A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht
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quinta-feira, setembro 23, 2010

Workers World: Crescem os lucros e as demissões nos EUA

Economia

Vermelho - 21 de Setembro de 2010 - 14h03
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"Às vezes há quem fale com franqueza: 'a única surpresa é que ninguém se surpreende pela falta de contratos de trabalho no setor privado. Só no mundo da propaganda da Câmara de Comércio é que as empresas existem para criar postos de trabalho. No mundo real, as empresas existem para criar lucros para os acionistas e não empregos. Por isso é que se chama capitalismo e não empregadorismo".


Por Fred Goldstein, no Workers World

Os lucros das empresas estão a crescer, o bojo corporativo acumula, o comércio incrementa-se. Mas os empregos não vão regressar tão cedo para milhões de desempregados.

Este é o tema recorrente dos noticiários capitalistas. Demonstra a grande ansiedade face à nova etapa da economia capitalista e a forma como "a recuperação sem empregos" se apresenta.

Enquanto 30 milhões de trabalhadores continuam desempregados ou sub-empregados, os lucros das empresas aumentaram a uma taxa anual de 1,2 bilhões de dólares – mais altas que no apogeu da bolha. Grande parte deste dinheiro provém do despedimento de trabalhadores e do aumento da produtividade dos que restaram.

"É o resultado", escreveu Steven Pearlstein, no Washington Post de 30 de julho, "de as empresas terem encontrado formas de produzir tanto como sempre, mas com menos trabalhadores". Em consequência disso, o ano passado a produtividade por hora aumentou mais de 6%, ainda que os lucros médios por hora tenham aumentado menos de 2 por cento. O resto do aumento da produtividade foi diretamente para as empresas, criando uma massa recorde de dinheiro para as empresas.

"Parte do dinheiro foi usado para pagar dívidas ou recuperar ações", continua o artigo, "mas até agora uma coisa que as empresas não fizeram foi recontratar os empregados a tempo inteiro, preferindo contratar trabalhadores temporários ou aumentar as horas de trabalham dos trabalhadores que já têm".

Depois, Pearlstein fez uma observação muito sincera à imprensa: "a única surpresa é que ninguém se surpreende pela falta de contratos de trabalho no setor privado. Só no mundo da propaganda da Câmara de Comércio é que as empresas existem para criar postos de trabalho. No mundo real, as empresas existem para criar lucros para os acionistas e não empregos. Por isso é que se chama capitalismo e não empregadorismo".

Quando um porta-voz empresarial como o Washington Post permite este comentário anticapitalista é sinal da profunda preocupação sobre a permanência deste sistema econômico.

Em 26 de julho, o The New York Times descreveu a mesma tendência num artigo intitulado "Empresas estadunidenses obtém enormes lucros com a diminuição dos empregos". O título diz tudo.

O Times optou por se centrar na Harley Davidson, cujas vendas caíram nos últimos três anos. Mas apesar dessa seca", observou o Times, "os lucros da Harley estão a aumentar". De fato, dispararam. Há semanas, a Harley anunciou lucros de US$ 71 milhões no segundo trimestre, mais do triplo do que ganhou há um ano.

"Esta aparente contradição – queda de vendas com aumento dos lucros – é uma das razões por que em Wall Street há muito mais alegria que nas casas dos trabalhadores, onde o pessimismo é profundo e o desemprego mostra pouco sinais para diminuir".

Um futuro de contração econômica e demissões

De fato, o Times informa que a Harley demitiu 2.000 trabalhadores – um quinto da sua força de trabalho – e prevê demitir mais 1.400 a 1.600 até ao final do próximo ano. A Harley advertiu os seus empregados sindicalizados na sua fábrica de Millwaukee que mudaria a produção para outro lugar dos EUA se não aceitassem regras mais flexíveis de trabalho e muitas outras medidas de "poupança".

"A evolução da Harley é parte de uma mudança a longo prazo na indústria manufatureira", disse Rod Lache, analista do Deutsche Bank num artigo do Times. "Estas empresas decifraram a chave de uma alteração industrial vitoriosa. Estão a diminuir o negócio até um tamanho que é defensável, e a renascer a partir dessa pequena base".

"Em maior escala", continua o artigo, o faturamento da Ford reduziu-se US$ 20 bilhões desde 2005. Mas este ano, em vez de perda, espera anunciar um lucro de US$ 5 bilhões, em grande parte devido ao fato de "a Ford ter reduzido a sua força de trabalho na América do Norte em quase 50%, só nos últimos cinco anos".

"Quando a Alcoa anunciou uma recuperação dos lucros em agosto e um aumento de 22% dos proventos", acrescenta o Times, o seu presidente financeiro, Charles D. Mclane, assegurou aos investidores que não estava ansioso por recuperar os 37.000 trabalhadores demitidos desde finais de 2008. "Estamos estritamente centralizados sobre os gastos à medida que aumenta a atividade do mercado, operando com maior eficácia e minimizando recontratações tanto quanto possível", disse. Não só estamos sustentando os níveis de trabalhadores, como também estamos a executar a reestruturação deste trimestre de forma a terem lugar novas reduções".

Um porta-voz da Alcoa disse que a empresa "teve que ser redimensionada para se adaptar às realidades da crise".

Indústrias inteiras estão a ter com menos vendas mais lucros que nunca. Menos vendas refletem menor produção. E esta é uma condição permanente que surge da atual crise econômica.

Novos pedidos de seguro por desemprego e a recuperação

Desde finais de 2007 que estes chefes demitiram mais de 8 milhões de trabalhadores, na pior crise desde a Grande Depressão. A este número somam-se os 7 milhões já desempregados antes de a crise rebentar. Mais alguns milhões passaram a trabalhar a tempo parcial, sofreram demissões temporários obrigatórios, ou foram obrigados a trabalhar com redução dos seus salários e sob duras condições e aceleração do ritmo de produção.

Estima-se que são necessários 150.000 novos postos de trabalho só para contratar os jovens que chegam anualmente ao mercado de trabalho. Agora, muitos destes jovens não conseguem entrar no mercado de trabalho e nem sequer aparecem nas estatísticas.

A maioria dos demissões é definitiva. Os empregos não regressarão, apesar de, oficialmente, já estarmos no quarto trimestre consecutivo da chamada "recuperação".

As novas solicitações de acionamento do seguro de desemprego mantêm-se á volta das 450.000 por mês durante os oito meses de "recuperação". O mais recente relatório das novas solicitações de seguro de desemprego diminuiu cerca de 4.500 em quatro semanas. Esta descida representa uma baixa de 1% em quatro semanas. Esta descida representa uma baixa de 1%, o que é estatística e socialmente irrelevante para o quase meio milhão de trabalhadores que o solicitaram.

