A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht
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quinta-feira, agosto 29, 2013

João Cabral Fernandes "A cultura estalinista está presente no BE"



Por Ana Sá Lopes
publicado em 26 Ago 2013 - 05:00

O histórico do PSR afirma que a saída de Louçã foi má para o Bloco, mas a sua gestão de tendências também

Os jardins do Hospital Júlio de Matos foram o local escolhido para a entrevista com o psiquiatra João Cabral Fernandes, fundador em 1973 da LCI, Liga Comunista Internacionalista (formação política que depois daria origem ao PSR, Partido Socialista Revolucionário, que se integrou no Bloco de Esquerda). Ex-director clínico do Júlio de Matos, Cabral Fernandes é hoje um grande crítico dos partidos de esquerda - embora não se tenha passado para a direita e ainda acredite na revolução. Fiel à correlação de forças, votou no "traidor" Sócrates, para não se sentir responsável por colocar a direita no poder. A entrevista é sobre política e psiquiatria.
Como é que o fundador da LCI, que é uma coisa que as pessoas com menos de 45 anos não sabem o que foi, vê o Bloco de Esquerda que é um partido novo mas também herdeiro daquele projecto da Liga Comunista Internacionalista?
O Bloco de Esquerda seria só herdeiro parcialmente, numa tradição de uma prática revolucionária, de uma prática de ruptura social com o sistema. Mas o que eu acho - e isso pode chocar muitas pessoas, mas é a minha visão - é que depois da derrota do 25 de Novembro e do afundamento dos partidos de extrema-esquerda, as direcções de alguns partidos procuraram a unidade a todo o custo e fundaram o Bloco de Esquerda. Poderia ter representado um avanço... Mas o bloco de Esquerda é um saco de gatos. Podia não ter sido, se houvesse uma clarificação das práticas, desde que houvesse democracia interna, prática unitária na acção e nas lutas e uma atitude inteligente para os grandes partidos da esquerda, quer face ao PS quer face ao PCP.
Acha que isso nunca existiu no Bloco?
Havia muitos militantes que tinham essa perspectiva, mas ficaram defraudados porque o Bloco entrou no parlamento e não foi capaz de representar a acção social, a ligação com a acção de massas. Hoje, o Bloco é um partido que aparece às oito horas.
À hora dos telejornais?
Sim. Não tem figuras, nós não conhecemos os dirigentes em vários campos.
Acusou o Bloco de ter uma grande falta de democracia interna. De quem é a culpa disso? Porque é que isso aconteceu, na sua opinião?
Acho que tem a ver com ser difícil manter a democracia interna e os dirigentes da altura procurarem um sucesso fácil, mantendo uma concepção fácil do que é uma vanguarda política. Uma vanguarda política não pode destruir as vozes de quem quer transformar o movimento social.
Mas foi a carismática liderança de Louçã, em conjugação com Luís Fazenda, que provocou isso?
Francisco Louçã era o melhor quadro do Bloco de Esquerda e hoje está reduzido ao papel de comentador. Ele acabou com o PSR, os outros ficaram no parlamento e não vão sair de lá. Estão lá encostados como uma lapa. No último congresso, a lista B teve 23,5% e não estava presente nos órgãos dirigentes fundamentais. O Louçã era o melhor quadro político, com uma força muito grande, e teve de fazer um papel muito ingrato: o papel de um cesarista omnipresente e de um bonapartista omnipresente. Ele era o resultado vectorial de todas aquelas tendências e de todas as coisas ocultas dos partidos que estavam dentro do Bloco de Esquerda. Podemos dizer que foi um grande impulsionador e um quadro que tinha uma grande vivacidade e que mais sabia de política - o quadro político mais antigo - mas também foi em parte um destruidor porque ficou cego com a necessidade de apressar o processo de transformar o Bloco de Esquerda num partido mediático e eleitoralista. O sistema de organização tem impedido o Bloco de ser um partido de militantes. Não quero falar muito da palavra estalinismo. Mas a cultura estalinista está muito presente no Bloco.
Acha? É uma coisa muito violenta...
Depois da descida eleitoral nas eleições de 2011 houve um balanço. Eu fui assistir a uma reunião. E quando o debate se resume a cada pessoa poder falar só três minutos e à meia-noite tinha de acabar porque era esse o contrato que tinham feito com o hotel... Isto é uma rendição ao sistema burguês! Aqui, neste caso, à hotelaria portuguesa (risos). O Bloco não é um partido totalmente livre, é um partido que perdeu aquilo que nos anos 74-75 foi muito exagerada, a discussão política. Na altura discutia-se de mais, agora perdeu-se.
Portanto, acha que no Bloco de Esquerda, antes desta nova direcção, discutia o Francisco Louçã, o Luís Fazenda e o Miguel Portas quando era vivo?
Sim, fundamentalmente. E o Rosas. Acho que a concepção de democracia interna e de independência não existe. A sucessão foi cozinhada nas cúpulas! O não haver um representante da lista B na direcção quotidiana do Bloco é uma infâmia para a democracia interna. O que eu digo é que o Bloco de Esquerda quer ter protagonismo nem que seja à força. A Mariana Mortágua subiu 14 degraus na lista de deputados e foi mais ou menos "cooptada" para substituir Ana Drago.
É o equilíbrio das tendências?
É o equilíbrio das ditas tendências, que não são verdadeiramente tendências. São grupos de aparelhos, e de um aparelho mais geral...
Mas o que está a dizer é que essas tendências no Bloco nem sequer têm a ver com questões ideológicas e com a sua origem multipartidária?
O Bloco de Esquerda fez coisas muito importantes, mas no caso da sucessão e da organização deste congresso não houve discussão. E querer que o Louçã saísse da direcção? Era o melhor quadro! Isso é dramático.
Mas defende que Louçã devia ter ficado na direcção do Bloco?
Claro! Era o melhor quadro! Mesmo que eu lhe faça muitas críticas, é o melhor quadro e é um pensador. E agora está remetido ao papel de comentador.
Mas Louçã não sentiu que também estava a travar a ascensão de outros quadros? No fundo, aquilo que dizia, ele era quase o "dono" do partido...
