A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

terça-feira, setembro 29, 2015

15 FALÁCIAS PARA NÃO VOTAR CDU


TERÇA-FEIRA, 29 DE SETEMBRO DE 2015
PUBLICADO POR ANTÓNIO SANTOS

Volvidos 39 anos de retrocessos sociais marcados pela continuada aleivosia de três partidos (PS, PSD e CDS-PP) que se alternam, ufanos, no poder, muitos portugueses parecem presos, na hora de votar, a velhos preconceitos. Extraordinariamente, mesmo diante de uma força política diferente e com décadas de provas dadas, há quem aposte por castigar a austeridade do PS votando no PSD, para, no acto eleitoral seguinte, punir o PSD votando no PS, (que desta vez é que vai ser diferente, não é?). A má notícia é que as arreigadas (mas espúrias) crendices sobre a exequibilidade política da CDU têm vaticinado o país a prosseguir o mesmo caminho de pobreza e injustiça. A boa notícia é que os argumentos de quem se recusa apaixonadamente a ver o óbvio são, regra geral, fáceis de compilar e desmontar.




1- «OS POLÍTICOS SÃO TODOS IGUAIS»
Quem diz isto está secretamente a pensar nos três partidos em que andou a votar este tempo todo. É normal que depois de percorrer a cruzinhas os três partidos dos patrões, se descubra que têm 'todos' a vocação de reduzir salários, aumentar a carga de trabalho e cortar direitos. Por outro lado, aos 25 homens mais ricos do país que, no ano transacto, viram a sua fortuna aumentar para 14 mil milhões de euros num ano, convém que se acredite que «é tudo a mesma merda». Mas não é, como também não é igual taxar ou não taxar as grandes fortunas; como não é igual aumentar ou não aumentar o salário mínimo. É na prática e não em juramentos que se vê de que é feita cada força política. Ninguém, em honestidade, pode afirmar que os últimos governos têm defendido os interesses dos trabalhadores. Por outro lado, ninguém é capaz de dar sequer um exemplo de uma traição da CDU aos interesses de quem trabalha. Logo, iguais não são.




2 - «JÁ SEI QUE NÃO VÃO GANHAR»
Se acreditamos que existe alternativa ao empobrecimento e à austeridade, é porque acreditamos que é possível uma alternativa política. Não serão nunca os mesmos partidos políticos que nos puseram no buraco a tirar-nos dele. O nosso voto pode ser justificado pelas propostas de cada partido, pela nossa experiência enquanto eleitores, mas nunca por empresas privadas de sondagens com amostras de 300 pessoas nem por comentadores pagos para pensarem por nós e que escondem, dentro de anafadas carteiras sob os seus rabos prolixos, o cartão de militante do PS/PSD/CDS-PP. Mais ainda, ao contrário da mentira amplamente difundida na comunicação social, nestas eleições não vamos eleger um primeiro-ministro, mas deputados que se candidatam por cada círculo eleitoral. Já basta do Sócrates, do Passos Coelho, do Armando Vara, do Cavaco Silva, do Duarte Lima, do Paulo Portas e do Dias Loureiro.




3 - «MAIS VALE VOTAR NO PS PARA NÃO GANHAR O PSD»
Votar útil no PS é como assinar um cheque em branco que termina sempre em arresto de bens. E se dúvidas sobrassem, veja-se a sintomática a recusa de António Costa em comprometer-se com um aumento do salário mínimo nacional: se o PS ganhar as eleições, atira o assunto para cima da mesa da improfícua «concertação social» e faz figas que os patrões decidam subir os salários. Se não o fizerem, é lá com eles. Querer que o PS ganhe para não ganhar o PSD é querer levar um pontapé na canela para não levar um murro no estômago. Foi o PS que criou as taxas moderadoras nos hospitais, as propinas nas universidades, os recibos verdes e metade de todos os cortes aos direitos dos trabalhadores desde 1975.




