A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

segunda-feira, setembro 25, 2006


Dizem que os livros são os nossos melhores e maiores amigos.
Mas os livros não se sentam á nossa beira,
nem têm olhos, nem sorriem
nem nos abraçam,
nem connosco passeiam pela rua, pelo campo.
Nada podemos dar aos livros
senão as letras dos nossos pensamentos
ou um pouco de nós
para que chegue aos outros.

Os livros têm os olhos que nós temos.
E os seus lábios são os nossos lábios.
Porque se os livros tivessem olhos
e lábios e mãos e dedos
seriam talvez pessoas
mas nunca livros.

Victor Nogueira (1969)
HÁ SEMPRE UM RAPAZ TRISTE

Há sempre um rapaz triste
em frente a um barco

(a água é sempre azul
e sempre fresca)

Em que país encontraria
um emprego e esquecimento

em que país encontraria
amor e compreensão

Em que país
sentiriam
a sua vida e a sua morte

Não respondem as gaivotas
porque voam

Há sempre um rapaz triste
com lágrimas nos olhos
em frente a um barco

António Reis - Poemas Quotidianos, pág. 22, Porto, [1957].

sexta-feira, setembro 22, 2006

ADEUS

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

AS MÃOS - quatro poemas diversos






Estão roucas as palavras
gastas as tuas mãos
duras
secas
cortantes
como punhais

Victor Nogueira


AS MÃOS

Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema - e são de terra.
Com mãos se faz a guerra - e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas, mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor, cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.

Manuel Alegre


AS MÃOS

Que tristeza tão inútil essas mãos
que nem sempre são flores
que se dêem:
abertas são apenas abandono,
fechadas são pálpebras imensas
carregadas de sono.

Eugénio de Andrade


50.
Não é nas mãos
que desespero

As minhas mãos
só trabalham
e adormecem

esfriam
ou arrefecem

Não desmaiam
nem têm rios

Têm ossos
músculos
e sangue

poros também
por onde transpiro

mais nada têm

António Reis – Poemas Quotidianos

quarta-feira, setembro 20, 2006



EUGÉNIO DE ANDRADE - Três poemas

SERÃO PALAVRAS SÓ

Diremos prado bosque
primavera,
e tudo o que dissermos
é só para dizermos
que fomos jovens.

Diremos mãe amor
um barco
e só diremos
que nada há
para levar ao coração.

Diremos terra ou mar
ou madressilva,
mas sem música no sangue
serão palavras só,
e só palavras, o que diremos.

(Eugénio de Andrade)

Lisboa ...

Alguém diz com lentidão:
"Lisboa, sabes ..."
Eu sei. É uma rapariga
descalça e leve,
um vento súbito e claro
nos cabelos,
algumas rugas finas
a espreitar-lhe os olhos,
a solidão aberta
nos lábios e nos dedos,
descendo degraus
e degraus
e degraus até ao rio.

Eu sei. E tu sabias?

(Eugénio de Andrade)


34. Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos como animais envelhecidos;
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor
vamos caindo ao chão apodrecidos.

(Eugénio de Andrade)

terça-feira, setembro 19, 2006

EFEMÉRIDES ENTRE AGOSTO E SETEMBRO



1.- O HOLOCAUSTO NUCLEAR, no Japão

Com a rendição incondicional do Japão em 14 de Agosto de 1945 terminou a mortífera 2ª Grande Guerra Mundial, precedida do lançamento, pelos EUA, das duas primeiras bombas atómicas, sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaqui, completamente arrasadas, respectivamente em 6 e 9 de Agosto desse ano.

Dos 400 mil habitantes de Hiroshima, cerca de 260 mil morreram instantaneamente. Em Nagasaqui, com cerca de 170 mil habitantes, o lançamento da bomba nuclear provocou de imediato cerca de 39 mil mortos, atingindo nos dois casos cerca de 200 mil feridos cuja forma de tratamento era completamente desconhecida.

A necessidade militar deste acto de barbárie é questionado, resultando duma decisão do Presidente Truman que não teve em conta a opinião de comandos militares dos EUA nem o facto do Japão estar derrotado, designadamente após a declaração de guerra feita pela URSS com a consequente invasão da Manchúria.

As sequelas dos bombardeamentos ainda se fazem sentir nos dias de hoje entre as populações civis japonesas e seus descendentes e acabaram por dar origem à corrida aos armamentos entre os EUA e a URSS bem como ao aparecimento de várias potências nucleares, algumas regionais, apesar dos tratados de não proliferação nuclear.

2.- ONZE DE SETEMBRO, no Chile

Em 11 de Setembro de 1973 um golpe militar apoiado pelos EUA e liderado pelo General Pinochet derrubou o Governo democrático de Salvador Allende, pondo fim a uma experiência de transição pacífica para o socialismo, por via eleitoral.

Por detrás do golpe militar estava o Secretário de Estado norte americano Henry Kissinger, laureado com o Prêmio Nobel da Paz em 1973, que afirmara: «Eu não vejo porque nós temos de esperar e olhar um país se tornar comunista devido a irresponsabilidade de seu povo»

Apesar da dissolução do Parlamento e da imediata instauração duma feroz e repressiva ditadura, das caravanas da morte e do assassinato e tortura de milhares de chilenos, o Governo de Pinochet foi reconhecido quase de imediato pelos EUA, cujo Presidente na altura era Nixon, e apoiado durante 17 anos.

Nada de original para um País que em nome da «Democracia e da Liberdade», por todo o mundo, incluindo a América Latina, conspira para derrubar Governos que ponham em causa os interesses do capitalismo, travestido de «economia de mercado» mais ou menos «neo-liberal».

