A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht
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segunda-feira, março 25, 2013

Raquel Varela - 25 de Abril: Revolução ou Transição?

 

25 de Abril: Revolução ou Transição?

Por ocasião do bicentenário da revolução francesa uma polémica marcou a historiografia mundial. No debate destacou-se François Furet que na obra Pensando a Revolução Francesa[1], caracterizava a revolução de 1789 como um «acidente histórico» e procurava separar o processo iniciado em 1789 das revoluções posteriores, sobretudo da russa de 1917. Do outro lado da controvérsia, Eric Hobsbawm publicou uma série de ensaios, reunidos na obra Ecos da Marselhesa[2], onde defendia que a posição de François Furet e de outros historiadores com esta visão resultava de pressões ideológicas (no sentido de falsa consciência) revisionistas e não de uma investigação renovada da revolução francesa: «(…) O revisionismo na história da Revolução Francesa é, simplesmente, um aspecto de um revisionismo muito maior sobre o processo do desenvolvimento ocidental – e mais tarde global – na era do capitalismo e em seu interior (…)»[3].
Uma polémica semelhante deu-se em Portugal quase 15 anos depois, também a propósito de um aniversário, o trigésimo da revolução portuguesa, em Abril de 2004. Embora já houvesse uma discussão em torno da caracterização da mudança de regime – Medeiros Ferreira, por exemplo, discute a questão no texto «25 de Abril, uma revolução?»[4] –, é a partir de 2004 que a questão se avoluma. No seguimento da escolha do cartaz oficial comemorativo para a celebração ter a inscrição «Abril é Evolução», uma polémica chegou às páginas dos jornais sobre o que tinha sido a revolução portuguesa. O debate rapidamente se centrou na questão sobre que deveria ser salientado em Portugal depois do fim da ditadura: a revolução ou a evolução do País no período pós-revolucionário.

António Costa Pinto, na altura comissário para as comemorações dos 30 anos do 25 de Abril, escreveu no calor da polémica que: «No panorama habitualmente morno das comemorações de datas históricas, algumas dimensões das celebrações dos 30 anos do 25 de Abril provocaram pelo menos um esboço de debate. O trogloditismo saudosista, com a excepção dos escassos defensores de uma história ao serviço da ‘revolução hoje e sempre’, teve escassa visibilidade. (…) Comemorar os 30 anos de evolução para a democracia e o desenvolvimento que se seguiu à Revolução de 1974 não agradou a uma parte da esquerda, o que é natural. Ver o centro-direita de cravos a comemorar o 25 de Abril foi-lhe desagradável»[5]. O historiador Fernando Rosas criticou o envolvimento de António Costa Pinto naquilo que considerou ser uma «pseudocientificidade»: «Abril não foi evolução porque as direitas portuguesas foram historicamente incapazes de realizar um processo de transição, isto é, de levar a cabo, a partir do próprio regime, um processo endógeno e sustentado de reformas»[6]. Outros cientistas sociais, como António Borges Coelho, Manuel Villaverde Cabral e Luís Salgado de Matos, envolveram-se no debate[7].
Hoje, o termo revolução convive, na academia, para designar exactamente o mesmo período, com termos como «transição», «processo de democratização» ou ainda «normalização democrática», «transição por ruptura». Cientistas sociais e historiadores de inspiração marxista que estudaram a revolução portuguesa, como Loren Goldner, Valério Arcary ou John Hammond, não questionam o termo revolução e contra-revolução, embora controvertam se se tratou de uma situação revolucionária ou pré-revolucionária e qual o grau de radicalização da mesma[8]. Mas mesmo fora do campo do marxismo muitas obras mantiveram o uso do conceito de revolução e contra-revolução, como é o caso dos estudos de Boaventura Sousa Santos e Medeiros Ferreira[9]; e/ou distinguiram claramente o período da revolução (1974-75) do período de transição para a democracia, que se inicia em 1976, como nas obras de João Medina e Fernando Rosas[10]. Outros autores, porém, usam indiferentemente os dois conceitos. Josep Sanchez Cervelló em «O Processo democrático português 1974-75»[11], Maria Inácia Rezola em Os Militares na Revolução de Abril. O Conselho da Revolução e a Transição para a Democracia em Portugal (1974-76)[12] e Tiago Moreira de Sá em Carlucci vs. Kissinger[13] usam indistintamente, para falar do mesmo período, o termo revolução e transição. É na área da ciência política que se destacam os trabalhos que tendem a usar exclusivamente o conceito de «transição» para a mudança de regime ocorrida em Portugal, tendo como influências determinantes as obras de Philippe Schmitter[14] e António Costa Pinto[15].
Na verdade, dificilmente se pode afirmar que em todos os casos os termos são usados tendo por base uma discussão teórica prévia e uma opção científica teórico-metodológica, desde logo porque o debate teórico entre a historiografia portuguesa é amiúde desprezado. Mas a indefinição terminológica tem consequências epistemológicas. A polémica é incontornável porque revela, mais do que um conceito, uma visão histórica sobre o que é uma revolução, os seus sujeitos, as suas consequências, os seus derrotados e vencedores.
Em primeiro lugar, o conceito de revolução tem um significado histórico que podemos e devemos debater, mas que de forma alguma se confunde com uma visão teleológica que associa uma mudança de regime revolucionária à consolidação de um regime democrático liberal. O período após a década de 70 do século XX viu surgir no Mundo uma vaga de novos regimes de democracia representativa que inspiraram um paradigma na ciência política, de tradição fortemente ligada ao pensamento liberal, como argumenta Ronald Chilcote[16], que é simultaneamente teleológico – as sociedades caminhariam inevitavelmente para um tipo de regime, a democracia liberal – e ideológico – na medida em que todas essas análises, como assinala Matheus Silva, ou propõem «o aprofundamento do modelo neoliberal como forma de solucionar os problemas da democracia contemporânea» ou procuram a «melhoria da democracia dentro do âmbito da democracia liberal actualmente existentes»[17].
Esta análise tem sido alvo de críticas mesmo em Espanha, o modelo deste paradigma, onde a mudança de regime se deu por negociação entre a classe dominante e as direcções das organizações operárias e de trabalhadores (PCE, PSOE, CCOO). Encarnación Lemus por exemplo, lembra que a democracia não era o desenlace obrigatório da luta política e social que ocorreu em Espanha em 1975: «Por um lado, em 1975, o socialismo como princípio ideológico e como sistema social não estava desautorizado; a via socialista estava a ser tentada em Portugal; por outro lado, ainda existia o Governo republicano no exílio, que reclamava a legalidade, e os partidos da oposição, tanto os socialistas como o PCE, eram republicanos»[18]. Carlos Taibo escreve que «boa parte da literatura sobre transições «não se limita a analisar as transições, mas agrega a estas um destino final desejado: a democracia»[19]. Com um efeito a jusante, que é o próprio estudo das democratizações estar inquinado por visões que desprezam as variáveis sociais, como lembra o cientista político Gabriel Vitullo: «A necessidade de resgatar e dar maior atenção às variáveis estritamente políticas – antes não tidas em conta – não pode autorizar que a democratização seja vista apenas como o resultado de uma eleição ou opção estratégica das elites dirigentes, omitindo o restante da sociedade, os sectores populares e a própria história, como fica manifesto na colectânea de Higley e Gunther (1992)[20], cujo objectivo primordial parece ser o de adoptar o compromisso das elites como pré-condição fundamental para a consolidação da democracia. Como criteriosamente argumenta Bunce (2000, p. 635)[21], ficar nesse único plano de análise implica dizer que são as elites e não a sociedade, a política e não a economia, os processos internos e não as influências internacionais, os que constituem os factores cruciais da democratização e que, portanto, agregaríamos, a democracia pode ser confeccionada ou desmontada de acordo com as opções ou decisões tomadas por um reduzido grupo de lideranças políticas»[22].
A democracia, nos termos em que se consolidou em Portugal, foi o resultado da luta de classes, da revolução e da contra-revolução, mas não foi o seu resultado inevitável, o que pode legitimamente ser deduzido dos estudos que analisam as transições para a democracia na Europa do Sul. Poder-se-á ponderar, no caso português, os factores que pendiam a favor da consolidação de Portugal como uma democracia liberal – geograficamente inserido na Europa Ocidental e portanto, no quadro da divisão de Ialta e Potsdam, na esfera de influência da NATO; peso das classes médias portuguesas; qualidade da direcção da contra-revolução, que repousou em grandes dirigentes políticos como Mário Soares, etc. – e também os factores que faziam perigar essa hipótese – a existência de uma revolução; a profunda crise económica e militar do País; o prestígio, ainda nesta altura, das sociedades onde a burguesia tinha sido expropriada e que representavam 2/3 da humanidade; a existência de países onde a contrario dos factores internacionais, a expropriação se deu, como Cuba; a «onda revolucionária» aberta com o Maio de 68 em França[23]. A ponderação de uns e outros factores – só citámos alguns – é parte do trabalho de historiador. Mas não autoriza argumentos contra-factuais. A democracia não era, não se pode afirmar que era, inevitável.
Mas um outro argumento desconceitua o termo «transição para a democracia» para designar o período revolucionário. A revolução é um período distinto do regime democrático que se seguiu à contra-revolução e portanto não é correcto inserir processos distintos numa única noção de «transição para a democracia». Houve de facto duas rupturas em Portugal entre 1974 e 1976: passou-se do regime fascista para um período revolucionário (que aliás se pode dividir em dois subtipos, um essencialmente democrático até 11 de Março de 1975 e outro de disputa objectivamente socialista a partir dessa data) e desse para outro democrático liberal, que se começa a formar a partir de Novembro de 1975. O novo nasce do velho. Mas é necessário recordar que a revolução portuguesa não foi o «acidente» que deu origem à democracia. Foi uma situação distinta do regime democrático liberal que se lhe seguiu – e cuja matriz genética é a própria revolução[24] – mas que assenta em dois pressupostos radicalmente distintos do período revolucionário: a democracia representativa e o respeito pela propriedade privada dos meios de produção.
O termo «transição por ruptura» também não elimina esta omissão, uma vez que houve duas rupturas muito bem delimitadas cronologicamente, em termos de direcção política, e em termos da organização das forças armadas em Portugal: o golpe militar de 25 de Abril de 1974, que iniciou a revolução, e o golpe militar de 25 de Novembro, que iniciou a contra-revolução e o regime democrático-liberal. A única fronteira que não é clara na mudança ocorrida em 25 de Novembro é precisamente no campo das lutas sociais (as ocupações de terras, por exemplo, prosseguiram para lá de Novembro de 1975). Uma vez que a contra-revolução também é ela própria um processo (que começa num golpe militar, mas a ele não se resume) e vai-se dar num curto e médio prazo (os bancos serão desnacionalizados uma década depois). Mas do ponto de vista de regime a mudança foi clara, com o fim da “indisciplina” nos quartéis logo a partir de 25 de Novembro 1975 e a realização de eleições legislativas em Abril de 1976.
Um outro argumento ainda lembra que o próprio conceito de revolução tem uma história. Carlos Taibo lembra, a propósito das mudanças de regime da Europa de Leste (1989), que os conceitos de revolução e de transição dificilmente são compatíveis[25]. Norberto Bobbio assinala que a terminologia revolução tem uma história e significação própria, que o cientista político italiano opõe a reforma e não a transição[26]. O conceito de revolução, inclusive, é para este politólogo menos controverso que a extensão da radicalidade da mudança numa revolução: «Afirmemos desde já que a dificuldade para emitir um juízo sobre a radicalidade da mudança é bem maior do que a dificuldade para definir o evento revolucionário em relação à natureza do movimento»[27] (Bobbio, 2000: 606).
O termo transição é, finalmente, desajustado porque a ele está associado um “como” – negociação entre “elites”, ou seja, acordo entre dirigentes das classes em conflito –, mas não está explicado “porquê”, o que em última análise faz repousar sobre a vontade individual dos dirigentes a razão de tal negociação.
Em resumo, verifica-se entre um sector da investigação histórica e política uma tendência para considerar a revolução portuguesa como uma doença que surge num momento em que já se estava a dar uma transição no País no sentido da democratização, ou seja, tende a dominar uma visão de que a revolução interrompeu, como que despropositadamente, uma transição/modernização que já estaria em curso e que permitiria assegurar a mudança e simultaneamente a estabilidade do Estado. O uso do conceito de “transição” não é, neste caso, uma escolha inconsciente, porque o próprio conceito ergue uma visão historiográfica, acarretando consigo uma visão teleológica das sociedades: o regime democrático como fim da história. É aliás esta mundivisão ideológica que justifica que algumas obras sobre a revolução portuguesa, que não se ancoram nas teorias da transitologia e têm por base um levantamento histórico rigoroso, não se tenham inibido de classificar a revolução como uma patologia, como é o caso da obra Portugal em Transe, de José Medeiros Ferreira[28] ou Os Dias Loucos do PREC, dos jornalistas José Pedro Castanheira e Adelino Gomes[29].
Parece-nos que este debate é assim incontornável e o seu aprofundamento, para o qual damos aqui apenas um contributo, é proveitoso e desejável. Porém, erguer uma historiografia competente, rigorosa e capaz de resistir às pressões do poder político implica muito mais do que o debate da terminologia. Implicará porventura, entre outros caminhos, a rejeição das teorias filosóficas pós-modernas que desvalorizam o labor da própria história em detrimento de disciplinas mais especulativas; e exigirá um retorno inovado à história social e à centralidade dos conflitos sociais para explicar o processo histórico. No caso do estudo da revolução portuguesa, este esforço levar-nos-á à centralidade das revoluções anticoloniais contra o império português e ao levantamento amplo dos conflitos operários e populares durante a revolução.
Raquel Varela é autora de História do PCP na Revolução dos Cravos (Bertrand, 2011) e Revolução ou Transição?. História e Memória da Revolução dos Cravos (Bertrand, 2012).
Artigo 8 – Este artigo faz parte de uma  série: 25 Artigos para 25 Dias, 2013. Publicado também em http://raquelcardeiravarela.wordpress.com/