Não é bem "dono"... Ele funcionava como o ponto vectorial de equilíbrio de todas as tendências. Louçã é um político inteligente, sagaz e o Bloco perdeu. Ele foi recuando, recuando e teve de sair... e esperava que os dirigentes da UDP fizessem o mesmo. Mas o Luís Fazenda não sai.
Um ano antes de morrer, Miguel Portas deu uma entrevista ao i onde defendeu que tinha chegado a hora dos dirigentes que fundaram o Bloco de Esquerda se retirarem de cena...
Achei uma fórmula exagerada. Eles tinham era de deixar de ser protagonistas daquele modelo de trabalho ou daquela concepção de equilíbrio de tendências, que permitisse a emergência de uma nova geração de dirigentes fruto de uma outra sensibilidade... já libertados da ganga do período revolucionário, mas que tivessem uma perspectiva revolucionária. O que é que interessa um partido fazer muitos projectos-lei no parlamento, se o parlamento está bloqueado, se nós não vivemos num Estado de direito?
Porque é que acha que nós não vivemos num Estado de direito?
Por tanta coisa. É tudo aprovado numa Assembleia da República onde os deputados fazem leis especiais para eles e diferentes para o povo. É um Estado de direito esquisito, não é? É evidente que numa sociedade em que foi apagada a possibilidade de uma discussão mais livre e em que as instituições se moldaram ao parlamento, não vejo nenhum interesse em se fazerem muitas leis que não são aprovadas. O Bloco devia-se ter dirigido mais para o movimento de massas, organizado mais iniciativas de protesto, de acção, de unidade.
Acha que o Bloco está apagado nessa área?
Está. E sobretudo está apagado numa coisa fundamental, a unidade da esquerda, a prática unitária.
Recentemente, Mário Soares promoveu uma reunião das esquerdas na Aula Magna e João Semedo, o Bloco de Esquerda, esteve presente.
Mas a prática unitária não é isso. A prática unitária não é fazer um comício onde estão umas figuras. A prática unitária é trabalhar nas diversas frentes para se chegar a compromissos ou acções - mesmo que não haja acordo completo com o PCP, com o PS, com independentes - no sentido de dizer que tem de haver uma mudança na política. Isto é que é a prática unitária. E depois o Bloco às vezes tem umas posições maximalistas. Por exemplo, os cartazes que dizem "Devolvam-nos o que nos foi roubado". Isso é uma palavra de ordem maximalista! Não se deve defender um dia de ajuste de contas porque esse ajuste de contas vai ser muito difícil! Porque a Alemanha ganhou 41 mil milhões de euros, metade do que nos foi emprestado, à custa de uma desigualdade e do funcionamento da União Europeia. Todos os países periféricos estão subordinados a uma lógica capitalista e a União Europeia está subordinada ao capital financeiro. Devemos ser contra a troika, exigir a nossa autonomia e independência, mas isso implica uma discussão ao nível da Europa, o que é difícil, porque o blairismo destruiu a social-democracia, que era parte da esquerda.
Portanto, as palavras de ordem do Bloco e do PCP são inúteis?
A posição tem de ser uma posição mais construtiva, sem ser reformista, mas uma posição que aponta para o caminho das lutas. O Bloco de Esquerda é muito filhinho ainda do PCP... acha que a aliança com o PCP para a saída da troika é fundamental. Ora, nós não temos um movimento de massas de esquerda para estar até à exaustão a apelar a isto. Tem de haver formas unitárias de trabalho e de transformação. Acho que os dirigentes do Bloco ficaram muito iludidos com as vitórias que foram tendo. Quando são aprovadas muitas leis sobre liberdades individuais - homossexualidade, droga, etc. - isso foi porque a social-democracia encontrou essa bandeira para se manter com uma certa figura de esquerda, quando já tinha capitulado pelo blairismo. Não se pode dizer, como o Bloco muitas vezes diz, que foi o partido que mais defendeu isso. Não, o PS defendeu tudo isso como também deputados de outros partidos defenderam. É preciso não ser tão triunfalista nesta questão e ser mais claro. Mas eu penso que o apagamento do Bloco poderia ser corrigido.
O que pensa concretamente da nova liderança do Bloco?
É uma liderança que perdeu força. Mas é difícil, a não ser que fossem um casal de apaixonados, sincronizarem o ritmo de sono e a vida em comum. Eu defendo a figura do secretário-geral. João Semedo é uma figura simpática e agradável, mas não tem o carácter incisivo que tinha o Louçã. Agora, Louçã também era muito acusado de ser muito demagógico e protagonizou o afastamento de muita gente - quem estava em divergência com ele, pertencia quase ao outro lado da barricada.
Portanto, na sua opinião, Louçã concentrava em si o melhor e o pior do Bloco?
Louçã era o melhor e depois, devido ao papel cesarista e de equilíbrio vectorial de todas as forças, foi entrando num jogo palaciano cor-de-rosa que teve consequências muito graves na situação em que o Bloco está agora. Qual é, efectivamente, o programa do Bloco? É um programa revolucionário? É um programa de compromisso? É um programa centrista? Como se faz a unidade da esquerda? O Partido Socialista é de esquerda, embora a sua direcção seja completamente blairista e traidora?
Mas João Semedo também diz que só fará alianças quando o Partido Socialista se chegar à esquerda...
Não é o Partido Socialista que se vai chegar à esquerda. São acções em vários domínios que irão levar que vários militantes e pessoas do Partido Socialista defendam que se tem de mudar de política.
Ainda acredita na revolução?
Acredito.
E como se faz a revolução?
Como se está a fazer no Brasil... Mas é muito complicado. A revolução árabe foi um fiasco. O que está a acontecer no Egipto é dramático. E é porque o regulador de tudo isto é o capital financeiro a nível mundial. E o capital financeiro está maduro para cair mas tem muitos anos de experiência e uma grande capacidade.
Mas não opõe a revolução ao parlamentarismo?
Não! O Bloco devia dividir-se entre uma acção parlamentar, desmascarando todos os actos e propostas, mas não meter a cabeça na areia. E ter outra parte, dirigida autonomamente, que era o movimento de massas.
