A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

quinta-feira, outubro 26, 2006

Fados do Tempo da Outra Senhora (1) Calçada de Carriche - António Gedeão




Calçada de Carriche

Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada


António Gedeão

terça-feira, outubro 24, 2006

NA FONTE ESTÁ LEONOR

Na fonte está Leonor
lavando a talha e chorando,
as amigas perguntando:
vistes lá o meu amor?

VOLTAS

Posto o pensamento nele,
porque a tudo o Amor a obriga,
cantava, mas a cantiga
eram suspiros por ele.
Nisto estava Leonor
o seu desejo enganando,
às amigas perguntando:
vistes lá o meu amor?

O rosto sobre uma mão,
os olhos no chão pregados,
que, do chorar já cansados,
algum descanso lhe dão.
Desta sorte Leonor
suspende de quando em quando
sua dor; e, em si tornando,
mais pesada sente a dor.

Não deita dos olhos água,
que não quer que a dor se abrande
Amor, porque em mágoa grande
seca as lágrimas a mágoa.
Que, depois de seu amor
soube novas, perguntando,
d'improviso a vi chorando.
Olhai que extremos de dor!

CAMÕES
LEONOR

A Leonor continua descalça,
o que sempre lhe deu certa graça.

Pelo menos não cheira a chulé
e tem nuvem de pó sobre o pé.

Digam lá se as madames do Alvor
são tão lindas como esta Leonor

Um filhito ranhoso na mão,
uma ideia já podre no pão.

Meia dúzia de sonhos partidos,
a seus pés, como cacos de vidros.

Digam lá se as madames do Alvor
são tão lindas como esta Leonor.


António Cabral, Antologia dos Poemas Durienses, Chaves, Edições Tartaruga, 1999.
VAI FORMOSA E NÃO SEGURA

I

Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura:
Vai formosa e não segura.

II

Se tivesse umas chinelas
iria melhor...; mas não:
com dinheiro das chinelas
compra um pouco mais de pão.
Virá o dia em que os pés
não sintam a terra dura?
Leonor sonha de mais:
vai formosa e não segura.

Formosa! Não vale a pena
ter nos olhos uma aurora
quando na vida – que vida! –
o sol se foi embora.
Se os filhos se alimentassem
com a sua formosura...
Leonor pensa de mais:
vai formosa e não segura.

Há verduras pelos prados,
há verduras no caminho;
no olmo de ao pé da fonte
canta, livre, um passarinho,
Mas ela não canta, não,
que a voz perdeu a doçura.
Leonor sofre de mais:
vai formosa e não segura.

Porque sofre? Nunca soube
nem saberá a razão.
Vai encher a talha de água,
só não enche o coração.
Virá um dia... virá...
Os olhos voam na altura
Leonor não anda: sonha.
Vai formosa e não segura.

António Cabral, Antologia dos Poemas Durienses, Chaves, Edições Tartaruga, 1999.
cantiga
VAI FORMOSA E NÃO SEGURA

CANTIGA

Descalça vai para a fonte,
Leanor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.

A talha leva pedrada,
Pucarinho de feição,
Saia de cor de limão,
Beatilha soqueixada;
Cantando de madrugada,
Pisa as flores na verdura:
Vai fermosa, e não segura.

Leva na mão a rodilha,
Feita da sua toalha;
Com üa sustenta a talha,
Ergue com outra a fraldilha;
Mostra os pés por maravilha,
Que a neve deixam escura:
Vai fermosa, e não segura.


As flores, por onde passa,
Se o pé lhe acerta de pôr,
Ficam de inveja sem cor,
E de vergonha com graça;
Qualquer pegada que faça
Faz florescer a verdura:
Vai formosa, e não segura.

Não na ver o Sol lhe val,
Por não ter novo inimigo;
Mas ela corre perigo,
Se na fonte se vê tal;
Descuidada deste mal,
Se vai ver na fonte pura:
Vai fermosa, e não segura.

Francisco Rodrigues Lobo
redondilha
VAI FORMOSA E NÃO SEGURA

Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura
Vai formosa e não segura!

Leva na cabeça o pote
O testo nas mãos de prata
Cinta de fina escarlata
Dainho de chamalote
Traz a vasquinha de cote
Mais branca que a neve pura
Vai formosa e não segura!

