A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sábado, janeiro 30, 2016

Manuel Loff - Profecias Políticas


OPINIÃO

Profecias políticas

tempo novo de que falava Nóvoa não acabou, claro. Mas vai ter em Marcelo um adversário de peso. 
… e o herdeiro está eleito! Não arrasou, longe disso, mas acrescentou 200 mil votos aos 2,2 milhões que a PAF e o resto da direita juntaram em outubro Cavaco foi eleito em 2006 com 360 mil votos mais, Sampaio (1996) e Soares (1986) com mais 700 mil. Marcelo fica para a história da democracia como o Presidente eleito pela primeira vez com menos votos. Persistente como ninguém, arguto como poucos, reunia algumas condições para poder ser imbatível: a campanha dos afetos, dos pastéis e das pastilhas, sossegou muitos dos que querem que o governo Costa tenha sucesso, o professor que desde 2000 se fez passar por apartidário. As que lhe faltassem, ofereceu-lhas a esquerda, e o PS em primeiro lugar.
Como profecia, prever a sua eleição era a menos difícil de acertar; sempre pensei que, com 10 candidatos, e a esquerda mais dispersa que nunca, era dificílimo derrotá-lo. Outra coisa seria, claro, se o candidato à direita fosse Rui Rio ou Santana Lopes! O que é revelador é como, a propósito das presidenciais, e coincidindo com a discussão do Orçamento, tão depressa se voltou ao clima político dos meses de preparação do(s) acordo(s) à esquerda. As mesmas vozes da desgraça que antes gritavam “the Reds are coming!”, são as que agora os veem moribundos e, por isso, raivosos: “declínio definitivo” do PCP e Bloco reforçado levará a “exigências inaceitáveis” e à rutura! Chama-se a isto wishful thinking: ler na realidade o que se quer que a realidade seja.
O anúncio da morte do PCP (como em 1987, 1989-91, 2002...) é o mesmo da morte do BE nos últimos quatro anos e a da “inconsistência” de Catarina Martins. Há aqui uma obsessão pela profecia, uma vontade de encontrar em cada momento vivido um “fim da história”, produzindo interpretações que morrem em cada novo dia, para serem logo substituídas por outras que terão mesmo destino...
Se se tem generalizado a tendência para personalizar todas as eleições em Portugal, há uma eleição em que as candidaturas são estritamente individuais: a do Presidente da República. Mais do que nos demais casos, nesta são sistematicamente desfavorecidas as candidaturas que, aos olhos dos eleitores, aparecem com menos chances de eleição. Se o mesmo pode acontecer nas legislativas (ainda que não se eleja nunca um Primeiro-Ministro), esta é a natureza própria da eleição uninominal: a apreciação do candidato depende da perceção da sua elegibilidade - a menos que ele consiga apresentar-se como um candidato anti-sistémico, de protesto, o que (quase nunca) é o caso dos candidatos partidários. Neste contexto, o PCP, o BE ou o CDS sabem que, se assumirem candidaturas de iniciativa exclusiva sua (Marisa Matias e de Edgar Silva nesta eleição, ou Louçã, Fernando Rosas, Jerónimo, Francisco Lopes, etc...), se arriscam mais fortemente do que em qualquer outra a que o voto útil dos eleitores da sua área se dirija ao candidato mais bem posicionado à esquerda ou à direita. É por isso que nas eleições presidenciais se tende – ou melhor, tendeu - à convergência da indicação de voto no mesmo candidato por parte de forças políticas por vezes muito díspares: Eanes teve o apoio do PS, PPD e CDS (1976), ou do PS e do PCP (1980); Sampaio de toda a esquerda (1996). É por isto que o CDS apresentou sozinho um candidato uma única vez (1991, Basílio Horta contra Soares apoiado pelo PSD), e que o PSD nunca o fez. Cavaco foi apoiado por toda a direita nas três presidenciais a que se apresentou – e em duas delas (1996, 2011), depois de Manuel Monteiro e Paulo Portas terem dito dele o que disseram... À direita, só nas duas primeiras eleições se apresentaram candidatos alternativos ao cavalo ganhador: Pinheiro de Azevedo (1976), Pires Veloso e Galvão de Melo (1980). Desde então, o que vigora é a unicidade - e engolem-se os elefantes que houver que engolir.