Que tipo de "recuperação" é esta quando o desemprego oficial se mantém nos 9,5%? Não há qualquer mistério na crise de desemprego. Foram os capitalistas que a provocaram. E agora, esses milionários e multimilionários agarram-se aos seus lucros e às suas reservas de dinheiro em vez de aliviarem o sofrimento massivo que causaram.

Empresas não financeiras estão sentadas em cima de US$ 1,8 bilhões de dólares em reservas em efetivo, aproximadamente mais 25% do no início da recessão. No entanto, recusam recontratar trabalhadores a tempo integral em número significativo, apesar da desesperada crise de emprego. As pessoas estão a perder as suas casas, estão a viver nos carros, duas e três famílias por casa, perdem o seu seguro de saúde e a dignidade humana, enquanto os ricaços que manejam o sistema de lucros procuram formas de reduzir ainda mais a força de trabalho.

Uma abordagem marxista da crise

Nós, marxistas, temos tanto uma análise da crise como uma estratégia de luta.

Do ponto de vista analítico, é evidente que o próprio capitalismo está num beco sem saída. O sistema não pode reiniciar de novo e já chegou a um ponto de crise histórico. Toda a tecnologia, todo o aumento da velocidade de produção de bens, a grande subida da produtividade – um outro nome para o enorme aumento da taxa de exploração da classe trabalhadora – trouxeram consigo as contradições do capitalismo para um novo nível.

Os trabalhadores devem ter empregos para viverem sob o sistema capitalista. Para que tenham empregos, a produção deve expandir-se constantemente. Para que a produção se expanda, os mercados devem expandir-se, sem o que os capitalistas não podem obter lucros na venda dos seus produtos. Mas os patrões estão a aumentar os seus lucros cortando os salários, deitindo permanentemente trabalhadores e diminuindo os horários de trabalho e a correspondente remuneração. Ao fazê-lo estão a destruir o poder de compra, de consumo dos trabalhadores.

A atual crise com sua "recuperação sem empregos", mostra que o capitalismo para a classe trabalhadora só reservou miséria, particularmente para os afro-americanos, os latinos, os imigrantes sem documentos, os jovens, as mulheres e todos os trabalhadores oprimidos que sofrem uma taxa maior de desemprego e recebem salários mais baixos. Os capitalistas estão a instalar uma tecnologia que há já três décadas destroi empregos até chegar a um momento crucial: O sistema é já tão produtivo que tem de reduzir a produção para continuar rentável.

Este é o ciclo vicioso do capitalismo que se agravará continuamente enquanto o sistema persistir.

Exigir um novo programa de emprego

Enquanto esta é uma análise marxista da situação, a resposta marxista de luta é contra os patrões que estão em greve de criação de empregos. Os trabalhadores devem lutar da forma que puderem para conseguir empregos. Devem lutar pela recriação dos postos de trabalho. Os trabalhadores demitidos devem lutar para voltar aos seus postos de trabalho entretanto extintos. Não há outra forma dos trabalhadores viverem em capitalismo. – a redução do direito ao trabalho reduz o direito á vida.

Os patrões têm US$ 1,8 bilhões de dólares em efetivo que podem usar para recontratar os demitidos se a isso forem forçados por uma mobilização massiva da classe trabalhadora e das suas comunidades em todo o país.

Mas para além dessas batalhas diretas com o patronato, o governo capitalista deve ser forçado a "dar a cada trabalhador que o necessite um salário digno e com direitos sociais. Na Depressão dos anos 30, a pressão de manifestações massivas obrigou a administração Roosevelt a lançar o programa da Administração de Progresso de Trabalho (WPA). Esse programa criou emprego para 8 milhões de trabalhadores.

A questão do emprego está a converter-se numa questão política utilizada pela direita para atacar os trabalhadores sem documentos e a administração Obama. Esta campanha tem o propósito de dividir a classe trabalhadora e envenenar o ambiente com racismo para impedir que os trabalhadores se unam contra o seu verdadeiro inimigo: os patrões e os banqueiros que brutalmente os lançam nas fileiras do desemprego e os despojam das suas casas.

O ataque da direita não exclui a exigência de um programa de empregos para todos. Mas o movimento dos trabalhadores, o movimento sindical e todas as organizações de massas devem unir-se à volta de um programa prático que tire os trilhões de dólares dos cofres dos bancos e das corporações, as centenas de bilhões de dólares dados ao Pentágono, os trilhões em baixas de impostos para os ricos, e usar esse dinheiro para empregar todos os trabalhadores.

A administração Obama fez muitas concessões e resgatou bancos e corporações, mas não é a responsável pela crise econômica. O responsável pela crise é o próprio capitalismo e a classe capitalista que procura sempre e apenas os seus lucros.

Este pequeno grupo de multimilionários é o dono e é quem controla a economia e a enorme riqueza criada pela classe trabalhadora, São eles quem controla o sistema global de produção de lucros. Em última instância, a economia deve ser retirada das suas mãos e entregue aos trabalhadores para que a produção possa ser planejada para solucionar as necessidades da maioria, e não para os lucros de uns poucos.

*Fred Goldstein é membro do secretariado do Comitê Central do Partido Worker’s World. Texto publicado no jornal Workers World (www.workers.org). Tradução de José Paulo Gascão para O Diário.Info.
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terça-feira, agosto 10, 2010

Crise, luta e esperança - Miguel Urbano Rodrigues

Mundo

Vermelho - 9 de Agosto de 2010 - 10h49


A História ensina-nos e hoje a vida confirma-o uma vez mais: não há impérios eternos. No entanto, é inevitável que a actual crise civilizacional “conduzirá ao desmoronar do capitalismo ou a uma era de barbárie”. Generalizar a compreensão do presente momento histórico por um sempre crescente número de pessoas é uma tarefa imperativa que nenhum revolucionário pode recusar.

Por Miguel Urbano Rodrigues*, em O Diário.info

O fim da atual crise de civilização é imprevisível. Inevitável, conduzirá ao desmoronar do capitalismo ou a uma era de barbárie.

Prever datas para o desfecho seria, porém, um exercício de futurologia.
Mas uma certeza se esboça já no horizonte: a derrota espera o imperialismo nas guerras criminosas que os EUA desencadearam para manter e ampliar o sistema de dominação mundial do capital.

Os EUA estão atolados em guerras perdidas no Afeganistão e no Iraque e a sua aliança com o Estado neofascista de Israel é um fator de tensão permanente no Oriente Médio. As estratégias agressivas que desenvolvem na América Latina, na África e na Ásia Oriental são também incompatíveis com as aspirações dos povos ameaçados, contribuindo para o subir da maré antiamericana.