Descobre a touca a garganta
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor d'encarnado
Tão linda que o mundo espanta
Chove nela graça tanta
Que dá graça à formosura
Vai formosa e não segura!

CAMÕES

segunda-feira, outubro 23, 2006




PROCISSÃO

Tocam os sinos da torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Mesmo na frente, marchando a compasso,
De fardas novas, vem o solidó.
Quando o regente lhe acena com o braço,
Logo o trombone faz popó, popó.

Olha os bombeiros, tão bem alinhados!
Que se houver fogo vai tudo num fole.
Trazem ao ombro brilhantes machados,
E os capacetes rebrilham ao sol.

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Olha os irmãos da nossa confraria!
Muito solenes nas opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos bigodes e tais sobrancelhas!

Ai, que bonitos que vão os anjinhos!
Com que cuidado os vestiram em casa!
Um deles leva a coroa de espinhos.
E o mais pequeno perdeu uma asa!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Pelas janelas, as mães e as filhas,
As colchas ricas, formando troféu.
E os lindos rostos, por trás das mantilhas,
Parecem anjos que vieram do Céu!

Com o calor, o Prior aflito.
E o povo ajoelha ao passar o andor.
Não há na aldeia nada mais bonito
Que estes passeios de Nosso Senhor!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Já passou a procissão.

António Lopes Ribeiro

António Gedeão - Poema da auto-estrada

POEMA DA AUTO-ESTRADA

Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta
Vai na brasa de lambreta.

Leva calções de pirata,
vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina
de impaciente nervura.
Como guache lustroso,
amarelo de indantreno
blusinha de terileno
desfraldada na cintura.

Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.

Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.

Como um rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.

Na confusão dos sentidos
já nem percebe, Leonor,
se o que lhe chegou aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.

Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.


António Gedeão, Máquina de Fogo, 1961

sexta-feira, outubro 20, 2006

PERGUNTAS DE UM OPERÁRIO LETRADO

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruida,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Indias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas

BRECHT

quinta-feira, outubro 19, 2006

Achamentos, Descobrimentos ou Encontros de Culturas - Uma outra abordagem !



* Victor Nogueira

Nós achamos ou descobrimos aquilo que desconhecemos ou perdemos. E ao achar ou descobrir nós encontramos!

Se é certo que a Humanidade iniciou sua caminhada a partir de África e dali se espalhou pelo Mundo, então esses nossos antepassados foram os primeiros e verdadeiros descobridores de terras até então não percepcionadas pelo Homem/Mulher. «Frágeis» seres enfrentando dantescos e desconhecidos perigos e contrariedades. Dessas caminhadas, dessas descobertas, não ficaram registos escritos e, na ausência de meios de comunicação na vastidão da terra, as novas comunidades perderam o contacto e da ancestralidade ficaram alguns mitos e lendas comuns.

Separadas e isoladas, cada uma para seu lado, essas comunidades foram-se desenvolvendo, criando suas formas e regras para organização da sociedade e de interpretação da Natureza e de seu relacionamento com ela, foram criando seus próprios sistemas de valores, foram atingindo estádios de «desenvolvimento» e de conhecimento diferenciados.

Cortez ao desembarcar no actual México encontrou uma civilização complexa, a dos Aztecas, como «desenvolvidas» eram as dos Maias e dos Incas. Confundiram-no os Aztecas com Quetzalcóatl, um Deus por eles muitas vezes até aí representado por um «homem branco, barbado e de olhos claros», que prometera voltar. Mas Cortez nada tinha da «bondade» de Quetzalcóatl nem chegara para cumprir as promessas deste.

Grandes navegadores foram os Vikings, provenientes do Norte da Europa (Escandinávia), que atingiram também o continente que veio a chamar-se América, muito antes de Colombo, Cabral ou Américo Vespucci, mas que não deixaram registos escritos das suas façanhas, o que não significa que não tenham ocorrido pela análise de testemunhos de outra espécie. Com efeito há testemunhos arqueológicos da descoberta da América do Norte, por Leif Eriksson da Groenlândia (1000 d.C.), que lhe deu o nome de Vinland. Um pequeno povoado foi fundado na península norte na Terra Nova (Canadá), mas a hostilidade dos indígenas locais e o clima frio provocaram o fim desta colónia ao fim de alguns anos. Os restos arqueológicos deste local - L'Anse aux Meadows - estão classificados como Património Mundial, pela UNESCO.