À esquerda do PS, e desde 2006 no próprio PS, pelo contrário, a norma é a dispersão de candidaturas, apresentados para marcar posição - e para condicionar uma eventual 2.ª volta que uma só vez (1986) ocorreu. Nas nove eleições presidenciais, o PCP apresentou sempre um candidato autónomo, mas apenas em seis (Pato, 1976; Carvalhas, 1991; Abreu, 2001; Jerónimo, 2006; Lopes, 2011; e agora Edgar Silva, 2016) as suas candidaturas foram até ao fim. Destes, apenas Carvalhas e Jerónimo tiveram melhores resultados que a CDU em legislativas; nos outros casos, a desmobilização dos eleitores típica das eleições presidenciais e o voto (considerado mais) útil (em Otelo, em 1976; em Sampaio, em 2001; em Nóvoa, há uma semana atrás) fez com que os candidatos comunistas perdessem 25%-50% dos votos obtidos em legislativas precedentes. O PCP defendeu sempre a máxima de dever manter uma voz autónoma em cada ato eleitoral – mas não teve problemas em convergir em candidaturas mais amplas: na da reeleição de Eanes (1980) contra o sonho da AD de “um Governo, uma maioria, um Presidente”; na de Zenha (1986), para impedir que o chefe do governo do Bloco Central (Soares) pudesse passar à 2ª volta; na de Sampaio (1996), para impedir a eleição de Cavaco logo depois de este ter deixado o Governo. Em suma, o PCP não precisou de ir sempre até às urnas para manter a autonomia da sua voz. O aparecimento do Bloco, em 1999, acabou por acrescentar um novo obstáculo a que à esquerda do PS se encontrassem candidaturas de convergência alternativas a um PS que, como se confirma, não apoia nunca candidatos que não sejam estritamente partidários (Eanes foi a exceção, explicável pelo contexto pós-revolucionário). Em 2001, 2006 e 2016, o PCP e BE competiram entre si – quase sempre (salvo Rosas, 2001, e Jerónimo, 2006) para ambos perderem votos. Em 2011, o BE convergiu com o PS para apoiar Alegre; o seu mau resultado não reverteu a favor do candidato comunista (Francisco Lopes), ainda que este tenha conservado mais eleitores da sua área que Alegre.
2016 podia ser a exceção: o PS não tinha candidato próprio, deixando que Nóvoa, com uma identidade cívica e política que parecia coerente com a convergência que se conseguiria à esquerda em torno de um programa mínimo de governo, fosse ocupando o espaço. O aparecimento de Maria de Belém, contra a “esquerda radical” que Nóvoa representaria, fez com que muitos pensassem que Marisa e Edgar poderiam desistir no último momento a favor de Nóvoa. Foi o que muitos eleitores da CDU pensaram, mas não os do BE. Pelo caminho, muitos se convenceram que Marcelo ganharia à primeira, pelo que seria inútil desistir a favor de alguém que não disputaria uma 2.ª volta. Pela sua parte, o PCP deixou que se queimasse um dos candidatos mais interessantes e originais que alguma vez apresentou. Cumpriu uma regra – mas perdeu, mais do que outros, esta batalha política. Mas nada disto é a sua morte nem o seu declínio.
tempo novo de que falava Nóvoa não acabou, claro. Mas vai ter em Marcelo um adversário de peso.
https://www.publico.pt/politica/noticia/profecias-politicas-1721846?page=-1

