A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht
Mostrar mensagens com a etiqueta joão Tunes. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta joão Tunes. Mostrar todas as mensagens

domingo, maio 06, 2007


Vítimas de Salazar
João Madeira
Irene Flunser Pimentel
Luís Farinha


Sinopse:

Durante mais de 30 anos António de Oliveira Salazar governou Portugal com punho de ferro. Através de um regime nacionalista, autoritário e repressivo despolitizou-se, desmobilizou a participação cívica dos portugueses e criou uma única e determinada imagem do país.


Pretensamente sem conflitos, problemas, miséria e dificuldades, segundo a norma de «o que se parece é». Mas os homens e mulheres de então tinham fome, viviam amordaçados pelo lápis azul dos censores, controlados por escutas telefónicas ou violação do seu correio, intimidados pelos informadores que colaboravam com o regime. Atormentados pelas torturas da estátua ou do sono perpetrados pela PIDE. Julgados por tribunais fantoches onde a liberdade ficava à porta e onde os próprios advogados passavam a réus. Se a sua atitude fosse considerada suspeita eram saneados, impedidos de exercer a função pública, exilados ou deportados para campos de concentração, ou simplesmente assassinados. Estes homens e mulheres têm um rosto, sofreram a repressão, enfrentaram-na de forma corajosa e muitos morreram de forma heróica a combatê-la. São as Vítimas de Salazar.

in
www.esferadoslivros.pt/novidades.php

Do”maior português de sempre” às “Vítimas de Salazar”

*
Joaquim Gonçalves

Quando criança - nasci na segunda metade dos anos 50 - fui habituado a ouvir (e a repetir) que Monsanto era a aldeia mais portuguesa de Portugal, que o Alentejo era o celeiro da Nação, que beber vinho era dar de comer a um milhão de portugueses e por aí fora, numa sucessão de frases de marketing político-económico de fazer inveja a sucedâneas gerações de brilhantinas, tecnocratas, e sabichões.

Mais tarde vim a saber que existiu um António Ferro. De Salazar já tinha conhecimento, não fosse ele omnipresente na parede da escola, bem por trás da secretária do Senhor Professor, por cima, por baixo ou ao lado do crucifixo, mas sempre em local que os nossos pequenos olhos não pudessem ignorar.

António Ferro foi, de facto, o grande publicitário do regime, fazendo escola que não se terá perdido no tempo. Há quem diga que foi o pai do marketing político português. Mas dessas coisas sei pouco. O que sei, constato, cerca de meio século passado, é que Ferro e Salazar não trabalharam em vão. Como se o lapso de cinquenta anos não tivesse existido na História de Portugal e dos Portugueses – dos grandes e dos pequenos – a televisão pública (e impúdica) oficial paga por todos nós, principalmente os pequenos portugueses, já que os grandes estão lá para colher os louros e as receitas, essa RTP que nunca conseguiu disfarçar sequer a sua dependência dos poderzinhos do momento, impõe-nos, agora, o nome do ditador como o hipotético maior português de sempre, numa lista que inclui Portugueses de maiúscula.

Não me contradigo ao dizer que esse nome não devia sequer ser autorizado a figurar na lista (hipotética) dos maiores. Não ignoro o lapso de cinquenta anos. Salazar existiu, de facto. Mas o tal meio século ensinou-me alguma coisa. Tal como o ontem e o hoje (o amanhã nunca se sabe), a História existe, não a podemos contornar. Deve, por isso, servir para alguma coisa. Quanto mais não seja para aprendermos com os erros do passado. Mas quem quer saber disso?

Entre outros ápodos, Salazar, para além de “bota-de-elástico”, também ficou conhecido pelo “troca-tintas”. Sendo eleito, num “concurso” que fosse sério, como “o maior português de sempre” ficaria consumada a categoria dos portugueses: “troca-tintas”.

