A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht
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sábado, novembro 17, 2012

A propósito de lugares-comuns e ideias feitas


Coletivo Passa Palavra

A propósito de lugares-comuns e ideias feitas

28 de outubro de 2012  
Categoria: Portugal
O voluntarismo niilista implícito no Que se lixe! é a força motriz de qualquer fascismoPor Passa Palavra
Comentários insultuosos e irrelevantes não podem servir de base a nenhum debate fundamentado, por isso o Passa Palavra não costuma ocupar-se com eles. Fazêmo-lo agora porque, embora não sendo produtivos, são significativos. E assim neste artigo deixaremos de lado todas as contribuições sérias para o debate. Reconhecemos que é uma injustiça, mas se as ideias se convertem numa força social quando mobilizam massas, então as trivialidades, que se difundem mais facilmente do que as análises críticas, constituem uma força social mais imediata.
A democracia do insulto
É elucidativo que os comentadores histéricos tenham preferido insultar-nos nos blogs que frequentam habitualmente e onde encontram linkspara os nossos artigos em vez de colocarem observações no Passa Palavra, onde esses artigos foram originariamente publicados. Sucedeu mesmo que um sujeito não inseriu o linkpara o artigo que criticava, alegando que não queria aumentar-lhe as visualizações. E assim se aplicam os princípios do marketing ao que deveria ser um confronto ideológico.
Esta propensão a criticar de longe e como que em casa caracteriza igualmente os insultos no trânsito, em que cada um, fechado dentro do seu automóvel, grita impropérios que nunca teria coragem de dizer sem a protecção dos vidros e das portas trancadas. O trânsito e a internet constituem a infra-estrutura de uma forma política nova — a democracia do insulto.
Ora, como sempre sucede na arte, a forma é o principal conteúdo e neste caso é mesmo o único conteúdo. O insulto é a modalidade escrita do que na oralidade são os gritos, o barulho.
Os lugares-comuns
Quanto mais procuramos num artigo questionar lugares-comuns e fazer apelo ao raciocínio, tanto mais os comentadores histéricos gritam. Para quê, para se fazerem ouvir? Não, para eles próprios não ouvirem. E assim constroem uma câmara de eco numa sala de espelhos.
Pode obrigar-se as pessoas a muita coisa, mas não a pensar. Frequentemente os artigos que se criticam não são lidos ou, no máximo, passa-se a vista em diagonal, porque quem está habituado a ouvir-se a si mesmo não suporta outros sons. Lêem-se então só os comentários, ou alguns se forem muitos, e desanca-se o que se presume que o texto diz. Falha-se o alvo, mas quem se importa com isso, se os amigos também não lêem o texto?
Quanto mais estes comentadores se ouvem a eles próprios e quanto mais ouvem opiniões iguais às suas, mais acreditam que são muitos. Já repararam que se a embalagem de um produto reproduzir a sua imagem no rótulo se alcança o infinito? A repetição de uma imagem no interior dela própria é igual ao infinito. Sucede exactamente o mesmo com os comentadores histéricos. A democracia do insulto é simultaneamente um mecanismo de reprodução do infinito.
Mas como os insultos são desprovidos de conteúdo substantivo e os ecos e os espelhos são auto-referentes, deparamos com a multiplicação infindável do vazio.
O espantalho e a máscara
O argumento principal que temos defendido a propósito da permanência ou da saída de Portugal do euro é o de que o abandono do euro não só levará a uma deterioração maior ainda das condições de vida da classe trabalhadora portuguesa como deteriorará a situação dos pequenos e médios capitalistas, correndo-se o sério risco de que todos eles se precipitem juntos numa «nação em cólera», que — segundo a análise de um fascista sabedor e experiente — é o próprio caldo de cultura do fascismo.
Trata-se de um argumento com duas faces. A primeira diz respeito ao agravamento das condições de vida dos trabalhadores; a segunda, a uma possível convergência dos trabalhadores com a maioria dos capitalistas. Ora, este argumento tem sido ignorado.
Que se lixe!
Os comentadores que nos servem aqui de matéria-prima recusam-se a analisar os custos da saída do euro, sob o pretexto de que os custos da permanência são muito elevados. Sem dúvida, mas trata-se de saber quais são os mais elevados.
