dos Porcos, em que alguns são mais iguais do que outros. E pelo caminho, para garantir que os pequenos sejam apanhados na malha, pelo desespero de um fisco que quer sugar uma economia morta de recursos que ela não tem, é que se usa o número de contribuinte como número único, cruzado nos computadores das finanças, muito para além do que é necessário e equilibrado, numa ameaça às liberdades de cada português.

*

E, como em  Fahrenheit 451, de Ray Bradbury,  os perseguidos refugiam-se fora das cidades hiper-vigiadas, em locais de penumbra económica onde cada  um tem de decorar o livro da sua vida  patrimonial e financeira   antes que o Fisco o encontre, confisque e execute o portador .  Depois, sempre sem registos,  transmite o seu conteúdo a outros refugiados, que assim o preservam, até que, um dia, possuir tal livro escrito deixe de ser perigoso.

(Mário J. Heleno)

http://abrupto.blogspot.pt/2013/02/o-numero-que-esta-tatuado-nos-bracos.html 

Ricardo Paes Mamede - a ‘produtividade do trabalho’ não é determinada pelo esforço dos trabalhadores

Ladrões de Bicicletas

 

Domingo, 24 de Fevereiro de 2013


Pela n-ésima vez: a ‘produtividade do trabalho’ não é determinada pelo esforço dos trabalhadores

Volta não volta temos de voltar a isto. Um comentador económico aparece na televisão, põe um ar sério e ufano, e diz: “o problema da economia portuguesa é a baixa produtividade do trabalho”. E logo a seguir qualquer coisa do tipo “em Portugal trabalha-se pouco e mal” ou “os trabalhadores portugueses são preguiçosos” ou “é preciso liberalizar o mercado de trabalho para fazer as pessoas trabalhar mais”.

Este tipo raciocínio é tão absurdo que às vezes apetece-me responder ao mesmo nível, com algo do género:

QUEM DIZ QUE A BAIXA PRODUTIVIDADE DO TRABALHO EM PORTUGAL SE DEVE À FALTA DE ESFORÇO DOS TRABALHADORES É IDIOTA OU DESONESTO – OU AMBOS. 

Mas já percebi que esta é uma ideia feita que passa tão bem ou melhor que outros mitos do senso comum, pelo que vale a pena tentar, uma vez mais, desconstruir isto.

A produtividade é um conceito que remete para a relação entre factores produtivos e valor acrescentado pela produção. Ou seja, uma economia (ou um sector, uma empresa, etc.) é mais produtiva do que outra se consegue gerar mais valor acrescentado com os mesmos recursos, ou o mesmo valor acrescentado com menos recursos, ou uma mistura das duas. A produtividade, enquanto conceito, é importante porque existe uma forte associação entre o crescimento da produtividade e o crescimento económico – e, diria eu contra algumas sensibilidades, o aumento do bem-estar geral.

Se o conceito de produtividade é relativamente fácil de entender, é muitíssimo mais difícil de medir. O problema é que os factores produtivos são muitos e diversificados, e colocá-los sob a mesma unidade de medida é semelhante a querer comparar laranjas com maçãs.

Os factores de produção clássicos são a terra, o trabalho e o capital. Mas a terra não tem toda a mesma qualidade, existem infinitas formas de capital, e os tipos de trabalho utilizados na produção dos bens e serviços das sociedades modernas são tudo menos homogéneos – e, logo, dificilmente comparáveis. Para além disto poderíamos (e deveríamos) acrescentar factores de produção imateriais como o conhecimento científico e tecnológico, as formas de organização, etc. Medir isto tudo e colocar sob a mesma unidade de medida, para perceber se uma economia está a gerar mais ou menos valor com recursos produtivos equivalentes, é um bico-de-obra.

Esta é uma das razões pelas quais frequentemente se simplifica a análise usando um indicador que está facilmente disponível – um indicador que dá pelo maldito nome de “produtividade do trabalho”.

Em geral, quando os economistas falam em “produtividade do trabalho” referem-se a um rácio entre o valor acrescentado gerado numa economia e o número de trabalhadores (ou de horas trabalhadas) associados a essa produção num dado ano. Ou seja:

“Produtividade do trabalho”= “Valor acrescentado”/ “Nº de trabalhadores” 

É só isto. Não há aqui nada a dizer se esta economia é muito ou pouco intensiva em capital (máquinas, equipamentos, redes de transportes e comunicações, etc.), nem a qualidade desse capital (já desgastado ou ainda novo, com grande incorporação de tecnologia avançada ou rudimentar), etc. Também não sabemos se esta economia recorre mais a trabalho altamente qualificado ou a mão-de-obra barata e desqualificada. Não sabemos se as empresas são bem ou mal geridas, como se posicionam nas cadeias de valor internacional, se assentam a sua competitividade nos baixos preços ou em factores avançados como o design de produto, a engenharia de produção ou a investigação e desenvolvimento.