sábado, março 16, 2013

Raquel Varela . As revoluções anticoloniais e o mito da revolução «sem mortos»

 

 

No dia 25 de Abril de 1974 um golpe levado a cabo pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) põe fim à ditadura portuguesa. De imediato, e contra o apelo dos militares que dirigiram o golpe – que insistiam pela rádio para as pessoas ficarem em casa –, milhares de pessoas saíram de suas casas, e foi com as pessoas à porta, a gritar «morte ao fascismo», que no Quartel do Carmo, em Lisboa, o chefe do Governo foi cercado; as portas das prisões de Caxias e Peniche abriram-se para saírem todos os presos políticos; a PIDE, a polícia política, foi desmantelada, atacada a sede do jornal do regime A Época e a censura abolida. A queda da ditadura deu-se de forma imprevista e as forças sociais que protagonizaram o golpe de estado, a 25 de Abril de 1974, não resultaram das contradições que o atraso do País gerou, mas justamente da sua condição imperial: a guerra de libertação dos povos africanos conduziu à mais grave crise do regime, que se resolveu, em meia dúzia de horas, quase sem sangue e sem violência, pelo seu fim.
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A revolução foi a tradução na metrópole da derrota na guerra colonial. A vitoriosa luta dos movimentos de libertação das colónias portuguesas, apoiados nas massas camponesas e populares desses países, levou a que na Guiné o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), liderado por Amílcar Cabral, conseguisse declarar unilateralmente a independência, ainda em 1973. Em Moçambique e Angola o Exército colonial português sofria importantes derrotas. O arrastamento da guerra ao longo de treze anos, sem vislumbre de qualquer solução política no quadro do regime de Marcelo Caetano e a iminência da derrota abriram a crise nas Forças Armadas, coluna vertebral do Estado[1].
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No Portugal de hoje, ao lado da Torre de Belém, símbolo dos Descobrimentos e do início da formação do Império português, está o Monumento Nacional aos Combatente do Ultramar, um edifício em forma de seta a apontar para África. No dia 10 de Junho, feriado nacional que celebra o dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, os ex-combatentes reúnem-se, com o apoio das instituições estatais e dos partidos mais conservadores, para prestarem homenagem aos mortos em combate na guerra colonial. Se o investigador indagar a história da guerra colonial, percorrendo algumas das mais sérias e rigorosas obras sobre este período, como A Guerra Colonialde Aniceto Afonso[2], vai encontrar com detalhe o número de mortos do Exército português[3] (e a brutalidade das suas acções, como o uso de napalm sobre populações civis, etc.), mas não terá nenhuma pista sobre os mortos dos guerrilheiros dos movimentos de libertação ou mesmo dos civis.
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De acordo com o Estado-Maior do Exército, morreram ao serviço do Exército português 8300 militares, na Guiné, Angola e Moçambique[4]. É muito difícil saber-se o número de mortos do lado dos movimentos de libertação, até porque esse trabalho não foi feito pelos historiadores africanos. Mas de acordo com estudos internacionais, como os dirigidos por Ruth Sivard[5], morreram 3 a 5 vezes mais guerrilheiros e 10 vezes mais civis, portanto os números mais optimistas contabilizam um número total de vítimas, entre guerrilheiros e civis, superior a 100 mil mortos.
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Seria inadequado verificar nesta ausência de referências às vítimas de todo o conflito um sintoma apenas das incertezas estatísticas sobre as baixas dos exércitos anticoloniais, uma vez que a historiografia sobre a guerra não se limita a afirmar esta dúvida, mas a assumir a guerra colonial como uma guerra «pouco intensa», com poucos mortos, um «low cost conflict»[6]. Esta omissão contribui para a propagação do mito, ainda hoje dominante na sociedade portuguesa, de que os Portugueses fizeram uma revolução «sem mortos», «pacífica», quase um prolongamento, embora não directo, do país de «brandos costumes» que a propaganda de Salazar gostava de acarinhar. Esta opção de investigação, que separa artificialmente a revolução da sua principal causa e que desagrega das sementes da própria revolução os mortos que encabeçaram a luta contra o Exército português, tem consequências na construção de uma falsa memória sobre a revolução e sobre a guerra.
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Na década de 70 do século XX era comum a referência à luta dos povos coloniais como «revoluções anti-coloniais» – e foi assim que foram designadas todas as guerras de libertação do pós guerra – esta é hoje um terminologia marginal, à qual se sobrepõe a «guerra colonial». O uso de uma terminologia em detrimento da outra conduz de certa forma à desvalorização das mobilizações massivas, neste caso de camponeses e populares, contra o império colonial português. É certo que estas mobilizações não se traduziram em manifestações de rua ou assaltos a “palácios de inverno” (nem podiam, porque a base de apoio da guerrilha era uma população camponesa e dispersa, sendo nalguns casos as próprias aldeias destruídas com recurso ao napalm e as suas populações realojadas em aldeamentos controlados pela tropa, além da proibição de ajuntamentos ou manifestações que era comum à metrópole e às colónias). Mas traduziram-se num apoio camponês generalizado aos guerrilheiros – aliás semelhante ao que se passou na China, em Cuba, no Vietname, na Indonésia e mesmo na França ou na Jugoslávia da resistência anti-nazi –, sem o qual as guerrilhas não teriam sobrevivido.
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Uma das historiadoras que, contra a corrente, veio reivindicar a importância da resistência anticolonial foi Dalila Cabrita Mateus, na sua obra A PIDE-DGS e a Guerra Colonial[7]. A partir do estudo da morfologia da polícia política nas colónias – e usando também arquivos africanos, bem como uma série de entrevistas a guerrilheiros –, Dalila Mateus demonstra a brutalidade da repressão sobre os guerrilheiros, fornecendo um teatro de algum modo surpreendente para quem estudava a actuação da PIDE na metrópole, vista como pouco eficaz, apesar de brutal sobre os membros do Partido Comunista. Nas colónias era também uma polícia brutal, que prendeu e torturou milhares de combatentes, com um largo apoio entre os colonos, com uma rede de informações e vigilância essencial no auxílio à guerra, uma ligação estreita com os comandos militares e, sobretudo, extremamente eficaz: «A violência do acto colonial foi seiva que alimentou brutalidade e os crimes da PIDE/DGS, que, em África, praticou uma repressão de massas e teve um papel de grande relevo na Guerra Colonial»[8].
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Este relato, que agora chegou às páginas da história, tinha antes passado nas reportagens de jornalismo e nos romances literários. São a este respeito incontornáveis os documentários realizados por Diana Andringa (As Duas Faces da Guerra eTarrafal: Memórias do Campo de Morte Lenta) e Joaquim Furtado (A Guerra), ambos fazendo um esforço bem sucedido para mostrar ambos os lados do conflito e também a brutalidade do próprio Exército colonial. Da literatura destacam-se dezenas de escritores e poetas, muitos dos quais militaram nas fileiras dos movimentos de libertação, estando entre os mais conhecidos Luandino Vieira, Pepetela e Mia Couto[9].
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Raquel Varela é autora de História do PCP na Revolução dos Cravos (Bertrand, 2011) e Revolução ou Transição. História e Memória da Revolução dos Cravos (Bertrand, 2012).
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Artigo 3 – Este artigo faz parte de uma  série: 25 Artigos para 25 Dias, 2013. Publicado também em http://blog.5dias.net/
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[1] Rosas, Fernando, Pensamento e Acção Política. Portugal Século XX (1890-1976). Lisboa, Editorial Notícias, 2004, p. 136.
[2] Afonso, Aniceto, Gomes, Carlos, A Guerra Colonial. Lisboa, Editorial Notícias, 2000.
[3] Afonso, Aniceto, Gomes, Carlos, A Guerra Colonial. Lisboa, Editorial Notícias, 2000, pp. 526-533.
[4] Pinto, António Costa, O Fim do Império Português, Lisboa, Livros Horizonte, 2001, p. 52-53.
[5] Sivard, Ruth Leger, World Military and Social Expenditures 1987-88,Washington, D.C, World Priorities, 12th ed, 1987.
[6] Cann, John P, Counterinsurgency in África. The Portuguese Way of War, 1961-1974, Westport, Greewood Press, 1997, p. 106; Pinto, António Costa, O Fim do Império Português, Lisboa, Livros Horizonte, 2001, p. 52.
[7] Mateus, Dalila Cabrita, A PIDE-DGS e a Guerra Colonial, Lisboa, Terramar, 2004.
[8] Mateus, Dalila Cabrita, A PIDE-DGS e a Guerra Colonial, Lisboa, Terramar, 2004, p. 420.
[9]Para uma extensa bibliografia da literatura sobre a guerra colonial ver Melo, João de.Os Anos da Guerra 1961-1975, Lisboa, Círculo de Leitores, 1988, pp. 9-30.