Querem debater seriamente os custos comparados de uma manutenção no euro ou de um abandono da zona euro? Querem debater seriamente as limitações do empresariado português e uma marginalização económica que se deve à estrutura social deste país e não à malevolência dos outros? Querem debater seriamente as alternativas económicas que se colocam dentro e fora da zona euro? Mas como discutir estas questões económicas sem falar de economia em termos económicos?
Acusam-nos então de falarmos «economês». Mas com que direito querem extrair conclusões económicas se se abstêm de proceder ao mínimo raciocínio económico? Abrem-se as portas, perdão, ficam escancaradas para o mais despudorado exercício de demagogia.
Reclamam contra os banqueiros, a quem atribuem todas as culpas do crédito oferecido, esquecendo-se aliás de observar como ele foi utilizado. Logicamente, protestam também contra os subsídios adiantados pelo Estado à banca. E deste modo colocam-se na actual crise exactamente na mesma posição em que, durante a crise da década de 1930, se colocavam as tendências mais conservadoras, também elas opostas ao salvamento dos bancos através de subsídios estatais. Esquerda e direita não são posições geográficas, mas políticas e ideológicas. Como devemos considerar a esquerda que adopta hoje posições que a direita conservadora defendia há oitenta anos atrás?
Vejamos a questão dos bancos e dos subsídios. O abandono do euro e a adopção do escudo, com todas as dificuldades e turbulências provocadas por esta mudança, implicaria a estatização do sistema bancário, o que obrigaria não ao fim do crédito aos bancos mas, pelo contrário, a novas injecções de crédito, só que feitas mais ocultamente do que agora.
E como a saída da zona euro e a adopção de uma moeda de pechisbeque traria condições de vida ainda piores do que as que já sofremos, provocaria uma considerável desilusão dos trabalhadores, que tinham esperado salvar-se ou pelo menos emergir e ver-se-iam mais afundados. Daqui resultaria muito provavelmente uma agudização das reivindicações e das lutas, numa situação em que os patrões e os governantes teriam ainda menos margem de manobra do que hoje. A resposta só poderia ser o agravamento da repressão e a tentativa de pôr fim às greves sob o pretexto de que precisamos de defender a economia nacional. Os mais velhos de entre nós já ouviram esta música.
Ora, como escreveu Nuno Cardoso da Silva, um comentador que neste contexto citamos por excepção, já que destoa das futilidades e dos delírios, «não precisamos efectivamente de nenhum capitalismo de Estado para resolver os problemas do capitalismo privado».
Nada disto convence os comentadores histéricos, que repetem em todos os tons Não importa o que virá depois. Mas isto significa que se derruba a actual situação sem saber em benefício de quem. O Que se lixe! tem uma função exclusiva de ocultamento político.
Os cegos e o precipício
O voluntarismo niilista implícito no Que se lixe! é a força motriz de qualquer fascismo.
Ora, os nossos comentadores histéricos buscam precisamente, nestes dias de agora, contribuir para que se junte nas ruas uma «nação em cólera». Veremos se o conseguem, se as ruas servirão para marcar as clivagens entre classes ou para as confundir na amálgama nacional, porque o fascismo surge quando aquela cólera mobiliza em conjunto toda a nação. Um comentador chegou ao ponto de afirmar que queremos que as pessoas não entrem «em cólera», sem se dar conta de que para nós o problema não está na cólera, mas na nação.
Para quê demonstrar o que os próprios comentadores afirmam? Não é só depois de um eventual abandono do euro que serão criadas condições para o aparecimento de um fascismo, mas é desde já que alguns, ou muitos, se esforçam por fazê-lo. Veja-se este comentário, que reproduzimos extensamente: «E um bom Nacionalismo deve ser agnóstico em relação à estupidez imbecilizante e divisionária do paradigma “Esquerda/Direita”. Isso só serve para dividir e não para unir. Não queremos cá marxismos, nem capitalismos, nem liberalismos. Defender os trabalhadores e empresários de igual modo, fomentando a criação de PME e diminuindo os impostos e pornográficos IRS e IRC». Mas é precisamente isto que temos dito e repetido desde o nosso artigo sobre Os perigos da «nação em cólera». Será que não dão conta do fascismo quando o têm diante dos olhos, como sucede neste comentário? E quantas e quantas pessoas dizem o mesmo todos os dias nas ruas, nos empregos, nos cafés, nos transportes públicos?
