A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht
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segunda-feira, janeiro 29, 2007

Dona Ana Joaquina


MULHERES ANGOLANAS HISTÓRICAS(7)
Dona Ana Joaquina


O Palácio de Dona Ana Joaquina era um edifício típico dos séculos XVII e XVIII. A casa burguesa desta época é constituída por dois pisos principais: tradicionalmente o 1º andar servia de habitação e o térreo era destinado a armazém. Por cima destes dois pisos encontra-se geralmente um «sobradinho», um pavilhão ao centro da fachada. Este modelo de construção predominava em Luanda e a sua principal característica era a perfeita simetria das formas. Durante muitos anos no Palácio D. Ana Joaquina funcionou um colégio particular e após a Independência tornou-se refúgio dos sem-abrigo, até ser demolido.Reconstruído com materiais modernos, nele funciona actualmente o Tribunal Provincial D. Ana Joaquina.
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D. Ana Joaquina dos Santos e Silva foi uma comerciante capitalista de Luanda Senhora que se tornou uma figura emblemática da sociedade crioula luandense do século XIX: mestiça rica, educada, conviva de governadores, em cujo palacete reunia a fina flor da burguesia, num tempo ainda em que os negros e os mestiços ricos e educados de Luanda conviviam descomplexadamente com os seus "iguais" brancos, como eles comerciantes, funcionários públicos, proprietários, mercadores de escravos e armadores de navios negreiros, com bens e interesses repartidos por Angola e Brasil. «O palacete de Dona Ana Joaquina dos Santos Silva, a "rica-dona de Luanda" - como lhe chamou o historiador Júlio de Castro Lopo - valia como um símbolo desse tempo em que a escravatura ainda era defendida por alguns notáveis, porque - no dizer do historiador brasileiro Pedro Calmon - "a moral do comércio era diferente do conceito filosófico do século XIX: louvava-se no costume e na tradição", embora na segunda metade deste século, a que pertencia Dona Ana Joaquina, o tráfico, a que ela se dedicava clandestinamente, como outros comerciantes, já estivesse abolido desde a legislação de 1836 do marquês de Sá da Bandeira.
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D. Ana Joaquina mantinha linhas marítimas para Montevideu, Lisboa e as principais cidades costeiras brasileiras.
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texto retirado daqui
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domingo, janeiro 28, 2007