Se assim fosse, na minha ascendência haveria de certeza um engano - não seria português. Mas sou. Porque a História continuará a ensinar a vindouros com dois dedos de inteligência que os poderes do momento são efémeros. E bons e maus portugueses havê-los-á sempre.

Cada um é como é. Cá por mim, não apenas como livreiro mas, acima de tudo, como Português, vou fazer a melhor divulgação possível do livro “Vítimas de Salazar”.

Sines, Março de 2007

http://adasartes.blogspot.com/2007/03/todos-os-autores-dia-31.html


Pelas Vítimas de Salazar

* João Tunes

Com uma óbvia oportunidade, o livro recentemente editado sob o título de “Vítimas de Salazar” (*) representa uma súmula de vários aspectos da pesada face negra dos tempos sob a ditadura de Salazar. Obra de uma equipa de historiadores, nela perpassa o essencial de um passado culturalmente (não politicamente?) ainda presente em que, pela distância de uma incerta vivência democrática, não deixa de provocar espanto. Suponho que a admiração maior calhará às gerações pós-abril que terão dificuldade em imaginar-se viverem em tamanho sufoco repressivo. Mas mesmo para as gerações que viveram a ditadura, admito que esta revisita do salazarismo ainda perturbe como retorno de pesadelo.


E se a distância, normalmente um importante factor positivo e essencial para qualquer abordagem histórica, é propícia a uma apreciação mais fria, abrangente e documentada do passado histórico, não é menos verdade que ela é aproveitada pelos gestores do silêncio e do apagamento dos contrastes. Portanto, campo livre para o revisionismo e a recuperação saudosista. Com Salazar, foi isso que aconteceu. O que espreita e é aproveitado atrás dos recuperadores de Salazar, gerindo-lhe e alimentando o mito, é uma mescla de múltiplos vectores: sobreviventes desse tempo que não combateram Salazar (e a maioria dos que viveram o seu tempo não o combateu, por medo, por servilismo ou por benefício); os das mais jovens gerações que desiludidos com o rumo e resultados democráticos, são atreitos a uma projecção negativista radical do presente (fazendo-o para um futuro utópico de revolução libertadora ou pelo retrocesso passadista); os incrédulos, por ignorância, da face negra do salazarismo; os relativistas que se empenham em salientar o cotejo dos limites repressivos do salazarismo com outros fascismos da época.


Numa sucessão de abordagens conformes á metodologia histórica, documentalmente suportada, os autores deste livro revisitam o pesadelo do tempo vivido sob o mando absolutista de Salazar, desdobrado nas várias facetas em que o regime reprimia, controlava e definia os limites das vivências permitidas. Nas quais, só três vias eram consentidas: o colaboracionismo (em grande número, um “colaboracionismo miserável”, como o dos “bufos” e “informadores”); o conformismo (sobretudo o de “a minha política é o trabalho”); a resistência e oposição (para quem o regime usava uma mão pesada e brutal). Os vários capítulos deste livro tratam, sobretudo, deste último (e reduzido) grupo, afinal o sustentáculo das raízes de que saiu a democracia e que depois havia de incorporar activamente os colaboracionistas e os conformistas. Mais, é claro e felizmente, as gerações crescidas ou já nascidas em sociedade democrática (toda ela, uma negação total e absoluta da sociedade salazarista). A censura, a vigilância sobre as conversas telefónicas e o correio, a rede de “bufos” e informadores, a prisão política e a prática de torturas, os julgamentos por juízes-polícias com possibilidade de aprisionamento como “medida de segurança”, os saneamentos da função pública, a deportação e o exílio, os campos de concentração, o controlo político das Forças Armadas, as milícias fascistas, a repressão aos estudantes, a liquidação do protesto sindical, os assassinatos políticos, as fraudes eleitorais, são as faces negras do salazarismo, as vividas pelas suas vítimas, expostas neste livro e atiradas à cara dos saudosistas de Salazar. Impensáveis hoje mas essenciais então para a conservação de um regime hiper autoritário.