Ou será que não sabem o que é fascismo, quando sistematicamente o confundem com a repressão? Um regime não é fascista só por empregar a repressão. Senão, veja-se o exemplo da União Soviética, que nunca foi fascista mas em matéria de repressão não precisava de lições de ninguém. O fascismo caracteriza-se por mobilizar vastas massas operárias em favor de um programa nacionalista. É isso o fascismo, uma renovação nacionalista do capitalismo e das instituições conservadoras graças a um impulso vindo da rua.
Ora, estes comentadores falam muito em atacar o euro e a União Europeia e pouco ou nada em atacar o capitalismo. Mas reduzir o capitalismo, que é um sistema global de exploração, a uma das suas modalidades é a receita directa para perpetuá-lo. Nestes termos, em vez de abalarem o sistema, as lutas sociais renovam-no e reforçam-no. Tem sido esta a função do fascismo.
A economia real e os delírios nacionais
Talvez por não dominarem o «economês», nenhum dos comentadores respondeu aos nossos argumentos a respeito da transnacionalização do capital. No entanto, sem isto não tem qualquer sentido falar de nacionalismo e de internacionalismo.
Nós nunca defendemos «a unificação de Estados burgueses em super-Estados», como nos acusou um comentador que treslê. Pelo contrário, escrevemos que foi ultrapassada a época da internacionalização do capital e se desenvolveu uma época nova, em que hoje vivemos, a da transnacionalização do capital, que ultrapassa as fronteiras nacionais e lhes tira a relevância económica e que esvazia progressivamente os Estados e governos nacionais. É neste contexto que deve falar-se hoje de internacionalismo.
Há quem nos acuse de «prostração perante a grande burguesia europeia e a oligarquia financeira europeia». Mas interessam-nos sobretudo as conjunturas sociais e as potencialidades de luta. E não deixamos de analisar e de criticar o capitalismo português e as características do seu tecido empresarial. Ora, como sucede frequentemente, o anti-imperialismo destes comentadores serve para absolver os capitalismos nacionais. Aliás, alguns comentadores mais histéricos postulam a equivalência entre o internacionalismo do Passa Palalvra e o imperialismo dos Estados Unidos ou da Alemanha.
Mas aqueles que «por anticolonialismo» defendem «a saída imediata de Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha da União Europeia» será que há alguns anos atrás defenderam também que saíssem imediatamente da União Soviética a Ucrânia, a Bielo-Rússia, a Geórgia, a Arménia, o Azerbeijão, a Estónia, a Letónia, a Lituânia, o Uzbequistão, o Turquemenistão e desculpem-nos os esquecimentos? Ou será que a balcanização, que é uma catástrofe visível no Leste da Europa, se transformará numa benção a Ocidente?
Será que imaginam que, saindo da zona euro, Portugal poria em causa os centros imperialistas? Ora, a economia portuguesa representa uma parcela ínfima do Produto Interno Bruto da zona euro e não é com estas migalhas que os centros capitalistas europeus enriquecem, mas com a exploração dos seus próprios trabalhadores. É elucidativo do estado de coisas a que chegámos que seja necessário explicar aos «marxistas patrióticos» que é o aumento da produtividade — mediante a qualificação crescente da força de trabalho, a passagem a sistemas produtivos mais complexos e a intensificação dos ritmos laborais — que constitui o principal motor da acumulação ampliada do capital. Esqueceram-se da mais-valia relativa. Mas este b-a-bá tem de ser esquecido pelos defensores do nacionalismo, que vitimizam como um todo a sociedade do jardim à beira-mar e atacam como um todo a sociedade dos países mais produtivos.
Nós falamos de classes, coisa que estes comentadores não vêem quando falam só de nações. Por isso nem lhes passa pela cabeça analisar as contradições sociais nos centros mais produtivos da União Europeia e confundem os «trabalhadores do centro e norte ricos da Europa» entre o saco sem fundo dos defensores da chanceler Merkel. Um dos comentadores evocou mesmo «uma União Europeia, comandada sobretudo pelos capitalistas do Norte e fortemente apoiada pela classe trabalhadora bem instalada nesses países e que não sente a crise». Voltámos assim à oposição entre nações proletárias e nações plutocráticas, típica da panóplia de conceitos dos fascismos.
Depois acham que não temos razão para estar preocupados?

