"e como que a experiência é a madre das cousas, por ela soubemos radicalmente a verdade" (Duarte Pacheco Pereira)
A Internacional
terça-feira, maio 08, 2012
Emir Sader: Trabalho, a atividade mais transversal da humanidade
sexta-feira, julho 17, 2009
Brasil - Os riscos da volta da direita
Não subestimar a oposição. Pode ser fatal e facilitar o retorno da direita. Contam com toda a mídia, direção ideológica da direita brasileira. Contam com um candidato que, até agora, mantém a dianteira – e não basta dizer que é recall, porque é muito constante sua votação, o Ciro é recall e despencou nas pesquisas.
Contam com a grana, antes de tudo do grande empresariado paulista. Contam com os votos de São Paulo, que se tornou um estado conservador, egoísta, dominado pela ideologia elitista de 1932, de que são o estado do trabalho e o resto são vagões que a locomotiva tem que carregar. Contam com a despolitização destes anos todos, em que se apóia ao governo Lula, mas uma parte importante prefere, pelo menos até agora, o Serra. Contam com a retração na organização e na mobilização popular. Contam com a imagem de Serra, desvinculada do governo FHC, em que, no entanto, foi ministro econômico durante muito tempo, co-responsável portanto, do Plano Real, das privatizações, da corrupção, das 3 quebras da economia e as correspondentes idas ao FMI, da recessão que se prolongou por vários anos, como decorrência da política imposta pelo FMI e aceita pelo governo.
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Conta também com erros do governo, seja na política de comunicação – alimentando as publicidades nos órgãos abertamente opositores, enquanto apóia em proporções muito pequenas os órgãos alternativos, seja estatais ou não. Erros de política de juros alta até bem entrada a crise, atrasando a recuperação da economia. Erros na política de apoio e promoção do agronegócios, em detrimento da reforma agrária, da economia familiar, da auto-suficiência alimentar.
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É certo que a oposição não tem discurso que sensibilize ao povo, tanto assim que batem o tempo todo, com seus espaços monopólicos na mídia, mas só conseguem 5% de rejeição ao governo, que tem 80% de apoio. Mas também é certo que o estilo marqueteiro que ganharam todas as campanhas, despolitizam o debate, se Serra se mantiver na liderança das pesquisas, não precisa apresentar propostas, só as imagens maquiadas das “maravilhas” que estaria fazendo em São Paulo, assim como o tom de Aécio de que não é anti Lula, mas pós-Lula, dizendo – como disse e não cumpriu em São Paulo, que manteria os CEUS e outros programas sociais do PT – que vai deixar o que está bom – sempre atribuído ao casalsinho Cardoso.
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A direita pode ganhar e se reapropriar do Estado. O governo Lula terá sido um parêntesis, dissonante em muitos aspectos essenciais dos governos das elites dominantes, que retornarão. Ou pode ser uma ponte para sair definitivamente do modelo neoliberal, superar as heranças negativas que sobrevivem, consolidar o que de novo o governo construiu e avançar na construção de um Brasil para todos.
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Fonte: Blog do Emir
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in Vermelho - 16 DE JULHO DE 2009 - 17h49
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sábado, julho 04, 2009
Emir Sader: Aprofundamento ou restauração na América Latina?
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Por Emir Sader, no Blog do Emir
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O golpe, por sua vez, dado pela cúpula do Judiciário, das FFAA e do Congresso, expressa a inércia das forças conservadoras que sempre dirigiram a Honduras. Zelaya, filho desgarrado do Partido Liberal que, em rodízio com o Partido Conservador, dirigiram por décadas ao país, de forma praticamente harmônica.
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Como sinal dos tempos e da perda de influência norteamericana, especialmente durante o governo Bush, a onda de novos governos no continente chegou à América Central, através da Nicarágua, de Honduras e, mais recentemente, de El Salvador. A direita, comandada pela imprensa oligárquica – similar à que se estende a praticamente todo continente -, se precipitou e pode pagar um preço caro por isso.
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Zelaya termina seu mandato no fim do ano, já havia afirmado que a consulta informal, caso levasse à introdução da reeleição, não afetaria seu mandato, que terminaria em janeiro de 2010.
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Confirmando que se pode tudo com as baionetas, o golpe dificilmente viabilizará o governo que pretende se instalar. Resta saber se Zelaya retornará enfraquecido, cumprindo o final do mandato sem capacidade de iniciativas, abandonando o referendo. Ou se sentirá fortalecido, retomando a consulta e punindo pelo menos alguns dos golpistas.