Um livro eminentemente útil num tempo em que, pela ignorância e pelo apagamento programado da memória, um punhado de maníacos saudosistas mobiliza, pelo telemóvel, votos televisivos para o ditador nefando como sendo um “grande português”.


(*)“Vítimas de Salazar – Estado Novo e Violência Política”, João Madeira, Irene Pimentel, Luís Farinha e Fernando Rosas, Edições “A Esfera dos Livros”

---------

Adenda: Quase em coincidência, também Miguel Cardina faz apreciação deste livro oportuno.

http://agualisa6.blogs.sapo.pt/209856.htm

A violência, o medo e os rostos defronte

* Miguel Cardina

Existe já uma considerável produção memorialística proveniente do diversificado campo da oposição ao Estado Novo. Em 2001, António Ventura publicou o catálogo Memórias da Resistência. Literatura autobiográfica da resistência ao Estado Novo, no qual antologiou noventa e nove extractos de livros escritos por activistas da luta contra o regime de Salazar e Caetano. Desde essa data, mais livros – subtraia-se à contabilidade as inúmeras crónicas ou testemunhos sobre o assunto – foram adicionados a esta lista, estando actualmente o número de relatos desta natureza bem acima da centena. Um exemplo último foi a edição das memórias de Edmundo Pedro, dedicadas ao período da sua formação ideológica e permanência no campo de concentração do Tarrafal.

Por outro lado, e no campo académico, a abordagem dos processos de luta oposicionista tem vindo a interessar um número crescente de investigadores, com alguns deles a deslocarem o foco de atenção para o «outro lado», o lado dos mecanismos, dos fenómenos e dos actores da repressão política. Recentemente, duas teses de doutoramento foram dedicadas a esta temática. Em 2004, Dalila Cabrita Mateus publicou A PIDE/DGS na Guerra Colonial: 1961-1974 – tendo, em 2006, dado à estampa Memórias do Colonialismo e da Guerra, conjunto de quarenta entrevistas, efectuadas no âmbito do referido trabalho, a portugueses e africanos perseguidos pelo seu empenhamento independentista – e Irene Flunser PimentelA Polícia Internacional de Defesa do Estado. Direcção Geral de Segurança (PIDE/DGS). História da Polícia Política do Estado Novo, cuja publicação se anseia para breve. apresentou, já este ano,

Vítimas de Salazar, de João Madeira, Irene Flunser Pimentel e Luís Farinha, permite percorrer esse duplo caminho que atravessa resistência e repressão. Ao mesmo tempo que aborda a violência cometida pelas autoridades, recupera o rosto daqueles que arriscaram romper o cerco e lutar, das mais variadas formas, contra o regime ditatorial. Como declara João Madeira na introdução, este não é o estudo sistemático «que é globalmente indispensável» e «que tem vindo a ser parcelarmente realizado» sobre este domínio. Ainda assim, convém esclarecer que a obra não se limita a coligir e elucidar situações mais ou menos emblemáticas, mais ou menos desconhecidas – tarefa já de si altamente louvável – mas proporciona uma útil visão de conjunto sobre os mecanismos da repressão política.

No prefácio, Fernando Rosas elabora algumas considerações sobre os dois temas que, visível e invisivelmente, percorrem a obra: a violência e a memória. Sobre esta, Rosas salienta que a revolução de 1974/75 se fez, desde logo, em nome da «memória do antifascismo», o que explicaria o assalto à PIDE, a libertação dos presos políticos, a liquidação do partido único e da censura, a extinção da Legião Portuguesa (LP), da Mocidade Portuguesa (MP) e da Mocidade Portuguesa Feminina (MPF), bem como os saneamentos de governantes, delatores e colaboradores do regime.