Comentários

14 Comentários on "A propósito de lugares-comuns e ideias feitas"

  1. Fernando em 29 de outubro de 2012 00:14 
    “Nós falamos de classes, coisa que estes comentadores não vêem quando falam só de nações.” Falam de classes, mais ou menos… ao longo de vários posts têm vindo a falar dos custos sociais da saída do euro … para a “classe trabalhadora portuguesa”.

    De resto, a UE não é comandada unicamente pela Alemanha, mas é inegável o papel preponderante que esta tem na sua direcção. Inegável também é que Merkel tem largo apoio popular, pelo que se presume que o povo alemão aceita a política interna e externa pelo seu governo praticado. Inegável também é que a classe trabalhadora alemã – se me permitem dizer que existe tal coisa sem me apelidarem de fascista – não sofre na pele o elevado desemprego nem os baixos salários que existem em Portugal ou Espanha neste momento. Não se trata de nações proletárias nem de nações plutocráticas, mas não se vislumbra qualquer mudança institucional (qual deveria ela ser?) que combaterá o “gap” que se vai alargando entre os países credores e os países devedores – se mais uma vez me permitem dizer que existem tais coisas sem me chamarem nacionalista.

    Termino este breve comentário dizendo que defendo maior integração europeia, emissão de eurobonds e toda essa panóplia de soluções pré-socialistas. Falta votarmos nas eleições que determinem as políticas do BCE, não é verdade? Um voto por país, “bale”? E se esses votos forem tão favoráveis ao progressismo como têm sido as do parlamento europeu? A democracia tem destas coisas…
  2. Mário J. Heleno em 30 de outubro de 2012 11:11 
    É verdade que há imenso barulho dos que começam por metralhar, na própria trincheira, primeiro os não adeptos da metralha, depois os que disparam noutra direcção que não a sua e, uma vez sós na trincheira, os próprios pés.

    Mas, por outro lado, permanece um imenso silêncio do passa-a-palavra na resposta clara a uma pergunta simples: Sabendo o que não fazer, o que propõe que se faça, hoje, agora e concretamente?
  3. Passa Palavra em 30 de outubro de 2012 12:51 
    Mário Heleno,
    Muito em breve o Passa Palavra (note que, por economia linguística, não usamos artigo) quebrará o silêncio relativamente a essa questão. De qualquer modo, já em Maio deste ano abordámos o tema, embora num texto relativo à situação no Brasil, já que somos um site luso-brasileiro. Pode ver aqui:

  4. Mário J. Heleno em 30 de outubro de 2012 19:03 
    Esse texto resume como a vossa crítica contribui para a descoberta/invenção do caminho a seguir aqui, agora e concretamente. Ninguém duvida disso, o problema é que tal mérito só por si não exclui a hipótese de não vislumbrarem caminho nenhum.
  5. nf em 31 de outubro de 2012 20:25 
    Os autores deste texto estão a par da situação grega?
  6. ABCD em 31 de outubro de 2012 20:40 
    O autor do comentário anterior tem alguma noção do que ocorrerá do ponto de vista económico e político no caso de uma implosão da zona euro? Se soubesse certamente que não faria comparações deste género…
  7. nf em 1 de novembro de 2012 00:02 
    Não, eu não sei o que aconteceria se houvesse uma implosão do euro. Mas sei, bastante bem, o que se passa na Grécia. É a todos o níveis um país em depressão, onde se pode ver in loco o que neste texto parece ser o que acontecería se um dos países periféricos saísse do Euro (radicalização à direita, nacionalismo, etc).
  8. Passa Palavra em 1 de novembro de 2012 00:08 
    NF,
    Você poderia desenvolver melhor o seu argumento? Poderia falar mais sobre a radicalização à direita e o nacionalismo na Grécia actual?
  9. nf em 1 de novembro de 2012 17:12 
    Caros,
    O meu argumento é simples. Muito daquilo que se prevê que aconteça com a saída do euro (nacionalismo radical de direita, desejo de soluções autoritárias, fragmentação institucional, etc) é já uma realidade na zona euro. Basta acompanhar a situação na Grécia para se perceber que qualquer coisa semelhante a Weimar pode nascer dentro da UE. A depressão está aí à porta.

    Veja-se aliás quantos dos nacionalismos mais radicais por essa Europa fora vivem à custa do “projecto europeu”.
    ps- por falta de tempo não posso dar as minhas impressões daquilo que é a Grécia de hoje. Só posso dizer uma coisa: foi ao tapete e quando caiu levantou poeira que a Europa julgava varrida para sempre.
  10. ABCD em 1 de novembro de 2012 17:21 
    O fascismo como movimento é uma coisa por si já tenebrosa. O fascismo como regime é outra… E uma constelação de regimes fascistas, então nem se fala
  11. Rodrigo O. Fonseca em 2 de novembro de 2012 19:13 
    “reduzir o capitalismo, que é um sistema global de exploração, a uma das suas modalidades é a receita directa para perpetuá-lo. Nestes termos, em vez de abalarem o sistema, as lutas sociais renovam-no e reforçam-no”.

    Bingo. Eis uma boa chave para ler as contraidentificações com o capitalismo no século XX.
  12. Manuel Monteiro em 7 de novembro de 2012 21:40 
    Não estando eu contra o fundo do artigo, penso que há aqui uma falha de fundo: uma posição analitica um bocado descomprometida com a direção da luta popular.

    Quer dizer: muita preocupação com as contradicões sociais sem colocar a tónica que é necessário um programa revolucionário para que a luta popular revolucionária afaste o perigo do fascismo.

    Ainda aqui há pouco se gritava em Portugal que o movimento popular estava parado e que não havia clareza para apresentar um programa revolucionário. Pois bem; o movimento está em movimento(boa frase), mas não há um esforce, dentro do movimento, para teorizar um programa que dê um sentido à luta.

    É claro que um programa de luta apenas a nível nacional não faz sentido. Ele tem que ser estendido a toda a europa, unificando as lutas e o proletariado europeu na sua luta contra o capitalismo. Os reformistas já viram isto e, através das suas centrais sindicais, estão a caminhar nessa direcção.

    E nós? Continuamos na nossa capelinha e nas nossas análises brilhantes, mas fora do movimento popular?

    Eu lembro-me, quando com os camaradas do projecto Mudar de Vida, andava desesperadamente à procura de uma pequena luta popular e quando ela surgia que alegria. Agora que quase todos os sectores populares estão em luta, embora desorientados, não se vê um esforço de participar nas lutas e, messas lutas, formular teorias e programas de ruptura com o sistema capitalista.