Elizabete Jambeca

MULHERES ANGOLANAS HISTÓRICAS (6)
Elizabete Jambeca
O Cuanhama, como o geral dos territórios para além do Cunene, era absolutamente desconhecido dos europeus antes da segunda metade do século XIX ou, pelo menos, não se conhecem registos dessas paragens austrais, anteriores aquela época. Quando Lopes de Lima publica a sua “Monografia de Angola”, em 1844, os conhecimentos sobre as terras do Sul não passavam além do Humbe.
Só em 1850, os funantes Bernardino J. Brochado e A. F. Nogueira, [Vendedores ambulantes que transportavam a mais variada mercadoria em carros de bois e, por conta própria ou como comissionistas, percorriam os sertões de povoação em povoação, fazendo o seu negócio.] fazem as primeiras visitas documentadas de europeus ao Cuanhama, no tempo do soba Nahmadi, e dão as primeiras notícias sobre os povos Ambós, guerreiros de alguma crueldade – Cuamatos, Evales, Dombondolas, Cafimas e os mais numerosos e temidos a que chamavam Cuanhamas. Segundo o Padre Keiling, em “Quarenta Anos de África”, toda a Ovambolândia fazia parte de um grande lago, do qual nos restou apenas o temporário Etosha, na Namíbia. Depois de seco este grande lago, ficou em seu lugar uma vasta e ligeira depressão de terras salgadas, alagadiças na época das chuvas, para onde convergiram em grande profusão muitas espécies herbívoras, atrás das quais vieram os caçadores que exclamavam: tuende ko nhama – “vamos à carne”, donde, o nome Cuanhama.
A bibliografia internacional costuma atribuir estes primeiros relatos sobre o território e as gentes do sudoeste de Angola a L. Magyar, oficial da marinha austro-húngara, que em finais da década de oitenta passou pela região em viagem de exploração, mas o facto é que o austríaco foi hospede dos dois negociantes portugueses que entretanto, um e outro, tinham fixado residência no Humbe em localizações distintas.
Mas esta apetência pelos largos espaços bordejados de espinheiras e ponteados de acácias e mutiatis, só veio mesmo a colocar-se quanto já decorriam tímidas tentativas de instalação de uma feitoria na Huíla e aportavam a Moçâmedes os primeiros luso-brasileiros vindos da cidade do Recife, Pernambuco. Foi por essa época que, como coisa tenebrosa, surgiu o nome do Cuanhama, o nome de um povo que conseguia colocar mais de vinte mil homens em armas, um exército com quadros e guerreiros altamente treinados e hierarquizados, com que os europeus teriam que se haver se quisessem penetrar aqueles sertões. Povo combativo, com hegemonia sobre os seus vizinhos, exibiam a organização militar mais perfeita de todas as muitas etnias de Angola.
A unidade táctica dos Cuanhamas era a etanga, que agrupava cem homens. Seis etangas juntas constituíam uma guerra , comandada por um lenga, chefe militar e conselheiro do soberano em tempo de paz. Um conjunto de guerras formava uma ohita, que funcionava como que um corpo de exército, viajando sob a protecção do ondiai, homem de virtudes e de magias poderosas. Os seus chefes militares combatiam a cavalo, comandando incursões por todo o Cunene, numa zona tão vasta que abrangia o Humbe, os Gambos, Jau, Chela, Mulongo e Capelongo, chegando mesmo em 1899, durante o reinado de Weyulu, a estender as suas razias até Quipungo e Caconda. Estas hostes regressam aos eumbos, quase sempre, em marchas triunfais e carregando fartos espólios de escravos, gado e mulheres.
(...) A Nahmadi sucedeu Weyulu ya Hedimbi e foi durante o reinado deste grande chefe que nasce, num eumbo perto de Naulila e de uma das famílias da nobreza tradicional, Elizabete Jambeca.
A Weyulu sucedeu Nande, e a este sucedeu Mandune Ndemufayo , senhor dos Cuanhamas, soba dos sobas, hamba de N'Giva, cruel e inteligente, guerreiro bárbaro e corajoso, chefe supremo da Nação Ovambo.
(...) Entretanto, em função das deliberações emanadas da Conferência de Berlim e da indefinição da fronteira Sul que divide Angola do Sudoeste Africano, a Namíbia dos actuais mapas, os Alemães exerciam forte pressão sobre o território dos Ambós, que começavam a fartar-se de serem tratados como intrusos na terra dos seus ancestrais. As posições radicalizaram-se quando os germânicos decidiram instalar as suas hortas em Okahandja, a sudoeste de Omaruru, exactamente onde repousavam, à sombra de frondosas árvores sagradas, os restos mortais dos antigos chefes. Foi então decidida a luta e um ataque cirúrgico aos Alemães, com instruções precisas para que fossem feitas baixas entre os homens, deixando de fora da peleja as mulheres e as crianças, tendo sido colhidos por esta explosão de ódio, cento e vinte e três alemães.
(...) A retaliação não se fez esperar e os germânicos, comandados pelo general Lothar von Trotha, apresentaram-se em força no território, apetrechados de modernas espingardas, metralhadoras e dos terríveis e inovadores canhões Krupp de tiro rápido. Apostados em eliminar qualquer hipótese de futura rebelião, promoveram a razia dos eumbos [povoações de uma família e aparentados], perseguiram fugitivos, mataram e incendiaram tudo à sua passagem e, no fim do pesadelo, von Trotha vangloriava-se de que haviam abatido sessenta e cinco mil “ gentios ”.
Estes incidentes causaram ódios duradouros e indiscriminados contra os invasores europeus, tidos no seu conjunto como uma só etnia antagónica, independentemente de serem eles Portugueses, Alemães, Ingleses ou Bóeres, e foi nesta onda de ânimos incendiados que dois funantes foram assassinados, causando grande consternação e muitos protestos entre a comunidade portuguesa. Logo se levantaram exaltados clamores de vingança contra os Cuanhamas e os seus malditos hábitos de rapina, numa precipitada análise e absoluta falta de conhecimento concreto dos factos ocorridos, pois a responsabilidade daquelas mortes era dos Cuamato.
Contra a corrente de indignação geral dos seus compatriotas, é ainda Gomes da Costa, ainda chefe do conselho do Humbe, que apresenta uma versão muito despachada e pitoresca dos acontecimentos, bem na linha do seu temperamento e capacidade de análise das ocorrências. No que respeita a um dos casos, relata para ao governador de Moçâmedes o seguinte: “ É facto que houve há tempos o assassínio dum branco, mas nem foi no Cuanhama, nem para o roubar; este negociante, não se reputando satisfeito com o gado que os pretos lhe deram em troca das fazendas vendidas, foi-se ao curral do chefe da povoação e tentou tirar de lá o gado que lhe pareceu; os pretos, irritados, saltaram-lhe em cima e mataram-no (...). O que os pretos neste caso fizeram ao branco faria qualquer saloio dos arredores de Lisboa em idênticas circunstâncias, e ainda ninguém por isso se lembrou de declarar guerra ao soba da Porcalhota ou ao lenga de Loures.
Por altura destes acontecimentos, e totalmente alheia a estas indacas [questões, conflitos, “ makas ”]papas de farinha de milho, massango ou massambala (noutras regiões denominada pirão ou, se de farinha de mandioca, pirão)], a vida de Elizabete Jambeca corria simples e plena de felicidade. Cumprindo as obrigações inerentes a uma criança no início da adolescência, depois de comido o matete [matinal, deixava a embala na companhia da sua mãe e tias a caminho do arimo familiar [lavra ou horta de milho, massango ( Pennisetum spicatum ) e/ou massambala ( Andropogos sorghum ), feijão frade ( Vigna unguiculata ), batata doce também conhecida por cará ( Ipomea batatas ), mandioca ( Monihot utilissima ), abóboras, amendoim ( Arachis hypogea ) e outras culturas de auto-subsistência alimentar] Falava o seu dialecto e inglês.
Elizabete Jambeca continuou a viver na sua embala, no Cuanhama. Quando os seus dias chegaram ao fim, os seus parentes cuanhamas pretenderam realizar o seu funeral seguindo os ritos do seu povo.
O ritual funerário dos Cuanhamas tem o envolvimento de seitas secretas na sua gestão: tudo é realizado num secretismo absoluto e participam somente homens: quimbandas (m.q. médicos), feiticeiros e mágicos e ainda elementos da própria corte do defunto. É sacrificado um boi soba, de cor branca, considerado sagrado. Duas crianças eram enterradas vivas, uma de cada lado do soberano. No caso de Elizabete Jambeca, soberana. (Posteriormente, adoptou-se o costume de, em vez das crianças, se sacrificarem dois escravos, elementos de outra tribo, capturados em combate, e escolhidos para esse efeito.)

O soberano é envolto na pele do boi, ainda ensanguentada, na posição sentado, virado para Nascente, como se se mantivesse no seu trono, perpetuando a reinação! (Esta palavra tem duas vertentes: a política e a circense. Dentro dos contornos da própria negritude, tocam-se e completam-se.) As duas crianças ou os dois escravos iluminam o caminho... a promessa de renascer todos os dias!
A sua filha, porém, não concordou que se sacrificassem as crianças e contactou as autoridades portuguesas. Consequentemente, o seu funeral realizou-se segundo os costumes portugueses e teve honras militares. Elizabete Jambeca foi sepultada com a espada e Grande Cruz de Guerra que lhe tinha sido concedida pelo governo português, pelos serviços prestados na campanha do Sul de Angola.
No dia seguinte, porém, as duas crianças apareceram afogadas, num pequeno charco de água... Dizia-se que, afinal, elas não poderiam ter sobrevivido porque o seu destino já tinha sido traçado...
Uma bela história, dirão uns... estranha, pelos seus ritos, dirão outros... não tão estranha se nos recordarmos de costumes idênticos de outros povos, os do Egipto, por exemplo...
Num ponto, todavia, todos concordaremos: Elizabete Jambeca é indubitavelmente uma figura de Angola. Ela lutou e contribuiu para que as fronteiras do seu país se mantivessem intactas.
FONTE:
http://www.carlosduarte.ecn.br/mulheresdeangola.htm

sábado, janeiro 27, 2007

Muam Poenha



MULHERES ANGOLANAS HISTÓRICAS (5)