Mas aí o PCP é melhor...
É melhor, mas não é mais revolucionário que o Bloco de Esquerda. Talvez tenha mais tradição. O PCP não é um partido revolucionário, é um partido de esquerda, como o Partido Socialista também é.
Mas então o que é um partido revolucionário?
É aquele que consegue as transformações sociais adequadas em determinado momento. Acabar com a desigualdade social, onde não existam privilégios e uma casta que se apropriou do poder. O que quer dizer revolução? A retomada da evolução! Esse nome que assusta tanto apenas quer dizer o retomar da evolução. Um revolucionário não é um tipo que põe bombas! É um tipo que retoma a evolução e não pode haver evolução com o sistema capitalista.
Como psiquiatra, como vê o disparo no consumo dos antidepressivos? As pessoas estão mais deprimidas agora do que antes? Inventam depressões? Ou foram os médicos que mudaram?
Uma mistura de tudo isso. Mas sabemos que há mais pessoas deprimidas. Uma pessoa que fica no desemprego, uma família em que vivem três gerações na mesma casa, são situações depressivas. Mas não existem mais doenças mentais, as doenças mentais crónicas têm a mesma percentagem. Os vários tipos de depressões é que não são todas elas situações médicas. Algumas são situações psicológicas, ou sociais ou uma falta de resiliência - há pessoas mais frágeis que podem cair numa situação dessas. Consomem-se mais antidepressivos porque muitas vezes os médicos não têm tempo e são poucos. Eu defendo uma percepção global. O pensamento vem da matéria, uma pessoa que pensa pode mais facilmente ultrapassar as suas crises.
Acha que os psiquiatras abandonaram a parte mais psicoterapeuta para se concentrarem exclusivamente na neurobiologia?
Houve uma deslocação, depende dos países. Eles deixaram de ter a formação que nós dantes tínhamos, uma formação mais humanista, mais global, psicoterapêutica e psiquiátrica. E houve também uma evolução muito importante: as neurociências desenvolveram-se de uma maneira formidável e hoje é possível curar uma depressão em dois ou três meses. Agora, tenho de tratar a depressão de forma a que possa ser capaz de reconstituir a sua mente e a sua vida para não voltar a cair passados uns tantos meses no mesmo ciclo depressivo. Nos exames onde estou, costumo perguntar sempre: "Diga-me o que é a depressão". E dos internos que vão a exame poucos respondem correctamente. Dizem que é uma doença! A depressão não é uma doença!
Não é uma doença?
Só parte da depressão é uma doença. Quem não deprime é má pessoa (risos). Há pessoas que não têm de passar pela experiência da depressão. Mas todos nós, pelo menos uma vez na vida, 30 a 40% ao longo da vida temos de deprimir. A vida é uma sucessão de ganhos e perdas. Tem de haver esse balanço. Até digo que se uma pessoa está em depressão e consegue trabalhar, aí a depressão tem um lado benfazejo. Há uma coisa que se chama a natureza humana. Vejam-se os bipolares, que são pessoas muito ricas, aliás são os dirigentes de nação.
Winston Churchill era bipolar...
Sim, o Churchill, e grandes escritores e intelectuais. A bipolaridade é um problema de desequilíbrio do humor. E esse desequilíbrio do humor vai permitir uma curiosidade e uma necessidade de afirmação maior por parte dessas pessoas. E, de facto, os antidepressivos têm hoje uma qualidade que não tinham há 20 anos, são muito melhores, têm muito menos efeitos secundários. E são os únicos medicamentos energéticos, quando uma pessoa faliu. Em determinadas personalidades, o antidepressivo é preciso. Mas se não for feito um trabalho humano, de apoio, de interacção mental com essa pessoa, ou de uma forma mais elaborada de psicoterapia ou de psicanálise... As psicanálises hoje acabaram. São muito caras, levam muito tempo.
E a psicoterapia também. Há muita gente que afirma precisar de fazer psicoterapia mas não ter dinheiro para isso.
É o que está a acontecer hoje. E a psicoterapia está praticamente remetida para os psicólogos, o que não é mau, mas tem uma desgraça: eles não têm formação médica. Podiam ter internatos, mas não têm. Nós não temos psicólogos nas equipas, ou temos muito poucos.
Mas houve mesmo essa mudança de escola de pensamento que transferiu os psiquiatras da psicoterapia para a receita de substâncias químicas?
Houve uma evolução científica e tecnológica muito grande nos medicamentos. Os primeiros medicamentos para a esquizofrenia e para a doença bipolar sedavam as pessoas e toldavam o pensamento. Nos anos 50, eram vistos como instrumentos de opressão quando eram mal utilizados. Hoje, podem ser instrumentos de liberdade quando podem conter uma pessoa e dar um sentido para a vida dessa pessoa. Agora, o trabalho tem de entrar na categoria da totalidade. A evolução da neurobiologia foi fantástica e nós não a podemos negar. Mas temos de, a par disto, desenvolver os conhecimentos psicológicos e as psicoterapias. Se fosse hoje em dia não faria psicanálise nem grupanálise durante 20 anos como eu fiz! Mas faria alguma psicanálise e recomendo aos meus internos que façam. Tratam-se as pessoas como doenças e não como seres humanos que podem ou não ter doenças. O termo perturbação mental é mais adequado do que doença. Mas a doença bipolar é mesmo uma doença. Mas uma pessoa que tem sucessivas perdas na infância, adolescência, tudo isto é muito complicado. Há uma multicausalidade - é o psíquico, é o orgânico e o social.
Em quem vai votar?
Vou votar na esquerda. Ainda não sei em quem, mas seguramente na esquerda. Mas vou-lhe falar das últimas eleições. Votei no José Sócrates.
Porquê?
Porque não podia estar de acordo que um partido, ainda que tenha cometido muitos erros, com uma direcção traidora e dominada pelas ideias blairistas, pudesse ser substituído pelos senhores que vieram a seguir, mais troikistas que a troika. O voto depende da correlação de forças entre a direita e a esquerda. As pessoas não perceberam que não se pode estar junto da direita...
Então acha que o Bloco e o PCP fizeram mal em derrubar Sócrates?
Claro! Claro! Mantinham a sua posição de princípio, mas não o derrubavam.