quinta-feira, janeiro 21, 2016

Alberto Oliveira Pinto - História de Angola - nota do autor - PRÉ-PUBLICAÇÃO

História de Angola - nota do autor - PRÉ-PUBLICAÇÃO

Há anos que se discutem projectos de elaboração colectiva de uma História de Angola, em vários volumes, com a colaboração dos múltiplos especialistas angolanos e estrangeiros que, ao longo de pelo menos quatro décadas, se têm dedicado a notáveis estudos de caso, e nas mais diversas vertentes – política, económica, social, cultural – da história angolana. Infelizmente, a concretização desses projectos, cada vez mais prementes, sobretudo depois de decorridos 40 anos sobre a Independência de Angola, tem-se revelado inviável, por razões que nos transcendem a nós, historiadores.
Mas desde a década de 1990 que me é feita uma pergunta incisiva, decerto  também  colocada  a  outros  colegas:  existe  alguma História de Angola condensada num só livro? Um livro que, podendo ser um manual, contenha algo mais do que o essencial sobre a memória do povo angolano? Um livro que, não só possa servir, tanto ao leitor comum quanto ao estudante – do ensino universitário, do secundário e mesmo do básico –, como ainda de instrumento de trabalho e consulta aos investigadores? Se outros Estados soberanos têm a sua história compendiada em livro – há “Histórias” de Portugal, de Espanha, de França, da Inglaterra, do Brasil, de Cabo Verde, de Moçambique, da Alemanha, dos Estados Unidos da América –, porque é que não existe uma Históriade Angola?
A pergunta era embaraçante, pois convidava-me a respostas, umas titubeantes e desalentadas, outras cruelmente ingratas. Titubeantes porque se iniciavam quase sempre com um “há, mas…” ou com um “só há…”. E desalentadas porque remetiam necessariamente, ou para obras incontestavelmente meritórias e incontornáveis, mas escritas antes da Independência e espelhando perspectivas colonialistas luso-cêntricas – como as de Ralph Delgado e as de Gastão Sousa Dias –, ou para o prestimoso, mas inevitavelmente incipiente, esboço nacionalista elaborado em Argel, em 1965, pelo Centro de Estudos Angolanos, constituído por Henrique Abranches, Adolfo Maria, Mário Afonso (Kasesa), João Vieira Lopes e Artur Pestana (Pepetela). Respostas ingratas eram as que me obrigavam a dizer a verdade acerca de obras – como uma de Douglas Wheler e de René Pélissier, publicada em Portugal em 2009 – que, por razões de mercado editorial e independentemente da qualidade intrínseca e dos desígnios dos autores, foram traduzidas para a língua portuguesa ostentando abusivamente, nas livrarias, o título História de Angola. Na realidade, não só os títulos originais eram outros, como se tratava de estudos de caso balizados no tempo, ainda que brilhantes.
Curiosamente, a pergunta não me era feita pelos meus colegas historiadores, cientes, como eu, das dificuldades inerentes a um projecto ambicioso dessa natureza e, ainda por cima, da responsabilidade de um só autor. Mas era-me colocada por pessoas das mais diversas proveniências: angolanos, portugueses, estrangeiros… Os chamados leitores comuns, os simples curiosos… Para além destes, outros me atiravam com a pergunta insistentemente. Destaco, em primeiro lugar, a juventude angolana. Por um lado, os jovens que, em Luanda, assistiram às minhas conferências na União dos Escritores Angolanos e na Associação Chá de Caxinde, nomeadamente quando, em 1998, o meu romance histórico Mazanga foi distinguido com o Prémio Literário Sagrada Esperança. Por outro lado, os meus  alunos universitários em Lisboa. Quando  introduzi, nas disciplinas História dos ImpériosMarítimos e Coloniais História Diplomática Portuguesa, capítulos sobre as embaixadas quinhentistas dos reinos do Kongo e do Ndongo a Portugal, foi impressionante verificar a avidez daqueles jovens, que vinham (e vêm) licenciar-se à ex-metrópole, em querer conhecer a História do seu país, que surpreendentemente não lhes era ensinada na escola secundária angolana. A maior parte deles – era inacreditável! – só conhecia Njinga Mbandi ou Mandume como nomes de ruas. Contudo, ansiavam por informação, pela recuperação merecida da remota memória histórica ignominiosamente silenciada! Em Angola reinava e reina, tal como no tempo colonial, o positivismo tecnocrático e quantitativo, pelo que só interessa falar em presente e em futuro. Porque estará Angola condenada à doença de Alzheimer?