Nesta fase, iniciada com as agressões no Oriente Médio e Ásia Central, o imperialismo estadunidense encontrou situações históricas muito diferentes da que precedeu o seu envolvimento no Vietnã e a humilhante derrota que ali sofreu. Nos EUA somente uma minoria percebeu que a guerra estava perdida quando Giap desfechou a ofensiva do Tet. A resposta de Johnson e Kissinger, cedendo aos generais do Pentágono, foi a ampliação da escalada. A agressão alastrou para o Laos e Washington enviou mais tropas para a fornalha vietnamita, semeando a morte e a devastação no Sudeste Asiático.

Transcorreram anos até à retirada dos EUA. Os povos foram lentos a compreender que o desfecho da trágica agressão ao Vietnã era o prólogo de uma crise que significou a perda da hegemonia que Washington exercia sobre a economia do Ocidente desde o final da II Guerra. Nada foi igual desde então.
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Mas o establishment norte-americano não extraiu as lições implícitas no fracasso das guerras da Coreia e do Vietnã. A estratégia foi reformulada, mas a ambição imperial permaneceu, assumindo novas formas.

O cenário das agressões adquiriu proporções planetárias a partir do desaparecimento da União Soviética.

A primeira guerra do Golfo foi decidida no final da presidência de George Bush pai perante a passividade da URSS, prestes a desintegrar-se. Washington proclamou então que a humanidade havia entrado numa era de paz permanente, sob a égide dos EUA, garantes da Nova Ordem Mundial. Um obscuro epígono do capitalismo, Francis Fukuyama, saudou a morte do comunismo e anunciou o «Fim da História», apontando o neoliberalismo como a ideologia para a eternidade.
O desmentido aos profetas imperiais não tardou.

Quando as torres do Word Trade Center desabaram, o mundo entrou numa fase de turbulências anunciatórias de uma profunda crise de civilização. Após o 11 de Setembro de 2001, Bush filho, alegando necessidade de uma «cruzada contra o terrorismo», e afirmando que Deus estava com os EUA, invadiu o Afeganistão, semeando a morte a destruição naquele remoto país da Ásia Central.

Depois chegou a segunda guerra iraquiana, iniciada à revelia do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A terra milenária da Mesopotâmia foi ocupada, os seus museus saqueados, o seu petróleo e gás entregues às petrolíferas dos EUA, dezenas de milhares de iraquianos chacinados.

Autoproclamando-se nação predestinada, com vocação para redimir a humanidade dos seus pecados, os EUA, sob a batuta da extrema-direita republicana, passaram a atuar como um Estado terrorista, disseminando o terrorismo pelo planeta.

Essa trágica situação somente foi possível pela cumplicidade da União Europeia, do Japão e do Canadá, Estados ditos civilizados. Com o seu aval ao establishment bushiano abriram as portas à barbárie.

A eleição de um negro para a Presidência dos EUA gerou a ilusão de que o pesadelo iria findar. Mas Barack Obama, que chegou à Casa Branca com o apoio entusiástico do grande capital, mudou o discurso, mas manteve a politica imperialista. Pior, agravou-a.

O Pântano afegão

Admiradores do presidente norte-americano afirmam que ele é um humanista, vítima de uma engrenagem que o instrumentaliza. Mas a defesa que dele fazem não convence.

O Prêmio Nobel da Paz tomou decisões que contribuíram para aprofundar a crise mundial. No plano interno a sua política tem sido, no fundamental, de capitulação perante as exigências do grande capital. Significativamente, o seu secretário do Tesouro, Geithner, é um político que goza da confiança total de Wall Street. 

No terreno internacional, o Presidente aumentou muito o orçamento do Pentágono, pediu ao Congresso verbas colossais para as guerras asiáticas, enviou mais 30 mil militares para o Afeganistão, e faz da vitória nessa guerra uma prioridade da sua política exterior.

Entretanto, acumula derrotas no teatro afegão. A ofensiva no Helmand foi um fracasso; a de Kandahar foi sucessivamente adiada.

A divulgação dos documentos secretos oferecidos pela WikiLeaks ao NY Times, ao Guardian e ao Der Spiegel instalou o pânico na Casa Branca, e o inquérito do Pentágono sobre a fuga de informações classificadas abalou fortemente a confiança dos americanos no sistema de segurança do Departamento de Defesa.
Em declarações recentes, Julian Assange, o australiano que criou o WikiLeaks, revelou que crimes cometidos pelo exército dos EUA excedem em horror os massacres do Vietnã. A chamada Força Tarefa Conjunta 373 tem por missão abater secretamente chefes talibãs e elementos suspeitos de pertencer à Al Qaeda.

Grupos de matadores especiais intitulados Kia são responsáveis pelo assassínio de centenas de civis em ataques cujas vítimas são designadas nos relatórios como «mortos em ações».

O rol dos crimes das tropas de ocupação da Otan também ocuparia muitas páginas. A chacina de Kunduz, da responsabilidade do contingente alemão, abalou o governo da chanceler Merkel, mas foi apenas uma das muitas matanças de civis cometidas pelas tropas de ocupação.

Julian Assange cita como exemplo das atrocidades dos aliados o bombardeamento de uma aldeia por uma força polaca. Dezenas de pessoas ali reunidas para festejar um casamento morreram num ato de retaliação concebido com crueldade.

Rotineiramente, o alto comando norte-americano promove inquéritos nesses casos para «apurar responsabilidades». Mas ninguém é punido.
Hamid Karzai, o presidente fantoche, protesta e pede providências, mas a indignação é simulada.

Milhares de civis nas aldeias da fronteira paquistanesa foram mortos pelos bombardeamentos realizados pelos drones – os aviões sem piloto. O actual comandante Supremo, o general Petraeus, define essas «missões» assassinas como indispensáveis ao êxito da nova estratégia de luta «contra o terrorismo».

Farsa dramática

Hillary Clinton, o vice-presidente Joe Binden e James Baker, o secretário da Defesa, têm visitado frequentemente o Afeganistão.

A encenação pouco varia. Deslocam-se para levantar o moral das tropas, dizer lhes que estão a lutar pela pátria, pela liberdade e a democracia contra o terrorismo, que a luta exige grandes sacrifícios, mas que a vitória na guerra afegã é uma certeza.

Todos aproveitam para pedir ao presidente Karzai que «governe democraticamente», afaste colaboradores que não merecem a confiança dos EUA, e ponha termo à corrupção implantada no país.