Tocador de kissandge - desenho de Neves e Sousa



Muam Poenha

De fronteiras e origens imprecisas o N'Goio foi um reino que, entre os finais do século XV e o princípio do século XVI, se localizava sensivelmente na região Kapinda ou Kabinda, que constitui hoje o território de Cabinda. A sua história é difícil de reconstituir, porque dela não sobrou mais do que interpretações de alguns registos e restos esfumados da tradição oral, dos quais saiu este delicioso conto:
O antigo reino do Kongo era tão grande que ninguém conhecia os seus limites, mas sabia-se que era todo revestido por grandes florestas, que tinha um rio grande como o mar e, que apesar do seu povo ser muito numeroso, havia sítios onde nunca ninguém tinha ido. O poderoso Muenekongo ou Manikongo (rei, senhor do Kongo) vivia com a corte na capital, São Salvador do Kongo, M'Banji-a-Ekongo ou Mbanza Kongo, como há muitos, muitos anos se chamou. Este manikongo tinha uma irmã a quem muito amava, de nome Muam Poenha. A princesa era de uma beleza fora do comum numa terra de mulheres belas. De formas esculturais e olhos doces, tinha dentes muito brancos e húmidos como as conchas do rio e uma farta cabeleira com penteados trabalhados e enfeites raros.
Certo dia passou pela cidade um caçador, exímio tocador de Kisandje ¹, que arrancava ao instrumento melodias tão extraordinárias que toda a gente pasmava de admiração ao ouvi-las. Além de ser o mais era alto, forte e esbelto dos moços, tinha olhos doces como os da princesa.
Muam Poenha deixou-se enfeitiçar e perdeu-se de amores pelo caçador. Não obstante a sua alta linhagem, perdeu o sentido das conveniências e, pela calada da noite, corria para as discretas sombras dos muxitos ² para se entregar aos seus amores proibidos.
Deste amor nasceram três gémeos – duas mocinhas, Lilô e Silô, e um rapaz de nome Tumba - o que provocou um indiscritível escândalo na corte que, como era inevitável, conduziu à prisão e imediata execução do caçador/músico.
Quanto à princesa, embora o rei por muito lhe querer, estivesse inclinado ao perdão, não pode deixar de ouvir os seus conselheiros que, irredutíveis e persuasivos, lhe lembraram a vingança dos deuses, com secas e calamidades, acabando o pesaroso rei por poupar a vida à irmã, sim, mas a troco da expulsão ad iternum dos seus domínios. Muam Poenha juntou os filhos, alguns familiares e as suas bicuatas ³ e pôs-se a caminho do mar distante, que ela nunca tinha visto. Andou... andou, triste e amargurada com saudades do seu amante, com saudades da terra que deixara, em constante temor pelos bichos ferozes que vinham do mato e fustigada pelos gentes por quem passava, que a apedrejavam e lhe recusavam abrigo.
Nuns caminhos se perdeu, noutros caiu. Adoeceu, curou-se, e com tanto penar foi avançando. Andou... andou, mas tão lentamente que só ao fim de quinze anos chegou perto de um rio, já perto do mar, a um lugar que diziam chamar-se Baía do Sonho (Soyo), nas terras do rei do Sonho, parente e vassalo do rei do Kongo. Alguém da comitiva lhe contou que o rio sempre se chamara N'zari, mas tinham vindo uns brancos em grandes barcos, que lhe chamaram rio do Padrão.
Lilô, Silô e Tumba, sobreviveram à longa caminhada e estavam já crescidos. Muam Poenha era ainda uma mulher linda que não se deixara vencer pelas fadigas e privações da jornada mas, com temor do repudio dos povos que não deixavam de os flagelar, decidiu atravessar o rio, porque embora as terras do outro lado também fossem do rei do Kongo, o rio era tão largo e as correntes tão fortes que lhe parecia não ser o mesmo o mundo para lá daquela margem que se via ao longe.
Este outro mundo era o N'Goio, uma espécie de condado dependente mas afastado do reino do Kongo. Tão diferente era que Muam foi recebida pela população com calorosas manifestações de afecto e carinho, e tal foi o acolhimento que o chefe maior – Mirimbi Pucuta – a quis tomar como esposa, acabando com as desditas da princesa.
Deste casamento nasceram mais dois filhos, Moe Panzo e Moe Pucuta. Tendo chegado notícias destes acontecidos ao rei do Kongo que, apesar dos pesares, não eliminara a sua irmã dos pensamentos. Com as novidades confirmadas, apressou-se a mandar emissários credenciados a Muam, oferecendo-lhe, por desanexação do seu vasto reino, o N'Goio a Lilô, o reino de Cacongo a Silô e a Tumba presenteava-o com o reino de Loango, que começava onde é hoje uma terra chamada Ponta Negra e ia para além de Tchibanga e Mossaka.
Lilô e Tumba tomaram conta dos seus domínios, mas como no dia marcado para a coroação Silô estivesse doente, e as regras “dos mais velhos” não permitissem que fosse investida neste estado físico, a coroa foi parar ao primogénito de Muam Poenha e Mirimbi Putuca – Moe Panzo.
E foi assim que se formou o reino de N'Goio, de que Moe Panzo, filho de Muam Poenha, foi o primeiro Mongoio (rei), ao qual se seguiram outros dez mongoios que, com mais ou menos sorte, mais ou menos desventuras, foram governando um país belo e de abundâncias.
Aqui acaba a história que eu sei, de Muam Poenha , princesa bonita de amores arrebatados.

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(1) – também designado, entre os Kiocos por tchissanje, é um instrumento musical de que existem vários modelos de afinação grave e aguda, providos ou não de caixas de ressonância, quer no próprio instrumento, quer por aplicação de uma cabaça aberta no topo. Os sons são tirados pelo dedilhar de tiras de metal ou de bordão.
(2) – aglomerado de árvores nas margens dos rios ou dos ribeiros.
(3) – haveres, tralha diversa de que os viajantes, normalmente, se fazem acompanhar.

FONTE
http://www.carlosduarte.ecn.br/mulheresdeangola.htm

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Luzia Inglês Van-Dúnem (Inga)


MULHERES ANGOLANAS HISTÓRICAS (4)
Uma guerrilheira chamada Inga
por: Raimundo Salvador


O centro de comunicações do comandante em chefe das Forças Armadas Angolanas foi chefiado, de 1976 a 1991, por uma senhora: Luzia Inglês Van-Dúnem, actual secretária-geral da Organização da Mulher Angolana (OMA), uma antiga combatente da luta de libertação nacional.

Natural de Luanda, Luzia Inglês, 56 anos, é filha de Guilherme Inglês, reverendo da Igreja Metodista de Angola. Começou a tomar consciência dos movimentos nacionalistas ainda muito jovem, ouvindo as conversas do pai com Nobre Dias, Noé Saúde, Gaspar Martins, Pedro Benje e Belarmino Van-Dúnem, nacionalistas com quem mantinha contactos regulares.

Inga, como passou a ser conhecida a revolucionária, traça, aqui, em perfil, a sua trajectória, recordando, com alguma amargura, os piores momentos por que passou, com mortes de pessoas que lhe eram muito queridas à mistura, até chegar onde se encontra hoje.