Recordo também os meus colegas docentes e investigadores dos Estudos Africanos em Angola, no Brasil e em Portugal, os estudiosos da Sociologia, da Economia e da Literatura angolana, que tiveram a hombridade de me confessar as suas lacunas no conhecimento da História de Angola e de me relembrar a urgência da concepção desse livro inexistente. Alguns empurraram-me literalmente para o escrever. Destaco, no  caso  angolano,  a  minha  velha  amiga  e  irmã  –  e  eterna Professora! – Elizabeth Ceita Vera Cruz, no caso brasileiro as Professoras Doutoras Tania Celestino Macêdo e Rita Chaves, e no caso português/moçambicano a Professora Doutora Ana Mafalda Leite. Em 2006, a pedido de Tania Macêdo, Rita Chaves e Ana Mafalda Leite, vi-me numa situação singular para um académico: a de, durante semanas, desempenhar em salas de aulas o papel de “contador de histórias”, narrando século a século a História de Angola e dos seus povos aos estudantes de Literaturas Africanas. A experiência repetiu-se na Universidade de São Paulo (USP) e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL). Em finais de 2010, concluído o meu Doutoramento, estas amigas e irmãs, às quais se juntaram muitos outros amigos, de entre os quais destaco os meus filhos e os meus pais – sobretudo o meu pai! –, não hesitaram em dar-me o empurrão decisivo: “Escreve agora a História de Angola!”.
Eis  o  livro,  finalmente. Como  é  evidente, nem esgota a História de Angola, nem retira o lugar a outras experiências no género que é desejável sejam feitas no futuro. Trata-se, apenas, da primeira tentativa de um angolano, passados 40 anos sobre a Independência de Angola, narrar e explicar – pois desde Heródoto que a História é acima de tudo analítica e, pelo menos desde o Romantismo, tem uma função explicativa e não meramente narrativa dos factos –, de modo abrangente, com todas as inevitáveis subjectividades e imperfeições, o entrosamento das acções e dos interesses humanos que, ao longo dos séculos, foram construindo o seu país. Escolhi deliberadamente, como baliza cronológica final, o ano de 2002, que tem sido unanimemente convencionado como o do início da era da paz. Entendo extemporânea uma análise a quente, se me é permitida a expressão, das transformações sofridas em Angola nos 13 anos que entretanto decorreram, dos quais os quatro últimos dediquei a este trabalho. Mas, se a Providência me ajudar, admito a possibilidade de, em futuras reedições refundidas do livro, proceder a apreciações devidamente distanciadas e frias do que tem sido o percurso angolano neste primeiro quartel do século XXI.
Tratando-se de um livro que só poderia ser escrito por um académico e sendo susceptível de leitura e de consulta por outros académicos, não é, de modo algum, um livro académico. Destina-se a qualquer leitor. E o leitor tem, evidentemente, como em tempos o enunciou Daniel Pennac, o direito de saltar páginas e capítulos. Mas o autor, ao concebê-lo, teve que obedecer escrupulosamente a dois ditames essenciais a um historiador: a noção inexorável da limitação dos seus conhecimentos; e a fidelidade à cronologia. Assim sendo, só muito pontualmente me socorri dos meus trabalhos pregressos. Era inevitável a consulta de uma plêiade de autores que, muito antes de mim, se debruçaram sobre incontáveis momentos e temáticas da História de Angola. No entanto, num livro deste género, era-me impossível, por cada vez que os citasse, recorrer ao habitual expediente da nota de rodapé. Além de redobrar o número total de páginas, já por si assaz extenso, criaria, como soe dizer-se, obstruções à fluência da leitura. Mas tive a preocupação de fundamentar todas as minhas afirmações e de, frequentemente, mencionar os autores e as obras que me serviram de fonte, os quais o leitor encontrará devidamente inventariados na bibliografia apresentada a páginas finais. Quanto à cronologia, ela é indispensável ao historiador de todos os tempos, pois não é possível organizar a memória sem o recurso a marcadores. E, ao contrário do que alguns podem pensar, a história cronológica não invalida – antes lhe confere sentido – aquela que ilustres historiadores – com destaque para Elikia M´Bokolo – designam por “História em espiral”. A espiral é uma linha helicoidal que se desloca sobre uma semi-recta, a qual lhe serve de fio condutor. Qual é o fio condutor da História? A cronologia!
Falando em espiral da História – ou, segundo a metáfora também recorrente,  dos  rodízios  que  impulsionam  os  ponteiros  do  tempo como os do relógio –, não é demais salientar que a minha construção historiográfica de Angola assentou nas dimensões política, económica, social e cultural, com todas as limitações e subjectividades na sua interpretação, delineação e articulação fatalmente inerentes a um trabalho desta natureza. Aos interesses económicos e políticos dos homens associam-se os imaginários e as representações. Todos contribuem para a História de Angola, que não se iniciou, evidentemente, em 1975, com a Independência do Estado angolano. Muita gente, aliás, me tem deixado perplexo quando afirma que a História de Angola só tem 40 anos ou quando se admira ao saber que o meu quadro cronológico se inicia por volta dos anos de 7.000 a.C., como se em Angola – e na África Subsariana em geral, tal qual o entendia o discurso colonial – não pudesse ter existido uma “Pré-História”.