Karzai faz promessas, reúne assembleias tribais que lhe aprovam a política e repete que é fundamental negociar com os «talibãs recuperáveis». É ele, chefe da máfia, o primeiro responsável pelo sumiço de bilhões de dólares doados em conferências internacionais para o desenvolvimento e reconstrução do país, destruído pela invasão americana. A realidade não alterou o método. Em Cabul, a última dessas conferências acaba de aprovar mais uns milhares de milhões para «ajudar» o Afeganistão.

Entretanto, a produção de ópio, insignificante à data da invasão, aumentou 90% na última década.

É do domínio público que familiares do presidente mantêm íntimas ligações com o negócio da droga.

Nas suas periódicas visitas ao Paquistão, Hillary Clinton admoesta o presidente Asif Zardari pela insuficiência do esforço de guerra nas áreas tribais do Waziristão na fronteira do Afeganistão. Joe Binden repete-lhe o discurso. Ambos insinuam cumplicidade do Exército com as chefias talibãs.

O primeiro-ministro britânico, Cameron, ao visitar o país foi tão longe nas suas críticas que o governo de Islamabad cancelou uma visita a Londres do chefe dos serviços de inteligência paquistaneses convidado pelo Intelligence Service.
Crônicas de correspondentes europeus em Cabul e declarações de soldados dos EUA regressados da guerra afegã esclarecem que a moral das tropas de combate caiu para um nível muito baixo.

A demissão do general Stanley McChrystal, que criticara numa entrevista o presidente Obama, contribuiu para acentuar o mal-estar no Alto Comando. O general tem um currículo de criminoso, mas as suas opiniões sobre a condução da guerra são partilhadas por muitos oficiais.

Assim vão as coisas na guerra podre do Afeganistão.

No Iraque, a «pacificação» é um mito como demonstra o aumento de mortos em atentados bombistas em Bagdá e na região Norte, controlada pelos curdos. O discurso de Obama aos veteranos deficientes, no dia 1º de Agosto, sobre a retirada das tropas foi um exercício de hipocrisia, semeado de mentiras e estatísticas falsas.

Na Palestina, Israel continua a bloquear Gaza, bombardeada com frequência, e amplia a construção de casas na Jerusalém árabe e em colonatos na Cisjordânia.
O Irã é atingido por novas sanções, aprovadas pelo Conselho de Segurança, e a CIA promove atentados terroristas no Kuzistão, fronteira do Iraque, e na província baluche, vizinha do Paquistão.

Na América Latina, Uribe, nas vésperas de ceder a presidência a Juan Manuel Santos, seu filhote político, criou uma crise com a Venezuela bolivariana ao forjar acusações sobre a presença das FARC em território daquele país. Os EUA, que vão instalar 7 novas bases militares na Colômbia, aprovaram imediatamente a provocação.

Neste contexto de escalada militar em múltiplas frentes, a crise interna prossegue. O magro crescimento do PIB esconde a realidade.

O número de casas vendidas é o mais baixo dos últimos anos. Milhares de empresas fecham todos os meses. Em cidades outrora famosas pela riqueza, como Detroit e Pittsburg, bairros inteiros estão hoje desabitados. O desemprego alastra. Nas universidades aumenta o ensino elitista. A tão elogiada reforma dos «cuidados de saúde» dificultou mais o acesso de milhões de imigrantes ilegais aos hospitais (v.Fred Goldstein, odiario.info, 22.04.2010).

A Finança, essa prospera. Os gestores dos grandes bancos continuam a receber reformas e prêmios fabulosos. Um desses gigantes, o Wells Fargo, acumulou lucros de bilhões de dólares com a lavagem do dinheiro da droga (v.Cadima, «Avante!», 29 .07.2010).

O controlo hegemônico do sistema midiático pelo grande capital impede, porém, a humanidade de tomar consciência da profundidade da crise. Nos EUA, pólo do sistema, o discurso do presidente transmite um panorama otimista da situação, anunciando melhores tempos e vitórias imaginárias.

Somente uma minoria de cidadãos, nos EUA, na Europa, e nos demais continentes estão em condições de decodificar o discurso da mentira irradiado pelo grande capital.

Para as forças progressistas ajudar os povos a compreender a complexidade e a extrema gravidade da crise do sistema é, por isso mesmo, uma tarefa revolucionária. Porque essa compreensão é fundamental para o incremento e dinamização da luta dos trabalhadores em cada país contra o projecto de dominação imposto pelo sistema que ameaça mergulhar a humanidade na barbárie.

*Jornalista e escritor
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domingo, julho 25, 2010

Qual o preço da Honra? - “Uma pipa de Massa”

José Paulo Gascão
23.Jul.10
Sede da PT em Lisboa“Mais do que um dever, vetar a venda Vivo foi uma bravata – temperada pela não percepção de que em capitalismo o poder político está subordinado ao poder económico – que levou Sócrates a enfrentar os interesses imediatos do grupo BES. Mas em capitalismo, como claramente sentenciou um ex-presidente do Bundesbank, «os políticos devem acatar as decisões dos mercados».”
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Quando, em Maio passado, a espanhola Telefónica fez a primeira oferta para a compra da participação da PT na Vivo, a maior empresa de telefones móveis do Brasil, poucos imaginariam o vendaval político que esta proposta provocaria na política portuguesa.
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Mostrando não ter ainda compreendido que o Estado surge numa determinada fase do desenvolvimento das sociedades como consequência da sua divisão em classes e que, embora seja apresentado por teóricos e políticos burgueses como acima da sociedade e das classes (o Estado somos todos nós, dizem enganosamente), esta super-estrutura é um instrumento de domínio da classe no poder, e os governos os executores da vontade dessa classe, Sócrates declarou que «as golden shares [acções privilegiadas] existem para ser utilizadas se for caso disso». Na véspera, Ricardo Salgado que se tem assumido como o porta-voz do grande capital mostrou claramente que se ia entrar numa fase de regateio e a sua vontade de vender, e enviou ao governo o recado pela imprensa: «Diz-se que tudo tem um preço, menos a honra».
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«Mudam-se os tempos,
mudam-se as vontades»
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Não foi esta a primeira vez que a Telefónica tentou comprar a posição da PT na Vivo. No início de 2007, quando já se gastavam rios de tinta com previsões da presente crise embora sem data marcada no calendário, foi outra a reacção do BES. Então, depois de reconhecer que «a actual parceria com a Telefónica é inviável», o banqueiro admitia «várias soluções, a começar pela compra da posição da Telefónica na empresa proprietária da Vivo».
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Vivia-se em plena euforia de uma especulação financeira garantida pelo financiamento da banca portuguesa internacionalmente. Por permitir uma mais fácil acumulação de capital, o imobiliário tornou-se o principal impulsionador da especulação financeira. A banca financiava o loteador, o construtor, e por último o comprador do andar. Na abertura de uma conta era preciso resistir para não ficar com um cartão de crédito. 
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Uma orgia financeira a que o rebentar da crise pôs abruptamente fim em 2008.
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É com este pano de fundo que desde Maio passado se estica o regateio com a Telefónica de 5.700 até 7.150 milhões de euros, cerca de 70% de todo o produto bancário nacional em 2009, «uma pipa de massa» que explica a mudança de opinião do BES e dos membros do «núcleo duro» que gravitam à sua volta, Ongoing e Visabeira. 
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Como o pagamento de dividendos seria dentro de dez meses e a compra de uma participação noutro eventual operador telefónico teria o seu tempo de maturação e negociação, no imediato e a curto prazo estariam ultrapassados algumas das dificuldades de financiamento da banca portuguesa, ao menos as de alguns bancos.
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A queda de Sócrates