domingo, fevereiro 10, 2013

Raquel Varela - Não emigrem

Não Emigrem!

Merkel acredita em mercado de trabalho europeu único
Um jornalista holandês perguntou-me, em tom de desafio, se fosse holandesa, se também defenderia a suspensão da dívida no sul. Claro, respondi-lhe, se a pagarmos é porque o valor da força de trabalho desceu tanto no sul que acabarão por emigrar para o norte e 1) ou tirar-vos os postos de trabalho ou 2)ser uma pressão objectiva para vos obrigar a aceitar salários mais baixos para não perderem para nós os postos de trabalho.
 
A  crise da dívida, se não tiver uma resposta de confronto social, vai precarizar os trabalhadores do sul, que agora não são beirões ou alentejanos com a 2ª classe mas mão de obra altamente formada e produtiva, que vão ser a pressão sobre os do norte para aceitarem salários baixos. Disse-lhe que isso chama-se «a criação de um mercado de trabalho na Europa». Da mesma forma que se usaram os desempregados e os precários para descer os salários dos trabalhadores com contratos e reformados vai-se usar o contingente de precários do sul para fazer descer os salários dos do norte. Merkel disse-o hoje com todas as letras.
 
Fica o incentivo de Merkel e o meu modesto aviso. Programas como os «portugueses lá fora» foram cuidadosamente seleccionados para incentivar a emigração. Estive na minha vida em algumas dezenas de conferências de trabalho migrante, em países ricos e pobres, com ou sem escolaridade, e é um calvário. Um penoso caminho que enfrenta baixos salários, descriminação, competição, xenofobia e, claro, saudades, muitas saudades. Comum nos estudos da emigração é que quase «todos querem voltar». O emigrante, médio, formado ou não, não tem nem boas condições de vida nem é feliz, porque partiu expulso do seu país. Quem emigra para ganhar 4 vezes mais vai gastar 4 vezes mais e o seu salário não será o do português feliz no estrangeiro a enviar divisas mas, na minha opinião, um salário de subsistência. Em Londres não vão jantar fora peixe grelhado, nem em Berlim vão à praia (lago) dar um mergulho porque salário não é aquilo que se recebe ao fim do mês mas o que se consegue fazer com o que se recebe no fim do mês, isto é, salário social, salário família (apoios da família não só em dinheiro mas em espécie,  ajuda a cuidar de filhos e netos, etc), salário real (poder comprar peixe ou legumes), ter dinheiro para se deslocar na cidade, no país, ter uma imensa rede de solidariedade social e familiar, tudo isso é salário. Ver o sol e o Tejo, o Douro, o oceano, sorrir ao lado dos amigos, ver crescer os irmãos, isso também é salário.
 
Emigrar não é uma saída, a saída é perceber que não há saída enquanto o governo for assente na política de acumulação por elevação das dívidas públicas, destruição do Estado social e construção do salário nacional de subsistência, o tal com que Merkel sonha para partir a espinha aos seus sindicatos
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segunda-feira, janeiro 07, 2013

Raquel Varela - "Quem Paga o Estado Social em Portugal"




Raquel Varela no Inferno


Publicado às 21/10/2012
Apresentação do livro: "Quem Paga o Estado Social em Portugal", no Inferno, programa do canal Q.

sábado, dezembro 22, 2012

Nova «revolução verde» da FAO tinge de luto os países pobres e enche os cofres da Monsanto, de Bill Gates e de Kofi Annan


Ana Caracala*, engenheira de recursos genéticos vegetais, a trabalhar com a FAO há 10 anos, explicou, num artigo publicado na Revista Rubra, como a velha e a nova «revolução verde» da FAO tingem de luto os países pobres e enchem os cofres da Monsanto, de Bill Gates e de Kofi Annan…

Tinha chegado a Roma tarde, naquele dia. Jantei perto da sede da FAO, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, na esquina da rua do meu hotel. O empregado, habituado a servir quadros da FAO, perguntou-me: «Então vem para uma reunião na FAO?» «Sim», disse eu. Com os dedos juntos e a mão erguida à altura da boca, como quem gesticula a celebrar uma boa comida, disse numa sonora gargalhada, «Ah, l’organizzazione della fame che mangia, che mangia!» (Ah, a organização da fome, que come, que come).
Este ano (2009) há 900 milhões de seres humanos a passar fome, seis décadas depois da criação da FAO. Em Outubro de 1945, quando a FAO foi criada, havia 80 milhões. Para que serviu a FAO? Nos anos 60, a FAO lançou o Programa Revolução Verde, que apontava a agricultura com recurso a variedades melhoradas, adubos, biocidas e maquinaria como a solução para a escassez alimentar. A «revolução verde» garantiu a reconversão da indústria de guerra – as fábricas de explosivos transformaram-se em fábricas de adubos (ambos usam nitrogénio); as fábricas de tanques passaram a fabricar tractores – e encontrou mercados para escoar essa produção.
Mas como hoje dolorosamente os dados mostram, a revolução verde só piorou o problema da fome. Na verdade tirou terra a milhões de camponeses que tiveram de ir para as cidades, onde é precisa mão-de-obra barata, e deixou as terras agrícolas livres para serem ocupadas por grandes proprietários e multinacionais, sendo ocupadas em monoculturas. Em Setembro de 2006, as Fundações Rockefeller e Bill e Melinda Gates criaram a Aliança para a Revolução Verde na África (AGRA).Sedeada em Nairobi, no Quénia, a AGRA, registada como organização humanitária, passou a ser presidida, a partir de Junho de 2007, por Kofi Annan. O objectivo da AGRA – que para tal já disponibilizou mais de 150 milhões de dólares – é produzir variedades geneticamente modificadas de milho, mandioca, arroz, trigo, banana-da-terra. O negócio das sementes é tão rentável que Bill Gates investiu 30 milhões de dólares no Banco Mundial de Sementes construído nas ilhas Spitzbergen. As espécies são patenteadas e dependentes de químicos e fertilizantes, cuja produção está ligada às empresas que se juntam na AGRA. A Monsanto à cabeça, mas todas as outras que produzem fertilizantes, pesticidas, etc: Cargill, Archer Daniels Midland, Mosaic.
Destruição da soberania alimentar
No calor das revoltas contra a fome, em Junho de 2008, a FAO organizou a Conferência de Alto Nível sobre Segurança Alimentar Mundial (www.fao.org/foodclimate/hlc-home/en), em Roma. Da reunião saiu a assinatura de um acordo entre o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA), o Programa Alimentar Mundial (PAM) (MOU) e…a Aliança para a Revolução Verde na África (AGRA), das Fundações Rockefeller e Gates. Objectivo: fazer a II Revolução Verde na África, ou seja, a introdução maciça de OGM e fertilizantes na agricultura para elevar as taxas de lucro. Em 2008, a Monsanto duplicou os lucros. A Oxfam, conhecida organização de «ajuda» humanitária, considerou a conferência «um passo importante para controlar a crise alimentar» (Rome summit ‘important first step’ but much more needed says Oxfam, Oxfam Press Release, 5 de Junho de 2008). Maryam Rahmanian, do Centro Iraniano para o Desenvolvimentno Sustentável, lamentou: «Estamos chocados e revoltados por vermos a crise alimentar usada para promover as políticas que nos conduziram a essa crise alimentar» (Farmers ‘disgusted’ with food summit, Daily Despatch Online, 7 de Junho de 2008).
Quem trabalha na área agrícola sabe que os OGM estão para as variedades locais tradicionais como os carros de luxo para as bicicletas. As sementes, patenteadas, não são produzidas pelos meios naturais de polinização/fecundação/frutificação que a Natureza tão arduamente desenvolveu, mas por técnicas laboratoriais sofisticadas – tão sofisticadas que os OGM chegam a produzir sementes não férteis. Mariam Mayet, do Centro Africano para a Biossegurança, lembra como «o facto de as sementes se auto- reproduzirem faz que seja extremamente difícil para o capitalismo controlar o componente central do sector agrícola». Para produzirem colheitas rentáveis, os OGM requerem conhecimentos agrícolas e factores de produção sofisticados, que não estão ao alcance dos agricultores dos países pobres. O mal que os OGMs fazem à saúde começa na fome generalizada que provocam – afinal não é a subnutrição a principal causa das doenças no Mundo?
Monoculturas em abundância Os projectos da FAO chegam a ter 90% do orçamento destinados aos salários dos técnicos.
Os técnicos da FAO prestam assessoria na área agrícola, advogando soluções que enriquecem os países centrais. Por exemplo, na década de 90 Marrocos foi aconselhado a substituir o sobreiro por eucalipto para produção de pasta de papel, quando o país era um consumidor irrisório de produtos de papel; o mesmo se passou com a plantação de café e chá na Etiópia quando o país, pela disposição montanhosa, tem nos vales alguns dos solos mais férteis de África.
A FAO acusa os países pobres de desflorestarem, mas na confusão das estatísticas, esquece-se de dizer que são as empresa suecas, finlandesas, alemãs que estão a desflorestar o Brasil e a Ásia, enquanto as florestas dos países ricos, bem estratégico para as burguesia nacionais, são bem geridas. O facto é vendido aos povos europeus como um exemplo de civismo e de governação ecologista do Norte da Europa.
A FAO não é a organização das Nações Unidas para, como diz o seu lema, «ajudar a construir um Mundo sem fome», mas sim um satélite da ONU para escoar o excedente agrícola dos países europeus e dos EUA – despejado nos países pobres, pelas ONG, destruindo a agricultura local, incapaz de competir com os nossos subsídios; promover a industrialização do campo nos países pobres, exclusivamente controlada pelas multinacionais dos países ocidentais e garantir que numa época de guerra estes países são absolutamente dependentes do ponto de vista alimentar. A fome é uma arma dos países centrais para submeter os países pobres, por isso, o balanço da criação da FAO, mais de 60 anos depois é, para a Europa e os EUA o melhor – de 80 milhões passou-se para 900 milhões de famintos.
A miséria não é um anátema e muito menos a consequência de alguma preguiça endógena. Na moral do cidadão bem instalado, um pobre preguiçoso é um malandro, um rico é um … diletante. Os pobres que encontrem um cantinho de terra fértil e com água trabalham, cultivam e não morrem de fome. Os países mais devastados pela fome crónica são países onde os melhores solos agrícolas estão nas mãos de multinacionais. Os bons solos agrícolas usurpados aos pobres são ocupados na produção de culturas alimentarmente secundárias como chá, café, cacau, tabaco, fibras para vestuário, ou supérfluas, como produtos para cosmética, alimentos para animais de estimação, flores, estupefacientes, etc.
O acesso dos pobres à terra cultivável, a preservação e o incentivo ao cultivo das variedades regionais, enfim, uma política que permita à grande maioria da humanidade ter terra onde cultivar o seu sustento, isso é que é combater a fome. E não passa pela FAO, mas pelo fim das políticas dirigidas pela FAO, a organização que come, come.
* O nome foi alterado para protecção da privacidade.