4 - «SÃO UM PARTIDO DE PROTESTO»
Ao longo dos últimos 39 anos, todos os governos têm contribuído para a destruição do país. Neste quadro, os partidos que se recusaram a juntar-se à pilhagem a troco de poleiro e tachos não são «de protesto», são de classe e de gente séria. A CDU tem um programa de governo detalhado, com respostas concretas para os problemas do país. PCP e PEV concorrem a estas eleições com um projecto que valoriza o trabalho e os trabalhadores, afirmando o papel social do Estado na economia e restituindo o governo e os serviços públicos ao serviço de quem trabalha. É um programa corajoso para taxar as grandes fortunas e devolver aos trabalhadores o que foi roubado, recuperando a necessária soberania nacional e exigindo a renegociação de uma dívida que, nestes moldes, é impagável.




5 - «É PRECISO UM PARTIDO NOVO COM IDEIAS MODERNAS»
A conclusão de que falta mais um partido modernaço é um clube esotérico a que se chega por quatro vias, a saber: a) através de boas intenções e desconhecimento dos partidos que já existem; b) pelos preconceitos expostos nesta lista; c) num concurso para ser o Paulo Portas do António Costa (sim, estou a olhar para ti, Rui Tavares); d) por meio de uma devastadora vaidade extrema e de um desejo burlesco e traiçoeiro de um dia ser chefe (p.f. não digam ao Gil Garcia onde eu moro). A crença de que são precisos novos partidos é fruto da incapacidade de compreender que em política a forma é sempre acessória do conteúdo. A prova provada é que no fim, os «novos partidos» soem acabar com «velhos problemas»: a fazercopy paste das propostas dos outros e à bulha para ver quem é que fica com o mítico mandato de Lisboa.




6 - «SE SAÍSSEMOS DO EURO ESTÁVAMOS PERDIDOS»
A CDU, o PCP e o PEV, foram as únicas forças políticas portuguesas que se opuseram inequivocamente à entrada de Portugal na moeda única, alertando para as devastadores consequências económicas que o presente se encarregou de comprovar. Cada vez mais, o euro é sinónimo de estagnação, recessão, desinvestimento, desemprego, endividamento, descontrolo orçamental, precariedade, redução dos salários e aumento da exploração. Porque aceitar cegamente a chantagem do euro só beneficia o chantagista, a CDU propõe que se estude e prepare a saída da moeda única de forma a garantir que essa solução, cada dia mais inevitável, possa ser gerida por um governo que proteja os interesses dos trabalhadores. Aqueles que, irresponsavelmente e diante do drama da Grécia, se benzem quando ouvem falar de uma saída do euro, preparam-se já para ser os carrascos de uma saída precipitada, e talvez forçada, que serviria para agudizar ainda mais a exploração.




7 - «EU VOTO NOS MAIS PEQUENOS»
O problema não é a dimensão dos partidos, é o que eles defendem e quem eles representam socialmente. Votar num partido só porque ele é pequeno é o mesmo que ir uma farmácia e beber «só um bocadinho» de um frasco escolhido aleatoriamente.




8 - «O CAPITAL FUGIA DO PAÍS»
Se a CDU fosse governo no dia quatro de Outubro, homens como Américo Amorim, Belmiro de Azevedo ou Soares dos Santos não ficariam, certamente, divertidos com a notícia, mas mesmo assim não tirariam o dinheiro. Porquê? Primeiro porque mesmo em menor escala, continuariam, a médio prazo, a conseguir grandes lucros. Por outro lado, porque parte do capital é extremamente difícil de deslocalizar: sobreiros, hipermercados, fábricas e aparelhos empresariais que só valem fortunas se bem implantados e com mercados estabelecidos. Finalmente, o Estado é soberano para nacionalizar, confiscar, expropriar ou deter quaisquer capitais indispensáveis ao interesse nacional.




9 - «NÃO É POSSÍVEL NA UE»
Este é um argumento verdadeiro mas que esconde uma falácia. Efectivamente, é muito provável que não fosse possível construir um país mais justo dentro das amarras e imposições de uma União Europeia controlada por potências estrangeiras que não estão interessadas no bem-estar dos trabalhadores portugueses. Mas, nesse caso, a escolha não é só entre a soberania e a UE, é entre a possibilidade de uma vida melhor e a sentença a que nos votou a UE: sermos uma estância turística de mão-de-obra barata, sem fábricas, sem pescas, sem agricultura, com poucos serviços públicos e muitos miseráveis. Nesse caso, a CDU escolhe um país livre, soberano e ao serviço dos trabalhadores. 