Num segundo momento, colocado na curva da década de setenta para a década de oitenta, teria emergido uma «cultura de negação/revisão» dessa memória que fora dominante durante o biénio revolucionário. Fernando Rosas identifica três manifestações deste processo: 1. «a anulação ou esvaziamento prático de grande parte das medidas de justiça exigidas e parcialmente impostas»; 2. «o prolongado fecho de alguns arquivos essenciais à investigação histórica do Estado Novo e suas instituições»; 3. «a construção progressiva de um discurso de revisão historiográfica», que não tem a ver com a querela relativa a classificação (ou não) do regime como um fascismo, mas com uma dada interpretação que lhe enfatiza o lado civilista. Liderada por um professor catedrático e temperada por uma «matriz católica», a ditadura portuguesa ter-se-ia caracterizado pelo seu «baixo teor de violência».

É precisamente sobre a questão da violência, central neste volume, que Rosas faz mais algumas breves alusões. Enquanto projecto de superação do liberalismo e de cura da Nação através da erradicação dos «traidores da Pátria», a violência dos regimes de tipo fascista era «potencialmente irrestrita», variando a sua extensão de acordo com as circunstâncias e as possibilidades. A durabilidade dos regimes implicaria, pois, uma cuidadosa gestão entre a «violência preventiva» e a «violência punitiva», caminhos apostados em «enquadrar a massa»«moldar os espíritos». e

A primeira seria a forma mais constante, ainda que menos evidente, de violência política, e sustentava-se na intimidação, na dissuasão e no medo. Neste campo jogaram um papel essencial a igreja católica – sobretudo até a década de cinquenta –, o aparelho censório e os organismos estatais de inculcação ideológica. Aqui se traçava um «primeiro círculo de segurança que toda a gente que não quisesse correr sérios riscos ou arranjar problemas graves, interiorizava não poder pisar». O segundo domínio da violência – o da repressão directa – agia sobre um número quase sempre mais escasso de indivíduos e servia-se de uma rede própria: a PIDE, a PSP, a GNR, a LP, os tribunais especiais, as prisões e os campos de concentração, bem como por uma legislação penal que suportava e permitia uma série de arbitrariedades.

Mobilizando uma quantidade apreciável de documentos, informações e testemunhos, os autores de Vítimas de Salazar desenham um retrato inequívoco da identidade agressiva do Estado Novo. Nele se destacam as perseguições, os assassinatos, os interrogatórios da PIDE – onde, como lembrou o psiquiatra Afonso de Albuquerque, o que interessava não era fazer falar mas «a destruição da personalidade do preso e a criação de um clima de terror» – ao mesmo tempo que se vai apontando a referida «violência preventiva»: a censura, as escutas telefónicas, o medo, a mentalidade delatória, a violação de correspondência, as estruturas ideológicas do regime, são alguns dos temas documentados. Não se confundindo, pois, com um libelo acusatório, o livro não abdica de «tomar partido», isto é, de mostrar que na dialéctica entre torcionários e vítimas, delatores e perseguidos, opressores e oprimidos, a dignidade está apenas num dos lados.

João Madeira, Luís Farinha, Irene Flunser Pimentel (2007), Vítimas de Salazar. Estado Novo e Violência Política. Prefácio de Fernando Rosas. Lisboa: A Esfera dos Livros. 452 pp. [ISBN 978-989-626-044-6]

http://ppresente.wordpress.com/textos/a-violencia-o-medo-e-os-rostos-defronte/



É quase Abril...

18-04-2007

* Francisco Queirós

Estamos a poucos dias do 33.º aniversário do 25 de Abril. Muitos portugueses nasceram depois da revolução e a geração que hoje está no poder era a geração adolescente naqueles últimos anos do regime, da chamada “primavera marcelista” que se sucedeu à queda da cadeira protagonizada por Salazar, primavera só de nome em que a PIDE, agora DGS, continuava a esmerar-se nas torturas do sono e da estátua, na tortura psicológica com o bom e o mau pide, e em tantas outras sevícias, que Salazar, tão hipócrita quanto falsamente seráfico, crismara de: “meia dúzia de safanões a tempo nessas criaturas sinistras”. Portugal era um país de miséria, de analfabetismo, de mortalidade infantil, de fome e era o país onde as mulheres precisavam de autorização dos maridos para se deslocarem ao estrangeiro e onde os maridos tinham direito consagrado a abrir a correspondência das suas mulheres. Era um país em guerra, de onde os seus filhos saíram para morrer em nome falso de uma Pátria que não podia contudo ser a sua. 33 anos depois de Abril recordemos que são milhões as vítimas de Salazar e de Caetano, os que caíram na guerra, os que sofreram a repressão, as prisões e os assassinatos, os que foram condenados à emigração “a salto”, os que foram destinados à miséria, à fome, à tuberculose e a outras enfermidades ou à ignorância por um regime que desprezou o ensino.

