A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht
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segunda-feira, agosto 22, 2011

Prostituição: Direitos das Mulheres ou Direitos SOBRE as Mulheres? por Elaine Audet


Um blog sobre feminismo.



por Elaine Audet

Stella, um grupo de Montreal criado em 1995 que advoga para o direito das prostitutas, tem demandado que a prostituição seja completamente descriminalizada e que haja um reconhecimento das ‘trabalhadoras sexuais’. Essa posição não é aceita com unanimidade. De fato, para maior parte das feministas, prostituição é vista como uma conseqüência da exploração sexual de mulheres, sendo necessário que prostituição seja abolida e haja criminalização dos clientes e cafetões.
Neste necessariamente breve artigo, eu vou focar na prostituição de mulheres adultas, tocando apenas incidentemente a prostituição de homens e crianças e o tráfico internacional de mulheres.
Desde os 70,têm havido uma tendência em torno do reconhecimento do conceito de ‘trabalhadoras sexuais’ no Quebec, Europa e Estados Unidos. Vendo prostitutas como ‘trabalhadoras sexuais’ sugere que elas são meramente trabalhadoras providenciando um serviço ‘social’ e deveria ser dado, então, os mesmos direitos que outros trabalhadores explorados que são esmagados pelas forças da globalização, e tornados em objetos marketizáveis.
No Quebec, membros de Stella têm falado alto em favor da liberação da prostituição. Eles rejeitam a idéia de que prostitutas deveriam ser treinadas como vítimas e dizem que maior parte das prostitutas tiveram livremente escolhido esse papel, encontrando em seu trabalho uma fonte de empoderamento. Sem dúvida, prostitutas têm uma grande coragem. Testemunhas dessas mulheres, como aquelas nas memórias de prostituição de Jeanne Cordelier, iluminam isso: ‘Quando a porta do quarto bate, não há escapatória…Sem saída, sem saída de emergência.(1)’ Mas a despeito dessa coragem, e os clamores de Stella, não há espaço para ceticismo, especialmente quando o relatório de um estudo internacional mostra que 92% das prostitutas deixariam a prostituição se pudessesm(2).
Um deslize gradual em torno da desumanização
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Em debates sobre prostituição, todas palavras são escolhidas, em particular os conceitos de direitos, escolha livre, trabalhadoras sexuais. Considerando o último citado, por exemplo, a ex-prostituta francesa, Agnes Laury, acredita que vendo essas mulheres como ‘mercadorias vendidas por homens a homens’ (3) estaria mais perto da realidade.
Nós vivemos numa sociedade consumista/de consumo onde a prioridade vai para o individualismo e para o consumo irrestrito de pessoas e coisas, e baseado no consumo um dos outros. Em tal contexto, ver prostitutas como trabalhadoras serve para encobrir a oposição feminista ao marketing de mulheres numa escala global. Isso permite os cafetões afirmarem que mulheres fazem isso por ‘escolha’, e mesmo por ‘gosto’, então escondendo o que todos estudos demonstram: que mulheres prostituem a si mesmas por necessidade.
Cultura Patriarcal reside no princípio de que o dever único, e fonte de poder, de mulheres é satisfazendo homens sexualmente em casamento e por prostituição. A existência de prostituição, e ver isso como ‘trabalho sexual’ esconde a extensão desta como escravidão sexual e reinforça a noção de que mulheres são meros objetos inter-cambiáveis que devem ser acessíveis e preparadas para todos homens a toda hora e todo lugar.
Os interesses em aposta.
Quando nós consideramos quem iria enlucrar da liberação da prostituição, se torna claro que NÃO seriam as prostitutas ou mulheres em geral. Ao invés disso, os beneficiários serão os cafetões, os traficantes, o crime organizado, clientes, e todos estes que vêem a sexualidade como nada além dum ato mecânico, deprivado de reciprocidade ou qualquer responsabilidade. Liberação não apenas beneficiará estes, qualquer que seja seu estatus social, que quiser ser apto a tomar poder sobre uma mulher.
É claro, é impossível falar sobre prostitutas como um todo; suas situações divergem consideravelmente de acordo com se elas são chamadas garotas, acompanhantes, dançarinas nuas, strippers, seja se trabalham nas ruas ou em salões de massagem; seja se são autônomas, ou precisam dar maior parte do dinheiro que ganham a um cafetão.