domingo, fevereiro 10, 2013

Carlos Brito pede ao país para rejeitar "projecto aventureiro" do Governo

Por

Em noite de 80.º aniversário, o ex-líder comunista pede "consenso democrático e republicano". Sampaio lamenta ausência do PCP.
 
O antigo dirigente do PCP Carlos Brito defendeu durante a noite de sábado, em Lisboa, que “basta um consenso democrático e republicano” no país para rejeitar o “projecto aventureiro” do Governo PSD/CDS-PP.
 
“Não é preciso ter uma perspectiva do mundo do trabalho, nem ser de esquerda, nem do centro-esquerda, basta um consenso democrático e republicano para rejeitar este projecto aventureiro, concebido por tecnocratas formados na escola do neoliberalismo, ainda por cima com a lição mal aprendida, veja-se o caso dos impostos, sem experiência de governação e grande desconhecimento do país”, afirmou no final de um jantar em sua homenagem, na Casa do Alentejo.
 
Defensor da convergência entre as forças de esquerda, Carlos Brito reiterou que vê possibilidades para uma acção convergente de oposição ao Governo, considerando que a recusa do PS, PCP e BE de participar na comissão eventual para a reforma do Estado é um “óptimo ponto de partida”.
 
“Quando a oposição se levanta em conjunto, o Governo tem recuado”, destacou, apontando como exemplos os “recuos” na Taxa Social Única, na privatização da TAP e da RTP.
 
Brito criticou a filosofia do Governo que quer um “Estado mínimo, que tira tudo e não dá nada” e apenas quer cobrar impostos para “saciar a ganância dos mercados”.
 
Carlos Brito, que completou sábado 80 anos, afastou-se do PCP em Julho de 2002 na sequência de divergências com a direcção do partido, um processo que culminou na expulsão de dois dirigentes, Edgar Correia e Carlos Luís Figueira. Enquanto militante comunista, integrou o Comité Central entre 1967 e 2000, foi director do jornal Avante! entre 1992 e 1998 e candidato presidencial no sufrágio de 1980, tendo desistido a favor de Ramalho Eanes.
 
O ex-dirigente comunista foi preso pela primeira vez pela PIDE com 20 anos, passou mais de oito anos nas cadeias da ditadura e mais de dez anos na clandestinidade.
 
Sampaio lamenta ausência do PCP
O ex-Presidente da República Jorge Sampaio lamentou que o PCP não se tenha feito representar no jantar de homenagem ao antigo dirigente Carlos Brito, afirmando que seria um “pequeno gesto” a alguém que merecia. “Eu gostava de ver aqui algum dirigente do partido a que Carlos Brito dedicou 40 anos da sua vida. Confesso que gostava”, lamentou Jorge Sampaio, no início de uma intervenção feita no final do jantar.
 
A observação do ex-presidente da República foi saudada com palmas por parte das cerca de 200 pessoas presentes no jantar, muitos do PS, do BE, renovadores comunistas e sindicalistas.
 
“Um pequeno gesto, não quebrava nenhuma disciplina. E este homem que tanto dedicou às causas em que acreditou, merecia isto. Não é crítica, é apenas uma observação”, afirmou, lembrando em seguida que foi o único autarca socialista que em Lisboa conseguiu uma coligação com o PCP para a câmara da capital.
 
Jorge Sampaio elogiou a “inteligência e a afectividade” de Carlos Brito, que descreveu como um “obsessivo fazedor de pontes”, sempre a tentar “aproximar as forças de esquerda”.
 
Se Carlos Brito guarda alguma amargura pela relação com o PCP, esconde-a bem”, disse, recordando ainda os tempos em que, no Parlamento, conviveu com o então líder parlamentar do PCP. Foi possível “manter a coerência com o bom trato político”, frisou.
 
Para além do ex-presidente da República, Jorge Sampaio, participaram no jantar o socialista Manuel Alegre, o secretário-geral do PS António José Seguro, o secretário-geral da UGT, João Proença, o coordenador do Bloco de Esquerda João Semedo, o historiador Borges Coelho e o presidente da associação Renovação Comunista, Paulo Fidalgo.
 
O ex-secretário-geral da CGTP, Carvalho da Silva, os socialistas Pina Moura e José Magalhães, o ex-ministro Mário Lino, o ex-líder parlamentar do Bloco de Esquerda, José Manuel Pureza, Daniel Oliveira, do BE, também marcaram presença.


http://www.publico.pt/politica/noticia/carlos-brito-pede-ao-pais-para-rejeitar-projecto-aventureiro-do-governo-1584009


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 TSF

Carlos Brito: «O Marxismo continua uma proposta muito poderosa»

Publicado ontem às 09:24

Carlos Brito, antigo dirigente do PCP, faz hoje 80 anos. Uma década depois da dissidência e do afastamento do partido, o antigo líder parlamentar do PCP afirma-se membro da família comunista, e classifica o afastamento como «uma pequena zanga familiar».
 
 
 
Em entrevista à TSF, Carlos Brito defende o fim dos sectarismos entre PS, PCP e Bloco, e a criação de uma plataforma das esquerdas para combate o atual governo.