33 anos depois da Revolução de Abril eles andam aí de novo, em concursos de tv ou em campanhas de branqueamento dos seus crimes. Por estes dias, representantes do fascismo de toda a Europa concentram-se num evento em Portugal. E o governo mantém-se mudo e quedo face às cada vez mais frequentes cerimónias fascistas, em que se incluiu também a pretensão de inaugurar um santuário em Santa Comba, com o nome de museu.

Curiosamente, quando em Portugal se avança como nunca antes na execução de políticas neoliberais, de direita, em muito semelhantes às executadas por sectores da extrema-direita europeia, recrudescem os episódios e as manifestações nacionalistas. Há quem, professoralmente, os desvalorize. Há quem defenda que se ignorem ou desprezem estes sinais. Mas eles não são inocentes. A extrema-direita clássica tem agora a sua oportunidade e, assumindo-se publicamente com maior frequência e estridência, procura empurrar os homens que estão ao leme para rumarem ainda mais para a direita. A estratégia é velha - cria-se um espaço entre o extremismo, que na pior hipótese a maioria da opinião pública rejeita e condena, e as novas e modernas soluções direitistas, mas aparentemente mais democráticas e logo distintas e por isso aceitáveis e convincentes. Se necessário mesmo, aperta-se o cerco aos protagonistas do poder, obrigando-se a que caminhem ainda mais depressa para onde se quer que estes avancem.

33 anos depois do 25 de Abril, a memória está mal cuidada, de propósito. 33 anos depois da Revolução, há quem cuide em apagá-la e há quem não queira em consciência ver os perigos que espreitam por detrás da falsificação da história e do branqueamento do fascismo. Mas Brecht tem ainda razão: «Primeiro levaram os comunistas / Mas não me importei com isso / Eu não era comunista / Em seguida levaram alguns operários / Mas não me importei com isso / Eu também não era operário / Depois prenderam os sindicalistas / Mas não me importei com isso / Porque eu não sou sindicalista / Depois agarraram uns sacerdotes / Mas como não sou religioso / Também não me importei / Agora estão a levar-me a mim / Mas já é tarde.»

Para que não seja tarde, recordemos Abril. Eu cá vou recordá-lo nas ruas, em Abril e em Maio. E sempre. Sempre que for preciso.

in

http://www.asbeiras.pt/?area=opiniao&numero=41650&ed=19042007

segunda-feira, abril 23, 2007

DA HISTÓRIA DOS PRETOS E DE ALGUNS BRANCOS AMIGOS DE PRETOS

[campos de concentração na guerra colonial]

esclavos2.jpg



* João Tunes

A Portaria nº 18.539 de 17 de Junho de 1961, publicada em “Diário do Governo”, dizia apenas: “É instituído em Chão Bom um campo de trabalho”. Assinava, o então Ministro do Ultramar (hoje, eminência e referência em qualquer debate televisivo de “qualidade”), Dr. Adriano Moreira.

O que significou este despacho, com um tom inócuo de cumprimento de ritual administrativo? “Apenas” isto – a formalidade “administrativa” para que a PIDE reabrisse o Campo Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, agora destinado aos militantes anti-coloniais.

Em termos de repressão e sofrimentos humanos, o que representou, consumou, este “despacho” do tão respeitável e venerando homem de ideias e do pensamento luso Adriano Moreira?