Como hoje se questiona que a 1ª viagem de circum-navegação tenha sido feita por Fernão de Magalhães, português ao serviço do Rei de Castela, avançando-se com o feito duma esquadra chinesa bem antes, em 1421.

E se a descoberta do caminho marítimo para a Índia é reivindicada pelos portugueses e atribuída a Vasco da Gama (1498), a verdade é que desde há longos a China conhecia a Europa e esta sabia da existência da China, não só através dos mercadores árabes como do veneziano Marco Pólo (1254 - 1324), que percorreu a terrestre Rota da Seda.

Certa história regista os feitos enaltecendo não a plebe que está por detrás deles mas sim os «chefes» ou comandantes. A História fala de Vasco da Gama mas não regista os nomes dos marinheiros que permitiram a este comandar a esquadra e sem os quais nunca lá teria chegado. A História refere o nome de Cabral como «descobridor» do Brasil, mas quem sabe o nome do gajeiro que do alto da gávea primeiro avistou terras do Brasil, disso dando conta ao comandante? Descuido de Pêro Vaz de Caminha? A história regista o nome de Edmund Hillary como o 1º ser humano que subiu ao Everest (terá sido?), mas ele não fez a proeza sozinho, antes contou com o apoio de outrem. Quem conhece o nome do sherpa Tenzing Norgay?

E depois, o olhar que temos de descobrimentos, achamentos e encontros é o olhar de quem domina, durante muito tempo o olhar dos Europeus, como se a Europa fosse o centro e o farol do Mundo e da Humanidade. Mas os descobertos ou achados também têm a sua visão, os seus Heróis, que seguramente não serão os mesmos. E os povos «achados» ou «descobertos» não eram em termos de organização e de conhecimentos «inferiores» aos «Europeus». Talvez sofressem no entanto dum «defeito»: terem sido talvez demasiado crédulos quanto às boas intenções dos que se vieram a apresentar como «descobridores» ou «achadores».

Para o mesmo local encontramos frequentemente duas designações: a dos que já estavam e a dos que depois lá chegaram. Qual deve prevalecer e porque prevaleceu a que prevaleceu?

Aqui na internet, gigantesca biblioteca onde nem tudo merece crédito e muito tem de ser joeirado, pode ler-se, por exemplo, acerca de «Índios e Portugueses - O Encontro de Duas Culturas»: «Durante os primeiros anos do Descobrimento, os nativos foram tratados "como parceiros comerciais", uma vez que os interesses portugueses voltavam-se ao comércio do pau-brasil, realizado na base do escambo. Segundo os cronistas da época, os indígenas consideravam os europeus, amigos ou inimigos, conforme fossem tratados: amistosamente ou com hostilidade. Com o passar do tempo, e ante a necessidade crescente de mão-de-obra dos senhores de engenho, essa relação sofreu alterações. Com a instalação do Governo Geral, em 1549, intensificou-se a escravidão dos indigenas nas diversas atividades desenvolvidas na Colônia, gerando constantes conflitos.»
(http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo01/duas_culturas.html)

Relatos semelhantes poderiam ser feitos relativamente ao encontro entre os poderosos Reinos de Portugal e do Congo, para além de outros que em África havia, que levaram ao desenvolvimento da escravatura para permitir o funcionamento de roças e de engenhos na América ou na Europa.

Para além da consulta de Lopes, Duarte e Pigafetta, Filippo. Relação do Reino do Congo e das Terras Circunvizinhas, Câmara Municipal de Amarante, 2000, pistas sobre este assunto podem ser encontradas também a partir de http://www.historia.uff.br/tempo/textos/artg6-7.PDF
ou http://www.suapesquisa.com/afric/ )

Victor Nogueira
Publicado no PortugalClub

terça-feira, outubro 17, 2006


O MAIOR PORTUGUÊS DE TODOS OS TEMPOS (1)
ZÉ POVINHO OU FERNÃO MENDES PINTO
* Victor Nogueira

Numa época de crise resolveu a RTP lançar um concurso, o «supra-sumo da democracia» em votação electrónica, por sms ou telefónica, tendo esta maior peso e sendo duas delas com custos de valor acrescentado.