Carlos Brito afirma ainda que PCP e Bloco de Esquerda fizeram, em 2011, uma leitura pouco lúcida da realidade política quando decidiram chumbar o PECIV, uma decisão que levou à queda do governo socialista e à formação de uma maioria de direita.

sábado, novembro 03, 2012

João Semedo. “Bloco pode apoiar governo PS se socialistas cortarem com Memorando da troika”


03 Nov 2012

João Semedo

João Semedo. “Bloco pode apoiar governo PS se socialistas cortarem com Memorando da troika”

Por Ana Sá Lopes, publicado em 3 Nov 2012 - 17:32 | Actualizado há 1 hora 46 minutos

 A velha sede do Partido Socialista Revolucionário (PSR) na Rua da Palma foi restaurada e é hoje a única de que o Bloco de Esquerda é proprietário. O médico João Semedo vai seguir o exemplo de Francisco Louçã: o líder do partido continuará a não dispor de um gabinete próprio. A uma semana da convenção do Bloco que o transformará em coordenador do partido em conjunto com Catarina Martins, João Semedo recebe o i na sala da Rua da Palma onde costuma reunir a comissão política do partido que juntou PSR e UDP a ex-comunistas e conseguiu na altura um sucesso eleitoral inesperado. Treze anos depois, os fundadores passam o testemunho a uma nova geração de dirigentes.
Onde estava quando foi formado o Bloco de Esquerda?
Demiti-me do comité central do PCP e deixei de ser funcionário do partido em 1991. Retomei por inteiro a minha profissão. Nessa década esforcei-me muito – muito mesmo – para voltar a ser médico. Em 1999 era médico no Porto e o aparecimento do Bloco coincidiu com uma movimentação interna importante no PCP em torno daquilo que ficou conhecido como Novo Impulso, que era um movimento que tinha como objectivo mudar algumas coisas dentro do PCP, que teve uma maioria na direcção do partido, e que depois Álvaro Cunhal e outros dirigentes conseguiram reverter. Acompanhei isso bem de perto, porque estava em preparação o congresso do ano 2000, que é o congresso que culmina com o afastamento de muitos dirigentes do PCP. Foi o congresso que me confrontou com a impossibilidade de me continuar a relacionar com o partido. Tudo isto coincidia com as movimentações, discussões, reuniões de algumas pessoas – recordo- -me em particular ou quase exclusivamente de Miguel Portas. Fui assistindo ao nascimento do Bloco com um pé num sítio e outro em sítio nenhum.
E o Miguel Portas não tentou logo cativá-lo para o Bloco?
Eu sempre fui muito amigo do Miguel. Ainda hoje digo que era o meu amigo de todos os dias. E era. E é, embora agora seja uma amizade que infelizmente não praticamos. Mas eu e ele sempre fomos muito independentes, o que só diz bem da nossa amizade. Quando o Miguel saiu do partido para constituir com Pina Moura e outros a Plataforma de Esquerda, eu achei isso um erro. E veio a perceber-se que de facto foi um erro, grande parte dessas pessoas foram para o PS e outras, se não houvesse uma coisa para constituir chamada Bloco de Esquerda, ficavam órfãs. Eu e o Miguel discutimos muito quer a situação dentro do PCP quer a criação do Bloco de Esquerda. Acho que o Miguel teria gostado que eu tivesse estado associado à fundação do Bloco de Esquerda, mas não estive. Nessa altura eu julgava que ainda era possível e era útil fazer alguma coisa dentro do PCP. Hoje olho e penso que o facto de o PCP não ter mudado o seu rumo também ajudou indirectamente à formação do Bloco, como é evidente. O Miguel, como se costuma dizer, nunca me pôs a faca ao peito, mas fomos conversando. As nossas divergências eram tão naturais como as convergências. Quatro ou cinco anos depois, em 2004, o Miguel disse-me que ia ser candidato ao Parlamento Europeu e perguntou-se se eu estaria na disposição de ser o número dois da lista. Eu nessa altura era director do Hospital Joaquim Urbano, achei que era compatível com fazer a campanha. A partir daí, a minha relação com o Bloco foi sendo cada vez maior, fui candidato a deputado em 2005, vim para a Assembleia em 2006 por um curto período, mas o Bloco achou útil eu continuar. Também me apeteceu continuar e ainda não saí de lá [risos]. Foram oito meses que se prolongaram por quase oito anos.
O João Semedo demora tempo a chegar ao Bloco. Demorou muito a desligar-se do PCP?
Sabe que eu acho que as decisões políticas são em geral lentas, sobretudo quando se fala de uma estrutura tão complexa, sólida e organizada como o PCP. No meu caso, achei sempre que aquilo não iria por surtos, nem por pequenos golpes de asa, ia por mudanças de fundo, sólidas, consolidadas. E esse trabalho exigia tempo. Eu sempre olhei com alguma desconfiança as pessoas que acham que têm razão antes de tempo. Talvez seja demasiado paciente, mas gasto a minha impaciência noutras coisas. Repare, eu tinha uma cultura comunista, uma cultura comunista que à época olhava com desconfiança o seu lado esquerdo. Apesar de reconhecer no Miguel [Portas], no Fernando [Rosas], no Francisco [Louçã] e no Luís [Fazenda] pessoas que tinham inteligência política e capacidade para criar, a partir de pequenas formações muito diferentes, uma esquerda popular, socialista… Achei que era um projecto que valia a pena, mas também fui vendo como as coisas evoluíam no PCP. Depois houve o congresso do PCP do ano 2000, que é uma porta que se fecha. Há um grande número de dirigentes – que eram aqueles que eu julgava capazes de introduzir algumas mudanças – que saem. Qualquer perspectiva de mudança estava fechada. Julgo que demorei tempo. Foram decisões muito amadurecidas, uma e outra. Acho que isso também me dá maior convicção nas minhas escolhas.
Acha que percebe melhor que outros essa desconfiança que o PCP tem em relação à sua ala esquerda? O PCP mudou ou essa desconfiança permanece?
Acho que mudaram algumas coisas. O Bloco hoje tem 13 anos e os comunistas percebem que não há razões para manter essa desconfiança. São dois partidos com identidades muito diferentes, mas que partilham opiniões e pontos de vista comuns em relação a muitas matérias da vida política. São partidos que estão na mesma margem do rio e isso verifica-se na Assembleia da República com grande naturalidade. Nenhum deputado do Bloco tem qualquer limitação na sua relação com os deputados comunistas, e acho que isso é mútuo. Conversamos muito, falamos muito, discutimos muito… E acho que temos posições muito comuns. A título de exemplo, a mais evidente e importante foi a apresentação em conjunto da moção de censura. Foi uma forma de diálogo comum bem sucedida.
Nunca tinha acontecido.