O Campo de Concentração do Tarrafal, usado até final da Segunda Guerra contra “prisioneiros políticos portugueses-europeus”, tinha fechado para fazer esquecer a semelhança de métodos do católico-fascismo português com o nazi-fascismo. O Campo ficava na periferia do porto-praia de Tarrafal na ilha de Santiago em Cabo Verde (na ponta oposta à Cidade da Praia) (hoje, uma belíssima estância balnear).

Com o acentuar das ideias independentistas entre os povos coloniais, os prisioneiros às mãos da Pide começaram a ser muitos, demasiados. Na sua maioria, pretos. Ou seja, uma nova sub-classe, inferior, na escala dos “subversivos” perante o regime. Numa primeira fase, 1958-1961, ainda se simularam “julgamentos” que, nas colónias, foram atribuídas a Tribunais Militares. Os julgamentos, escandalosos na sonegação de direito de defesa, com “confissões” arrancadas sob torturas horrendas, aumentavam de caudal, transformando-se em enxurradas de condenados. O que fazia alastrar a indignação e ... a luta. Bem como o eco nacional e internacional. Para agravar, havia uns tantos brancos, além de mestiços, misturados na luta dos pretos antipatriotas (sim, nem todos os brancos luso-africanos foram colonos e colonialistas, honra lhes seja feita!). Passaram-se então a dividir os processos, de forma a que brancos e mestiços aparecessem nuns julgamentos e a pretalhada noutros. Depois, para complicar, havia presos carismáticos, cujo martírio da perseguição induzia vontades de lutar, casos de Agostinho Neto, Padre Joaquim Pinto de Andrade e outros. Então, a Pide passou a mandar para o Aljube e Caxias, os presos colonias de elite, deixando aos tribunais militares coloniais “julgarem” os de menor condição social ou ressonância social. Mesmo assim, estes presos-bandeira eram incómodos, então passou-se à deportação selectiva (Agostinho Neto para a Ilha de Santo Antão em Cabo Verde, Joaquim Pinto de Andrade para a Ilha do Príncipe). Não deu, estes homens encontravam sempre forma de defenderem as suas ideias.

Se os “julgamentos” eram muitos e os réus aumentavam exponencialmente, o que fazer? Apresentar a julgamento milhares de pretos subversivos, com uns brancos e mestiços desnaturados à mistura? Quando se dizia que pretos e brancos eram todos felizes, do Minho a Timor, por serem portugueses? A solução foi dispensarem-se as formalidades dos “julgamentos”. No fundo, se aquilo era uma grotesca encenação, porquê insistir nela com riscos de repercussões indesejáveis? A PIDE passou então a ter poder de aplicar “administrativamente” a “fixação de residência” que podia ter lugar em qualquer parte do espaço nacional. E a PIDE passou a “fixar residência” aos seus presos africanos, depois de interrogados e torturados, em ... qualquer uma das suas cadeias. Sem prazo nem outra formalidade que o despacho do Pide-Mor em cada colónia. Mas as prisões localizadas nas capitais coloniais não chegavam para as encomendas e havia o inconveniente de as famílias e amigos dos presos se amontoarem aos portões querendo saber dos seus. Havia, pois, que levar os presos para longe das vistas e dos corações.

Lembraram-se de Tarrafal, o Campo entretanto vazio de presos luso-europeus. O nome não convinha, lembrava a nazi-fascismo, mas as instalações ainda estavam boas para pretos e ainda mais para brancos amigos de pretos. Solução: o sítio do Campo foi rebaptizado como Chão Bom (o que devia espicaçar o sadismo dos pides). E, assim, Adriano Moreira, com o seu singelo despacho de 17 de Junho de 1961, oficializou a reabertura do Campo de Concentração do Tarrafal sob a designação de “campo de trabalho de Chão Bom”. Agora para africanos com manias de independências ou disso suspeitos. Excelente para que os militantes anticoloniais ali penassem, sem julgamento, sem prazo, sem assistência, afastados das famílias e sem capacidade de exercerem más influências. Apenas por decisão administrativa da Pide e como “fixação de residência”.