3. - Vinte e oito de SETEMBRO, em Portugal

Um fracasso foi o 28 de Setembro de 1974, em Portugal, onde abortou uma pretensa «manifestação da maioria silenciosa», apoiada pelo então Presidente da República General Spínola, para tentar travar a participação popular nas transformações sociais e políticas emergentes do 25 de Abril de 1974 e tentar também inverter o processo de descolonização então em curso.

Aqui não foram avante as teses de Kissinger para transformar Portugal numa «vacina» exemplar para a Europa, apostando-se com êxito no PS de Mário Soares que, desde 1976, em alternância com o PPD/PSD e a muleta do CDS/PP, em nome da «democracia e da liberdade», têm rasgado sucessivas promessas eleitorais, trapaceando sistematicamente o sentido maioritário do voto popular.

Assim, desde 25 de Novembro de 1975 e após as eleições de 1976, aqueles partidos, paulatinamente, têm traído e destruído as esperanças, os sonhos e as conquistas de Abril. Esperanças, sonhos e conquistas então consagradas pela Assembleia Constituinte, que se pretendiam baseadas na Paz entre os Povos e na construção duma democracia política, económica, cultural e social rumo ao socialismo e a uma sociedade igualitária, mais justa, fraterna, livre e solidária.
VN

segunda-feira, setembro 18, 2006

Alda Lara - Mulheres Angolanas Históricas (8)

PRESENÇA AFRICANA


E apesar de tudo,
ainda sou a mesma!
Livre esguia,
filha eterna de quanta rebeldia
me sagrou.
Mãe-África!
Mãe forte da floresta e do deserto,
ainda sou,
a Irmã-Mulher
de tudo o que em ti vibra
puro e incerto...

A dos coqueiros,
de cabeleiras verdes
e corpos arrojados
sobre o azul...
A do dendém
nascendo dos abraços das palmeiras...

A do sol bom, mordendo
o chão das Ingombotas...
A das acácias rubras,
salpicando de sangue as avenidas,
longas e floridas...

Sim!, ainda sou a mesma.
A do amor transbordando
pelos carregadores do cais
suados e confusos,
pelos bairros imundos e dormentes
(Rua 11!...Rua 11!...)
pelos meninos
de barriga inchada e olhos fundos...

Sem dores nem alegrias,
de tronco nu e musculoso,
a raça escreve a prumo,
a força destes dias...

E eu revendo ainda, e sempre, nela,
aquela
longa historia inconsequente...

Minha terra...
Minha, eternamente...

Terra das acácias, dos dongos,
dos cólios baloiçando, mansamente...
Terra!
Ainda sou a mesma.
Ainda sou a que num canto novo
pura e livre,
me levanto,
ao aceno do teu povo!

(Alda Lara - 1930 / 1962)
(Angola)

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Alda Lara no D'Ali e D'Aqui
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De longe - Alda Lara

Rumo - Alda Lara

Modus Vivendi - Poesia e Pintura

De longe - Alda Lara

Testamento - Alda Lara

Presença Africana - Alda Lara

Rumo - Alda Lara

Alda Lara - Poesia e Breve biografia

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Quando regresso a casa, cada tarde,
a minha tristeza sai da alcova dela,
com a sua capa,
e começa a seguir-me:
se caminho, caminha,
se me sento, senta-se,
se choro, chora com o meu pranto
até à meia-noite. e nos cansamos.
então, vejo que a minha tristeza
entra na cozinha, abre a porta da geleira
tira um pedaço escuro de carne
e prepara-me o jantar.

Yusuf Al-Saigh (Palestina, 1929)
[Tradução de Adalberto Alves]

terça-feira, setembro 05, 2006


Estado Velho

Ah! não há dúvida
vocês existem, vocês persistem
vocês existem com grémios e tribunais
medidas de segurança e capitais
plenários mercenários festivais
grades torturas verbenas
cativeiros de longas penas
com vista para o mar
para matar

Palhaço
lacrimogénio
capacete de aço

Vocês existem bordados a ponto de cruz
fazendo a guerra sugando o povo
sorvendo a luz com estoris, coktails, recepções
canastas e ralys
whisky, coktails, cherries
trapeiras, esconsos, saguões
discursos, salmão, lagostas
pão duro, desespero e crostas
sorrisos de hospedeiras
e assassínios de ceifeiras

Palhaço
lacrimogénio
capacete de aço

Vocês existem, baionetas e chá com bolos
cooperativas, clubes de mães
concursos de gatos e cães
cães de luxo para lamber
cães polícias - polícias cães
para morder
barracas de lata para viver
salários de fome para sofrer
trapos, suor e lodo
amáveis conversas de casaca
e sobre as nossas cabeças
a matraca

Palhaço
lacrimogénio
capacete de aço

Ah! Não há dúvida
vocês continuam ainda a existir
até ao raio que vos há-de partir

Ary dos Santos

sábado, setembro 02, 2006

"António Aleixo - desenho de Tóssan"




António Aleixo - Quadras

Eu não sei porque razão
certos homens, a meu ver,
quanto mais pequenos são
maiores querem parecer.

Como um só não é bastante
Nós vamos ter , brevemente,
Dois guardas por habitante,
P´ra que não roubem a gente.

Sem que discurso eu pedisse,
ele falou, e eu escutei.
Gostei do que ele não disse;
do que disse não gostei

Quantas sedas aí vão,
quantos brancos colarinhos,
são pedacinhos de pão
roubados aos pobrezinhos!

Da guerra os grandes culpados
Que espalham a dor da terra,
São os menos acusados
Como culpados da guerra.

Há tantos burros mandando
Em homens de inteligência,
Que às vezes fico pensando
Que a burrice é uma ciência!

A quadra tem pouco espaço
Mas eu fico satisfeito
Quando numa quadra faço
Alguma coisa com jeito.


António Aleixo, poeta popular
1899-1949