10 - «VOCÊS GOSTAM DE DITADURAS»
O PCP não se limita a defender, no seu programa, uma democracia mais plural, participativa e verdadeira, tem um projecto e um modelo concretos de democracia: a Constituição da República Portuguesa. Essa democracia por que luta a CDU não se extingue nas urnas de voto, estendendo-se ao acesso à saúde, à cultura e à educação, traduzindo-se na liberdade de intervir e de mudar. Mais ainda, não há partido em Portugal com credenciais democráticas superiores às do PCP: foi ele que durante quase meio século arriscou tudo para derrubar a ditadura fascista; Enquanto os militantes comunistas se dispunham a perder a liberdade e a vida no combate pela democracia, uma geração inteira de futuros Presidentes da República, comentadores, ministros e vendedores de banha da cobra aninhavam-se nas instituições fascistas afiançando estar «integrados no regime».




11 - «ESTIVEMOS A CONSOLIDAR AS CONTAS COM SACRIFÍCIOS»
Que contas são essas? O défice aumentou para 7,2%, a dívida pública cresceu para 130% do PIB (qualquer coisa como oito milhões de euros por dia) e os salários caíram, pelo menos, 10% desde que a «crise» começou. As únicas contas que, com os nossos sacrifícios, ficaram melhor consolidadas são as contas da Jerónimo Martins na Holanda e a do Cavaco no BPN. A consolidação é para as contas privadas deles, o desgoverno, a crise e a austeridade são para as nossas. Não é possível equilibrar as contas sem um aparelho produtivo forte, salários dignos, soberania económica e financeira e justiça fiscal.




12 - «ABSTENÇÃO, VOTO NULO OU BRANCO»
Consideremos uma amostra de 100 pessoas. Destas, 60 optam por nem ir à mesa de voto, outros dez votam em branco e cinco preferem inutilizar o voto. Ficamos com 75% de não-votos. Contudo, os outros 25% vão votar. Suponhamos então que o PS arrecada 10 votos, a PàF conta 8 votos, a CDU 4 votos e, por fim, 3 para o BE. Consequentemente, este parlamento hipotético seria formado com base nos seguintes resultados: PS - 40%; PàF - 32%; CDU - 16% e BE - 12%. Quando a CDU apresentasse, nesta assembleia, um projecto para aumentar os impostos sobre os produtos de luxo ou devolver os subsídios roubados, a imensa maioria dos deputados voltaria a fazer o que sempre faz: defender os mais ricos. Os três partidos da troika iam continuar a governar a seu bel-prazer apesar de 75% dos eleitores terem optado por deixar a decisão na caneta de apenas 25%. A nossa força está no voto consequente, no voto que não se verga perante os podres poderes instituídos. E se os não-votos equivalessem a cadeiras vazias, o resultado era o mesmo: as cadeiras ocupadas continuavam a decidir. Não votar, votar em branco ou votar nulo é não ter opinião formada sobre a nossa casa ser assaltada, é votar tacitamente nos mesmos que nos arruínam a vida.




13 - «MAS NÃO HÁ DINHEIRO»
Se o problema é receita e despesa, a CDU tem soluções: poupe-se 6,7 mil milhões de euros renegociando a dívida; tribute-se os lucros e dividendos das super-fortunas, aumentando a receita fiscal em 9,3 milhões; ataque-se evasão fiscal , arrecadando 3,5 mil milhões de euros; corte-se em 50% as contratações de serviços externos ao Estado, encaixando mais 600 milhões; renegoceie-se as Parcerias Público-Privadas e os ruinosos contratos swap. Mas, no essencial, a proposta do PCP para aumentar a receita centra-se na valorização do trabalho. Por exemplo, uma redução de cem mil desempregados permitiria um acréscimo directo de 900 milhões às receitas da segurança social, a par de um aumento da receita fiscal de 1,1 mil milhões de euros. Os partidos que dizem que não há dinheiro falam em nome de quem o tem todo guardado.