Na concepção da história desta realidade cultural, primeiro territorial, depois colonial e por fim nacional que é Angola, há que considerar, não apenas as fontes escritas – inclusive, evidentemente, as coloniais –, mas também as fontes orais e arqueológicas. Sobretudo no que diz respeito às informações sobre os Estados angolanos ditos “pré-coloniais”. Quanto a esse e outros pontos, este livro está longe de ser exaustivo. Um excelente exemplo diz respeito à história do povo Ovimbundu e da maioria dos povos angolanos a sul do Planalto Central antes do século XIX, para as quais há todo um caminho aberto à arqueologia e a outros historiadores, nomeadamente aos que se preocupam com a incontornável história regional. Que o meu trabalho contribua para os incentivar!
Outro caminho inteiramente em aberto é o da ortografia dos vocábulos de origem bantu, sobretudo topónimos, incorporados na língua portuguesa falada em Angola. O tema daria para um ensaio, mas no curto espaço de que disponho limito-me a adiantar que não acredito em nenhum projecto de unificação dessa ortografia, a qual deriva, pelo menos, de três fontes bem distintas: do próprio critério ortográfico do português de Portugal, com todas as variantes seculares; do dos missionários católicos de línguas latinas – portugueses, castelhanos e italianos – disseminados sobretudo pelo Vale do Kuanza desde o século XVII; por fim, do dos missionários reformistas (ou protestantes) de línguas germânicas – flamengos, britânicos e alemães –, preponderante do Planalto Central para sul a partir da segunda metade do século XIX. Presentemente, do meu ponto de vista, cabe aos poderes locais e não aos centrais a definição das fórmulas ortográficas, com toda a salvaguarda das diferenças regionais. Por exemplo, consoante as diferentes regiões, o adjectivo kuanhama ou kwanyama tanto pode ser grafado pela primeira fórmula, a latina, como pela segunda, a germânica. E porque não – tal como me acontece nos capítulos deste trabalho relativos às campanhas militares portuguesas no sul de Angola no dealbar do século XX – na formula vernacular portuguesa cuanhama? Aliás, em diversos momentos do meu trabalho, optei por manter a grafia portuguesa, não recorrendo ao kambaquista e conservando o c. Tal é o caso, por exemplo, de nomes de rios e de localidades que ainda hoje, na toponímia oficial angolana, mantêm o c, tais como AmbacaCacuacoCambambe,CuneneCaculuvarCacondou Catumbela.
Em várias passagens desta História de Angola pude advertir o leitor de que a minha opção se pautou, preferencialmente, pelo critério ortográfico latino, também designado por ambaquista. No entanto, no que diz respeito a topónimos, as conjunturas podem introduzir matizes. Por exemplo, o Kongo passa a Congo quando não é designado como Estado bantu independente e sim como realidade colonial ou pós-colonial. Ou quando é grafado com c nas fontes citadas. A capital do antigo Reino do Kongo,Mbanza Kongo, torna-se São Salvador do Congo em 1595, com a criação da diocese homónima. Será necessário sublinhar que os naturais do Reino do Kongo, os Congueses, diferem dos naturais das ex-colónias belga e francesa do Congo, os Congoleses? Também não se confunda o Ndongo, o Estado independente dos Ngola, com o Dongo, um Estado títere criado pelos Portugueses no século XVII. Aliás a elisão deliberada do consta dos próprios documentos portugueses coevos.
Sejam-me  permitidas  mais  duas  advertências. Uma  primeira ainda relacionada com a ortografia. Nos múltiplos mapas que o livro apresenta, destinados a contextualizar as matérias e cujas fontes são meticulosamente indicadas, o leitor deparará com as mais diversas fórmulas ortográficas para os topónimos angolanos. Que esta aparente incongruência  nos  incentive  a  um  debate  que  nunca  foi  feito  desde a Independência de Angola, sem que, insisto, nos deixemos levar por tentações espúrias como acordos ortográficos ou outras imposturas similares.
A segunda advertência também diz respeito à componente iconográfica deste livro. Deliberadamente, não figura nele qualquer retrato de nenhuma figura humana da história de Angola, nomeadamente de nenhum governador colonial nem de nenhum político nacional. O leitor encontrá-los-á noutras sedes. Abri, contudo, uma excepção para a rainha Njinga Mbandi, cujos retratos apresentados são imaginários.
Que este livro desperte ou acentue em quem o ler uma avidez de conhecimento da memória de Angola tão insaciável quanto a minha o tem sido e continuará a ser.