Se antes das eleições já eram visíveis sinais de que Sócrates tinha perdido o apoio do grande capital, com a perda da maioria absoluta e a eleição do novo líder do PSD ficou claro que o grande capital considerava o turno do PS terminado e que passara os seus favores para o PSD e Passos Coelho, o bivitelino gémeo político de Sócrates.
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Mais do que um dever, vetar a venda Vivo foi uma bravata – temperada pela não percepção de que em capitalismo o poder político está subordinado ao poder económico – que levou Sócrates a enfrentar os interesses imediatos do grupo BES. Mas em capitalismo, como claramente sentenciou um ex-presidente do Bundesbank, «os políticos devem acatar as decisões dos mercados».
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Procurando confundir, Sócrates e Passos Coelho inventam inexistentes diferenças ideológicas. Passos Coelho procura capitalizar o real desejo de mudança existente no eleitorado português e esconder o que efectivamente quer; Sócrates tenta mostrar uma matriz ideológica que não tem e a que deitou a última pá de terra com a conclusão do processo de fusão ideológica do PS com a direita e a rendição incondicional neoliberalismo. Uma vergonha. 
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Em queda livre, Sócrates arrasta com ele o PS para uma derrota, apenas adiada pela crise e a necessidade de respeitar os apertados períodos que a próxima eleição para Presidente da República impõe. Isso mesmo foi compreendido dentro do PS, como bem o mostram as críticas cada vez menos veladas à sua acção e ao governo, e a multiplicação de disponíveis e pré-disponíveis à sua sucessão.
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O veto e a UE 
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A utilização de uma golden share provocou uma onda de protestos do grande capital europeu. A utilização de vetos por parte dos Estados, por vezes até sem golden share, é prática habitual na UE sempre que os governos entendem ser esse um seu dever de protecção de uma empresa por eles considerada estratégica. A Bélgica viu mesmo reconhecida uma sua empresa distribuidora de energia ser reconhecida pela Comissão Europeia como estratégica, a Espanha já protegeu assim a sua maior empresa de energia eléctrica, e a Alemanha impediu e impedirá que a maioria do capital alemão na Volkswagen passe para mãos estrangeiras.
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A questão é que a UE é um desenvolvido embrião de um super-Estado com todas as características e objectivos de um Estado, ao serviço da classe no poder, não lhe faltando sequer um elevado quadro de funcionários e agora até já um exército cedido pelos Estados membros. Por isso se assume como primeiro guardião dos interesses dos monopólios na Europa e em todos e cada um dos países, e da concentração e centralização do capital. 
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A entrada de Portugal da UE trouxe-nos a perda de grande parte da nossa produção agrícola, da nossa indústria e das nossas pescas. Chegou agora a vez das empresas tecnologicamente desenvolvidas?
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Com o desenvolvimento do capitalismo até à presente fase de senilidade começam a surgir, aqui e além, as primeiras vozes em defesa da saída dos seus países da União Europeia. Acautelando males maiores, o artigo 50º do Tratado de Lisboa prevê que o eventual desejo de um Estado soberano sair da UE tenha de ser aprovado pelo Conselho Europeu e pelo Parlamento Europeu…
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Lisboa, 20 de Julho de 2010.
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sábado, julho 10, 2010

A Terceira Depressão - Paul Krugman



02.Jul.10 :: Outros autores
PAUL 
KRUGMANSão cada vez mais, mais fortes e mais apreensivas as vozes dos epígonos do capitalismo que alertam para os perigos económicos e as graves consequências sociais das políticas impostas pelo grande capital na sua tentativa da recuperação capitalista da crise. Sabedores dos perigos sociais e políticos de uma recuperação à custa da classe trabalhadoras procuram a quadratura do círculo: uma inexistente posição intermédia entre a recuperação á custa da classe trabalhadora ou do grande capital monopolista.