14 - «VOTO NA PÀF PARA NÃO IR PARA LÁ O PS OUTRA VEZ»
Ver número 3, só que ao contrário.




15 - «LOBBY GAY! QUANDO A MINHA MÃE ME PARIU ISTO NÃO ERA ASSIM!»
Ninguém estava a falar contigo, Marinho e Pinto.


PUBLICADO POR ANTÓNIO SANTOS 

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sexta-feira, setembro 25, 2015

NÃO É SOLIDARIEDADE, É RESPONSABILIDADE




SEXTA-FEIRA, 25 DE SETEMBRO DE 2015


A história repete-se, já sabemos. Ciclicamente os episódios repetem-se, com outros protagonistas, outras roupagens, mantendo aquelas que são as questões centrais. A humanidade assiste e interpreta os seus papéis, consoante a época, dependo desta, nessa repetição, a diferença no resultado. Há quem hoje leia sobre o que aconteceu na Europa dos anos 30 como algo distante, que dificilmente encontrará paralelo. Como se fosse uma invenção cinematográfica, sempre olhada e interpretada com a distância que a qualidade de espectador nos confere. Até porque, na maioria das vezes, a técnica da pessoalização dos conflitos leva-nos a pensar que determinados fenómenos tiveram lugar porque aquele chefe de estado era mau, era maluco e tudo dependia da sua vontade pessoal.


A realidade encarrega-se, diariamente, de evidenciar que os resultados não diferem consoante seja uma boa ou má pessoa no poder. Os resultados são consequência directa de um sistema, uma ideologia, tomadas de posição concertadas que não dependem de um indivíduo mas antes do poder económico e do poder político.

A criação estudada e propositada de condições sociais precárias, o aumento do desemprego, o aumento da pobreza, a debilitação dos sistemas públicos de segurança social não são coisas que caem do céu: são políticas e estratégias delineadas, concretizadas pelas pessoas em quem todos nós votamos. Ou seja, somos nós que determinamos quem executa as políticas e que políticas executa, sejam boas ou más pessoas. Naturalmente, ao votar sistematicamente PS, PSD e CDS-PP, nenhum outro resultado se pode esperar que não seja o actual: pobreza, desemprego, destruição dos serviços públicos. Exactamente o cenário da Europa dos anos 30 que cria o caldo de cultura em que olhamos sempre para o lado e nunca para cima. Passamos a ser os fiscais do próximo, a verdadeira ameaça ao nosso bem-estar é o desempregado, o que recebe prestações sociais, o estrangeiro e, claro, o refugiado.

Não é, portanto, de espantar, a quantidade de comentários racistas e xenófobos que invadiram o quotidiano a propósito da crise de refugiados. Eles são uma ameaça, no quadro da ofensiva ideológica a que a maioria da população não é imune, ao pouco que se tem. Como foram os comunistas, os judeus, os homossexuais, os ciganos na europa nazi-fascista. Contudo, mesmo depois das consequências tremendas da ideologia nazi-fascista, ela repete-se: a Hungria ergue muros de arame farpado e permite que se dispare sobre os refugiados, a UE fala em quotas para se receberem refugiados nos países, a Alemanha contrata refugiados por salários miseráveis, e, no entanto, os países da UE apresentam-se como solidários como se estivessem a fazer um favor humanitário ao receber refugiados.

Apresentam uma qualidade de que não dispõem: são eles os responsáveis pela existência de refugiados por participarem activamente nas decisões e contingentes de guerra que provocam a fuga de milhares de pessoas dos seus países e a morte de tantos outros que ali permanecem. Como se dizia numa iniciativa do Conselho para a Paz e Cooperação: não é solidariedade, é responsabilidade. «Se atropelar alguém, não sou solidário por lhe prestar assistência. É a minha responsabilidade e se o não fizer, é crime». Dito assim é bastante simples. O problema é que a mesma Europa que se diz solidária, rejeita as suas responsabilidades e continua a financiar e a manter guerras, continua a destruir empregos, serviços públicos, continua a destruir direitos e a promover o individualismo. É a mesma Europa da repressão, da autoridade musculada, das intervenções policiais. E é a mesma Europa sem fronteiras para o capital e para as políticas repressivas e securitárias.