sexta-feira, novembro 23, 2012

Raquel Varela - O Estado social é totalmente auto-sustentado por quem vive do salário



O Estado social é totalmente auto-sustentado por quem vive do salário
23 de Novembro de 2012 por Raquel Varela
Artigo meu publicado no Público de ontem

Nas últimas semanas fortaleceu-se um discurso, que vem de longe, sobre a impossibilidade de os Portugueses pagarem o Estado social. O aumento da dívida pública é associado à impossibilidade de sustentar os gastos sociais do Estado. Primeiro-ministro, ministros vários, comentadores dos media assumem esta premissa como verdadeira, com escasso contraditório. Mas ela é falsa. Quem vive do salário em Portugal (e não de lucro, renda ou juro) paga todos os seus gastos sociais.

O argumento do peso «excessivo» do Estado-providência deve ser rebatido com factos. Num estudo que publicámos (Quem Paga o Estado Social em Portugal?, Bertrand, 2012) calculámos quanto quem trabalha e vive do salário entrega ao Estado em contribuições e impostos (directos e indirectos) e quanto recebe deste em serviços públicos prestados (saúde, educação, segurança social, transportes, desporto, espaços públicos, cultura). Chegámos à conclusão de que os défices do Estado não podem ser imputados aos gastos sociais e na maioria dos anos há mesmo um excedente, isto é, os trabalhadores entregam mais ao Estado do que recebem dele em gastos sociais. Não nos surpreenderam os resultados, estando Portugal neste campo a par de outros países da OCDE, onde foram já realizados estudos semelhantes, como o do economista norte-americano Anwar Shaikh, que traduzimos no referido livro.

Acrescenta-se nas nossas conclusões que, em Portugal, o rendimento dos trabalhadores correspondia já em 2010 e 2011 a cerca de 50% do PIB (incluindo os pagamentos para a Segurança Social, tanto dos trabalhadores como a TSU, e antes de impostos); mas cerca de 75% da tributação entregue ao Estado provinha desses mesmos trabalhadores[1].

Um governo de um país não tem legitimidade para apresentar uma dívida, uma factura para pagar, sem explicar porque a contraiu, como a contraiu, em benefício de quem. Mas não é indispensável auditar a dívida para concluir que quem trabalha em Portugal não deve.

O montante da dívida gera uma renda sempre crescente na forma de juros – estando acordado no plano com a Troika a constante subida da dívida portuguesa a pagar: 2007 (68,3% do PIB), 2011 (107,8% do PIB), 2013 (117,1% do PIB) (previsão do governo)[2]. Este grande aumento da dívida é acompanhado por um gigantesco aumento da massa de juros. Na sua aparência trata-se de uma dívida – que apela à honestidade dos trabalhadores para pagarem –, mas na sua essência é uma renda fixa de capital.

O Orçamento do Estado para 2013 (OE-2013) explica porque aumentou a produtividade (aumentou porque a queda do PIB foi acompanhada de uma queda maior no emprego) e diminuiu o custo unitário do trabalho (CUT)[3]. Mas não explica porquê mesmo assim a dívida cresce, e cresce cada vez mais. Nós avançamos uma explicação que ainda ninguém rebateu: a dívida cresce porque os trabalhadores pagam cada vez mais para o Estado social e esse valor é desviado das funções sociais do Estado para o pagamento de «rendas privadas», entre elas os casos óbvios das parcerias público-privadas, do BPN, das subcontratações externas nos hospitais-empresa.

Uma das conclusões que apresentamos é a de que, desde que se iniciam os hospitais-empresa, o custo com salários baixa (de 2,4% do PIB em 1995 para 0,9% em 2010), a contratação de serviços externos aumenta (no mesmo período passa de 2% do PIB para mais de 5%) e o custo final do serviço prestado ao utente aumenta (aumenta mais que o aumento dos gastos totais em cerca de 0,5% do PIB). Ou seja, a produtividade cai, com um custo acrescido para os contribuintes. A «refundação do Estado social» proposta pelo governo não parece ser mais do que pegar nestes exemplos infelizes e generalizá-los.

Menos óbvio, mas essencial para explicar os gastos sociais foi o uso do dinheiro da Segurança Social (resultado da poupança dos trabalhadores) para financiar a reestruturação das empresas privadas e privatizadas, impelindo os trabalhadores para a reforma antecipada. Ainda menos perceptível é a forma como o Governo, em nome do equilíbrio das contas públicas, opta por uma política de queda da produção e de aumento do desemprego, de forma a reforçar os ganhos dos sectores exportadores (e abrindo um conflito nacional com as empresas que vivem do consumo interno), financiando essa política de desemprego massivo com os recursos da Segurança Social. O desemprego não é uma inevitabilidade, mas sim uma política consciente deste Governo e estipulada no Memorando de Entendimento com a Troika. No OE‑2013 prevê-se um aumento do desemprego até 16,4% (pp. 24 e 25 do Relatório OE 2013).

O dogma neoliberal é um dogma porque assume a economia como uma ciência a-histórica, ou seja, o homem não seria artífice da sua história, não faria escolhas na forma como a sociedade produz e se reproduz, ou seja, não escolheria as suas relações de trabalho, mas estaria fadado a aceitar a produção para o lucro, o desemprego, as dívidas “públicas” como se de inexoráveis leis da gravidade se tratasse.

Na verdade a primeira questão que nos devemos colocar hoje, em Portugal, é a seguinte: somos um país que produz uma riqueza anual em torno de 170 mil milhões de euros, podendo esse valor ser bem maior caso toda a mão-de-obra desempregada fosse utilizada, e não temos riqueza para pagar as necessidades mais básicas de qualquer sociedade? Se a riqueza de uma sociedade que tem um dos salários mais baixos da Europa e mais longas jornadas de trabalho, de acordo com a OCDE, não vai para a saúde, educação, auxílio mútuo e bem-estar na reforma, vai para onde?

[1] VARELA, Raquel  (coord), Quem Paga o Estado Social em Portugal?, Lisboa, Bertrand, 2012. Ver em particular artigos de GUEDES, Renato, e PEREIRA, Rui Viana; ROSA, Eugénio; SHAIKH, Anwar.

[2] GENERAL GOVERNMENT DATA, General Government Revenue, Expenditure, Balances and Gross Debt, PART I: Tables by country, primavera de 2012, Eurostat.