O assassinato do pai, depois de preso, em 1961, nos Dembos, pelas forças coloniais em reacção a famosa Revolta de 15 de Março, é relembrada com tristeza. “Mataram-no de forma atroz. Inicialmente, cortaram-lhe um braço e outras partes do corpo. Depois, deram-lhe um tiro de misericórdia”, conta a filha, que na altura vivia nos Dembos.

Na tarde do dia 23 de Março de 1961, Luzia Inglês conta que saiu de casa para apreciar uma frota de aviões que sobrevoava a zona em que vivia. Pouco depois, chamas flamejantes consumiam casas e corpos de crianças, adultos e velhos. Era o início dos bombardeamentos à sanzala do Piri, Dembos, e de Nambuangongo pela força área portuguesa.

Fuga às matas
A morte de uma colega, à mesa, com um irmão às costas, marcou, profundamente, Luzia Inglês, que contava, na altura, 13 anos. Um sentimento de revolta tomou conta de si, enquanto procurava refúgio nas matas, começando, deste modo, a sua actividade no movimento de guerrilha contra o colonialismo português.


Com isso, recebe os primeiros treinos militares e participa em actividades de formação política. Três anos e meio depois de ter entrado nas matas, parte para Leopoldeville, actual Kinshasa, aproveitando a oportunidade para terminar os estudos primários, numa escola de refugiados angolanos, controlada por antigos professores sobreviventes de escolas da Igreja Metodista de Angola.

Na actual República do Congo Democrático, Luzia Inglês participa de acções clandestinas de recolha de informações, já que os militantes do MPLA eram perseguidos pela UPA e pelas autoridades locais.
Aos 19 anos, em 1967, parte para a República do Congo Brazaville, país amigo do MPLA, e é matriculada no Liceu 4 de Fevereiro, primeira instituição de ensino que o MPLA abriu no estrangeiro.
Inga, que frequentou o primeiro treino militar com armas em Brazaville, vai para a Frente Leste em 1968 e, no ano seguinte, é seleccionada para frequentar um curso militar de rádio e telecomunicações, na União Soviética, com duração de um ano.

Recorda o período em que trabalhou na Frente Leste, na área de comunicações, e cita nomes de companheiros de armas, hoje oficiais generais, como Bento Ribeiro, Sacha, Ba-gorro, Joaquim Rangel, Florinda Pedro (Dinda), Joana André (Bichinha), brigadeira da Marinha de Guerra, e Catarina Baião (Bela), esposa do general Kito, embaixador na Namíbia.

Trabalhou, igualmente, como operadora, logística e financeira da Estação Principal de Comunicações da Frente Leste, comandada por Monimambo, um histórico da luta de libertação.

Em 1973 assume a chefia da Estação de Comunicações da Cassamba, ainda na Frente Leste, e, mais tarde, torna-se responsável da estação de comunicações do MPLA, em Dar Es Salam, capital da República da Tanzânia.

Casada com Afonso Van-Dúnem M’binda e mãe de quatro filhos, Inga regressa a Luanda em Fevereiro de 1974, no avião que trouxe o Presidente Neto ao país. Trabalha, assim, no grupo que estava a tomar o controle das unidades militares de telecomunicações em Luanda e do Palácio.

Após a conquista da independência, é nomeada, em Janeiro de 1976, chefe da Secção de Telefax da Presidência da República, que evoluiu para Centro de Comunicações do Comandante em Chefe das Forças Armadas. Permanece no cargo até 1991, ano em que o marido, Afonso Van-Dúnem M’binda, é nomeado embaixador de Angola junto das Nações Unidas.

Em 1999, 38 anos depois de ter aderido à luta armada de libertação, é eleita secretária geral da OMA, organização feminina do MPLA.

Rita T omás


MULHERES ANGOLANAS HISTÓRICAS (3)

Literatura/Angola: Rita Tomás lança livro de memórias da Luta de libertação

Rita Tomás lança livro de memórias da Luta de libertação

Yara Simão


Com objectivo de testemunhar os acontecimentos da guerra de libertação nacional, Rita Tomás, antiga combatente lançou sexta-feira última no Museu de História Natural o livro intitulado "Memórias da Luta de Libertação".

A sala do Museu de Histórias Naturais, não foi suficiente para albergar o número de convidados da camarada Rita que é considerada pelos seus contemporâneos como uma mulher guerrilheira.
"Memórias da Luta de Libertação", segundo a autora é um relato de quem participou activamente no processo de libertação de Angola, do jugo colonial português e não só, é um testemunho para a juventude e as gerações vindouras.

"Estas minhas memórias são apenas uma parte, onde exprimo como participei na luta directa de libertação nacional, como vivi no MPLA então movimento, a coragem e a calma dos nossos líderes e chefes como o doutor Agostinho Neto, Lúcio Barreto Lara, Aníbal de Melo e Eurico Teles Carreira(Iko Carreira), bem como alguns comandantes que dirigiram a guerra e outros militantes honestos" realçou Rita Tomás.

No livro a autora destaca ainda o papel de muitos médicos angolanos a destacar Américo Boavida, Edmundo Rocha, Rui de Carvalho, Pestana, Manuel Boal, João Vieira Lopes e Manuel Videira, pessoas com quem conviveu durante o curso de enfermagem que frequentou como assistente.

Mário Pinto de Andrade, analista político e professor universitário, ao apresentar o livro disse que a autora descreve a obra com um testemunho vindo da alma, destacando o papel das mulheres que lado a lado com os homens guerrilheiros tiveram acções de bravura mesmo atravessando perigos como foi o caso da travessia de vários rios.
"A autora, narra no livro os acontecimentos que provocou a primeira grande divisão no seio de MPLA, na base de uma estratégia de Agostinho Neto, que não agradou alguns dirigentes do MPLA e se aliaram com alguns partidos e grupos sindicais. Na altura, muito antes do reconhecimento do GRAE, alguns dirigentes já estavam divididos, porque em maio de 1963, com a realização da primeira conferência do MPLA, Agostinho Neto chama atenção para que as pessoas não estivessem divididas e não aceitassem as calunias, mas infelizmente o movimento veio a ter esta sua primeira crise" sublinhou o Mário Pinto de Andrade.

O analista político e também professor, aproveitou a ocasião para apelar ao estudantes do curso de história, sociologia e antropologia da faculdade de Letras e Ciências Sociais, do mestrado em histórias de África e história de Angola no Isced a se interessarem por esta temática dedicando-se a investigação para as teses de mestrado e licenciatura, que seria um bom contributo não só para a autora mas para aqueles que participaram nesta epopeia e que merecem o respeito de todos.