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Receio que estejamos nos estágios iniciais de uma terceira depressão. E o custo para a economia mundial será imenso
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Recessões são comuns; depressões são raras. Pelo que sei, houve apenas duas eras qualificadas como «depressões» na ocasião: os anos de deflação e instabilidade que acompanharam o Pânico de 1873, e os anos de desemprego em massa, após a crise financeira de 1929-31.
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Nem a Longa Depressão do século XIX nem a Grande Depressão, no século XX, registaram declínio contínuo. Pelo contrário, ambas tiveram períodos de crescimento. Mas esses períodos de melhoria jamais foram suficientes para desfazer os danos provocados pela depressão inicial e foram seguidos de recaídas.
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Receio que estejamos nos estágios iniciais de uma terceira depressão. Que provavelmente vai se assemelhar mais à Longa Depressão do que a uma Grande Depressão mais severa. Mas o custo – para a economia mundial e, sobretudo, para as milhões de pessoas arruinadas pela falta de emprego – será imenso.
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E essa terceira depressão tem a ver, principalmente, com o fracasso político. Em todo o mundo – e, mais recentemente, no desanimador encontro do G-20 – os governos mostram-se obcecados com a inflação quando a ameaça é a deflação, e insistem na necessidade de apertar o cinto, quando o problema de fato são os gastos inadequados.
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Em 2008 e 2009, parecia que tínhamos aprendido com a história. Ao contrário dos seus predecessores, que elevavam as taxas de juro para enfrentar uma crise financeira, os atuais líderes do Federal Reserve e do Banco Central Europeu (BCE) cortaram os juros e partiram em apoio aos mercados de crédito. 
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Ao contrário dos governos do passado, que tentaram equilibrar os orçamentos para combater uma economia em declínio, os governos hoje deixam os déficits crescerem. E melhores políticas ajudaram o mundo a evitar o colapso total: podemos dizer que a recessão causada pela crise acabou no Verão (no Hemisfério Norte) passado.
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Mas os futuros historiadores vão nos dizer que esse não foi o fim da terceira depressão, da mesma maneira que a retoma econômica em 1933 não foi o fim da Grande Depressão. Afinal, o desemprego – especialmente a longo prazo – continua em níveis que seriam considerados catastróficos há alguns anos. E tanto os Estados Unidos como a Europa estão perto de cair na mesma armadilha deflacionária que atingiu o Japão. 
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Diante desse quadro, você poderia esperar que os legisladores entendessem que não fizeram o suficiente para promover a recuperação. Mas não. Nos últimos meses observamos o ressurgimento da ortodoxia do equilíbrio orçamentário e da moeda forte. 
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O ressurgimento dessas teses antiquadas é mais evidente na Europa. Mas, em termos práticos, os EUA não estão agindo muito melhor. O FED parece consciente dos riscos de deflação – mas o que propõe fazer é: nada. O governo Obama entende os perigos de uma austeridade fiscal prematura – mas, como republicanos e democratas conservadores não aprovam uma ajuda adicional aos governos estaduais, essa austeridade se impõe de qualquer maneira, com os cortes nos orçamentos estaduais e municipais.
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Por que essa virada da política? Os radicais com frequência referem-se às dificuldades da Grécia e outros países na periferia da Europa para justificar seus atos. E é verdade que os investidores atacaram os governos com déficits incontroláveis. Mas não há evidência de que uma austeridade a curto prazo, ante uma economia deprimida, vai tranquilizar os investidores. 
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Pelo contrário: a Grécia concordou com um plano de austeridade, mas viu seus riscos se ampliarem; a Irlanda estabeleceu cortes brutais dos gastos públicos e foi tratada pelos mercados como um país com risco maior que a Espanha, que até agora resiste em adotar medidas drásticas propugnadas pelos radicais.
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É como se os mercados entendessem o que os legisladores não compreendem: que, embora a responsabilidade fiscal a longo prazo seja importante, cortar gastos no meio de uma depressão vai aprofundar essa depressão e abrir caminho para a deflação, o que é contraproducente. 
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Portanto, não acho que as coisas tenham a ver de fato com a Grécia, ou com qualquer visão realista sobre o que priorizar: déficits ou empregos. Em vez disso, trata-se da vitória de teses conservadoras que não se baseiam numa análise racional e cujo principal dogma é que, nos tempos difíceis, é preciso impor sofrimento a outras pessoas para mostrar liderança.
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E quem pagará o preço pelo triunfo dessas teses? A resposta: dezenas de milhões de desempregados, muitos deles sujeitos a ficar sem emprego por anos e outros que nunca mais voltarão a trabalhar. 
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* Paul Krugman, economista galadoardo com o Prémio Nobel em 2008 é colaborador habitual do New York Times
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Este texto em português, traduzido do New York Times, foi publicado no diário brasileiro Estado de S. Paulo
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Tradução de Terezinha Martino
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http://www.odiario.info/?p=1656
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Economia

Vermelho - 10 de Julho de 2010 - 14h02

Paul Krugman: Austeridade contraproducente

O blog de economia do WSJ traz um artigo interessante mostrando como a restrição dos benefícios aos desempregados pode na verdade acabar aumentando o déficit no longo prazo, ao fazer com que trabalhadores perto da idade de aposentadoria se vejam obrigados a recorrer a programas de aposentadoria por invalidez. Mas a questão vai muito além disto.

Paul Krugman

Há uma argumentação bastante razoável segundo a qual medidas de austeridade no contexto de uma economia em depressão equivalem, literalmente, a uma falsa poupança – no longo prazo, os problemas orçamentários são agravados.

Pessoas como eu têm hesitado em expor tal argumentação em voz alta, por medo de sermos tachados de versão esquerdista de Arthur Laffer – mas que se dane a cautela, vou explicar do que se trata.

Funciona mais ou menos assim. Imaginemos um corte nos gastos equivalente a 1% do PIB. Isso tem a aparência de uma redução no orçamento, certo? Mas se o fizermos no caso de uma economia que se depara com o limite inferior zero, de modo que o Fed se veja impossibilitado de compensar os efeitos sobre a demanda com juros mais baixos, o resultado será um encolhimento da economia. Usemos um multiplicador de 1,4; os números podem ser ajustados a gosto.

Sabemos que uma economia mais fraca significa uma arrecadação menor. Suponhamos que cada dólar somado ou subtraído ao PIB represente US$ 0,25 em arrecadação, uma estimativa conservadora. Então a austeridade fiscal reduz a arrecadação em 0,35% do PIB; a proporção realmente poupada é de apenas 0,65%.

O governo precisa captar estes fundos por meio de empréstimos; digamos que os juros reais sejam de 3% (no momento eles são muito mais baixos do que isto.) No longo prazo, o impacto da austeridade sobre a posição fiscal será uma redução de 0,0195% do PIB no pagamento dos juros reais.

Espere: e se houver efeitos negativos de longo prazo decorrentes de um declínio mais profundo na economia? O artigo do WSJ mostrou um exemplo: trabalhadores excluídos permanentemente da força de trabalho. Há também o efeito negativo de uma economia em depressão que incide sobre o investimento privado. Temos os talentos desperdiçados porque os jovens têm suas carreiras prejudicadas pelo resto da vida. E assim por diante. E aí é que está o problema: se a economia se mostrar mais fraca no longo prazo, isso significa uma arrecadação menor, o que anula a quantia poupada pela austeridade inicial.

Qual deve ser a dimensão destes efeitos negativos para que a austeridade seja transformada numa perda líquida para o equilíbrio orçamentário? Não precisa ser grande demais. No meu exemplo, a quantia poupada no pagamento de juros reais proporcionada por medidas de austeridade equivalentes a 1% do PIB é inferior a 0,2% do PIB; se a proporção do PIB convertida em arrecadação for de 25%, isto significa que uma redução adicional no PIB da ordem de 0,8% seria suficiente para anular os supostos benefícios fiscais. Não é nada difícil imaginar a ocorrência de algo do tipo.

Em resumo, é fácil perceber que implementar medidas de austeridade agora é uma má ideia, não apenas por causa do seu impacto sobre a economia e os desempregados; pode ser que isso fracasse até na tentativa de ajudar a equilibrar o orçamento.

