A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht
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terça-feira, agosto 03, 2010

Os crocodilos - Fernando Fragoso Marques


Opinião

Os crocodilos

Não serão as lágrimas de crocodilo que vão apagar o fogo em que a justiça se vai consumindo.
  • 0h30 - Correio da Manhã 2010 08 03
Por:Fernando Fragoso Marques, Advogado
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Perante a carestia da justiça e a grave crise em que estamos, o apoio judiciário reveste uma importância fundamental. A Constituição da República consagra o direito de acesso à justiça a todos os cidadãos, independentemente da condição económica de cada um. Seria bom que não ficássemos pela pia intenção!
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É irónico, mais, é hipócrita, ouvir políticos lamentar a existência de uma justiça para ricos e outra para pobres, quando são eles quem cava a diferença, negando aos desfavorecidos o direito ao Direito, ao impor na lei critérios tão apertados que só quem está próximo da indigência pode beneficiar da prestação social convertida em quase esmola. E, como se não bastasse, nega-se aos Advogados o direito a uma remuneração justa, a tempo, chegando ao ponto de se pretender obter a devolução de quantias referentes ao pagamento das despesas adiantadas pelos próprios Advogados!
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Pagar pouco, mal, tarde e a desoras, ou não pagar, eis o propósito de alguns políticos que choram lágrimas de crocodilo pelos cidadãos a quem recusam o acesso à cidadania. Será que quando se manifestam preocupados com a forma como esses cidadãos vêem a justiça – com maus olhos –, têm os chorosos políticos consciência de que a descrença que vão semeando resulta também de terem recusado a todos o acesso que a lei constitucional garante? Sempre que um cidadão é privado de recorrer a tribunal por carência de meios económicos, o Estado de Direito enfraquece. A privatização da justiça e a tragédia da acção executiva (que não começou com os solicitadores de execução, mas que com o novo regime se agravou) são dois outros ingredientes do prato indigesto em que a justiça portuguesa se converteu.
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A hora é de avançar soluções, melhorar sistemas, mobilizar vontades. É hora de dizer que a actual lei de apoio carece de revisão, assegurando a todos, em absoluta igualdade, o acesso à tutela jurisdicional. O patrocínio dos cidadãos tem de passar a ser exclusivo dos Advogados sem intromissão do Ministério Público. É preciso estender o sistema do acesso ao direito às contra-ordenações e regulamentar o patrocínio nos casos de conflitos transfronteiriços. Há que estimular a resolução extra-judicial dos processos, estabelecendo o direito a uma remuneração equitativa quando o advogado nomeado consiga obter uma composição do litígio sem necessidade de recurso a juízo.
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A todo o direito deve corresponder não apenas uma acção, mas também a possibilidade de a instaurar, de nela se defender e de ver materializada a sentença. De boas intenções está o inferno cheio. Mas não serão as lágrimas de crocodilo que vão apagar o fogo em que a justiça se vai consumindo.
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segunda-feira, abril 19, 2010

Estado das Coisas - Desjudicialização

Correio da Manhã
 
18 Março 2010 - 00h30
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A moda veio para ficar. Na ausência de uma política responsável e eficaz de melhoramento do serviço público da justiça, com medidas acertivas que ousem atacar, de vez, a morosidade no funcionamento da justiça, o que temos é o recurso sistemático à sua privatização.

O processo de desjudicialização da justiça, ou melhor da sua privatização, constitui um perigo para os fundamentos de uma justiça democrática, para os direitos das pessoas e representa a completa falência de uma das funções vitais do Estado. Ir neste caminho é reconhecer a incompetência do Estado, que assim se desobriga desta tarefa, é atirar a toalha ao tapete.
A justiça privada já teve a sua vida na história dos povos e com resultados muito pouco abonatórios. A inoperância do Estado em debelar a morosidade da justiça não pode levar à sua desjudicialização, sacrificando os direitos e garantias do cidadão. Sendo a justiça um valor superior do Estado de Direito só pode ser garantida através dos tribunais. Porém, o que hoje está a acontecer é a recusa do Estado em fazer justiça nos tribunais, substituindo o tribunal por instâncias não soberanas ou privadas, que não são isentas, imparciais e independentes.
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A desjudicialização da acção executiva (não esquecer que a acção executiva é um processo muito intrusivo na privacidade das pessoas: veja-se a penhora com remoção dos bens) tem impedido que o cidadão possa executar o seu direito e receber o seu crédito. São milhares as acções executivas que estão paradas nas mãos dos solicitadores de execução ou nas secretarias. A privatização do processo de inventário, para os cartórios notariais, é das medidas mais insanas de que há memória. Veremos o que acontece com a partilha de heranças fora dos tribunais entre herdeiros desavindos. A privatização do direito de família e a prática de muitos actos que contendem com direitos fundamentais dos cidadãos, praticados em conservatórias, são tudo medidas que contrariam a existência de um Estado civilizado. 
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O recurso a instâncias não formais de resolução de conflitos é perigoso. Como não se conseguem resolver os problemas no interior do sistema, entrega-se nas mãos de privados actos jurisdicionais da competência do juiz. 
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Mas tão grave quanto a desjudicialização formal é a desjudicialização substancial, pautada por um discurso de permanente desligitimação do Poder Judicial. 
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O Estado deve procurar fazer mais e melhor justiça e não apenas preocupar-se em "aliviar" e "descongestionar" os tribunais. Como Antígona: "A justiça não escrita, mas "inscrita" na alma humana contra a legalidade prescritiva do despotismo de Creonte".



Rui Rangel, Juiz Desembargador
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