Garotas são frequentemente recrutadas para prostituição em torno dos 13 anos quando muitas foram feitas vulneráveis por violência, pobreza, desemprego, e drogas nos ambientes em que vivem. A maioria experimentou desnudamento forçado por cafetões e membros de gangues de rua que procuram despersonalizar uma mulher até que ela perca a habilidade de agir por sua própria iniciativa ou mesmo pensar por si mesma.
Muitas meninas tiveram passado tempo em abrigos, casas de reforma ou prisões, mais da metade têm adicção por drogas. Vivendo e experimentando tais circunstâncias, como pode alguém falar sobre a escolha livre de uma menina/mulher de ser prostituta?
Numa escala internacional, os rendimentos em prostituição estão em torno de $72 bilhões por ano, agora mais lucrativos do que tráfico de armas e drogas. Isso traduz-se em milhões de dólares no Canadá, onde um cafetão coleta em média $144,000 por ano de cada uma das prostitutas (4). Em torno de 5,000 a 10,000 pessoas em Montreal fazem sua vida no negócio da prostituição, muitas outras têm interesse na expansão de tal mercado lucrativo. E dadas as conexões, esses potenciais enlucradores da prostituição têm os recursos financeiros e midiáticos para desviar críticas legítimas da prostituição e para exagerar a importância da divisão dentro do movimento feminista por adotar a posição de uma minoria da ‘livre escolha’ que pretende falar por todas as prostitutas. Ao fazer isso, eles mais suportar a liberação para que retenham seu mesmo controle.
O corpo mercantilizado
O presente movimento de liberação da prostituição está enraizado no movimento geral para livre tráfico, troca comercial, e serve esta aproximação neoliberal por fabricar a prostituição como algo ‘bom’ para a economia. Deste modo, na mídia e no Reino Unido, há uma crescente tendência a apresentar a indústria de sexo como uma solução para os problemas econômicos ou, mais que isso, como um caminho ao desenvolvimento.
Considerando isso, é no interesse da Organização Mundial do Trabalho (OMT) baseado no Reino Unido que promoveu um relatório em 1998 que apoiava a legalização da prostituição porque: ‘A possibilidade de um reconhecimento oficial poderia ser extremamente útil para extender a rede de taxação (impostos) para encobrir mais das atividades lucrativas conectadas com isso. (5)’. Esta posição é clara sobre a admissão de que sexo é uma indústria e que isso pode contribuir diretamente e indiretamente, e em suas formas extendidas, para empregar, para rendimento nacional, e crescimento econômico.
Tabela de preços do corpo feminino mercantilizado: Eu queria que a prostituição deixasse de existir para nunca mais ver uma mulher sendo vendida e tabelada pelos buracos a que os homens querem ter acesso.
Prostituição constitui uma das formas mais violentas de opressão coletiva sobre mulheres e, com pouquíssimas exceções, é sempre sobre controle coercitivo de cafetões(6). Então, como podemos invocar o uso livre do corpo próprio de alguém como um direito humano quando as condições nas quais prostituição é praticada são tais que explicitamente violam o respeito e a dignidade da pessoa reconhecida pela Convenção para a ‘Repressão do tráfico de seres humanos e a exploração de alguém na prostituição’, adotado em 2 de Dezembro de 1949 pelas Nações Unidas.
Muitas prostitutas, quebrando a genérica ‘Lei do Silêncio’ que as envolve, houveram falado sobre sua constante exposição a toda sorte de humilhações, agressão física e sexual, e assalto, assim como a ‘Roleta Russa’ de relações sem camisinha ou outras proteções. E mesmo se nem todos homens são violentos, aqueles que procuram sexo com prostituas necessariamente compram o poder para ser violento com impunidade. ‘Eu estava com medo, consciente de que a situação poderia se tornar incontrolável a qualquer momento’, diz a prostituta do Quebec (7). Mais ainda, ‘As garotas espancadas que não apresentam nenhum queixa está devolvendo a mensagem de que prostituição é um acordo empacotado…que alguém deve aceitar até mesmo o inaceitável (8).’ Para até quando vai o direito dos homens continuar a ser sistematicamente confuso com Direitos Humanos?