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Caso ocorra esta segunda hipótese, o tiro terá saído pela culatra para a direita e Zelaya poderá dar continuidade ao processo de transformações recém iniciado em Honduras. Se a ofensiva fracassa, como havia acontecido com as aquelas contra Hugo Chavez, contra Lula, contra Evo Morales e contra os Kirchner, se consolida a idéia de que o contexto continental impede novos golpes militares, notícia importante para os governos progressistas e, na área, para o recém começado governo de Mauricio Funes em El Salvador, em particular.
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A derrota eleitoral do governo Kirchner se dá no marco da contraofensiva da direita, iniciada com a mobilização do campo contra a elevação de impostos, no cenário dos ganhos monstruosos que, especialmente a exportação de soja, permitiu nos últimos anos na Argentina.
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Aproveitando-se do erro do governo de taxar a grandes, médios e pequenos proprietários de maneira indiferenciada, favorecendo a unificação do campo sob a direção dos grandes exportadores sojeros, a direita conseguiu articular aliança desses setores com a classe média branca de Buenos Aires, colocando o governo na defensiva.
As eleições refletem essa mudança na relação de forças entre governo e oposição, com o governo perdendo maioria no Parlamento e condenando a Cristina Kirchner a difíceis 2 anos e meio, alem de alentar a direita para a possibilidade de conseguir derrubar o primeiro dos governos progressistas eleitos na região.
No Uruguai, o candidato que mais diretamente expressa a possibilidade de aprofundamento da superação do modelo herdado por Tabaré Vasquez, é seu ex-ministro da agricultura, Pepe Mujica, ex-dirigente tupamaro, que derrotou o candidato da preferência de Tabaré, o moderado Danilo Astori, ex-ministro da economia.
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Aqui, sendo favorito para ganhar as presidenciais, Mujica aponta para o aprofundamento das transformações começadas no Uruguai, enquanto na Argentina se aponta para o risco de uma restauração conservadora e em Honduras, depende do desenlace da crise. Trata-se dos mesmos dilemas do Brasil nas eleições presidenciais de 2010.
in Vermelho - 4 DE JULHO DE 2009 - 11h26
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segunda-feira, junho 29, 2009
Emir Sader: O eixo do caos

Por Emir Sader, no Blog do Emir*
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Agora, sem que se tenha fechado esse período, os ideólogos da doutrinas das “guerras preventivas” apontam para um novo eixo: o ''eixo do caos''. É o que anuncia Niall Ferguson, intelectual orgânico da estratégia norte-americana, na edição espanhola do Foreign Policy. Esse novo eixo contaria com “pelo menos nove membros e talvez mais”. Estariam unidos “pela perversidade de suas intenções assim como por sua instabilidade, que a crise financeira só faz piorar a cada dia”.
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Segundo Ferguson, a “turbulência brutal” que caracterizaria o mundo atual teria três causas primárias: a desintegração étnica, a volatilidade econômica e o declínio dos impérios. No Oriente Médio os três fatores estaria fortemente concentrados, justificando, segundo ele, sua situação explosiva.
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A revista seleciona três casos dessa lista “caótica”: Somália (“a anarquia interminável”), Rússia (“o novo estilo agressivo) e México (“as misérias causadas pela guerra do narcotráfico''). São três casos de uma lista de nove membros do suposto eixo do caos.
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Gaza, a partir da frustrada ofensiva militar de Israel, viu piorar suas condições econômicas e sociais, ao mesmo tempo que fortaleceu o Hamas e enfraqueceu as forças consideradas moderadas – como o Fatah e o Egito, ao mesmo tempo que favoreciam a eleição de um governo de direita radical em Israel, dificultando mais ainda qualquer nova iniciativa de paz na região.
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Claro que o Irã faz parte também desta lista, porque apoiaria às forças desestabilizadoras na região – Hezbolah no Libano, Hamas na Palestina -, possuindo armamento nuclear, enquanto sofre os efeitos da crise econômica internacional e da baixa do preço do petróleo.
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O Afeganistão, evidentemente, seria outro pivô do eixo do caos, agora fazendo um casal inseparável com Paquistão. Os governos dos dois países estariam “entre os mais fracos que existem”, envolvidos entre taliban e armamento nuclear.
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Outros membros do eixo seriam a Indonésia, a Turquia e a Tailândia, onde a crise exacerba os conflitos internos. Mas usar estes critérios permite estender a lista muito mais, então se fala da pirataria na Somália, na guerra na República Democrática do Congo, na violência em Darfur e em Zimbabwe. E se ameaça: “Não é arriscado dizer que a lista vai aumentar ainda este ano.” O diagnóstico remeteria a três fatores, que se articulariam entre si: “a volatilidade econômica, mais a desintegração étnica, mais um império em declive: a combinação mais letal que existe em geopolítica.” O que apontaria para o inicio de uma “era do caos”.