Rita Tomás apresenta-nos ainda o trabalho realizado por seu pai, na construção da escolas, o seu engajamento na igreja Evangélica, a ligação que teve com alguns conterrâneos que fizeram parte da década dos 50, a destacar Sebastião Gaspar Martins, velho 60 e Pascoal Veríssimo da Costa
Rita André Tomás nasceu ao 17 julho de 1943, em Luanda. Ingressou no MPLA, então movimento, em Agosto de 1962 em Lepoldville (República do então Congo Belga". Fez o primeiro treino militar em Lepoldville, juntamente com a camarada Luísa Júnior Vastok, tiveram como instrutores Arlindo de Freitas e José Ferreira, do ex. EPLA. Na Tanzânia, fez também treinos militares, juntamente com combatentes da Frelimo de Moçambique e tinham como lema "todos ao interior" palavra de ordem do saudoso Presidente António Agostinho Neto.

No CVAAR, (Corpo Voluntário de Assistência aos Refugiados de Angola), funcionou como chefe do sector junto da Emigração Congolesa para tratar de assuntos dos refugiados angolanos, sob a orientação de Luís Azevedo Júnior das relações exteriores do MPLA

Em Novembro de 1963 a 1968, frequentou o curso Médio de Saúde na ex- URSS, tendo-se matriculado na faculdade de medicina em Luov. Como a coluna Bomboko, estava a entrar para a III Região Política militar na frente leste e atingir a IV região , isto é, Malanje e as Lundas, Rita Tomás regressou a Angola a fim de prestar a sua ajuda aos militares guerrilheiros.

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Kimpa Vita


MULHERES ANGOLANAS HISTÓRICAS (2)


No final dos seiscentos, o Congo possuía três reis, sendo D. Pedro IV o mais poderoso deles, aparentemente, e talvez o único capaz de levar adiante um projecto de reunificação congolês.

Kimpa Vita e a ressurreição imaginária

Foi neste contexto de crise e fragmentação que irrompeu o antonianismo, movimento que, seja em termos religiosos ou políticos, fornece-nos importantes pistas para compreender as complexas relações entre catolicismo e monarquia na África banto.

A fundadora da "seita" foi a jovem aristocrata Kimpa Vita, nascida de família nobre congolesa na década de 1680, baptizada Dona Beatriz, mulher que fora sacerdotisa do culto de Marinda (nganga marinda), embora educada no catolicismo.

Kimpa Vita contava entre 18 e 20 anos quando, cerca de 1702-1703, acometida de forte doença, disse ter falecido e depois ressuscitado como Santo António. E seria como Santo António que Kimpa Vita pregaria às multidões do reino - daí o movimento ter ficado conhecido como antonianismo -, seguindo o rastro de outras várias profetisas que lhe precederam na mesma tarefa, como a Matuta, em meio à crise que assolava o reino.

A pregação de Kimpa Vita possuía forte conotação política. Preconizava o retorno da capital a São Salvador e a reunificação do reino, chegando mesmo a envolver-se nas lutas facciosas da época. Melhor exemplo disso ocorreu quando de sua chegada a São Salvador, onde encontrou Pedro Constantino da Silva, nobre militar enviado por D. Pedro IV, a quem proclamou "Rei do Congo" em troca de sua adesão ao antonianismo.

Assegurou-se ainda, por meio de vários acordos, da aliança de famílias nobres adversárias de D. Pedro, a exemplo dos grupos de Kimpanzu, especialmente da família Nóbrega, enraizada no sul da província de Nsoyo.

As alianças estabelecidas por Kimpa Vita, metamorfoseada em Santo António, não eram porém resultado de mero cálculo político. Ancoravam-se numa cosmologia complexa e peculiar que, se formos resumir em poucas palavras, vale seguir o que disse Ch. Boxer sobre o movimento: "uma modalidade remodelada e completamente africanizada do cristianismo"

"Com efeito, o movimento antoniano confirma, antes de tudo, o êxito do processo de canonização do Congo inaugurado no século XV e cristalizado sob o reinado de Afonso I na primeira metade do século XVI. O Deus dos antonianos era, sem dúvida, o Deus cristão, o Deus dos missionários, com o qual Kimpa Vita dizia jantar todas as sextas-feiras, após "morrer", para "ressuscitar" no dia seguinte. Santo António, por outro lado, santo mui valorizado na missionação realizada no Congo, era a persona assumida pela profetisa, por ela chamado de "segundo Deus".Africanizando o catolicismo, "a Santo António congolesa" dizia que Cristo nascera em São Salvador, a verdadeira Belém, e recebera o baptismo em Nsundi, a verdadeira Nazareth. "(Charles Boxer. A Igreja e a expansão ibérica. Lisboa, Edições 70, 1981, p.132.)

Afirmava ainda que a Virgem Santíssima era negra, filha de uma escrava ou criada do Marquês de Nzimba Npanghi e que São Francisco pertencia ao clã do Marquês de Vunda.

O catolicismo do movimento antoniano era, portanto, muitíssimo original, implicando uma leitura banto ou bakongo da mensagem cristã. Modelava-se, em vários aspectos, na acção pedagógica dos missionários, mas condenava o clero oficial, sobretudo os missionários estrangeiros, aos quais acusava de "haverem monopolizado a revelação e o segredo das riquezas para exclusiva vantagem dos brancos" em prejuízo dos "santos negros".

Rejeitou, igualmente, boa parte dos sacramentos católicos: o baptismo, a confissão, o matrimónio, ao menos no tocante à liturgia e aos significados oficiais, abrindo caminho, no caso do matrimónio, para a restauração legitimada da poligamia.

Adaptou, ainda, certas orações católicas, a exemplo da Ave -Maria e sobretudo do Salve Rainha. Proibiu, ainda, a veneração da cruz, esse grande nkisi católico-bakongo, em razão de ter ela sido o instrumento da morte de Cristo.

Kimpa Vita prometia a todos os que aderissem à sua pregação uma próxima "idade de ouro", e não apenas no sentido figurado, pois dizia que as raízes das árvores derrubadas converter-se-iam em ouro e prata e que das ruínas das cidades surgiriam minas de pedras preciosas.

Prometia, ainda, tornar fecundas as mulheres estéreis e outras mil bem-aventuranças, granjeando imenso apoio popular. Não se escusava, porém, de ameaçar os reticentes com as piores penas, incluindo a de transformá-los em animais.

Organizou para tanto uma verdadeira igreja antoniana, um clero, onde pontificavam outros santos, como São João, e uma plêiade de sacerdotes denominada de "os antoninhos" que saíam a pregar a excelência da nova igreja e o poder taumatúrgico e apostólico "da Santo António" que a chefiava.