É obra reduzir cerca de oito séculos de história colectiva a uma única personalidade, O ou A MAIOR de todos os tempos, quando se consideram áreas tão distintas como a política, a ciência, a arte, a pintura, a música,o cinema, o teatro, a literatura, o desporto, a religião, as viagens de descobrimentos, etc, etc, etc.

Em certos meios instalou-se a polémica porque a RTP na sua lista exemplar não tinha incluído António Salazar, gritando-se «contra» o lápis azul e o «regresso» da «Censura», embora seja sempre limitada, por razões várias, a listagem que poderia ser elaborada.

Polémicas à parte nenhum dos grandes portugueses ou portuguesas existiu desligado da sociedade e do tempo em que viveram, nenhum deles alcançou o que quer que seja sem a «colaboração» e o trabalho de outros, muitos ou poucos, cujos nomes a história grande ou pequena não registaram ou mal registam.

Sem os camponeses que constituíam o grosso das tropas de Afonso Henriques e outros «senhores» não seriam tomadas de assalto cidades ou alimentadas as tropas ou as populações das cidades sitiadas e saqueadas, sem a arraia miúda o Mestre de Avis não teria sido aclamado rei nem dado origem ao ascenso da burguesia e duma «nova» classe nobre, sem a peonagem Nuno Álvares Pereira não teria derrotado a cavalaria castelhana em Aljubarrota e preservado a independência face ao reino de Castela, sem escravos e cartógrafos o Infante D. Henrique não teria lançado a gesta dos descobrimentos, sem a marinhagem, a soldadesca e os artífices as naus não teriam saído da barra do Tejo nem construído fortes por todo o mundo, sem os agricultores não se teriam produzido os alimentos e sem pescadores não haveria peixe à mesa, sem os artesãos e os operários não se teriam construído os equipamentos, a maquinaria e os produtos necessários à satisfação das necessidades populacionais, distribuídos pelos bufarinheiros e comerciantes.

A perseguição da riqueza ou a fuga à miséria estiveram por detrás da separação do Condado Portucalense face ao Reino de Leão e ao seu alargamento e, posteriormente, dos Portugueses por todo o mundo, muitas vezes tentando buscar lá fora o que a pátria madrasta lhes negava e continua a negar dentro de portas. Graças aos emigrantes e às ex-colónias a língua portuguesa é a 6ª mais falada no mundo,do Brasil a Timor, e dela permanecem vestígios um pouco por toda a parte.

Foi a arraia miúda que apoiou sem êxito o Prior do Crato face às pretensões hegemónicas dos Filipes de Castela, foram os camponeses que constituiram o grosso das tropas na Guerra da Restauração da Independência no século XVII e combateram as tropas invasoras napoleónicas no século XIX ou alinharam pelo liberal D. Pedro IV ou pelo absolutista D. Miguel, numa guerra civil fratricida.

Dividida, muitas vezes, em campos opostos, foi a populaça com as suas virtudes e defeitos que construiu Portugal e permitiu que alguns poucos sobressaíssem, umas vezes favorecendo outras impedindo golpes palacianos como o queem 25 de Abril de 1974 se preparava entre o general Spínola e Marcelo Caetano.

Por isso, votaria no Zé Povinho, criação de Rafael Bordalo Pinheiro. Mas, como este é um personagem sem existência real, «alegórico», resta-me votar em FERNÃO MENDES PINTO.

Fernão Mendes Pinto é um grande aventureiro português,do século XVI. De Montemor-o-Velho, viajou entre a exuberante Índia, a misteriosa China e o exótico Japão. Experiências que o levaram a escrever a "Peregrinação", extraordinário livro de viagens e aventuras, testemunho da grandeza e miséria da expansão de Portugal pelo mundo desconhecido na Europa. Foi Mendes Pinto moço da corte, pirata, comerciante, soldado, «religioso», diplomata,mendigo, escravo ... Na sua obra "considerava que os homens eram iguais, independentemente da sua religião, credo ou situação" e «documenta de forma extremamente viva o impacto das civilizações orientais sobre os europeus recém-chegados e, sobretudo, constitui uma análise extremamente realista da acção dos portugueses no Oriente, muito mais realista que a visão heróica transmitida por Camões n' Os Lusíadas.»

Victor Nogueira
O que há em mim é sobretudo cansaço

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço...

Álvaro de Campos