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Os casos escolhidos servem como exemplos. A Somália seria “o lugar mais perigoso do mundo”, um “Estado governado pela anarquia, um cemitério de fracassos em política exterior que só conheceu seis meses de paz nos últimos vinte anos”, onde “o caos interminável do país ameaça devorar toda uma região.”
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Na Rússia, “Putin baseou seu apoio popular em um Estado autoritário que fez crescer as rendas mais altas e devolveu à Rússia o orgulho de grande potência. Mas a crise está ameaçando tudo. E o que se avizinha pode ser pior.” Já o México estaria em um “estado de guerra”, em que os narcotraficantes “se converteram em uma autêntica insurgência. Só no ano passado a violência cobrou mais vidas do que estadunidenses mortos no Iraque. E o fim parece próximo.”
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Da mesma forma que ocorria quando se anunciou “o eixo do mal”, nenhum diagnóstico global para definir o que tem a ver a globalização, a dominação imperial estadunidense, os modelos econômicos neoliberais tem a ver com isso. Se naturaliza o caos. Ele não seria uma das conseqüências da “ordem global”, da “ordem imperial”, da “ordem estadunidense” no mundo.
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O terror se combatia com “guerras infinitas”. E esse suposto “caos”, quando os centros do sistema, eles mesmos, geram caos, insegurança, instabilidade, miséria, concentração ainda maior de pode e riqueza, industrias bélicas em crescente expansão? Somente outra ordem, outro mundo, pode diagnosticar e superar o caos – tanto nas periferias, quanto nos centros agonizantes do sistema financeiro global.
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* Fonte: Blog do Emir
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in Vermelho - 28 DE JUNHO DE 2009 - 23h30
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Ocupação, colonialismo e apartheid na Palestina
Uma coisa é ouvir falar, ler, falar de ocupação. Outra é ver o que significa. Ramallah, uma cidade pacífica, sem violência, sem problemas de segurança, onde se pode andar por qualquer bairro a qualquer hora do dia ou da noite, uma cidade sem população de rua, sem crianças abandonadas.
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Por Emir Sader, de Ramallah, Palestina
A ocupação israelense significa a brutalidade de cortar a cidade com muros, que separam palestinos de palestinos. Há uma grande avenida que o muro corta um lado do outro da rua. Os muros separam, segregam, colocam entre palestinos e palestinos os controles, comandados por soldados israelenses armados até os dentes, que exercem sistematicamente seu poder armado, com arbitrariedade e discriminação. Não na lógica nos muros, é um exercício conscientemente arbitrário, para demonstrar – como faz o torturador diante da sua vitima – que o ocupante pode fazer o que bem entender, sem qualquer lógica, só como exercício do poder armado de que dispõe.
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Muros para lacerar na carne o orgulho, a auto-estima, para tentar desmoralizar aos palestinos, levá-los ao dilema entre a passividade, a resignação, ou o desespero das ações armadas. Esta seria a atitude espontânea de qualquer ser humano, diante das humilhações a que são submetidos os palestinos, diante da demonstração brutal de força. Parece que os ocupantes querem provocar reações violentas, que justificariam novas ofensivas violentas.
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Os palestinos gastam várias horas por dia nas filas dos controles. Para ir de Ramallah a Jerusalém pode-se tomar 10 minutos ou três horas, na dependência do arbítrio das tropas de ocupação. Os palestinos tem que elaborar guias de sobrevivência para sobreviver com os 630 pontos de controle na Palestina atualmente.
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Trata-se de uma ocupação ilegal, injusta, de discriminação racial, do tipo do apartheid sul-africano. Os israelenses querem impedir aos palestinos de ter um Estado como foi reconhecido a Israel no fim da Segunda Guerra Mundial. Julgar-se um "povo escolhido" – também isto eles tem em comum com os norte-americanos. Como disse Edward Said, os palestinos são as "as vítimas das vítimas". Os israelenses se consideram vitimas, mas passaram a ser verdugos, colonialistas, imperialistas, racistas.
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Ver os muros, sua violência, sua brutalidade, a frieza da sua desumanidade, diante das casas humildes, das oliveiras – tantas casas e oliveiras destruídas para a construção dos muros – dos palestinos, permite sentir no mais profundo de cada um os dois mundos que se contrapõe aqui. A neutralidade, a passividade, se tornam impossíveis, cúmplices, diante de tanta injustiça e violência.
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Um Estado terrorista, um Exército do terror, tropas de ocupação coloniais, ações imperiais – essa a ocupação israelense do que deveria ser território palestino. Do que deverá ser território de uma Palestina livre, democrática e soberana.
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