O impensável? Há refugiados alojados em campos de concentração. Há refugiados em campos de trabalho. Há movimentos nazis que se passeiam nas ruas de cabeça erguida e braço estendido. Está um camarada há uma semana num hospital em consequência de uma violenta agressão de um nazi que o viu ostentar um autocolante da CDU.

Não, não é impensável. Sim, a história repete-se. E sim, há responsáveis e todos nós temos um papel.

Tu já decidiste em que lado estás?


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quarta-feira, setembro 23, 2015

CRÓNICAS DE VIAGEM - A MILÍCIA DO AUTOCARRO 712

QUARTA-FEIRA, 23 DE SETEMBRO DE 2015

Tudo o que vou relatar, aconteceu. Cheguei ao trabalho ainda me tremiam as mãos de incredulidade com o que tinha acabado de se passar.


Enquanto esperava o autocarro (mais uma vez, o 712), vi-o a parar em frente a uma escola. Começaram a sair pessoas a correr e uma delas parou ao meu lado e disse «Isto nunca me aconteceu...Meu deus, vai entrar? Cuidado com a criança». A criança estava ao meu lado num carrinho de bebé e outra pessoa disse o mesmo. Perguntei o que se passava e a senhora diz-me que estava um maluco à porrada no autocarro. Perguntei logo se já tinham chamado a polícia (parecia-me lógico, em vez de ser o motorista a parar o autocarro e a enfrentar a situação).

O autocarro pára à minha frente e vejo seis fiscais da Carris, 5 deles enormes (muito altos e dois deles altos e muito gordos). Vejo um jipe da GNR a chegar que passou a escoltar o autocarro. Entrei convencida que o «maluco» estaria dentro do autocarro, mas só via fiscais a barrar passagens. Pela conversa apercebi-me de que o «maluco» estaria numa paragem à frente por ter deixado a mochila dentro do autocarro.


Perguntei a um dos fiscais se os passageiros tinham sido agredidos, ao que me respondeu «Não, fomos nós». Ora, isto começou a parecer-me estranho. Chegados à paragem ouço «Não abras a porta!». Vejo uma pessoa acercar-se do autocarro. Um jovem alto bateu à porta e disse «Por favor devolvam-me a mochila, tenho que ir trabalhar». E seguiu-se este diálogo:



- Não damos mochila nenhuma. Identifique-se.
- Não me identifico nada, a não ser que a PSP me peça identificação. Devolvam-me a mochila.
- Não senhor. O senhor quer andar de autocarro tem que pagar.
- Ouça, já lhe disse que o meu passe tem dinheiro. Não tenho culpa que a máquina não esteja a funcionar.
- Identifique-se.
- Aliás, eu tentei sair do autocarro, este senhor é que me barrou a saída e agrediu-me. Dê-me a mochila que eu estou atrasado para o trabalho.
- Não damos mochila nenhuma.
- Com esta palhaçada estão a deixar aquelas pessoas todas [apontou para uma paragem cheia de gente] à vossa espera! Quero a minha mochila, vocês não podem fazer isto.
- Esteja calado!
- Eu não tenho dinheiro para pagar nenhuma multa, eu tinha dinheiro no passe, dê-me a minha mochila ou é preciso ser a mal?



[Estava um GNR e um PSP a assistir a tudo, sem se manifestarem]


Nisto, não consegui ficar calada ao ver seis fiscais a ameaçarem o homem e a ficarem com os seus pertences. Levanto-me do banco e dirijo-me à porta.


- Sou advogada. Vocês não podem fazer isto. Está ali a PSP e a GNR podem tomar conta da ocorrência e identificar este senhor. Têm que lhe dar a mochila.
- É o quê? Esteja mas é calada, não sabe nada.
- Os senhores não podem fazer isto, não são agentes da autoridade.
- Não sabe nada, vá mas é estudar.



Um dos fiscais vira-se para trás, empurra-me e grita «Saia daqui».