Os presos aumentavam as levas para o Tarrafal / Chão Bom. Eram cada vez mais e havia os custos das viagens. Havia que poupar porque a guerra colonial dava uma despesa danada. E, nestas circunstâncias, a receita é descentralizar. É então a altura, em 24 de Agosto de 1961, de a mesma Excelência, o Ministro do Ultramar, Dr. Adriano Moreira, pela Portaria 18.702, despachar laconicamente: “É instituído na província de Angola o campo de trabalho de Missombo”.

As guerras coloniais alastravam, os prisioneiros aumentavam, onde se metiam os que não se liquidavam sumariamente? Tanto preto preso, onde metê-los? Continuar a abrir campos? Claro, mas sobrecarregar o Ministro com mais portarias e mais dicas da escalada repressiva expostas (mesmo que disfarçada de actos administrativos incolores)? Não há mal que não tenha cura. O campo de São Nicolau, em Angola, abriu e já não precisou de Portaria. O mesmo com os Campos abertos em série em Moçambique (para descongestionarem Machava). O mesmo com o campo nos Bijagós na Guiné.

Os dois despachos, aqui citados, de Adriano Moreira, do venerando e honorável Professor Adriano Moreira, ficam como peças burocráticas perdidas na história da transição da ignomínia para o genocídio. Mostrando que há “criminosos de guerra” com direito hoje, na democracia, a serem atentamente escutados como “opinion maker”. Os “campos” passaram á história. Foram coisa para pretos. E para brancos amigos de pretos. Que, sabe-se, estavam na escala mais baixa do bom português.
retirado do Blog Agualisa 4

domingo, abril 22, 2007

GUERRA COLONIAL versus CADETES MILICIANOS

* João Tunes


0008ar5a


Como se sabe, muitos Cadetes milicianos (futuros alferes milicianos que alimentavam o grosso dos comandos de homens em combate na guerra colonial) iam para Mafra depois de terem enfrentado o regime nas lutas estudantis e alguns deles estavam ali precocemente, sem os deixarem concluir os seus cursos, por terem sido punidos com a expulsão da Universidade. Daí que quando me calhou enfiarem-me em Mafra, em 1968, a maioria esmagadora dos Cadetes tinha já convicções mais ou menos consolidadas contra o regime e contra a guerra colonial. Claro que havia os “apolíticos” e um ou outro que até aderia ao militarismo. Mas “patriotas” convictos e convencidos da justeza da guerra, contavam-se pelos dedos e acabavam por fazer figuras algo excêntricas nos sentimentos dominantes e nas conversas. Eram os que chamávamos de “chicos” e “fachos” que, por regra, acabavam por ficar isolados. E alguns mudaram posteriormente de posição quando da experiência concreta na guerra, o que pude também constatar em diversos casos.