Nunca tinha acontecido. Reconheço que o Bloco esteve bem, mas também reconheço que o PCP esteve bem. As coisas foram combinadas e a combinação implica diálogo. E julgo que isso é demonstrativo do bom estado das relações entre o PCP e o Bloco. Acho que hoje é com mais naturalidade e aceitação que os comunistas portugueses percebem que há na esquerda um outro partido com simpatia pelo socialismo, contra a troika, contra este governo, com a mesma determinação, empenho e convicção. É verdade que há comunistas que exprimem uma concepção diferente desta. O tempo acabará com esses preconceitos. Isso não significa que se apague a identidade. Quem lê as teses do PCP e quem lê as do Bloco não tem falta de diferenças para registar. Aquilo que para mim é mais difícil de aceitar no PCP é o vanguardismo. Acho que não há vanguardas históricas. O vanguardismo enquanto doutrina, depois transformado em acção que está sempre legitimada por essa vanguarda histórica, do meu ponto de vista conduz inevitavelmente a comportamentos no plano político de sectarismo e no plano ideológico dogmáticos.
Mas a direcção do Bloco em funções também foi várias vezes acusada de
dogmatismo. Agora o João Semedo, em conjunto com Catarina Martins, está a protagonizar a primeira transferência de poder no Bloco, dos fundadores para outra geração de dirigentes. O que vai mudar agora?
Acho que o Bloco, como qualquer outro partido, está sujeito a críticas, e eu próprio acho que não tomámos sempre as melhores decisões. Sinto-me responsável por isso, tanto como qualquer outro, nem mais nem menos. Sobre todos os pontos da nossa acção política sujeitos a maior controvérsia – relações com o PCP, ir ou não ir à troika, moção de censura, apoio a Manuel Alegre –, eu sou tão responsável como qualquer outro. Independentemente das opiniões que tive na altura. Agora acho que o Bloco é tudo menos um partido dogmático. Tem a ver com sua génese e sobretudo com a nossa cultura. Somos um partido que valoriza a diferença. E acho que até há muitos exemplos disso, houve pessoas que em momentos cruciais da vida portuguesa optaram por posições diferentes das da direcção…
Está a falar da Joana Amaral Dias, que apoiou Mário Soares nas presidenciais…
É um exemplo. E eu acho a Joana Amaral Dias tão bloquista como eu. Eu tenho funções no partido, ela não tem. Ela tem um determinado tipo de militância, eu tenho outro. Até acho que, de todos os que participamos frequentemente em debates políticos, às vezes dou por mim a pensar que a Joana Amaral Dias é mais bloquista que o mais encarniçado bloquista.
Estava a vê-la na sua direcção?
Ela tem uma militância diferente. A nossa Mesa Nacional tem 80 membros e esses 80 são os que têm mais actividade no Bloco. A Joana não tem actividade no Bloco, é uma outra militância. Nós não temos só militantes de um determinado tipo. A Joana Amaral Dias não gosta de reuniões, acho eu. Eu se não gostasse de reuniões estava tramado!
Mas então o que será diferente na sua direcção?
É um pouco difícil olhar para o futuro… Mas eu não acho que haja muito a mudar no Bloco. Do ponto de vista interno, acho que há duas coisas que é essencial mudar: precisamos de dar mais atenção à participação organizada dos nossos militantes dentro do Bloco. E precisamos de ser mais activos no debate das ideias. Nós somos um partido… como os medicamentos inovadores, e temos de trabalhar muito nisso. Na inovação do pensamento político à esquerda, na forma como se constroem e afirmam as ideias do socialismo e da esquerda. Temos de afinar muito a nossa identidade nessa matéria, sem prejuízo daquilo que é um grande desafio para o Bloco, que é a sua capacidade de dialogar com a sociedade.
Uma das críticas feitas ao Bloco é ter eleito o PS inimigo número 1. Aceita esta crítica e está disponível para olhar para o PS a ponto de encarar a ideia de um dia chegarem ao poder em conjunto?
O adversário do Bloco é a direita. Mas o problema do PS é um problema complexo. O Partido Socialista é o que é. E nós verificamos há muitos anos na sociedade portuguesa uma diferença nítida entre as escolhas da direcção do PS e o que são – pensamos nós – as aspirações, as preocupações da sua base social de apoio. Esta contradição existe há muitos anos e há muitas formas à esquerda de tentar resolvê-la. Houve gente que tentou resolver esse problema entrando para o PS. Foram deputados, secretários de Estado, ministros, até Presidentes da República. Estou a referir-me ao M.E.S [Movimento da Esquerda Socialista, no qual em 1974 militaram Jorge Sampaio, Ferro Rodrigues e João Cravinho, entre muitos outros], que entrou em bloco, estou a referir-me à Plataforma de Esquerda, ou a parte dela. Não noto que o Partido Socialista tenha vacilado muito ou tenha mudado muito o seu rumo. Nós temos um problema, que é termos um Partido Socialista que sempre esteve mais perto da direita que da esquerda. O desafio é desencalhar o Partido Socialista da direita. Isto não vai apenas do nosso desejo ou da nossa vontade. Eu gostaria muito que o Partido Socialista de António José Seguro, tal como diz que está contra o Orçamento do Estado, estivesse contra o Memorando. Eu posso desejar isso, mas não basta desejar.
Mas há a teoria do mal menor. O PSD tem sempre um aliado natural, o
CDS. O PCP é um inimigo histórico e o PS nunca pode contar com o Bloco. Não é melhor para o Bloco conseguir um acordo de “serviços mínimos” com o PS do que deixar a direita no poder?
Acho que vale a pena lutar pelos “serviços mínimos”, por uma plataforma mínima, se essa plataforma for de esquerda. Primeiro, o PS não é para o Bloco o mesmo que é para o PCP. Há muitas diferenças e se alguém as quiser estudar basta ler os textos das duas moções de censura. Nós não procuramos encostar o Partido Socialista à direita, até porque, além do mais, não é necessário. O que nós pretendemos é desencostá-los. O nosso objectivo na moção de censura foi escrever um texto que permitisse que o PS votasse essa moção. A opção do PS foi outra, ponto final parágrafo. Esse capítulo está encerrado sem o voto do PS. Nós estamos na disposição de uma plataforma mínima. A nossa moção – ao contrário da moção B, que fala de uma forma vaga de uma ampla convergência de esquerda – diz o que são para nós os mínimos de esquerda. São quatro pontos apenas: primeiro, rasgar o Memorando. Segundo, devolver aquilo que os portugueses perderam em direitos, em salários, em pensões, em serviços públicos. Terceiro, uma reforma fiscal que tribute mais os rendimentos de capital e de propriedade que os rendimentos do trabalho. Quarto e último ponto: o controlo público do crédito bancário, que significa a nacionalização dos bancos que entretanto foram intervencionados.
O BCP e o BPI?