    É idealismo da minha parte? Será. Mas esta é a minha velha experiência de proletário com pouca teoria e muita acção. E, pese embora os anos e a doença, aqui estou disponível para voltar à liça; mesmo que de bengala…

    Um abraço, camaradas

    Manuel Monteiro
  13. João Bernardo em 8 de novembro de 2012 01:23 
    Caro Manuel Monteiro,
    Há muitos séculos atrás, alguém que tu conheceste de nome e eu, para minha infelicidade, conheci pessoalmente, disse-me, acerca de um dado texto, que «era muito teórico». Ao que eu respondi que os textos são sempre teóricos, só que podem ser boa ou má teoria. E acrescentei que a prática se faz noutro plano, fora dos textos. As análises críticas que possam ser feitas, noPassa Palavra ou noutro lugar, não significam que as pessoas que as escrevem não tenham uma actividade prática. Também não significam que a tenham. Embora geralmente seja possível, através do que está escrito, ver se as coisas são ou não conhecidas por dentro. Mas as análises críticas tornam-se tanto mais necessárias quanto mais parece que todos gritam em coro. E o nacionalismo converteu-se hoje, em Portugal, num perigo iminente não só devido à ausência de uma relação organizada com as lutas da classe trabalhadora noutros países mas — e é isso que é muitíssimo mais grave — devido a uma deliberada vontade nacionalista da maioria da esquerda portuguesa. O programa que a maioria dessa esquerda nos apresenta é a união dos trabalhadores com os pequenos e médios patrões contra a Alemanha. O fascismo foi isto mesmo: uma mobilização dos trabalhadores, ao serviço de uma renovação do capitalismo, representando uma pretensa nação proletária contra as pretensas nações plutocráticas. Todas as críticas que sejam feitas a um programa desse tipo me parecem bem vindas.
    Para ti, o meu abraço trans-oceânico.
  14. Manuel Monteiro em 8 de novembro de 2012 12:46 
    João
    Voltamos ao mesmo.

    Que a esquerda reformista leva o movimento popular para um beco sem saída, ou para o fascismo, já nós sabemos.

    O meu problema é a posição dos revolucionários e a sua obrigação de se inserirem no movimento de massas e dar a sua comparticipação para a elaboração de um programa revolucionário.

    E não tenho dúvidas que esse programa trará para o campo popular, sem lhe fazer cedências, o pequeno patronato industrial e agrícola arruinados pelo grande capital. E saberá neutralizar a chamada classe média, não lhe dando, como agora se passa, um lugar de vanguarda da luta(Já sei que esta palavra vanguarda faz eriçar muitos cabelos).O que tem que ficar claro nesse programa é que nós não queremos outro capitalismo; mas que queremos derrubar todos os capitalismos e que visamos desapropriar os detentores da propriedade privada e transformá-la em propriedade colectiva.

    Portanto, companheiro, eu não estou contra os textos teóricos. Estou a favor de os canalizar, de uma forma rigorosa e acessível, para os combatentes populares; que não são burros e que, pela prática, chegam à compreênsão dos grandes problemas da humanidade.

    E estou-me a lembrar de um velho operário do PCP, o Francisco Miguel, que, na prisão, dava aulas de economia politica, do materialismo histórico e dialético, aos intelectuais e operários do partido.

    Como as coisas estão, infelizmente, vejo mais as coisas inclinarem-se para o fascismo do que para a revolução socialista.

    Mas, se assim suceder, nós teremos grandes responsabilidades.

    E estou-me cagando para aqueles que acham que as minhas teorias da vanguarda estão ultrapassadas. Vanguarda ou retaguarda, o que é preciso é nós estarmos no centro das lutas, contribuirmos, sem caciquismos, para o debate teórico e ganharmos clareza, pela luta e pelo debate, das grandes questões que atormentam a humanidade.