Kimpa Vita despertou obviamente a ira dos missionários capuchinhos e das facções nobres adversárias do antonianismo e postulantes do poder real.

O próprio D.Pedro IV, de início cauteloso e hesitante em reprimir o movimento, terminou por ceder às pressões dos capuchinhos italianos, ordenando a prisão da profetisa e de São João, "o anjo da guarda" da profetisa que os frades diziam ser seu amante.

O estopim ou pretexto que levou à prisão de Kimpa Vita teria sido a acusação de que tinha um filho recém-nascido, cujo choro teria sido ouvido enquanto ela o amamentava em segredo, do que resultara o seu desmascaramento como "falso Santo António".

Kimpa Vita foi presa, arguida pelo capuchinho Bernardo Gallo e condenada a morrer na fogueira como herege do catolicismo. A sentença foi executada em 1708 e na fogueira arderam Kimpa Vita e seu "anjo da guarda" – o Santo António e o São João do catolicismo congolês.

NOTA - Esta igreja messiânica persiste ainda hoje em Angola



http://www.dightonrock.com/Diago%20cao-4.htm

ver também

http://www.carlosduarte.ecn.br/mulheresdeangola.htm

Características messiânicas numa igreja negra baseada em alguns aspectos do catolicismo encontram-se também na Igreja Kimbaguista (Igreja do Nosso Senhor Jesus Cristo sobre a Terra), fundada no antigo Congo Belga em 1921 por Simon Kimbangu (que morreu na prisão e foi considerado um mártir) que ocupa um lugar relevante na Angola de hoje.

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terça-feira, janeiro 23, 2007

Ana Nzinga Mbandi NGOLA

MULHERES ANGOLANAS HISTÓRICAS (1)





Ana Nzinga Mbandi NGOLA
(1582 – dezembro 1663)

“Entre os negros com quem tive ocasião de conversar, não encontrei nenhum que superasse esta rainha pela generosidade de alma ou sabedoria de governação... ela revelava grande destreza nos assuntos políticos, perspicácia e prudência nos assuntos de família”, escrevia Cavazzi, missionário capucho que, durante algum tempo, foi confessor desta mulher extraordinária.

Ela nasceu em 1582, na família do mani do Ndongo, reino localizado no território da actual Angola. O nome do título do rei, Ngola, deu origem à denominação deste país. O pai da menina, Ngola Kiluangi, mantinha relações de paz armada com os portugueses de Luanda (onde se encontrava a sede do governador). A situação veio a deteriorar-se após a sua morte, ocorrida por volta de 1617, quando o seu filho e sucessor, Ngola Mbandi, assumiu o poder no Ndongo. Naquela altura, os portugueses ampliaram consideravelmente o tráfico de escravos e empreenderam uma série de incursões para o interior do continente, na esperança de, além de captura de escravos, apoderar-se das imensas reservas de prata que, segundo se dizia, existiriam nas áreas do interior. Ngola Mbandi lançou uma campanha militar contra os portugueses, tendo antes suprimido a resistência e a rivalidade dentro da família, assassinado o seu sobrinho, filho da sua irmã, Nzinga, e deportado ela própria. Do seu ponto de vista, foi uma prudência necessária, já que segundo os princípios do direito materno que vigoravam naquelas terras, era precisamente o sobrinho, filho da irmã, quem era o primeiro sucessor e, por consequência, o adversário mais perigoso.

Porém, a campanha militar falhou. A sua tropa pouco disciplinada, de tipo miliciano (e não existia outro tipo de tropa nos estados africanos pré-coloniais), não conseguiu resistir à pressão do exército profissional do Governador de Angola. A capital, Mbanza Cabana, caiu nas mãos dos portugueses, a família foi aprisionada, o próprio Ngola Mbandi refugiou-se nas ilhas Kwanza, de difícil acesso. Os autores contemporâneos escreviam que embora “os portugueses tivessem ganho a guerra, não conseguiram ocupar o território”.

O novo governador procurava entendimento com o governante do Ndongo, uma vez que todas as rotas de comércio estavam bloqueadas, com a própria cidade de Luanda cortada dos mercados de víveres. Por isso, a amizade com os aristocratas locais era uma condição indispensável para garantir o tráfico regular de escravos que eram cada vez mais procurados para o trabalho escravo nas plantações e nas minas do Brasil. Os antepassados de actuais brasileiros de pele escura são oriundos precisamente de Angola, mantendo, até aos nossos dias, as suas crenças, folclore, e alguns costumes de africanos.

Em 1621, Nzinga foi enviada para negociar com os portugueses, já que o irmão, seu rival, viu-se obrigado a reconhecer as suas invulgares virtudes. Foi o seu primeiro aparecimento na cena histórica. A delegação do soberano local foi recebida com grande aparato, inclusive salvas de canhões. Os portugueses ficaram muito impressionados com o sentido de auto-respeito e astúcia dela. Descreve assim Cavazzi este encontro – “Quando o vice-rei lhe concedeu audiência, ela, ao entrar na sala, notou que lá estava no lugar mais nobre apenas uma poltrona de veludo, ornada de ouro que se destinava ao vice-rei, havendo do lado oposto um riquíssimo tapete e umas almofadas de veludo... destinados a soberanos etíopes (era assim que, à semelhança da Bíblia, se chamava a todos os africanos – E.L.). Sem se atrapalhar e sem dizer uma única palavra, ela fez sinal a uma das suas damas para que se ajoelhasse e se fizesse de cadeira, sentou-se em cima das costas dela e permaneceu sentada até ao fim da audiência”. Deste modo Nzinga mostrou que se considerava uma participante de pleno direito das negociações, e não um vassalo submisso de Portugal.

Segundo testemunhas, “ela exigia paz com dignidade, propondo estabelecer uma união duradoura e sólida e mostrou que havia razões fortes e evidentes que faziam com que a paz fosse indispensável tanto para os portugueses como para o rei que a enviara. Deixou admirado, pasmado e convencido todo o Conselho”, e, “convencidos e vencidos pelas razões que avançara, os titulares superiores e os membros do Conselho nada puderam opor às propostas dela”. O acordo foi celebrado. Calculando que uma mulher tão inteligente, decidida, orgulhosa podia vir a ser uma aliada vantajosa e segura, os portugueses convenceram-na a baptizar-se, tomando o nome de Ana (em honra da esposa do governador português que também participou na cerimónia).

Em 1624, Ngola Mbandi morreu, em circunstâncias pouco claras. Nzinga, ao tornar-se a única governante, renunciou ao cristianismo e rompeu a união com os portugueses. Iniciou a luta contra eles, “dirigindo-se a deuses falsos e cumprindo a vontade deles”, como escreviam os cronistas. Na verdade, ela estava a cumprir a vontade de seus súbditos, descontentes com o tráfico de escravos praticado pelos europeus.