É importante perceber que não estou dizendo que os gastos governamentais sempre valem a pena, e nem que poupar dinheiro seja necessariamente contraproducente. Os efeitos que analisamos condizem com uma situação de armadilha de liquidez. Mas é esta a situação em que nos encontramos.
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A Terra e a Gula - Correia da Fonseca

Correia da Fonseca*
03.Jul.10 :: Editores
“…A sobreexploração sem limites e anárquica, verdadeiro motor do capitalismo ultraliberal que domina o mundo, contém em si própria sementes de uma dinâmica de carácter verdadeiramente apocalíptico. É certo que o planeta já provou que suporta e perdoa muita coisa, mas é de uma leviandade criminosa e suicida presumir que perdoa tudo”.
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Uma reportagem do National Geographic Magazine, canal distribuído por cabo, traz-nos notícias da Amazónia. Más notícias, como bem se poderia esperar, mas não pelo motivo habitual que é a desflorestação imposta pelo comércio de madeiras: desta vez trata-se da plantação hiperintensiva de soja, propiciadora de fartos lucros mas devastadora dos solos e com consequências verdadeiramente assassinas para as populações. 
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Expondo as razões concretas de uma espécie de anunciado apocalipse local, a reportagem de origem obviamente insuspeita explica-nos que a fúria inescrupulosa dos plantadores de soja vai provocar o que pode ser designado por morte ecológica do rio, e que daí até à destruição de uma enorme e fundamental parcela da própria Amazónia não vai nenhuma distância significativa. Acrescenta que os poderes públicos não parecem interessados nas medidas inevitavelmente drásticas que poderiam suster a catástrofe, ou talvez que não têm efectiva vocação para tanto, decerto porque, ali como em muitos outros lugares, entre o poder político e a ganância comercial não há efectiva fronteira mas, pelo contrário, coincidência e sobreposição. 
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Quanto aos autóctones que tentam resistir ao desastre, não faltam os que são abatidos sem que os matadores sejam punidos ou sequer formalmente identificados, o que também não surpreende: é sabido que no Brasil é uma sinistra tradição o assassínio dos que defendem a terra contra as pilhagens. 
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A reportagem é, naturalmente, consternante: vagas notícias haviam dito que a destruição da Amazónia tinha sido travada ou pelo menos reduzida, que alguma pressão internacional em defesa do «pulmão do mundo» conseguira consequências positivas, e até se admitira que talvez seja assim no que se refere ao comércio madeireiro. 
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A verdade é que o telespectador vulgar não sabe dessas coisas, do Brasil sabe o que lhe contam as telenovelas, sabe do futebol e do samba, por aí se fica aliás presumivelmente satisfeito. Vem agora esta informação acerca da destruição provocada pelas plantações de soja e para quem tenha calhado vê-la terá sido um desapontamento. Mas não uma surpresa. 
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A verdade é que até os mais distraídos, até muitos dos rendidos aos benefícios de um progresso material que quase todos os meses nos oferece telemóveis mais sofisticados, o que é fascinante, sabem que a gloriosa e libérrima iniciativa privada tem os seus inconvenientes. Talvez porque já ouviram falar do risco de esgotamento ou perversão de alguns bens de utilização colectiva e global (água, ar, matérias-primas), do saque de algumas regiões. 
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O derrame de crude que prossegue algures no Atlântico ao largo da costa norte-americana terá sacudido um poucochinho a apatia generalizada. Mas é de crer que a maioria dos inquietados tenda a encolher os ombros e a esquecer, porque «não há-de ser nada». 
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O terrível, porém, é que ao invés de «não ser nada» pode ser tudo. A questão é que a sobreexploração sem limites e anárquica, verdadeiro motor do capitalismo ultraliberal que domina o mundo, contém em si própria sementes de uma dinâmica de carácter verdadeiramente apocalíptico. É certo que o planeta já provou que suporta e perdoa muita coisa, mas é de uma leviandade criminosa e suicida presumir que perdoa tudo. Pelo que, naturalmente, é preciso e urgente travar a cavalgada para a autodestruição e, para tanto, ter o lúcido conhecimento do contexto em que ela mergulha as suas raízes. São raízes poderosas, mas a opção é simples: ou a gula insaciável do empresariado transnacional ou a viabilização do futuro. A reportagem do Nacional Geographic Magazine veio, à sua discreta escala, lembrar que é preciso escolher.

* Correia da Fonseca é amigo e colaborador de odiario.info.

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http://www.odiario.info/?p=1657.
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Nuvens Negras Sobre o Irão - Noam Chomsky