Muitos dos que argumentam pela liberação total da prostituição tentam descreditar feministas que são opostas a essa posição dizendo que em última instância são moralizante, seus discursos, portanto, vitimizantes e estigmatizantes das prostitutas. Todavia, neo-abolicionistas não são responsáveis pelas condições de trabalho das prostitutas ou pela hostilidade daqueles que vêem sua vizinhança transformada num mercado aberto de mulheres e drogas. Por que nós não temos sido aptas a extirpar as causas do problema, devemos legitimar suas conseqüências?
Trilhas para ação
Nenhum indivíduo pode ficar indiferente ao problema que, no fim, diz respeito e toca a nós todas. Está claro que qualquer que ele seja, a liberação da prostituição (e de cafetões e clientes) como demandado por Stella, não vai providenciar uma alternativa real para a crescente miséria de prostitutas e deve mesmo fazer as coisas somente piorarem ainda mais.
Similarmente, há o bloco da proposição quebeconiana para um retorno aos bordéis. Essa ‘solução’ tornaria o Estado no principal cafetão, um paralelo de como o Estado tem substituído a Máfia nos cassinos provincianos. O exemplo da Holanda mostra que leglização institucionaliza e legitima a ‘indústria’ do Sexo, deixa cafetões mascarados como chefes de trabalho e ‘homens de negócios’ legais, e racionaliza o marketing de prostitutas localmente e transnacionalmente.
A única esperança para melhoria da maior parte das prostitutas e acabar com o marketing de mulheres reside no exemplo providenciado pela Suécia que, em 1999, passou uma legislação que criminalizou cafetões e clientes, mas não as prostitutas. Essa política levou a uma redução pela metade no número de prostitutas, mesmo se isso não sucedeu-se completamente na erradicação da prostituição submundana. No entanto, o governo suíço continua a perserverar seus esforços por constantemente injetar novos fundos para programas de desintoxicação, reinserção de prostitutas, e educação dos clientes. Do interesse, e encorajador, é que o Lobby Europeu de Mulheres, compreendendo em torno de 3500 grupos, têm encorajado a adoção por outros governos de uma posição similar a da Suécia. (9).
No Quebec, há um consenso de que os governos de todos níveis deveriam parar de agir em torno das prostitutas como se elas fossem criminosas e, ao invés disso, dar a elas acesso a serviços de saúde, sociais, legais e de segurança que estão requerindo. Debates em torno de grupos no assunto da criminalização de clientes, cafetões estão já sendo submetido às leis canadenses, mesmo se estas tiveram até agora sido aplicadas apenas em formas realmente limitadas.
Em estabilizando polícia aqui, Quebec pode achar inspiração na experiência da Suécia e nas aproximações de cidades como Toronto e Vancouver onde há esforços de dar à prostitutas a ajuda e proteção de que precisam, colocar em questão os meios de resistência a cafetões e traficantes (geralmente os mesmos), e a dissuadir e sensibilizar clientes. A abolição da prostituição pode apenas ser uma estratégia objetiva a longo prazo, mas nós precisamos agora questionar todas relações sociais, econômicas e sexuais de dominação e tomar os passos imediatos para lutar contra pobreza e violência contra mulheres.
‘Para sair fora disso’, diz a ex-prostituta Agnes Laury, ‘Um precisa uma vontade inabalável de não voltar atrás no seu caminho, ser ajudada e no mais das vezes, romper totalmente com o habitat anterior’(10). De forma simples, para ‘sair fora disso’ é passar do estado de vítima para o de ‘sobrevivente’, de uma mulher que luta. É o tempo de todos nós quebrar o silêncio em torno da compra de serviços sexuais e perguntar se este não é na verdade o poder discricionário de homens à violência sexual que sublinha a prostituição, e não a escolha das mulheres. Analisando prostituição desta forma não é uma matéria de puritanismo, mas perguntar por questões éticas fundamentais sobre marketing de humanos. Ao invés de invocar uma ‘escolha livre’ de alguém vender o seu corpo [falsa questão] para justificar a prostituição, não poderíamos nós chamar pelo princípio humanitário, de um limite livremente aceito para o uso de humanos como mercadorias, como foi feito em face do escravismo, para abolir o marketing tanto da sexualidade quanto da reprodução?
por Elaine Audet
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segunda-feira, fevereiro 14, 2011