[3]    Relatório Orçamento de Estado, pp. 13-17.

http://5dias.net/2012/11/23/o-estado-social-e-totalmente-auto-sustentado-por-quem-vive-do-salario/

quinta-feira, novembro 08, 2012

Raquel Varela ~ A comida (não) é uma arma: Carta aberta a Isabel Jonet


A comida (não) é uma arma

A comida (não) é uma arma
Carta aberta a Isabel Jonet,
Não pude deixar de ficar chocada com as suas declarações em como «devemos empobrecer» e que «não podemos comer bife todos os dias» e «que vivemos acima das nossas possibilidades».
O boletim do INE (Balança Alimentar Portuguesa 2003-2008)[1] lembra-nos que a dieta dos Portugueses está cada vez menos saudável. A fome, escreveu um dos seus maiores estudiosos, o médico e geógrafo Josué de Castro, pode ser calórica ou específica, isto é, pode-se comer muitas calorias e mesmo assim ter fome. Hoje os reis são elegantes e os pobres gordos, num padrão histórico inusitado. Os Portugueses estão a comer uma quantidade absurda de hidratos de carbono. O consumo de papas aumentou 7% com a crise, com consequências graves para a saúde – diabetes, doenças degenerativas, obesidade – porque se trata de açúcares simples. As pessoas alimentam-se apenas de forma a garantir a energia necessária para continuarem a produzir. Sentem-se saciadas, mas manifestam carências alimentares de vitaminas, nutrientes, sais minerais e proteínas de qualidade. Os Portugueses têm uma alimentação hipercalórica – média de 3883 kCal por dia – pobre em peixe e carne, proteínas de origem animal, essenciais, porque são de digestão lenta e indispensáveis ao sistema nervoso.
O peixe era um dos raros alimentos na viragem do século XIX para o século XX que os pobres comiam mais que os ricos. Agora, o peixe chega à lota e é imediatamente colocado em carrinhas de frio em direcção à Alemanha e à Suíça, embora umas caixas fiquem na mesa dos ricos e do Governo que a senhora defende. O mesmo começou a passar-se  com os medicamentos – o paraíso das exportações é um inferno para quem vive do salário e empobrece.
No Norte da Europa os trabalhadores foram convencidos a comer «sandes» ao almoço para aumentar a produtividade e quase só a alta burguesia tem acesso a restaurantes. Comer de faca e garfo nos países nórdicos é fine dining.
Depois do 25 de Abril de 1974, as classes trabalhadoras portuguesas estiveram algum tempo entre as mais bem alimentadas do mundo, melhor do que na própria Alemanha ou EUA. O aumento dos salários dos trabalhadores, por via das lutas, greves e ocupações de empresa, a reforma agrária, o congelamento das rendas nas cidades e uma economia fortemente nacionalizada, entre outros factores, permitiram uma produção alimentar de qualidade e sobretudo de acesso policlasssista – não era preciso ser rico para se comer bem. Ir a um restaurante à hora de almoço comer peixe grelhado podia ser feito por um operário ou por um professor. Isso escandalizou os ricaços, claro: a visão de operários a experimentar o sabor do marisco (muitos pela primeira vez na vida) nos restaurantes da Rua das Portas de Santo Antão levou alguns então a apelidá-los, com rancor mal disfarçado, de «nova burguesia da cintura industrial de Lisboa»!
Com o aumento das rendas, diminuição dos salários, perseguição da ASAE e saque fiscal, os restaurantes populares fecham portas na mesma proporção que aumentam as filas do Banco Alimentar.
A fome é um problema cuja origem reside única e exclusivamente no sistema capitalista. Hoje, há tecnologia, terras e conhecimento para que o homem não esteja dependente das vicissitudes Natureza para se alimentar. É aliás isso que distingue o homem dos outros animais, domar a Natureza, através do trabalho, e superar o reino da necessidade, isto é, comer todos os dias e poder compor música ou escrever um livro. Isso é a liberdade.
A fome em Portugal deve-se única e exclusivamente a escolhas políticas pelas quais a senhora é co-responsável, com a sua defesa da política de «empobrecimento». A fome deve-se:1) à manutenção de salários abaixo do limiar de subsistência, abaixo do cabaz de compras, o que torna os sectores mais pobres dependentes das instituições que os alimentam; 2) ao encerramento de fábricas, empresas e aos despedimentos para elevar a taxa de lucro na produção; 3) ao desvio de investimentos para a especulação em commodities, entre elas, grãos; 4) à deflação dos preços na produção, ou seja, se não obtêm uma taxa média de lucro que considerem apetecível, as empresas de produção de alimentos preferem não produzir.
Mas a fome deve-se ainda a um factor mais importante tantas vezes esquecido, a questão da propriedade da terra. Enquanto mercadoria produzida para gerar lucro, a produção de alimentos deve render um lucro médio ao proprietário da produção semelhante ao lucro alcançado na indústria. Para além desse lucro médio temos que arcar também com a renda da terra (um pagamento inaceitável por aquilo que a natureza nos deu de borla). É também essa renda responsável pela existência de subsídios à produção. Porque a agricultura é menos produtiva do que a indústria, a renda da terra é subsidiada.Com a crise do crédito, esses subsídios diminuem e o preço dos alimentos dispara até preços incomportáveis. Por isso, sem emprego e expropriação de terras (reforma agrária) sob controle público, a fome só irá aumentar.
Quem percorre Portugal percebe também que se aqui há fome não é por falta de terras, máquinas ou pessoas para trabalhar. Em Portugal, 3 milhões de pessoas são consideradas oficialmente pobres. Produzimos uma riqueza na ordem dos 170 mil milhões de euros (PIB português que poderia ser bem maior não fosse a política de desemprego consciente do governo) e temos de “empobrecer”? Para onde vai este dinheiro, dona Isabel Jonet? 170 mil milhões de euros produzem os Portugueses juntos e não podem comer bife?
As tropas de famintos são uma mina de ouro para as instituições que vivem à sombra do Estado a gerir a caridade: os nossos impostos, em vez de serem usados para o Estado garantir o bem-estar dos que por infortúnio, doença ou desemprego precisam (solidariedade), são canalizados para instituições dirigidas sobretudo pela Igreja católica (caridade). A solidariedade é de todos para todos, a caridade usa a fome como arma política. Por isso nunca dei um grão de arroz ao Banco Alimentar contra a Fome. A fome é um flagelo, não pode ser uma arma para promover o retrocesso social que significa passarmos da solidariedade à caridade(zinha).
A sua cruzada, dona Isabel Jonet, lembra infelizmente os tempos do Movimento Nacional Feminino e as suas campanhas de socorro «às nossas tropas». As cartas das «madrinhas de guerra» e os pacotes com «mimos» até podiam alegrar momentaneamente o zé soldado, mas destinavam-se a perpetuar a guerra. Os pacotes de açúcar e de arroz do seu Banco Alimentar aliviam certamente a fome das tropas de destituídos que este regime, o seu regime, está a criar todos os dias. Mas a senhora e as políticas que defende geram fome, não a matam.
Raquel Varela, historiadora, coordenadora do livro Quem Paga o Estado Social em Portugal?(Bertrand, 2012)
 Publicado em Novembro de 2010.

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53 Responses to A comida (não) é uma arma

  1. António Costa says:
    Imagino que para a Raquel, um dia que seja ministra da nutrição, o destino dos vegetarianos seja campos de reeducação alimentar, para se deixarem dessa coisa da subnutrição
    • Raquel Varela says:
      Caro,
      Os vegetarianos têm que ser muito ricos em Portugal, com o valor dos alimentos de hoje, para comerem todos os nutrientes que devem. Mas passemos à frente, porque o essencial é escolher o que se pode comer. Quem quer não come carne> Mas quem quer deve poder comer carne.
      • Luis Ferreira says:
        Não é assim. A alimentação vegetariana é sensivelmente ao mesmo preço da restante. Espero que outros dados neste texto não tenham a mesma falta de verdade que o deste comentário.
        A argumentação sobre a nutrição deve ter em em conta o factor da ineficiência da produção de carne.
      • António Costa says:
        Então o essencial resume-se ao que quem deve querer algo, deve poder tê-lo, estando-se aqui a falar de comida? Se eu quiser comer um simples prego de carne, devo poder? Se eu quiser comer uma sapateira devo poder? Se eu quiser comer duas doses de cozido à portuguesa, devo poder? Vamos tentar não ser redutores só para justificar um argumento mal fundamentado
      • XisPto says:
        Mas onde é que o Lenine, ou o Gorgi, mais dado a essas coisas da natureza, disseram que numa sociedade comunista alguém pode ser vegetariano?
    • Nightwish says:
      O que mais se vê são cantinas, refeitórios e restaurantes com pratos vegetarianos…
    • Maria Teresa says:
      Ao A.Costa,
      Pelo seu comentário só posso deduzir que, ou não entendeu nada do que leu, ou então faz parte daqueles que pensam que quanto mais pobres estiverem os portugueses melhor.
  2. Isabel says:
    “As pessoas alimentam-se apenas de forma a garantir a energia necessária para continuarem a produzir”: não, não e não. As pessoas alimentam-se assim mal porque não sabem comprar bem, nem com muito, nem com pouco dinheiro. Porque a publicidade impinge alimentos errados que elas não sabem reconhecer, porque nunca aprenderam nem se interessaram por comer melhor. O problema que refere é pura falta de conhecimentos de nutrição, porque ter menos dinheiro nunca foi sinónimo de comer pior; pergunte a qualquer pessoa que tenha vivido em tempos difíceis, como é o caso dos meus avós. Eles não se lembram, nunca, de passar fome, felizmente; lembram-se é de que certas coisas eram um luxo raro. Porquê? Porque não se podiam comprar sempre. Portanto, o segredo está em viver de acordo com as possibilidades e saber gastar BEM o dinheiro, independentemente da quantidade que se tenha; ou será que ser rico e comer bife todos os dias será saudável?
    • Catiamaria says:
      Os seus avós certamente eram dos poucos felizardos que não passaram fome nesse tempo, para sua informação muita fome houve e há hoje em Portugal, não por falta de conhecimento ou de ignorância mas por falta de poder de compra!!… Convido-a alimentar um agregado familiar durante um mês com o ordenado mínimo nacional e depois venha dizer que é falta de conhecimento ou ignorância na hora de comprar os alimentos certos!!… Ignorância é falar do que não sabe e quando está longe da realidade vivida de muitos milhares de portugueses de hoje em dia.
      • Diogo says:
        Ò Cátiamaria, para quê esta última frase? Até estava a dar o seu o seu argumento legitimamente e depois, no fim, um insultosinho desnecessário para acabar.

        Será que não se consegue discutir um assunto sem nos andarmos a ofender uns aos outros? Debates não têm que ser discussões…
        • Catiamaria says:
          Não insultei ninguém! Quem insultou aqui, foi a sra. em cima, por falar do que não sabe e julgar que a fome que existe, existe por ignorância e não por falta de poder de compra!!
        • Luis says:
          Então vejamos, a Raquel não gosta Isabel Jonet porque esta dá comida aos probres, o que ajuda a perpetuar a sua pobreza, etc. Presumo então que deve estar do lado dos povos do norte da Europa que olham com maus olhos para toda esta caridade (sob a forma de empréstimos) dirigida a países como Portugal, que precisamente mais não fazem que perpetuar a nossa pobreza, pois não promovem uma muito saudável mudança de hábitos. A situação é exactamente a mesma, é só mudar a Isabel pela Merkel e os pobres pelos povos do sul da Europa, só que atacam pela Jonet pela acção e a Merkel pela inacção!
      • Ana Morin says:
        Catiamaria, há fome no mundo todo – sempre houve e, infelizmente, sempre haverá.
        Os meus avós (de ambas as partes) estavam longe de ser ricos (MUITO longe) e nunca ouvi deles (nem dos meus pais) que tivessem passado fome. Não havia fartura, não havia luxo, não havia bifes todos os dias, mas havia criatividade e vivia-se com o que se podia.