Os que foram. Por uma razão simples: sem controlo público do investimento não há economia. E esse é um dos nossos dramas. Esta é a nossa proposta e a partir daí estamos disponíveis para todas as conversas e todas as discussões. Agora, qual é o obstáculo? É que António José Seguro não diz isto. Diz que quem quer convergir com o PS tem de ter convergência sobre a União Europeia. Muito bem, nós também não queremos sair da União Europeia. Segundo, manutenção no euro. Nós também não pomos a questão de sair do euro. Terceiro, respeito pelo Memorando. E eu pergunto: é possível a esquerda entender-se, construir um governo, uma alternativa, com base no respeito pelo Memorando? Se os mínimos da esquerda são os máximos do Memorando…
Mas o PS diz que já não se identifica com o Memorando nesta versão…
Mas eu verifico o seguinte: uma das votações mais importantes desta legislatura foi a votação do pacto orçamental. O PS votou a favor do pacto orçamental.
Como toda a esquerda europeia social- -democrata…
Mas nós estamos numa situação dramática de pobreza e desemprego. Só se combate um e outro produzindo emprego e desenvolvendo a economia. Não há investimento privado, não há exportações suficientes para assegurar o desenvolvimento da economia. Só há uma solução: investimento público. Se um governo de esquerda aceita um défice público de 0,5%, está a dizer aos portugueses que vai continuar a aumentar os impostos, diminuir a despesa pública, que vai continuar a cortar na protecção social, nas empresas públicas, nos serviços públicos. Então o que é que é esquerda?
Mas como é que se rasga o Memorando da troika se precisamos daquele dinheiro para pagar salários?
Renegociando a dívida.
Renegociando com a troika?
Renegociando com os credores.
Quando dizem “vamos rasgar o Memorando da troika” parece que estão a dizer “não falamos mais com aqueles senhores”...
Nós somos membros da União Europeia, inevitavelmente temos de falar com a Comissão Europeia, com as instituições europeias, com o FMI, tudo isso. O problema é o que se discute. O problema da dívida hoje são os juros que nós pagamos. Quando dizemos “rasgue-se o Memorando” estamos a dizer que é preciso reestruturar a dívida, é preciso renegociar a dívida e os juros. O Banco Central Europeu empresta a 0,75% aos bancos comerciais. Nós pagamos uma média de 3,55%. Se nós conseguíssemos renegociar a taxa de juro poupávamos 4,8 mil milhões de euros. Quando falamos em rasgar o Memorando queremos dizer duas coisas: reestruturar a dívida e recuperar soberania económica, financeira e orçamental. Não estamos na disposição de aceitar que seja a Comissão Europeia a definir a rede das escolas públicas, os direitos de protecção social, o Serviço Nacional de Saúde, as empresas públicas que funcionam ou deixam de funcionar. Isto é soberania! O governo não é dono do Estado, não tem mandato para isso, nenhum partido nas eleições levantou essa questão. Depois há a Constituição. Os programas de governo dos partidos crescem a partir da Constituição.
É perfeitamente aceitável que um partido diga que antes de governar quer rever a Constituição…
O problema é que não tem força política para isso. Uma das principais críticas que fazemos a este governo é a completa apatia, a completa incapacidade de dizer “isto não dá, temos de encontrar outro caminho”. Por mais que aumentem os impostos, por mais que cortem nos direitos sociais, vamos continuar sufocados por uma dívida que não conseguimos pagar. Renegociar significa para nós duas coisas: discutir o valor da taxa de juros e repor a dívida ao nível de uns 60% do PIB. Não temos condições para pagar mais. Aliás, é esse o valor de referência da Comissão Europeia para um país ter alguma estabilidade.
Uma parte do PS está próxima dessa ideia…
Sim, basta olhar para o grupo parlamentar do PS. Nós percebemos que há ali várias áreas de diferenciação política. Como é que isto vai evoluir não sei, não sou bruxo, não faço prognósticos sobre isso.
Reconheço que há hoje muitos socialistas, dentro da direcção do PS, dentro do grupo parlamentar do PS, que estão à espera de ouvir o António José Seguro dizer “rasgue-se o Memorando”.
Ou pelo menos renegoceie-se o Memorando…
Quando há um ano e meio nós dizíamos “renegoceie-se a dívida” toda a gente dizia “estes tipos são doidos, uns radicais, uns marginais, uns irresponsáveis”. Ao fim de um ano e meio percebeu-se que este caminho é o suicídio nacional. Vai a soberania, vai tudo, qualquer dia também vai o ouro. Já está a ir o ouro dos portugueses, qualquer dia vão as barras de ouro do Banco de Portugal. Por esta lógica é inevitável. O PS vai ter muita dificuldade de manter o pé em dois carris, estar com o Memorando e estar na oposição. Como é possível estar com o Memorando e na oposição quando o Memorando é aquilo que divide os campos da vida política portuguesa? Estou a dizer isto cheio de vontade de que isso possa acontecer.
Há quem diga que o Bloco desaparece se não se entender com o PS…
Se nos entendermos seja como for com o PS, descaracterizamo-nos completamente. O que nos torna úteis é que somos de esquerda, socialistas, e temos uma política diferente sobre o Memorando daquela que tem o PS. Agora, como as coisas vão evoluir, vamos ver. O que nós temos de fazer é aquilo que temos feito: desafiar, convidar, propor ao PS que nos acompanhe naquilo que para nós é mais importante, que é a diferenciação face ao Memorando. Se o PS não faz isso, como podemos aceitar? Nós não achamos que governar seja um pecado original. O que interessa num governo é o seu programa. E um programa que respeite aqueles pontos de que lhe falei é um programa de governo que merecerá o apoio e até a participação do Bloco de Esquerda. Mas primeiro é preciso acabar com este governo que está já num estado um bocado lamentável.
Acha que dura quanto tempo?
Esta tentativa de salto em frente é um suicídio. Se o governo já não tem força política para o que está a fazer, menos força política terá para, mantendo o aumento de impostos, acabar com o Estado social. Se o Presidente da República fosse consequente com o que tem dito ou escrito…
Demitia o governo?
Sim. Quando o Presidente da República diz que foram ultrapassados os limites máximos de austeridade, quando repetidamente chama a atenção para a desigualdade na distribuição de sacrifícios... Eu nunca vi um Orçamento do Estado tão austero e com tanto desequilíbrio na distribuição de sacrifícios. Se o Presidente da República fosse consequente – não é, já sabemos que não é – demitia este governo. Nem aprovava este Orçamento. O Presidente devia vetar este Orçamento.
Mas para demitir o governo o Presidente tem de provar que está em causa o regular funcionamento das instituições.
Mas penso que as instituições estão a funcionar bastante anormalmente quando a Assembleia da República aprova um Orçamento que o país rejeita.
E a seguir devia haver eleições?
Não vejo outra solução possível. A maioria que caracteriza esta Assembleia da República já não exprime a vontade do país.