Noam Chomsky*
06.Jul.10 :: Outros autores
Noam 
ChomskyQue o Irão não tem uma política agressiva nem pretende avançar para a bomba nuclear reconhece-o o Pentágono num relatório ao Congresso dos EUA de Abril passado: “A doutrina militar do Irão é estritamente «defensiva (…) concebida para atrasar uma invasão e forçar uma solução diplomática das hostilidades». O relatório diz ainda que «o programa nuclear do Irão e a sua vontade de manter aberta a possibilidade de desenvolver [sublinhado de odiario.info] armas nucleares (são) uma parte central da sua estratégia de dissuasão»”. No entanto isso não impede os EUA de ameaçarem o Irão com uma invasão devastadora, com recurso a armamento nuclear.
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A grave ameaça do Irão é a mais séria crise da política externa que enfrenta a Administração Obama. O Congresso acaba de endurecer as sanções contra aquele país, com penas mais pesadas às companhias estrangeiras que ali negoceiem. A Administração expandiu a capacidade ofensiva dos EUA na ilha africana Diego Garcia, reclamada pelo Reino Unido, que expulsou a população a fim de que os EUA pudessem construir uma grande base para atacar o Médio Oriente e a Ásia Central.
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A Marinha estaduniense informou que tinha enviado para a ilha equipamento para apoiar os submarinos dotados de mísseis Tomahawk, com capacidade para transportar ogivas nucleares. De acordo com o relatório de carga da Marinha, apanhado pelo Sunday Herald, de Glasgow, o equipamento militar inclui 387 destruidores de bunkers para fazerem explodir estruturas subterrâneas reforçadas. «Estão a activar a engrenagem para destruir o Irão», disse a esse jornal o director do Centro de Estudos Internacionais e Diplomáticos da Universidade de Londres, Dan Plesch. «Os bombardeiros e os mísseis de longo alcance dos EUA estão preparados para destruir 10.000 objectivos no Irão em poucas horas». A imprensa árabe informa que uma frota estadunidense (com um navio israelense) passou recentemente o canal do Suez a caminho do Golfo Pérsico, com a missão de fazer «aplicar as sanções contra o Irão e supervisionar os barcos que entram e saem desse país». Alguns meios de comunicação britânicos e israelenses informam que a Arábia Saudita está a providenciar um corredor aéreo para um eventual bombardeamento israelense ao Irão (o que os sauditas negam).
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No seu regresso de uma visita ao Afeganistão para tranquilizar os seus aliados da NATO depois da demissão do general Stanley McChrystal, o almirante Michael Mullen, responsável máximo da Junta de chefes de Estado-Maior, visitou Israel para se encontrar com o chefe de Estado-maior das Forças de Defesa israelenses, gabi Ashkenazi, e continuar um diálogo estratégico anual. A reunião ceentrou-se na «preparação de Israel e dos Estados Unidos perante a possibilidade de um Irão com capacidade nuclear», de acordo com o Haaretz, que, além disso, informou que Mullen tinha enfatizado: «Procuro sempre ver os desafios numa perspectiva israelense».
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Alguns analistas descrevem a ameaça iraniana em termos apocalípticos. «Os EUA deverão enfrentar o Irão ou entregar o Médio oriente» adverte Amitai Etzioni. Se o programa nuclear se concretiza, disse, a Turquia, a Arábia Saudita e outros Estados «mover-se-ão» em direcção á nova «superpotência» iraniana. Numa retórica menos acalorada, isso significa que poderia dar forma a uma aliança regional independente dos EUA. 
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No jornal do Exército estadunidense Military Review, Etzioni pressiona os EUA para um ataque não só contra as instalações nucleares do Irão, mas também contra os seus activos militares não nucleares, incluindo infra-estruturas – isto é, sociedade civil. «Este tipo de acção militar é semelhante às sanções: provocar danos com o objectivo de mudar posturas, ainda que por meios mais poderosos», escreve.
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Uma análise autorizada sobre a ameaça iraniana é dada pelo relatório do departamento de Defesa dos EUA apresentado ao Congresso em Abril passado. Os gastos militares do Irão são «relativamente baixos em comparação com o resto da região» sustenta o documento. A doutrina militar do Irão é estritamente «defensiva (…) concebida para atrasar uma invasão e forçar uma solução diplomática das hostilidades». O relatória diz ainda que «o programa nuclear do Irão e a sua vontade de manter aberta a possibilidade de desenvolver armas nucleares (são) uma parte central da sua estratégia de dissuasão».
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Para Washington, a capacidade dissuasória do Irão é um exercício ilegítimo de soberania que interfere nos desígnios globais dos EUA. Concretamente, se ameaça o controlo estadunidense dos recursos energéticos do Médio Oriente. Mas a ameaça do Irão vai mais além da dissuasão. Teerão também está a procurar expandir a sua influência na região, o que é visto como um factor de «desestabilização», presumivelmente em contraste com a «estabilizadora» invasão e ocupação militar estadunidense dos vizinhos do Irão. Para além desses crimes – prossegue o relatório do Pentágono –, o Irão está a apoiar o terrorismo com o seu apoio ao Hezbollah e ao Hamas, as maiores forças políticas do Líbano e da Palestina (se é que as eleições contam).
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O modelo de democracia no mundo muçulmano, apesar dos seus sérios defeitos, é a Turquia, que tem eleições relativamente livres. A Administração Obama indignou-se quando a Turquia se aliou ao Brasil na procura de um compromisso com o Irão para que restringisse o seu enriquecimento de urânio. Os EUA minaram rapidamente o acordo promovendo uma resolução do Conselho de Segurança da ONU com novas sanções contra o Irão, tão carentes de sentido que a China logo as apoiou alegremente, assumindo que, quando muito, impediriam os interesses ocidentais de concorrer com a China nos recursos do Irão. E sem qualquer surpresa, a Turquia (tal como o Brasil) votou contra a iniciativa dos EUA. O outro membro do Conselho de Segurança da região, o Líbano, absteve-se.
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Estas actuações provocaram ainda maior consternação em Washington. Philip Gordon, o diplomata mais prestigiado da Administração Obama em assuntos europeus, advertiu a Turquia que as suas acções não são compreendidas nos EUA e que deveria «demonstrar o seu compromisso de parceiro do Ocidente», segundo informou a Associated Press. Uma admoestação rara a um aliado crucial da NATO. A classe política também assim pensa. Steven A. Cook, um perito do Conselho de Relações Exteriores, defende que a pergunta crítica é: «Como manter os turcos dentro dos carris?» - ou seja, como bons democratas obedecerem às ordens.
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Não há indícios de que outros países da região sejam mais favoráveis às sanções promovidas pelos EUA que às posições da Turquia. O Paquistão e o Irão, reunidos em Ancara, assinaram recentemente um acordo para um novo gasoduto. O mais preocupante para os EUA é que o gasoduto possa estender-se à Índia. O tratado de 2008 entre os EUA e a Índia, apoiando os seus programas nucleares, pretende evitar que este país se una ao gasoduto, de acordo com Moeed Yusuf, um assessor em assuntos subasiáticos do Instituto da Paz dos EUA.
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A Índia e o Paquistão são dois dos três países que recusaram assinar o Tratado de Não Proliferação (TNP). Israel é o terceiro. Todos eles desenvolveram armamentos nucleares com o apoio dos EUA, e continuam a fazê-lo.
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Ninguém de bom senso quer que o Irão, ou qualquer outro país, desenvolva armas nucleares. Uma maneira óbvia de mitigar ou eliminar esta ameaça consiste no estabelecimento de uma zona livre de armas nucleares no Médio oriente. Este tema foi levantado (uma vez mais) na conferência do TNP nas Nações Unidas em começos de Março passado. O Egipto, como presidente do Movimento dos Não Alinhados – constituído por 118 países – propôs que a conferência apoiasse um plano de início das negociações em 2011 propôs um Médio Oriente livre de armas nucleares, como foi acordado pelos países ocidentais, incluídos os EUA, na conferência do TNP de 1995. Formalmente, Washington ainda está de acordo, mas insiste que Israel fique isento – e não há qualquer elemento que permita dizer que as deliberações do pacto se apliquem aos EUA.
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Em vez de dar passos efectivos para a redução da escaldante ameaça de proliferação de armas nucleares no Irão ou em qualquer outra parte, os EUA movimentam-se no sentido do seu controlo das vitais regiões produtoras de petróleo do Médio Oriente, de forma violenta, se não puder ser de outra maneira.
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* Noam Chomsky é professor de linguística do MIT (Massachusetts Institute of Technology). 
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Este texto foi publicado no diário espanhol Público e pode ser consultado em http://blogs.publico.es/noam-chomsky/10/nubes-de-tormenta-sobre-iran/
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Tradução de José Paulo Gascão
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http://www.odiario.info/?p=1661
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