        Os meus pais nunca foram ricos (mais uma vez, longe disso) e educaram, alimentaram, vestiram 4 filhos. Fui criada sem luxos, sem excessos e educada a ser frugal com as minhas escolhas. Hoje, felizmente para mim, se quisesse comer bife todos os dias, ate podia; mas…bife e coisa que não me agrada. Posso hoje ter luxos que não tive quando cresci, mas ainda assim vivo como se não os pudesse ter… mas, já me estou a afastar muito do assunto nutrição!

        Quando estou na fila para pagar as minhas compras no supermercado, e impossível não ver o que outras pessoas compram e as escolhas que fazem são flagrantes. Há, infelizmente, muita gente que efectivamente não pode, mas, há muito boa gente que não sabe comprar.
    • Rita Merêncio says:
      Agrada-me sempre quando se fala do analfabetismo e da “incompreensão” do coitado do outro. Imagino sempre quem escreve, eloquente, de pé num pedestal, de casaco corte clássico manufacturado com tecidos nobres, e uma multidão interminável até perder de vista a grunhir:

      – Percebes-te o que ela disse?
      – Disse?! Ela já falou?
      – Já. Alguém percebeu o que foi dito?
      – Eu ouvi. Mas não percebi nada…
      – Perceber? O que é perceber?!”.

      Vou extrair do texto, porque isto é uma pérola imperdível, as provas da estupidez dos Portugueses, ou do outro em geral: (Análise de Conteúdo)
      “As pessoas alimentam-se assim mal porque não sabem comprar bem, nem com muito, nem com pouco dinheiro.”
      Preposição 1 – As pessoas alimentam-se mal.
      Preposição 2 – Não sabem (as pessoas) comprar bem; nem as ricas, nem as pobres.

      “Porque a publicidade impinge alimentos errados”
      Preposição 3 – Os publicitários impingem alimentos (deduzo) menos saudáveis;
      “que elas não sabem reconhecer, porque nunca aprenderam nem se interessaram por comer melhor.”
      Preposição 4 – (As pessoas) não sabem reconhecer os alimentos menos saudáveis impingidos pelos publicitários;
      Preposição 5 – Nunca aprenderam (o sistema educativo nunca ensinou)
      Preposição 6 – (Mesmo que tenha ensinado) nunca se interessaram por saber reconhecer uma alimentação mais saudável e fazer desse conhecimento uma práctica de vida”

      “O problema que refere é pura falta de conhecimentos de nutrição”,
      Preposição 7 – O problema que refere é: “A fome ou a preterição da carne em detrimento de outro tipo de alimentos mais baratos, enquanto resultado de uma sociedade classista que se sustenta e apoia baseada em princípios económicos, tendo como objectivo máximo a germinação de seres, oriundos das classes economicamente mais altas, com mais possibilidades para que venham também eles a ser futuras gerações de classes mais altas (no Poder, obviamente). É um ciclo perpétuo que já não causa (ou não causava) transtorno nem ao proletariado nem ao senhorio porque ambos se habituaram e adaptaram a corresponder àquilo que a sociedade espera deles. Este problema (GRAVE) é apenas falta de conhecimentos por parte da autora (e dos leitores) de nutrição. Porque o Mundo, baseia-se em conhecimentos de nutrição. E quem não percebe é parvo.
      Preposição 8 – A escritora deste texto que a Isabel comenta não percebe nada de nutrição. A Isabel é nutricionista.
      “porque ter menos dinheiro nunca foi sinónimo de comer pior;”
      Preposição 9 – Nesta sociedade, ter menos dinheiro é sinónimo de comer pior, obviamente. Não sei em que mundo vive, mas não será certamente no mesmo que eu. Apenas famílias que tenham efectivamente menos dinheiro mas, no entanto, um orçamento que lhes permita ainda não cortar na alimentação é que não come pior com menos dinheiro. Geralmente, a alimentação é das últimas coisas que se corta no cabaz de uma família quando o rendimento diminui. Há todo um cartaz grandioso de usufrutos a cortar em virtude de se ter menos no bolso (Viagens, Cultura, Medicinas alternativas, Estética, Roupa e Calçado, etc.). Há no entanto, Isabel, famílias que já há muito cortaram todos estes aspectos. E estas, Isabel, são as que efectivamente comem pior pelo facto de terem menos dinheiro. E estas, Isabel, são outras que não a sua. Não porque é nutricionista mas porque não necessitou ainda de cortar na alimentação. Está bem?
      “pergunte a qualquer pessoa (Os avós da nossa sapiente escritora) que tenha vivido em tempos difíceis, como é o caso dos meus avós.”
      Preposição 10 – Eu perguntei, mesmo. Os meus por exemplo, lembram-se de passar fome. Tinham uma família numerosa, trabalhavam de sol a sol, e havia escassez de determinado tipo de alimentos, nomeadamente, os que não eram por eles produzidos.
      “Eles não se lembram, nunca, de passar fome, felizmente; lembram-se é de que certas coisas eram um luxo raro. Porquê? Porque não se podiam comprar sempre.”
      Preposição 11 – Certas coisas (a comentadora refere-se a bifes, porque era disto que a autora falava) são um luxo raro porque não se pode comprar sempre. Enquanto houver batatas no mundo o flagelo da fome é apenas uma miragem…
      Eu trago o sonho de viver numa sociedade em que um luxo raro seja um automóvel em condições ou uma viagem de sonho. Quando a minha sociedade me diz que um bife é um luxo raro, que não se pode comprar sempre, está na hora de fugir.

      “o segredo está em viver de acordo com as possibilidades e saber gastar BEM o dinheiro, independentemente da quantidade que se tenha;”
      Preposição 12 – D. Isabel, e é isto mesmo que as famílias fazem. Gerir orçamentos mensais que não cobrem as despesas. Eu ensino: Suponha, recebe 400 e tem despesas no valor de 500. ai, ai ai, que conta difícil. Pois, eu sei. Mas o Homem é um animal de hábitos. Num mês, não paga a renda ou fica a dever parte dela e enche o frigorifico de comida que não se estrague (por exemplo, vegetais que não se possam congelar, está fora de questão; fiambre, está fora de questão;) espero que esteja a entender o raciocínio… Compra porco (é o mais barato) e frango e congela. Enlatados (não se estragam). Assim, nesse mês tem comida para cozinhar para 2 meses. Paga todas as contas que sejam susceptíveis de lhe retirar serviços que necessita primeiro. Por exemplo, a água, o gás e a luz são contas impreteríveis. Bom, e poderíamos continuar mas creio que, inteligente como é, deve já ter alcançado a ideia.
      No entanto, tenho uma questão: Se eu tiver a quantidade de dinheiro 0€, quais as minhas possibilidades de vida e como gastá-lo da melhor forma?

      “ou será que ser rico e comer bife todos os dias será saudável?”
      Preposição 13 – Psicologicamente, é inequívoco que ter a possibilidade de comer bife, se assim o desejar, diariamente é o mais saudável. Uma sociedade que permite aos SEUS cidadãos optar pela forma como vão satisfazer as suas necessidades fisiológicas é uma sociedade saudável. Uma sociedade que põe ISTO em dúvida com ESTAS preposições está putrefacta.
  3. Isabel says:
    “Os vegetarianos têm que [sic] ser muito ricos em Portugal” > mais uma vez, grande falta de informação da sua parte. Leguminosas são dos alimentos mais baratos e proteicos que há, por exemplo; ou é daquelas pessoas que acha que quem é vegetariano só se banqueteia em festins de tofu, soja e seitan? (E mesmo que banqueteasse, há processos relativamente simples de produzir estes alimentos em casa, pasme-se! Coisas que se aprendem quando se é vegetariano e não se é rico).
    • vegan says:
      olha que não fica barato produzir sitan ou tof em casa, amigo. se acha que sim é porque tem dinheiro. porque comprar o seitan feito ou fazê-lo em casa é quase o mesmo preço. para fazer seitan tem que comprar o gluten. só o gluten custa quase o mesmo que comprar o seitan feito.
    • Fora de mim says:
      Se as leguminosas são mais baratas, ou se são os bifes…. enfim… E que tal, então, “ensinar a pescar”, em vez de “dar o peixe” aos que dependem do Banco Alimentar e ensinar-lhes os tais “processos relativamente simples de produzir (…) alimentos em casa”?! Afinal, são “coisas que se aprendem quando (…) não se é rico”…
    • Zuruspa says:
      Pois exactamente, Isabel.
      Para ser “vegetariano” tem obrigatoriamente de se comer (só) tofu, soja e seitan.
      Porque quem come feijäo com couves e arroz já näo é vegetariano… aí é só “pobre”.

      Uma das coisas que aprendi ao cozinhar para vegetarianos (aqueles a sério, e näo por ser moda) é que se pode substituir a carne, por exemplo, por feijäo encarnado. Coisas dessas.
  4. Suspeita says:
    Excelente resposta. Identifico-me na perfeição. Parabéns.
  5. Ana Morin says:
    “Caro,
    Os vegetarianos têm que ser muito ricos em Portugal, com o valor dos alimentos de hoje, para comerem todos os nutrientes que devem.” – para alguém tão [teoricamente] bem informada, a Raquel está longe da realidade…

    Comer bem e saudável não é uma questão de dinheiro, mas de escolha e de informação.
    Além do mais, acho bem que não se coma bife todos os dias, não sei se já leu sobre o assunto, mas a carne vermelha não é a mais saudável!
  6. Agata says:
    Por acaso isso não é verdade, querem comparar o preço de meio quilo de carne com meio quilo (ou mesmo um quilo!) de feijão ou outra leguminosa?! Ou mesmo com soja?! É porque fica muito mais barato ser vegetariano, para além das óbvias questões ambientais.

    Mas não acho que seja essa a questão, pois penso que ela se prende com a falta de vergonha na cara desta mulher que parece querer perpetuar a fome e a pobreza (será para poder manter o seu trabalho de caridadezinha e ser vista com “bons olhos” socialmente?!) invés de os abolir!
  7. Filipa Costa says:
    Parabéns!!!
    Adorei ler o seu artigo, Raquel.
    Uma resposta perfeita às declarações chocantes da Sra. Isabel Jonet.