segunda-feira, junho 06, 2011

PCP e BE - Declarações de Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã

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Jerónimo de Sousa: “A CDU fez a sua parte”

05.06.2011 - 22:57 Por Nuno Sá Lourenço
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 O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, reclamou este domingo vitória nas legislativas antecipadas. A eleição de um deputado por Faro foi assinalada pelo líder comunista como um “sinal de inegável significado quanto a um mais alargado reconhecimento da acção, propostas e papel do PCP”.
Jerónimo de Sousa prometeu a coerência dos deputados da CDU para combater a precariedadeJerónimo de Sousa prometeu a coerência dos deputados da CDU para combater a precariedade (Enric Vives-Rubio (Arquivo))



Ainda antes dos resultados finais definidos, os comunistas adivinhavam um grupo parlamentar de 16 deputados - um a mais do que nas eleições de 2009. 
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“A CDU, com grande empenhamento, fez a sua parte”, insistiu Jerónimo de Sousa mais à frente, quando questionado sobre o facto da coligação ultrapassar o Bloco de Esquerda (BE).



Assumiu a vitória da direita como uma má notícia, mas sem desânimo. Por esperar que, quando as medidas da troika entrassem na “vida concreta” das pessoas, a luta se tornasse “inevitável”: “Não é preciso ser profeta para perceber que essa luta se desenvolverá.”

Quanto ao futuro no Parlamento, Jerónimo de Sousa prometeu avançar no “início dos trabalhos parlamentares” com um projecto de resolução para a “abertura imediata de um processo de renegociação da dívida pública nacional”. E assegurou ainda espaço para iniciativas com o objectivo de “valorizar os salários, garantir o combate à precariedade, defesa dos direitos dos trabalhadores e dos serviços públicos”.


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Combate político será mais difícil

Louçã admite derrota do Bloco de Esquerda

05.06.2011 - 22:30 Por PÚBLICO
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  •  O líder do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, admitiu a derrota
  •  do BE e prevê um combate político futuro num ambiente mais difícil


Louçã disse que se “aprende sempre mais com as derrotas do que com as vitórias”Louçã disse que se “aprende sempre mais com as derrotas do que com as vitórias” (Rui Gaudêncio (arquivo))
“O BE não atingiu os seus resultados, eu sou o primeiro dos responsáveis de não termos conseguido os resultados que queríamos”, disse este domingo à noite Francisco Louçã, na sede do BE.

O bloquista começou por dar os parabéns aos partidos vencedores, para passar a falar imediatamente sobre a situação do país: “Este novo ciclo político começou quando foi pedida ajuda externa com um empréstimo que hipoteca Portugal ao longo dos anos.” E criticou o Partido Socialista, dizendo que “se amarrou” às medidas da troika nos próximos anos.

Louçã referiu que durante a campanha eleitoral conseguiu “certamente chamar a atenção dos portugueses sobre o debate da segurança social, do emprego, da dívida, mas encontrámos uma parede de silêncio do outro lado”. E que vai continuar esta luta no Parlamento, mas que “é certamente hoje mais difícil fazer este combate”.

Sobre a derrota do partido, Francisco Louçã disse ainda que se “aprende sempre mais com as derrotas do que com as vitórias” e que não tem “nenhum ressentimento” com os eleitores que deixaram de votar no Bloco