O facto de o rácio acima apresentado ser mais elevado nuns países do que noutros é explicado por todos estes factores. Um país bem pode ter o povo mais esforçado do mundo que se não tiver máquinas e equipamentos modernos, boas infraestruturas e de transportes e comunicações, competências e conhecimentos avançados ou estratégias empresariais adequadas a cada contexto, terá sempre uma “produtividade do trabalho” modesta.

Por outras palavras, dizer que o nosso problema é a “baixa produtividade do trabalho” é o mesmo que dizer que chegámos ao que chegámos por culpa dos gambuzinos. Na verdade, é mais correcto atribuir a baixa produtividade da economia portuguesa aos gambuzinos do que dizer, com ar sério e ufano, que a culpa é da preguiça endémica que assola o nosso país.

Este post, escrito há mais de 5 anos, tentava avançar um pouco na discussão. Mas está visto que, volta não volta, temos de voltar ao tema.

7 comentários:

Anónimo disse...
Este post deveria ser repetido até à exaustão ! Devia ser viral (como está na moda dizer...). Porque o que de facto existe é uma ignorancia de alto a baixo nas hierarquias do Estado, dos governos e dos comentadores/jornalistas e empresas , sobre o assunto.
Apontam o factor trabalho como a única causa de todos os males e isso é mais uma criatividade lusa, olá se é!
D., Hdisse...
Ignorando as relações de trabalho e todas as forças de produção (que não só os trabalhadores, obviamente), o “ónus” da produtividade acaba sempre por recair sobre a única variável “disponível”: os trabalhadores (esses preguiçosos!)
Esses avençados (comentadores económicos da TV) não são burros, fazem-se…
Lídia C. disse...
Ricardo:
Para mim o mais importante é o numerador do rácio e a determinante, não só do VA, mas de todo o output e que é o PREÇO. A análise desta variável conduz-nos ao poder, à força que domina a «seleção natural» que já passou ao discurso despudorado. O mais forte impõe o preço. Os avençados chamam-lhe mercado. E continuam a medinacarreirar-nos os ouvidos.
Lídia (Vila Real)
Anónimo disse...
A baixa produtividade em Portugal não se deve ao factor trabalho , mas a outros factores
O Raio disse...
Concordo com o comentário do anónimo, este post devia ser repetido até à exaustão.

Sobre a produtividade há ainda um factor que parece que não foi referido.

Empresas como a PT, Autoeuropa, Cimpor (antes do descalabro provocado pelos novos patrões brasileiros), etc. têm uma produtividade elevada, mais elevada, por exemplo que a do sapateiro aqui ao pé de casa (patrão e um "colaborador").

E isto é importante, Portugal tem micro empresas a mais, parece que cerca de 250.000! E estas micro empresas têm sempre uma produtividade baixa.

O que Portugal precisa não é de um programa de empreendorismo para cada um criar o seu posto de trabalho mas antes um programa de engorda de empresas pois o mix de micro, pequenas, médias e grandes empresas encontra-se demasiado inclinado para as micro empresas. A Alemanha tem uma produtividade maior do que Portugal, a Alemanha ou o Japão mas estes países têm uma percentagem menor de micro empresas e uma percentagem maior de empresas médias.

Se 1% das micro empresas (2.500) passassem a empresas médias com uns 300 trabalhadores em vez dos um ou dois das micro empresas, criavam-se 750.000 postos de trabalho, isto é, o desemprego passava a ser um mínimo técnico e tínhamos de voltar a receber imigrantes, o PIB dava um salto e a produtividade aumentava.

E o que faz o governo? Faz propaganda para convencer que qualquer jovem que não crie uma micro empresa, isto é, não crie o seu posto de trabalho é atrasado mental ou cobarde e, ao mesmo tempo, em vez de ajudar as micro empresas a crescer, afoga-as em impostos e até as obriga, muitas vezes, a endividar para pagar adiantadamente o IVA.

Porque é que o governo não dá um "prémio" fiscal quando uma empresa cresce? Isto é, empresa que aumente as vendas, contrate mais trabalhadores e melhore a sua produtividade, em vez do castigo de pagar mais impostos, não teria antes direito a um desconto nesses mesmos impostos?
Anónimo disse...
Em Portugal Temos um sector primário e secundário muito débeis e um sector terciário de serviços tradicionais o que torna este país numa sociedade bloqueada
F. G. disse...
O país chegou á falência em 2011, por vários motivos dos quais saliento: foram feitas obras que não necessitavam ser feitas, tais como estádios de futebol (Leiria, Aveiro e outros), parques de estacionamento (Armação de Pera e outros...), agora fechados, autoestradas (onde agora não passam carros)por isso não fazem falta, porquê??? porque muita gente meteu dinheiro no bolso indevidamente, politicos, presidentes de camaras, advogados, imobiliários, .... para comprar montes no Alenteja e outros. Agoram digam que é da produtividade e dos gastos do Zé povinho. F.