Alberto Oliveira Pinto
Lisboa, Agosto de 2015

quarta-feira, janeiro 20, 2016

Bruno Alves - “Tino”, o “povo” e a democracia portuguesa

Posted on Janeiro 20, 2016 by Bruno Alves



Para mal dos meus pecados, tenho estado, desde que Marcelo Rebelo de Sousa anunciou a sua candidatura à Presidência da República, a preparar um “ensaio” mais ou menos longo sobre a sua campanha e o que ela revela acerca da natureza da política moderna e do estado do país. Foi um grande erro que cometi. Devia ter escolhido, para tema da coisa, a campanha de Vitorino “Tino de Rans” Silva, pois a sua candidatura é de longe o fenómeno mais interessante e significativo desta eleição presidencial.

O debate de ontem na RTP, moderado por Carlos Daniel e Vitor Gonçalves, foi um bom exemplo. Como nenhum outro participante, “Tino” captou a atenção da audiência. Carlos Daniel perguntou-lhe sobre a sua ida a Bruxelas numa acção de campanha, e “Tino” começou a falar dos irmãos que tiveram de emigrar, e que por causa deles quis ir conhecer a realidade dos portugueses que vão trabalhar para outros países; pensava, disse ele, que iria encontrar “meia dúzia”, mas deparou-se com “ruas inteiras cheias de portugueses”, e queixou-se da impossibilidade de muitos dos portugueses habitantes na cidade belga mas recenseados em Portugal votarem nas eleições: “ligam para o Consulado”, presumivelmente para se informarem, “e o Consulado tem telefone e não tem ninguém a atender o telefone”; Carlos Daniel pergunta-lhe “e quem é que responsabiliza por isso?”, ao que “Tino” responde “oh pá, ponham um telefone mas ponham também uma pessoa a atender o telefone”, e a plateia se desmancha a rir e começa a bater palmas. O espectáculo continuou, com “o calceteiro mais famoso de Portugal” a dizer que havia “candidatos que jogam no pelado” (ele próprio, Jorge Sequeira, Cândido Ferreira, Henrique Neto, Paulo Morais) e “candidatos que jogam no relvado” (os outros), e que se “Messi é um grande jogador”, é porque “não dá chutos para longe, está sempre perto da bola”, e “quem está perto da bola está perto do golo” (não sei é uma citação do filósofo Jorge Perestrelo, mas se não é, parece), terminando depois dizendo que “eu também quero estar perto do golo, mas aí, passem-me a bola”, para novo grande gáudio de quem estava a assistir no estúdio.

O melhor, no entanto, estava ainda para vir. Vitor Gonçalves pedia a “Tino” para terminar. Este respondeu-lhe que ainda tinha tempo, e nem sequer ia precisar do “mesmo tempo de alguns aqui”, porque “não venho aqui para intrigalhadas”, e “há uma parte do debate que a mim não me interessa para nada, eu estou aqui e até estou a fazer bonequinhos”. Foi o delírio. Numa simples frase, “Tino” falou por – não duvido – uma parte significativa de quem se deu ao trabalho de assistir ao debate, e por todos aqueles que preferiram ocupar o seu tempo com outras distracções. Quando disse que, no dia anterior ao debate, tinha estado a dormir com um sem-abrigo, e que “os políticos seriam melhores políticos” se “fizessem o mesmo”, Tino apenas reforçou, na cabeça de quem estivesse a ver, a ideia de que só uma “pessoa simples” – alguém que não “um político” – faria e diria algo assim.

Numa campanha que tem sido pobre, e num debate que não destoou dessa pobreza, reacções simpáticas como as que “Tino” mereceu da plateia de ontem não são de espantar. E não foi a primeira vez que algo assim teve lugar. Há alguns dias, “Tino” foi ao Fórum TSF, e não faltaram telefonemas de gente a encorajá-lo, a louvá-lo pela sua iniciativa em candidatar-se, e até a prometer votar nele, por ser uma “pessoa comum” e “uma voz do povo” geralmente ausente das discussões políticas. Dias depois, esteve na TVI24, e o teor dos telefonemas foi semelhante. E por onde quer que faça uma “presença” (afinal, estamos a falar de um ex-concorrente do Big Brother) nesta campanha, “Tino” recebe uma quantidade de abraços e palavras de reconhecimento só superada pela que “o Professor Marcelo” consegue atrair, dando a entender que, à sua escala, “Tino” se prepara para ter um excelente resultado no próximo domingo.