    Infelizmente a maioria das pessoas tem alguma dificuldade em entender que igualdade significa que todos temos direito à opção. Irmos ao supermercado e podermos escolher que alimentos comprar, deveria ser um direito de todos. Infelizmente alguns acham que a escolha faz parte de uma pequena elite. Comentários como o da Sra. Jonet só demonstram que a desigualdade em Portugal está a aumentar perigosamente.
  8. Carlos Santos says:
    Existe muita contra informação sobre nutrição, devido a interesses económicos e farmacêuticos.
    A verdade é que a fruta e vegetais que consumimos hoje em dia não possuí a mesma quantidade de nutrientes que possuía antigamente, devido à constante utilização dos mesmos solos, que ano após ano, são cultivados e nos quais são utilizados pesticidas e outros produtos nocivos aos mesmos.
    Para uma boa nutrição é necessário ingerir principalmente carne, peixe, vegetais, alguma fruta e ovos. O resto é dispensável e muitas vezes desnecessário como por exemplo o arroz que não passa de hidratos de carbono vazios, com muito poucos nutrientes.
    De notar que o mais importante é comer uma alimentação não processada, sem açucares e outros produtos adicionados.
  9. António says:
    Já aqui foi dito mas nunca é demais repetir. Essa historia da proteinas está obviamente mal contada. Nao precisa de carne e peixe para fazer ter uma vida saudavel e lhe garanto que uma dieta variada vegetariana pode ser até mais barata que uma dieta “normal”. E falo-lhe por experiencia propria eporque tenho as contas feitas. Nao ando subnutrido nem com falta de vitaminas, antes pelo contrario, nunca me senti tao bem, com a vantagem de chegar ao fim do mes com mais dinheiro no bolso. Com alguma informaçao (obtida de forma gratuita na internet por exemplo) qualquer pessoa pode seguir este caminho.

    Disparar disparates nao faz o artigo mais serio…. O paragrafo da alimentaçao dos trabalhadores no pos-25 de abril também é de facto brilhante. Teorias da conspiraçao e a suposta inveja dos ricos porque o vizinho pobre come peixe também é coisa que só podia ser lida neste exemplar blog.

    A confusao contante entre fome e má nutriçao (nao subnutriçao) para tentar convencer-nos desta brilhante peça também nao abona em seu favor.
  10. Ai não que não é.
    A comida é uma arma e a fome também .
    A exms Isabel JONET
    foi à TV para dizer que ” NÃO EXISTE MISÉRIA EM PORTUGAL.”

    Eu pergunto:
    -Se NÃO EXISTE MISÉRIA EM PORTUGAL para que raio serve então o tal Banco alimentar?? Para dar de comer aos ricos amigos da senhora em questão??
  11. será que a corda do ulrich aguenta? says:
    - será que a corda da forca do ulrich aguenta?
    - ai aguenta, aguenta!

    boa resposta, Raquel!
  12. António Paço says:
    Parece que alguns vegetarianos resolveram fingir que não entenderam de que fala este post para aqui defenderem a sua causa. Ou, como o Luis Ferreira, tendo demonstrado zero, nicles, coisa nenhuma, sugerir que os dados citados no post poderão ser falsos. Tem bom remédio, sr. Ferreira: vá verificá-los.

    Há um argumento usado pela Isabel que é verdadeiro (há falta de informação sobre nutrição), mas usado ao serviço de uma péssima causa: afirmar que «ter menos dinheiro nunca foi sinónimo de comer pior». Se a Isabel saísse do seu círculo restrito (as memórias dos avós que «não se lembram, nunca, de passar fome»), saberia que houve e há muita gente que passou e passa fome, e não é por falta de educação alimentar. É mesmo por falta de dinheiro. A falta de informação tem o seu papel, claro. As duas coisas não são sinónimas, mas costumam andar juntas.

    «As pessoas alimentam-se apenas de forma a garantir a energia necessária para continuarem a produzir», cita a Isabel para dizer «não, não e não».

    Olhe que sim, Isabel, olhe que sim. Há anos dei aulas num bairro africano da periferia de Lisboa. A maior parte das minhas alunas (adultas) trabalhavam na limpeza de escritórios. Levantavam-se às 4 da manhã para garantir que os escritórios estariam limpos para as pessoas que iniciavam o trabalho às 9. Depois, faziam outros turnos após as 7 da tarde. A sua alimentação era muito desequilibrada. Por exemplo: em vez de beber água, bebiam bebidas açucaradas (mais caras que a água, claro). Passavam muitas horas sem comer e depois encharcavam-se de comidas baratas e hipercalóricas. Por quê e para quê? Falta de informação, certo. Mas a falta de dinheiro, os horários de trabalho, os condicionamentos à mobilidade (para os mais pobres qualquer deslocação implica fazer contas de cabeça, e não há lojas de comida vegetariana e biológica nos bairros mais pobres) são um condicionamento absoluto. Por isso, comem alimentos que, como se dizia – e ainda diz – no campo, ajudam «a puxar carroça», que forneçam calorias instantâneas para queimar.

    Eu não era professor de nutrição, mas fiz os possíveis por melhorar a informação dos meus alunos e alunas. Estou certo de que muitos professores o fazem, ainda que a sua área seja o português, a matemática ou a geografia. Mas a luta contra a fome não é só, nem principalmente, por melhor informação alimentar. É sobretudo contra as políticas (descritas no post) que geram fome.
  13. Mar says:
    “..pergunte a qualquer pessoa que tenha vivido em tempos difíceis, como é o caso dos meus avós. Eles não se lembram, nunca, de passar fome”.
    Tenho 43 anos lembro-me de a minha avó contar que atirava a galinha das escadas abaixo para ver se punha o ovo mais depressa, para poder dar de comer à minha mãe e à minha tia quando eram pequeninas. Cómico, mas verdade. Sim, passou fome para as filhas não passarem. E eu fui criada com ela e ensinada a não desperdiçar uma côdea de pão, por mais pequena que fosse. Houve muita fome por falta de dinheiro e continua a haver fome por falta de dinheiro, não por uma má gestão dos orçamentos familiares.
  14. Afonso Costa says:
    Fala-se de fome e empobrecimento e aparece o exército dos vegetarianos a defender a sua causa para desviar o assunto da provocação da comendadora Jonet. São todos dos Jonet, ali de S. José à Lapa?
  15. Piskas says:
    Porra António, estava a ver, que andava tudo maluco…obrigado por alguma lucidez…Pessoal, bem vindos ao Portugal real….é que, há que andar na rua, cuzinho sentado a intelectualizar, dá conclusões da treta…

    Obrigado Raquel, e perdoa-os, é que é muita barriguinha cheia, então só conseguem mirar os seus umbigos.

    …e desculpem lá qualquer erro ortográfico, é que sou muita bronco, deve ser da falta de chicha.
  16. Concordo totalmente com a sua carta. Claro que vão aparecer uma série de iluminados a dizer que “as pessoas é que não sabem comer” e “não sabem comprar”, mas pronto, para estas mentes obtusas as políticas educativas existem por si e não influenciam em nada a forma como vivemos em sociedade…

    Os vegetarianos que resolveram vir aqui mandar farpas, que calculo sejam de direita (vá-se habituado Raquel que os partidos têm gente desta a descredibilizar comentários inteligentes, quando estes obtém demasiada popularidade), parece que também falam do que não sabem, a alimentação para vegetarianos é barata que quiserem comer tofu dia sim dia sim. Se quiserem uma alimentação variada, garanto-vos que precisamente de um bom orçamento.

    Espero que essa Isabel Jonet (o apelido diz tudo) seja demitida o quanto antes, apesar de sabermos que no lugar vai ser posta/o outro/a fantoche.
  17. José Manuel Coelho Vieira Soares says:
    O cartoon da Inês vale por mil palavras !!!!!!!!
  18. António Melo says:
    É deveras curioso como algumas pessoas insistem em discutir o acessório, esquecendo o fundamental das questões.

    Não está aqui em causa a virtude de uma alimentação ou de outra, mas sim o direito a ter uma alimentação, tendo os meios para o fazer com liberdade e dignidade, sendo pago com justiça pelo valor do seu trabalho, e vendo os seus impostos a serem aplicados onde devem: no pagamento das suas necessidades sociais, educação, saúde, justiça, segurança, etc. e não continuando a sustentar a má gestão do estado, da banca e dos nossos reformados de luxo, que continuam na vida “activa” mas não prescindem das suas “pequenas reformas” e têm moral para vir á comunicação social apelar e justificar sacrifícios e austeridade, para os outros, lógico. Isto sim é, para mim, fundamental e deve ser discutido.
  19. Zé Povinho says:
    Parabéns pela resposta! Temos de denunciar todos os esquemas da direita beata e balofa.
  20. Francisco Seabra says:
    Creio que a Raquel Varela escreve um post tao insensivel como as afirmaçoes da Jonet. Confundir o trabalho do banco Alimentar com a sua presidente e bastante redutor. Alem de que e ofensivo para as milhares (sim, milhares) de pessoas que todos os dias matam a fome com os donativos desta organizaçao. O paragrafo sobre a alimentaçao a seguir ao 25 de Abril e de ir as lagrimas.
    (o teclado esta avariado, por isso nao tem acentos. As minhas desculpas)
    • carlos carvalho says:
      Penso que o melhor para “aproveitar” o pensamento e preparação desta senhora seria, recomendável, atribuir-lhe e com urgência o “Ministério do Empobrecimento Rápido do Povo Português”.
  21. Manuel Ferreira says:
    Comer bem é um luxo. Pelo menos nas cidades. Tão luxo que é que a comida dita biológica (ou natural) tem um preço caríssimo e é um negócio que vai crescendo, seguindo aliás uma tendência de países ricos.

    A fruta é caríssima e muitas vezes sem qualidade.

    Os legumes também não são nada baratos.

    Pela verdade, o azeite está mais acessível, e é um produto de qualidade. Outros produtos como o arroz também estão relativamente acessíveis. Depois, a porcaria que o pessoal costuma comer, essa também é relativamente barata. Comidas açucaradas e altamente processadas.