Porém, o primeiro passo que deu não foram operações militares, mas, sim, o envio de uma mensagem para o novo governador de Angola, Fernando de Sousa, exigindo que os portugueses evacuassem as fortalezas localizadas no interior (Mbaka, etc.). O momento para tal foi escolhido muito oportunamente, já que naquela altura emergiu na arena do comércio mundial a Companhia Holandesa das Índias Orientais, fundada em 1621. No Verão de 1624, os seus navios haviam queimado seis navios portugueses no porto de Luanda e ameaçavam o domínio de Portugal naquela parte do globo.

Paralelamente, ela começou a preparar o seu exército que ia crescendo depressa à custa dos escravos fugitivos a quem prometia a liberdade. Alguns portugueses queixavam-se de terem perdido de 100 a 150 escravos cada um. Ana Nzinga soube também atrair para o seu lado as tribos vizinhas, geralmente hostis umas às outras. Foi então quando, em 1625, depois que mais uma ronda de negociações acabou num impasse e a guerra era iminente, estando as tropas de Nzinga preparadas, que, servindo de pretexto imediato para o início das hostilidades a proclamação de um aliado dos portugueses, Ari Ngongo, como soberano do Ndongo, Nzinga enviou as suas tropas e em resposta a isso, Luanda declarou-lhe guerra, formalmente, para proteger o súbdito português. De tempos em tempos os portugueses, dada a ameaça proveniente por parte da Holanda, empreendiam tentativas de concluir um acordo com ela, porém, com a condição indispensável de que ela reconhecesse a sua dependência da coroa portuguesa e pagasse anualmente um tributo. Ela ficou indignada com essa condição, declarando que era uma soberana independente e que “poderiam propor-lhe tal apenas se tivesse sido vencida pela força das armas, coisa que está muito longe de se concretizar, já que ela não só tem boas tropas como também audácia mais que suficiente para fazer arrepender os seus inimigos”. Nos inícios de 1626, os portugueses prepararam uma expedição militar bem apetrechada que expulsou Nzinga das ilhas do rio Kwanza, porém, sem a ter conseguido derrotar. Ao recuar para o interior do país, ela montou posições no nordeste.

Consolidadas as suas posições no litoral, os portugueses alargaram ainda mais o tráfico de escravos; os destacamentos de “pombeiros” arruinavam os povoados locais. Além disso, o facto de “Dom Felipe”, um fantoche baptizado que não pertencia à dinastia tradicional e, consequentemente, não possuía a graça de “santo rei-sacerdote” capaz de provocar a chuva e garantir o bem estar do povo, ter sido nomeado soberano do Ndongo, provocou descontentamento tanto dos aristocratas como da gente simples. Resultou disso uma fuga generalizada para o lado de Nzinga.

Progredindo em direcção a nordeste do Kwanza, conquistando as tribos locais e atraindo para o seu lado os jagas, um povo guerreiro de combatentes audazes e hábeis, ela instalou-se, em 1630-1635, nas montanhas de Matamba, tendo criado uma unidade política forte e estável. Segundo alguns investigadores, tratava-se de uma espécie de estado semi-feudal hierárquico. A própria Nzinga tinha o direito de decidir sobre a vida ou morte dos seus súbditos, era considerada proprietária de todos os bens que estes possuíam, sendo obrigados a cultivar as terras três vezes por semana para produzir produtos alimentícios para a corte. As testemunhas afirmavam que a sua corte era tão numerosa como as cortes reais europeias, incluindo pessoas “cujas qualidades e obrigações lhes davam o direito de se considerarem nobres”.

Nestas regiões mantinha-se o direito materno (em alguns locais mantém-se até hoje), baseado na consideração da linha matrilinear e, por consequência, uma posição relativamente livre da mulher na família e na sociedade. No Reino da Matamba, a mulher não só estava à frente do país como ainda para cada cargo eram designados “co-governantes” – um homem e uma mulher. A instituição de “co-governantes” se mantinha até aos finais do século passado, a norte, nas etnias lunda, luba e kuba – bacia do rio Congo, e em Buganda (território do actual Uganda), ainda até aos meados deste século. As mulheres também tomavam parte nas guerras; no tempo de paz as senhoras faziam competições em força, habilidade e audácia, para as quais saíam vestidas e armadas como amazonas. Elas montavam uma batalha em que a rainha, embora já com o fardo de mais de sessenta anos, revelava a mesma coragem, força, habilidade e agilidade que tivera aos 25 anos”.

Tendo consolidado o seu estado, Nzinga encabeçou a união de Matamba com o seu vizinho a Norte, o Congo, Cassange (situado no centro da Angola actual) e com as tribos do Leste formando assim uma coligação anti-portuguesa. A primeira ofensiva não foi bem sucedida devido às contradições no seio dos aliados: o soberano de Cassange, aproveitando a ausência de Nzinga, devastou as terras de Matamba e mais tarde recebeu calorosamente os mensageiros do novo governador. As tentativas desta missão especial enviada com o fim de obrigar Nzinga a aceitar a paz falharam (embora durassem vários meses). Uma testemunha escreveu que “Nzinga que era cheia de inteligência e dominava perfeitamente a arte de ironia, respondeu que conhecia muito bem a força e a audácia dos seus inimigos e desejaria ter a honra de ser aliada da coroa portuguesa... mas, considerava justo ver satisfeitas, através do tribunal ou com as armas nas mãos, as suas pretensões sobre as províncias que os seus antepassados possuíram em paz”. Ela estava decidida a continuar a luta.

Em Maio de 1641, os holandeses voltaram a aparecer ao largo de Luanda, tendo capturado uma caravana de vinte navios, além “da grande e linda cidade com 5000 casas de pedra, grandes e lindas... com cinco castelos e sete baterias com cerca de 130 canhões e 60 fuzis”. Logo em seguida, eles apoderaram-se também da fortaleza de São Felipe de Benguela. Nzinga soube aproveitar habilmente esta situação, tendo proposto aos holandeses unir os esforços para criar uma união dirigida contra os portugueses, à qual o soberano do Congo em breve aderiu. Os holandeses mandaram um destacamento de 300 soldados que ficou sob o comando dela. Ela conseguiu estabelecer o controlo político sobre a maior parte do litoral e do interior do país e, facto de maior importância, sobre as principais rotas de comércio. Ela concentrou nas suas mãos todo o comércio (incluindo o mais lucrativo, o comércio de escravos, já que ela era pessoa da sua época). Os lucros que ela obteve permitiram-lhe consolidar ainda mais o seu estado e sobretudo o seu exército. A fortaleza de Massangano era a única coisa que continuava na posse dos portugueses.