A chegada de J.R. a Mafra mudou muito as coisas. Ele foi para Mafra com o curso concluído de engenharia química e tinha sido o líder estudantil no Porto (onde eu o conhecera e com ele acamaradara nas brigas contra os “fachos”, um e outro a estudarmos no Porto por termos sido expulsos de Lisboa). Era, pois, um veterano e organizado militante contra o regime, com grande capacidade de organização e bom conhecedor das regras conspirativas, mais um grande poder carismático aliado a uma profunda modéstia. Com ele, muito mudou em Mafra. A oposição à guerra evoluiu, entre os Cadetes - uns com "canudos" frescos e ainda sem aplicação profissional, outros com os cursos interrompidos por razões repressivas ou por falta de aproveitamento académico -, dos desabafos soltos para uma organização estruturada de denúncia e combate à guerra colonial. Desse grupo, lembro-me de outros antigos dirigentes e activistas estudantis. Nos fins-de-semana, tínhamos as nossas reuniões conspirativas em Lisboa, durante a semana fazia-se o que se podia – contactos com quem revelasse consciência anticolonial, umas tarjetas contra a guerra espalhadas à noite pelas casernas, pinchagens nos corredores ("Abaixo a Guerra Colonial!"), apelo a que se ouvissem as emissões da Rádio Voz da Liberdade (em Argel), etc. Entretanto, eu saí de Mafra (quando o J.R. lá chegou, eu já tinha feito a recruta e estava a tirar a especialidade) e o J.R. por lá continuou por mais algum tempo. E com bons “resultados” como herança política, pois num dos posteriores juramentos de bandeira deu-se um célebre protesto dos Cadetes milicianos concretizado na própria cerimónia do juramento de bandeira, perante a "generalada" e as famílias dos Cadetes, em que em vez de palavras de jura da disponibilidade de defender a Pátria confundida com o Império, ter havido antes um colectivo, alargado e simultâneo “descuido” de se carregar numa patilha e deixar cair os carregadores da G3 no chão, coisa que foi uma realíssima bronca.


[O J.R. foi, mais tarde, parar ao quartel de Chaves e depois mobilizado para a guerra em Moçambique. Então, desertou mas não saiu do país, passando à luta como militante clandestino. Poucos meses antes do 25 de Abril, foi apanhado pela PIDE e selvaticamente torturado (imagine-se o que era a PIDE caçar um desertor e militante clandestino!), não tendo passado muito tempo de prisão nem sido julgado porque, entretanto, deu-se o golpe. A minha amizade pelo J.R., tecida em laços tão fortes, tão partilhados e tão arriscados, não perdeu nada da sua ternura quando, já em tempos de liberdade, o reencontrei e o obriguei a um abraço, ele imbebido em solidão e culpa, num bar das noites lisboetas, olhos baços e fugidios, afogando a vergonha em copos, por, a poucos meses da meta da libertação, se ter ido abaixo perante os pides torcionários, arrastando umas dezenas para os cárceres da polícia política, a última grande vaga de prisões feita pela PIDE. Eu sabia bem que a luta contra o fascismo e o colonialismo não era feita por santos sem pecado ou por heróis plenos e míticos, mas sim por homens e mulheres, os inconformados, trazendo no corpo e na alma os seus medos, suas forças e suas fraquezas. Porque foram homens e mulheres, em toda a dimensão e leque da natureza humana, através de altos e baixos, aqueles que, demorando embora tempo demais, acabaram por vencer o fascismo e o colonialismo, só demonstrando que a queda da ditadura e a conquista da liberdade que hoje se respira não foi feita por outros em nosso nome, mas apenas por nós, os de então, seres humanos a quem o acaso histórico deu essa missão.]


Para os que não desertaram, mas estavam contra aquela guerra, a experiência da guerra colonial foi particularmente dolorosa e acarretou sublimações de profundas contradições. Sobre a forma como cada um as fez, cada um saberá de si, havendo escassez de testemunhos para bem entender o fenómeno. O certo é que, em termos globais, o contacto destes jovens oficiais milicianos, nos vários teatros de guerra, com os oficiais do quadro, nomeadamente capitães e majores, eles próprios cansados da guerra, sem lhes vislumbrarem vitórias definitivas no horizonte, nem capacidade do regime de lhes dar soluções políticas, acabou por resultar no MFA e num golpe militar que mudou o País, restaurou a democracia, com o fenómeno espantoso e acelerado de transformar, em pouco tempo, oficiais colonialistas por profissão em oficiais antifascistas por devoção (alguns até em socialistas revolucionários). E a escola para este “contágio” começava em Mafra, naquele convento-casarão-quartel onde, com todas as pressas, se fardavam, para fazer a guerra, muitos milhares de mancebos que vinham frescos da vivência de tentarem respirar liberdade nos anfiteatros universitários.



Retirado do blog Água Lisa , 5 de Junho de 2006