Berlusconi chama de "subversivas" manifestações contra ele

Mundo

Vermelho - 14 de Fevereiro de 2011 - 15h27

O primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, afirmou nesta segunda-feira (14) que os protestos realizados por mulheres contra ele foram uma manifestação intransigente e partidária.

"Me pareceu um pretexto para sustentar uma tese jurídica que não tem nenhuma base na realidade", disse o premier, acrescentando que as manifestações ocorreram "contra a minha pessoa, da parte de uma esquerda que extrapola qualquer meio para me abater".  "Foram mobilizações subversivas e partidárias contra mim", completou ele.

Leia também
No domingo (13), centenas de mulheres foram às ruas de diversas cidades italianas protestar contra Berlusconi, a quem elas acusam de denegrir a reputação feminina. O movimento foi intitulado de ‘Se não agora, quando?’.

Denúncias

O primeiro-ministro italiano é investigado pela Procuradoria de Milão pela suspeita de ter mantido relações sexuais com menores de idade, entre elas a marroquina Karima "Ruby" El Mahroug. Os promotores acreditam que a garota participou de festas realizadas no ano passado na casa do chefe de Governo em Arcore.

"Todas as mulheres que tiveram oportunidade de me conhecer sabem quanta consideração e respeito eu tenho por elas", disse Berlusconi, em entrevista a um programa televisivo local.

Na semana passada, a Procuradoria de Milão pediu o julgamento imediato do primeiro-ministro. Os promotores afirmam que o pedido se sustenta pela "evidência de prova" contra o chefe de governo.

Fonte: Opera Mundi
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quinta-feira, março 08, 2007

Maria Velho da Costa - Revolução e Mulheres


no DIA INTERNACIONAL DA MULHER (1)


REVOLUÇÃO E MULHERES
A relação entre o homem e a mulher
é a relação imediata, natural e necessária
do homem com o homem.


KARL MARX


1. RECONSTITUIÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO

Elas são quatro milhões, o dia nasce, elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café. Elas picam cebolas e descascam batatas. Elas migam sêmeas e restos de comida azeda. Elas chamam ainda escuro os homens e os animais e as crianças. Elas enchem lancheiras e tarros e pastas de escola com latas e buchas e fruta embrulhada num pano limpo. Elas lavam os lençóis e as camisas que hão-de suar-se outra vez. Elas esfregam o chão de joelhos com escova de piaçaba e sabão amarelo e correm com os insectos a que não venham adoecer os seus enquanto dormem. Elas brigam nos mercados e praças por mais barato. Elas contam centavos. Elas costuram e enfiam malhas em agulhas de pau com as lãs que hão-de manter no corpo o calor da comida que elas fazem. Elas vêm com um cântaro de água à cinta e um molho de gravetos na cabeça. Elas limpam as pias e as tinas e as coelheiras e os currais. Elas acendem o lume. Elas migam hortaliça. Elas desencardem o fundo dos tachos. Elas passajam meias e calças e camisas e outra vez meias. Elas areiam o fogão com palha de aço. Elas calcorreiam a cidade a pé e à chuva porque naquele bairro os macacos são caros. Elas correm esbaforidas para não perder o comboio, o barco. Elas pousam o cesto e abrem a porta com a mão vermelha. Elas põem a tranca no palheiro. Elas enterram o dedo mínimo na galinha a ver se tem ovo. Elas acendem o lume. Elas mexem o arroz com um garfo de zinco. Elas lambem a ponta do fio de linha para virar a camisa. Elas enchem os pratos. Elas pousam o alguidar na borda da pia para aguentar. Elas arredam a coberta da cama. Elas abrem-se para um homem cansado. Elas também dormem.

2. REPRODUÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO


Elas vão à parteira que lhes diz que já vai adiantado. Elas alargam o cós das saias. Elas choram a vomitar na pia. Elas limpam a pia. Elas talham cueiros. Elas passam fitilhos de seda no melhor babeiro. Elas andam descalças que os pés já não cabem no calçado. Elas urram. Elas untam o mamilo gretado com um dedal de manteiga. Elas cantam baixinho a meio da noite a niná-los para que o homem não acorde. Elas raspam as fezes das fraldas com uma colher romba. Elas lavam. Elas carregam ao colo. Elas tiram o peito para fora debaixo de um sobreiro. Elas apuram o ouvido no escuro para ver se a gaiata na cama ao lado com os irmãos não dá por aquilo. Elas assoam. Elas lavam joelhos com água morna. Elas cortam calções e bibes de riscado. Elas mordem os beiços e torcem as mãos, a jorna perdida se o febrão não desce. Elas lavam os lençóis com urina. Elas abrem a risca do cabelo, elas entrelaçam. Elas compram a lousa e o lápis e a pasta de cartão. Elas limpam rabos. Elas guardam uma madeixita entre dois trapos de gaze. Elas talham um vestido de fioco para uma boneca de papelão escondida debaixo da cama. Elas lavam as cuecas borradas do primeiro sémen, do primeiro salário, da recruta. Elas pedem fiado popeline da melhor para a camisa que hão-de levar para a França, para Lisboa. Elas vêm trazer um borrego à primeira barraca e ao primeiro neto. Elas poupam no eléctrico para um carrinho de corda.

3. PRODUÇÃO

Elas sobem para cima de um caixote, que ainda são pequenas para chegar à bancada de descamar o peixe. Elas mondam, os dedos tolhidos de frieira e urtiga. Elas fazem descer a lâmina de cortar o coiro. Elas sopram nos dedos a aquecê-los, esfregam os olhos, voltam a pôr as mãos por detrás da lente a acertar os fios da matriz do transístor. Elas espremem as tetas da vaca para o balde apertado entre as pernas. Elas fecham num dia as pregas de papel de mil pacotes de bolacha. Elas acertam em duzentos casacos a postura da manga onde cravar o botão. Elas limpam o suor da testa com a manga e a foice rebrilha ao sol por cima da cabeça e da seara. Elas ouvem a matraca de dez teares enquanto a peça cresce diante, o fio amandado de braço a braço aberto. Elas cortam os dedos nas primeiras vinte cinco latas até calejar bem. Elas fazem a agulha passar para cá e lá em cruz na tela do tapete. Elas vigiam a última fileira de garrafas, caladas, à espera da sirene. Elas carregam o cesto de azeitona à cabeça já sem cantar, até que o sol se ponha.