    Esta gente da caridade, são geralmente, meninas e meninos bem, católicos, que até se reúnem aos Domingos de manhã, antes de irem fazer a nova viagem ao estrangeiro, e que até se conhecem do ténis ou da ginástica, e que não perdem a oportunidade para passear a vaidade. Não dão 50 cêntimos a um pobre. São racistas contra os pobres, porque pertencem à classe dos ricos e pseudo-ricos, essa raça superior.
    Obrigado Raquel Varela.
  22. rui bento says:
    Totalmente de acordo! Obrigado pela carta aberta Dra. Raquel Varela
  23. Maria says:
    Bom, para a pobre Isabel Jonet e seus seguidores recomendo;

    Saiam da sua zona de conforto durante 6 meses, providenciem o sustento do vosso agregado familiar, durante esse tempo, com 500 euros por mês, líquidos, e depois venham explicar-nos o que comem todos os dias depois de pagar renda, água, luz, gás, algum medicamento que precisem e transportes para o agregado familiar se deslocar para o trabalho e/ou para a escola, podem então ajudar-nos a ser felizes com o exemplo de tamanho despojamento.

    Se não sobrar nada para comer, podem sempre usar velas, em vez de eletricidade, ir à fonte buscar água, colherem lenha na natureza para cozinhar e viverem numa barraca, talvez assim sobre alguma coisa para os filhotes poderem ir aos concertos de rock.
    Os ricos, para ficarem mais ricos, precisam sempre de mais pobres.
  24. Maria says:
    Bom, para a pobre Isabel Jonet e seus seguidores recomendo;

    Saiam da sua zona de conforto durante 6 meses, providenciem o sustento do vosso agregado familiar, durante esse tempo, com 500 euros por mês e depois venham explicar-nos o que comem todos os dias depois de pagar renda, água, luz, gás, algum medicamento que precisem e transportes para o agregado familiar se deslocar para o trabalho e/ou para a escola, podem então ajudar-nos a ser felizes com o exemplo de tamanho despojamento.

    Se não sobrar nada para comer, podem sempre usar velas, em vez de eletricidade, ir à fonte buscar água, colherem lenha na natureza para cozinhar e viver debaixo da ponte, talvez assim sobre alguma coisa para os filhotes poderem ir aos concertos de rock.

    Os ricos, para ficarem mais ricos, precisam sempre de mais pobres.
  25. Manuela Ferreira says:
    Comer bem é um luxo.
    A fruta e as verduras são caríssimas, e a fruta muitas vezes não tem qualidade.
    Tanto que é luxo que até se converteu num negócio – comida biológica.

    Esta gente da (alta) caridade, são “gente de bem”, geralmente muito católicos (mas nada cristãos) até se reúnem ao Domingo de manhã, para confraternizarem e debaterem as “ajudas”, que e só para disfarçar possam alguma vez sair do bolso deles. Até já se conhecem do clube de ténis ou da natação. Nesses encontros passeiam a vaidade, descrevem a última viagem ao estrangeiro e a que estão agora a planear fazer, quando “tiverem tempo” (para dizer que trabalham). Não dão um cêntimo a um pobre ou fazem qualquer esforço para ajudar o que está à beirinha a precisar de ajuda. Muitos são só pseudo-ricos. São racistas, não gostam de pessoas pobres. Pode andar lá um ou outro enganado.
    Obrigada cara Raquel Varela, e a todos os que ajudam os outros de verdade.
  26. Victor Nogueira says:
    Há duas questões que estão baralhadas
    1. – a dieta alimentar
    2. – os custos da dieta alimentar.

    Os seres humanos não são por natureza vegetarianos mas carnívoros. Não sei os termos mas o aparelho digestivo e a dentição são idênticas às dos carnívoros e não dos ruminantes ou equídeos.

    O ser humano pode optar por uma alimentação exclusivamente vegetariana ou omnívora, equilibrada e saudável ou não. Naturalmente condicionado por hábitos alimentares ou pela publicidade, com uma dieta equilibrada ou não. Que em qualquer caso tem custos, comportáveis ou não face ao nível de rendimentos.

    E Raquel Varela questiona dois aspectos relativamente a Isabel Jonet e a instituições como o Banco Alimentar:

    1. – a questão ideológica, da caridadezinha substituir-se à solidariedade e aos direitos como reivindicação e não “esmola” que constam da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada pela ONU em resultado da II Guerra Mundial, entre outras. A mesma questão ideológica que leva á fome e subalimentação resultantes da lógica da produção capitalista. A mesma ideologia subjacente às igrejas, independentemente da “boa-fé” e que leva ao conformismo.

    A lógica do Banco Alimentar é que sejam os consumidores a comprarem produtos que dão lucro aos vendedores, sobretudo às grandes superfícies comerciais, as quais fogem não só ao pagamento de impostos, como aliás a Igreja Católica Apostólica Romana, como destroem os excedentes não consumidos para manterem as taxas de lucro.

    Aliás, a própria natureza das recolhas do Banco Alimentar leva a uma dieta desequilibrada: enlatados, arroz, massas. Nem carne nem peixe nem fruta nem legumes frescos.

    2. – É um facto que além de se alimentarem mal e insuficientemente, antes do 25 de Aril as pessoas passavam fome. Dizem-no as estatísticas e diz a vivência de quem contactou as populações em trabalho de campo sociológico ou ouviu as “histórias da vida”. Alimentação que melhorou depois do 25 de Abril. Basta as pessoas pensarem ou repararem como eram enfezadas as pessoas do “antigamente” e como os seus filhos e netos, apesar de todos os erros alimentares, são mais altos e saudáveis.

    2. – A 2ª questão é a peregrina ideia de que as pessoas passam fome pk não sabem alimentar-se. É certo que quanto mais baixo o rendimento maior é a parcela da despesa de alimentação. Que outrora, sendo apesar disso insuficiente em termos energéticos, era substituída pelo tal vinho que dava de comer a um milhão de portugueses. Peregrina ideia de que somos todos naturalmente vegetarianos e que se todos fossem vegetarianos não haveria problemas .. de fome e subnutrição, com exemplos anedóticos da esfera familiar tomada como um todo. Havia fome em Portugal antes do 25 de Abril e voltou a haver fome na península de setúbal, então negada pelo 1 Ministro Mário Soares, fome que voltou em força, obrigando hoje muitas autarquias a fornecerem alimentação às crianças. Porque o desemprego e as prestações sociais e subsídios não chegam para as despesas elementares quanto mais para todas as outras consagradas na Ta “subversiva” Declaração Universal dos Direitos do Homem adoptada pela ONU e consubstanciadas naquilo que se convencionou chamar os direitos de 2ª e 3ª geração, que consideram o ser humano mais que uma máquina (re)produtora alimentada ao nível de subsistência, como alguém defende. Pk o problema é que o actual desenvolvimento das forças produtivas e da ciência e tecnologia permitiriam alimentar a humanidade desde que a lógica da produção e da organização da sociedade não fossem a da maximização do lucro e da subordinação da economia a esta lógica predadora e desumana.

  27. Carlos Carapeto says:Carlos Carvalho says:
    Obrigado Raquel
    Esta senhora teve a resposta que merecia. Já lhe tinha ouvido duas intervenções, uma delas na prédica do Prof. Marcelo R.de Sousa. Confesso que não gostei e fiquei até confuso.

    Ao ver e ouvir a participação da senhora na SIC N, fiquei admirado com tanta arrogância e “cumplicidade” politica com quem nos está a desgovernar com as doses, que periodicamente nos são administradas e que acabarão por nos “liquidar”, já numa fase irreversivel de overdose de austeridade.

    Esta senhora, se assumisse aquilo que disse, devia despedir-se.

    Quanto à dieta, vegetariana, prescrita por alguém que se está nas tintas para a realidade permito-me citar uma expressão com séculos:” Só ri da cicatriz, quem nunca foi ferido”
  28. Parece que Manuel da Fonseca deu a resposta a esta senhora e àqueles que aqui veem distrair-se ruminando vegetais.
    Porque razão não se propõe esta senhora denunciar as causas que levam à pobreza?
    Prefere humilhar quem precisa com a sua generosidade?

    Lamentavel é haver quem corre o risco de um dia cair numa situação de carência social aplaudir (embora em surdina) os dislates que ela lá do alto do seu autoritarismo solta.

    Sim; porque a senhora tem plena consciência das causas sociais que levam a estas situações.
  29. Zuruspa says:
    Para além das conjecturas sobre os bifinhos dos pobres, a Isabel Chonet acha muito normalzinho uma pessoa ter de escolher entre um bife, um concerto de rock, ou pagar uma radiografia. Lá no pensamento serôdio bafiento salazaróide dela näo deve existir um SNS universal e grátis a quem toda a gente possa recorrer quando parte uma perna.
  30. Nuno says:
    Mas que grande texto!!!! Parabéns Raquel, não se deixe nunca abater por comentários de pessoas medíocres.
  31. Rui Manuel says:
    Isabel Jonet é uma fundamentalista católica. Por outras palavras, uma terrorista religiosa da mesma laia do Ossama Bin Laden, ou do George W Bush. Enquanto o primeiro se punha de cócoras para Meca e o segundo reza sentado com uma bíblia, a Isabel Jonet tomba de joelhas frente a um boneco crucificado, ao som das missas dadas por pedófilos dementes de batina branca. O Banco Alimentar “Contra a Fome” é uma instituição criminosa, porque pratica a CARIDADE. Entenda-se como tal a representação d@ pobre, ou de qualquer pessoa que apresente uma vulnerabilidade social (ou outro qualquer tipo de vulnerabilidade), como sendo alguém inferior…e que deve interiorizar a sua condição de inferior, de incapaz, etc., etc.,..Como pessoa inferiorizada, tem a obrigação moral de se submeter a quem está numa posição de poder. Aqui está a essência cruel do cristianismo, nomeadamente na sua variante católica apostólica romana. O individuo vulnerável é submetido ao domínio do individuo mais “forte”, em troca de uma postura paternalista da parte deste último.

    A solidariedade é algo de exatamente oposto! Identificam-se pessoas que se encontram em vulnerabilidade, por exemplo, passam fome ou subnutrição. Mobilizam-se os recursos para fornecer a alimentação a essas pessoas, fazendo-o como um direito humano inalienável, ao invés de uma esmola dada porque o dador tem “bom coração”. Após a providência do direito à necessidade básica de alimentação, há que permitir que todo e qualquer indivíduo possa produzir a riqueza para si e para a sociedade em que vive. A LIVRE CONDIÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DE UM INDIVIDUO TEM DE SER, NECESSÁRIAMENTE, A LIVRE CONDIÇÃO DE DESENVOLVIMENTO DE TODA UMA SOCIEDADE.

    Viva a solidariedade, que é um valor crucial do pensamento socialista e libertário, abaixo a crueldade da caridade católica.