Idealmente, a disputa política eleitoral deve ser uma competição entre diferentes forças partidárias ou candidatos para convencerem o maior número de eleitores da justeza das suas propostas: o que um político deve fazer é explicitar as suas convicções, e procurar mostrar a quem irá votar que elas são melhores para o país do que aquilo os seus adversários propõem. Infelizmente, não é isso que geralmente se passa. Infelizmente, a política transformou-se numa competição entre diferentes forças partidárias ou candidatos que tentam agradar mais ao maior número possível de eleitores, dizendo-lhes, não aquilo em que acreditam, mas o que julgam que esses eleitores querem ouvir. O resultado é aquele a que temos tido o azar de assistir: sentido a necessidade de nunca confrontar o eleitorado com propostas que o possam desagradar, os candidatos a cargos públicos escondem aos eleitores medidas impopulares que as circunstâncias (e a falta de vontade de realizar verdadeiras reformas) acabarão por tornar necessárias; quando a execução dessas medidas não pode mais ser adiada, os eleitores sentem-se enganados, e portanto menos dispostos a confiar nos políticos e nos “sacrifícios” que estes lhes exigem, o que por sua vez faz com que os políticos sintam uma ainda maior necessidade de esconder esses “sacrifícios” aos eleitores, num ciclo vicioso do qual parece ser impossível sair.

Esta transformação da política de uma competição de propostas numa competição de mentiras, e a percepção generalizada, por parte da população, de que “eles são todos iguais” e “não querem saber do povo para nada”, criou um terreno fértil para que esse “povo” tenha uma enorme simpatia por quem quer que apareça a “ser diferente”, e a dizer algo que que as pessoas sintam dizer respeito às suas vidas, e não apenas às “intrigalhadas” que enchem os telejornais e “o saco” do português comum. Já “Tino”, com as suas tiradas e até na demonstração da sua completa e visível inadequação ao palco político, representa mesmo a opinião de uma parte mais ou menos significativa dos portugueses; exprime efectivamente a mais ou menos mítica “voz” do “povo”, no seu melhor (quando, questionado por Vitor Gonçalves acerca de “qual é a qualidade que mais aprecia e a característica que mais deplora no ser humano?”, Tino diz que o que mais gosta é “ter saudades de casa” e que o ser humano devia “poder dar às asas para voar mas ter sempre alguém à espera”, e o que mais deplora é “fechar as portas a quem quer que seja”; ou quando, referindo-se ao facto de Cândido Ferreira ter dito que tratava “António Costa por tu”, se virou para Marisa Matias e disse “a partir de hoje trato a Marisa por tu”, é impossível não achar o homem adorável), e no seu pior (quando disse que os políticos deviam, “em vez de falarem de milhões”, falar “do zero”, “porque o zero é o ponto de partida e se soubermos onde estamos sabemos para onde podemos ir, e com isso a economia ia ganhar”, uma inanidade inqualificável que talvez passe por profundidade nos cafés de Rans mas que demonstra como o senhor tem pouca noção das coisas).

A simpatia que “Tino” tem conquistado é a maior condenação do estado a que o sistema político português chegou: é o reflexo de um número cada vez maior de portugueses confiar cada vez menos nas palavras de quem lhes pede um voto, ao ponto de se sentirem mais próximos de alguém que, mesmo não fazendo grande sentido, ao menos “genuíno”. Que ninguém duvide: cada voto que “Tino” tiver no próximo domingo, quer daqueles que votaram nele meio a gozar e por exasperação com as alternativas disponíveis, quer os que genuinamente se revêem na sua simplicidade e “sabedoria popular”, será um voto de desconfiança na democracia portuguesa e em quem a tem conduzido. Por “Tino” ser uma figura essencialmente benévola e por não ter grande capacidade para explorar demagogicamente o sentimento de repulsa para com os políticos, desta vez o estrago não será grande. Mas talvez um dia apareça alguém com maior talento demagógico para cavalgar na onda populista que torna possível o fenómeno “do Tino”, e aí a cantiga será outra.