4. SERVIÇOS

Elas carregam no botão da caixa e fazem quinhentos trocos miúdos. Elas metem a cavilha, dizem outro número e passam a vigésima chamada. Elas mexem panelões que lhes chegam à cinta. Elas descem doze caixotes de lixo já noite fechada. Elas fazem todas as camas e despejos de uma família alheia. Elas picam bilhetes metidas numa caixa de vidro. Elas batem à máquina palavras que não entendem. Elas arquivam por ordem alfabética duas mil fichas e vinte e cinco ofícios. Elas vão outra vez buscar a gaveta das luvas para o balcão a ver se há aquele verde. Elas aspiram do pó antes das nove doze assoalhadas e cento e dez degraus de alcatifa. Elas entram na praça manhã cedo, já vindas da lota ajoujadas com o peixe para as bancadas. Elas acertam as bainhas de joelhos, a boca cheia de alfinetes. Elas põem trinta e duas arrastadeiras e tiram sessenta temperaturas. Elas pintam unhas de homem. Elas guardam sanitas e fazem renda em pequenos cubículos sem janela.

5. TRANSMISSÃO DE IDEOLOGIA

Coisas que elas dizem:

- Se mexes aí, corto-ta.
- Isso não são coisas de menina.
- O meu homem não quer.
- Estuda, que se tiveres um empregozinho sempre é uma ajuda.
- A mulher quer-se é em casa.
- Isto já vai do destino de cada um.
- Deus não quiz.
- Mas o senhor padre disse-me que assim não.
- Dá um beijinho à senhora que é tão boazinha para a gente.
- Você sabe que eu não sou dessas.
- Estás a dar cabo do teu futuro com uns e com outros.
- Deixa-te disso, o que é preciso é sossego e paz de espírito.
- Comprei uns jeans bestiais, pá.
- Sempre dá para uma televisão daquelas novas.
- Cada um no seu lugar.
- Julgas que ele depois casa contigo?
- Sempre há-de haver pobres e ricos.
- Se tu gostasses de mim não andavas com aquela cabra a gastar o nosso.
- Põe o comer ao teu irmão que está a fazer os trabalhos.
- Sempre é homem.
6. PRODUÇÃO DE DESEJO

Elas olham para o espelho muito tempo. Elas choram. Elas suspiram por um rapaz aloirado, por duas travessas para o cabelo cravejadas de pedrinhas, um anel com pérola. Elas limpam com algodão húmido as dobras da vagina da menina pensando, coitadinha. Elas escondem os panos sujos de sangue carregadas de uma grande tristeza sem razão. Elas sonham três noites a fio com um homem que só viram de relance à porta do café. Elas trazem no saco das compras uma pequena caixa de plástico que serve para pintar a borda dos olhos de azul. Elas inventam histórias de comadres como quem aventura. Elas compram às escondidas cadernos de romances em fotografias. Elas namoram muito. Elas namoram pouco. Elas não dormem a pensar em pequenas cortinas com folhos. Elas arrancam os primeiros cabelos brancos com uma pinça comprada na drogaria. Elas gritam a despropósito e agarram-se aos filhos acabados de sovar. Elas andam na vida sem a mãe saber, por mais três vestidos e um par de botas. Elas pagam a letra da moto ao que lhes bate. Elas não falam dessas coisas. Elas chamam de noite nomes que não vêm. Elas ficam absortas com a mola da roupa entre os dentes a olhar o gato sentado no telhado entre as sardinheiras. Elas queriam outra coisa.

7. REVOLUÇÃO

Elas fizeram greves de braços caídos. Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta. Elas gritaram à vizinha que era fascista. Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas. Elas vieram para a rua de encarnado. Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água. Elas gritaram muito. Elas encheram as ruas de cravos. Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes. Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo. Elas ouviram falar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas. Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra. Elas choraram de ver o pai a guerrear com o filho. Elas tiveram medo e foram e não foram. Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas. Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro uma cruzinha laboriosa. Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões. Elas levantaram o braço nas grandes assembleias. Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos. Elas disseram à mãe, segure-me aqui nos cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é. Elas vieram dos arrabaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada. Elas estenderam roupas a cantar, com as armas que temos na mão. Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens. Elas iam e não sabiam para aonde, mas que iam. Elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado. São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas.

Dezembro de 1975

in CRAVO, MARIA VELHO DA COSTA, MORAES EDITORES, 1976


Fotografia;
Doisneau_Down to the factory_1946