Insisto.


- Não são agentes da autoridade. Façam o favor de devolver a mochila.


O fiscal continua a empurrar-me em direcção às traseiras do autocarro e pergunto se ele me vai agredir ou expulsar.


Insisto.


- Não podem fazer isto.
- Não devolvemos nada, cale-se.



Nisto vou buscar a mochila. Sou agarrada no braço pelo mesmo fiscal que me projecta para o banco do lado. O senhor «maluco» entra no autocarro e pega na sua mochila e esse fiscal que me agarrou e o mais alto deles todos acercam-se dele para lhe bater e eu meto-me no meio. O GNR entra e diz «Calma, calma» e nada faz.


Peço ao fiscal que se identifique e digo-lhe que ele não pode agir assim. Ouço um «esteja calada» e o mais alto vocifera insultos. Um deles diz que por ser advogada não tenho autoridade nenhuma, ao que respondo que é verdade, somos dois. Mas como cidadã tenho o dever de defender pessoas quando vejo os seus direitos a serem violados.


Nisto saem todos do autocarro, que fecha as portas e arranca. Apanha as pessoas da paragem e ao virar-me para trás começo a ser violentamente insultada por todos os passageiros que permaneceram em silêncio todo o tempo.


«Não viu o que ele fez, estavam crianças! Não viu! Ele a atirar carrinhos do Lidl, se fosse consigo... Ainda o foi defender?»


Respondi que todos têm direitos e que os fiscais não podem identificar pessoas, ficar com os seus pertences e agredi-las.


- Podem, podem. Não viu o que ele fez! Estavam crianças!
- Minha senhora, estava a PSP e a GNR. Não podemos fazer justiça pelas próprias mãos.
- Ai não? Ele é que estava a fazer. E os fiscais têm razão. Ele merecia.
- Minha senhora, todos temos direitos. Mesmo os que cometem crimes.
- Você deve ser boa, deve.
- Nem imagina.



Pausa:
Portanto, um passageiro, que tinha o passe carregado e a máquina não obliterou, é abordado por seis fiscais. Explica. Querem passar-lhe multa. Pede para sair do autocarro. Bloqueiam-lhe a passagem e agridem-no. Responde com agressões. 6 fiscais agridem-no de volta. As pessoas saem do autocarro em pânico. As que ficam, acham que os fiscais têm razão, deviam ficar com a mochila dele e agredi-lo. As autoridades são chamadas, assistem e deixam que os fiscais continuem a exercer violentamente a sua inexistente autoridade.



Maluco! Maluco! Gritam as pessoas assustadas. Maluco!


Fim da pausa.


O senhor da frente disse-me que não respondesse a mais nada. Ouço uma passageira que tinha entrado a dizer:


- As pessoas não têm dinheiro para pagar o passe. Está muito caro. Ele já tinha saído do autocarro, não podem ficar com as coisas dele!


O senhor da frente diz-me: estão todos muito exaltados. Isto vai piorar. E os julgamentos são públicos. Sou advogado há 52 anos, sei bem o que está a sentir. Mas isto vai piorar. Por isso lhe disse que tivesse calma. Estava descorada. Logo hoje, que até tinha posto um bocadinho de blush.


É isto que esta política está a criar: desespero, violência, abusos de autoridade, linchamentos públicos. A razão deixa de existir. A solidariedade nem vê-la. O outro é sempre culpado. É sempre o que ameaça a nossa segurança, o nosso emprego, o nosso bem-estar. Não interessa que história há ali. Ganha o que tiver mais força. Sabendo disto não consigo deixar de sentir desprezo. Pela atitude dos fiscais e pela atitude das pessoas que prontamente me insultaram e pediam sangue. Pensei que talvez votassem na direita e achassem que assim é que se está bem. Que precisamos de intervenções musculadas contra os patifes que não têm dinheiro. Perguntava-me quando uma coisa destas iria acontecer. Foi hoje. Esperava, sinceramente, outra resposta por parte dos passageiros. Mas o capitalismo sabe demasiado bem o que faz. E as evidências estão aí.


*Foto - Police Athletic League, Stanley Kubrick