Os portugueses viram-se obrigados a pedir o envio de reforços do Brasil. Mas nem sequer este auxílio ou recrutamento do soberano de Cassange ajudou. Em 1647-48, os exércitos locais obtiveram várias vitórias importantes. Para que a vitória fosse total, era necessário conquistar a fortaleza de Massangano. A tentativa de organizar uma intentona dentro da fortaleza empreendida pela irmã de Nzinga, Fungi, que durante muitos anos estava aprisionada, foi descoberta, sendo Fungi executada. Além disso, em Agosto de 1648, chegou do Brasil Salvador Correia de Sá, designado novo governador, à frente de uma forte esquadra e um numeroso destacamento. Os portugueses apoderaram-se de Luanda, uma vez que a guarnição holandesa foi enfraquecida com o envio de uma parte das suas tropas para as portas de Massangano. Ao terem tido notícia da queda de Luanda, “eles... abandonaram os negros que decidiram não aceitar a capitulação”. Logo a seguir, um outro aliado de Nzinga, o soberano do Congo, foi obrigado a assinar um acordo humilhante com Salvador Correia de Sá.

Nzinga regressou à Matamba, tendo-se recusado a reconhecer tal acordo, exceptuando algumas cedências: em particular, foram adoptadas as leis que proibiam os cultos tradicionais. Em 1656, o Conselho do Governador, em Luanda, voltou a exigir que Nzinga assinasse um acordo nos termos do qual ela estaria obrigada a relançar a comercialização de escravos para os portugueses, pagar anualmente um tributo e jurar ser “amigo dos amigos e inimigo dos inimigos” dos portugueses. Nzinga recusou-se categoricamente a reconhecer-se vassalo dos portugueses. O acordo, que acabou por ser assinado em Abril de 1657, era “digno”: ela estava livre de pagar o tributo, Matamba continuava independente. A última batalha, bem sucedida, da rainha, já idosa, teve lugar no mesmo ano, contra os chefes dos jaga que sempre falhavam ao seu compromisso de não devastar Matamba.

Ela respondeu ao padre Antoine Gaete, missionário católico que elogiou a sua coragem: “Agora estou velha, padre, e mereço indulgência. Quando eu era jovem, nunca ficava atrás de qualquer jaga na rapidez de andar e na habilidade da mão. Havia tempos em que não hesitava em fazer frente a 25 soldados brancos armados. É verdade, não sabia manejar fuzil, mas, para desfechar golpes de espada também são necessárias a coragem, audácia e razoabilidade”.

Passou os últimos anos da sua vida em paz, tendo estabelecido relações comerciais com os portugueses e autorizado a cristianização do país. Ana Nzinga Mbandi Ngola faleceu a 17 de Dezembro de 1663. Tinha por volta de 81 anos de idade; durante quarenta destes longos anos foi soberana absoluta do país, tendo levado durante trinta e um anos uma luta desigual mas heróica contra os colonizadores portugueses e seus aliados.

A nova ofensiva dos portugueses no interior do país, da actual Angola, deparou-se com a resistência da população de Matamba, que estava encabeçada pelos sucessores de Nzinga, sua irmã Cambo (baptizada com o nome de Bárbara) e seu filho Ngola Canini (baptizado com o nome de Francisco Guterres). Este chegou a proibir a entrada dos portugueses nas suas terras, ordenou atacar as caravanas de escravos e pô-los em liberdade. Os portugueses, que tinham enviado um forte destacamento contra ele, foram derrotados nas imediações de Cotolo, em 1681. Porém, o próprio Francisco acabaria por morrer naquela batalha.

Sucedeu-lhe sua irmã, Verónica Guterres. Receando a feroz vingança, ela enviou, em 1683, uma missão para Luanda propondo estabelecer paz eterna. O acordo proposto pelo governador incluía a exigência de vassalagem, além da livre passagem das caravanas comerciais por terras de Matamba. O acordo não chegou a ser assinado.

No entanto, ainda durante um longo período de tempo deflagravam, de vez em quando, rebeliões contra os portugueses. Os rebeldes atacavam os traficantes de escravos e os missionários (que muitas vezes eram as mesmas pessoas), destruíam as igrejas, proibiam que os estrangeiros aparecessem nos seus territórios. Em resposta, os portugueses lançavam operações punitivas cruéis: segundo testemunhas, durante uma destas operações mais de 150 aldeias foram queimadas e alguns milhares de pessoas foram feitas escravos. Foi só nos fins do século XVII que Matamba e as regiões vizinhas ficaram sob o controlo total de Luanda.

Tradução do artigo de Eleonora Lvova, publicado na brochura do Instituto dos Países de Ásia e África, da Universidade Estatal de Moscovo (MGU), intitulada “A Arte Militar na Cultura dos Povos da África Sub-Sahariana” Páginas 29 a 35.

Sobre a influência de Ana Nzinga Mbandi NGOLA no Brasil ver

segunda-feira, setembro 18, 2006

Alda Lara - Mulheres Angolanas Históricas (8)

PRESENÇA AFRICANA


E apesar de tudo,
ainda sou a mesma!
Livre esguia,
filha eterna de quanta rebeldia
me sagrou.
Mãe-África!
Mãe forte da floresta e do deserto,
ainda sou,
a Irmã-Mulher
de tudo o que em ti vibra
puro e incerto...

A dos coqueiros,
de cabeleiras verdes
e corpos arrojados
sobre o azul...
A do dendém
nascendo dos abraços das palmeiras...

A do sol bom, mordendo
o chão das Ingombotas...
A das acácias rubras,
salpicando de sangue as avenidas,
longas e floridas...

Sim!, ainda sou a mesma.
A do amor transbordando
pelos carregadores do cais
suados e confusos,
pelos bairros imundos e dormentes
(Rua 11!...Rua 11!...)
pelos meninos
de barriga inchada e olhos fundos...

Sem dores nem alegrias,
de tronco nu e musculoso,
a raça escreve a prumo,
a força destes dias...

E eu revendo ainda, e sempre, nela,
aquela
longa historia inconsequente...

Minha terra...
Minha, eternamente...

Terra das acácias, dos dongos,
dos cólios baloiçando, mansamente...
Terra!
Ainda sou a mesma.
Ainda sou a que num canto novo
pura e livre,
me levanto,
ao aceno do teu povo!

(Alda Lara - 1930 / 1962)
(Angola)

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Alda Lara no D'Ali e D'Aqui
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