    Foi este o meu passado.Não é um passado sem mácula. Alinhei em muito contrabando teórico. Ajudei a mutilar muita dinâmica.Contribui para incensar muitos mitos.

    Mas, como dizia o poeta, o caminho faz-se caminhando.

    Temos que voltar de novo ao caminho e caminhar. Agora libertos de muita canga inútil.

    Frágeis de tanta derrota histórica

    Mas mais fortes pelo braço da experiência.

    Um abraço, João.

    Manuel Monteiro

    http://passapalavra.info/?p=66327

sexta-feira, novembro 16, 2012

A quem serve o triunfalismo?


Coletivo Passa Palavra


A quem serve o triunfalismo?16 de novembro de 2012   


Importa quebrar com uma espécie de boa moral, que se preocupa mais em defender a lei do que os interesses de quem trabalhaPor Passa Palavra
Por Passa Palavra
No dia 14 de Novembro decorreu em Portugal uma greve geral convocada pela Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP). Segundo os organizadores (veja aqui), esta teria sido uma das maiores greves gerais de sempre. O tom triunfalista é absorvido por uma boa parte da esquerda. Mas o triunfalismo, se inconsequente, é um dos maiores perigos para o futuro das lutas sociais. Esse triunfalismo esquece outras variáveis políticas e sociais em jogo e que, estas sim, representam aspectos que qualquer avaliação crítica e honesta das lutas sociais tem de tomar em conta.
O triunfo e as derrotas das lutas sociais estão nos detalhes
Em primeiro lugar, o que significa no Portugal de hoje dizer-se que esta teria sido «uma das maiores greves gerais dos últimos anos em Portugal» (idem)? Para os esquecidos, recordamos apenas que as greves gerais convocadas em Portugal por centrais sindicais foram sete: em 1982, 1988, 2002, 2007, 2011 e 2012 (Março e Novembro). Portanto, colocar esta última no topo das greves gerais é o equivalente a um aluno de uma escola primária chegar a casa e dizer à mãe que é um dos melhores alunos da sua turma de sete elementos… A caracterização seria cómica, não fosse o caso de se estar a viver um período muito conturbado e crítico.
Por outro lado, num comunicado emitido pelo Partido Comunista Português (PCP) no final do dia da greve geral lê-se o seguinte:
«A Greve Geral teve um profundo impacto em todo o País, nas diferentes regiões e sectores de actividade, na indústria e nos serviços, no sector privado e no sector público.
Na indústria com paralisações totais de muitas empresas como o Arsenal do Alfeite, os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, Lisnave Mitrena, a Browning e elevadíssimas adesões com paragem quase total do parque industrial da Autoeuropa, e em muitos outros empresas em que se salientam a Fisipe, a Visteon, a Bosch, a Exide/Ex-Tudor, a Roberto Bosch, a Centralcer, a Kraft, a Acral, a Têxtilminho, a Tessimax, a Paulo Oliveira, a Trekar, a S. Gobain, a Sotancro, a Cerâmica da Abrigada, a Valorsul, a Portucel/Setúbal, a Europack, a Fraas» (veja aqui).
Destas empresas do sector industrial mencionadas pelo PCP e pela CGTP, nove delas (Visteon, Acral, Têxtilminho, Tessimax, Paulo Oliveira, Trekar, Cerâmica da Abrigada, Europack e Fraas) nem sequer aparecem entre as mil maiores empresas estabelecidas em Portugal (veja aqui). Por outro lado, basta uma breve consulta aos dados disponibilizados pela CGTP ao final da tarde da jornada de greve geral (vejaaqui) para se perceber a enorme predominância de câmaras municipais [prefeituras], serviços de recolha do lixo e várias entidades públicas. Nos transportes o resultado alcançado também é significativo. Contudo, para organizações que se pelam pela industrialização do país e que se anunciam como as mais genuínas representantes do operariado industrial, não deixa de ser confrangedor verificar-se a existência de apenas 62 empresas do sector industrial. Num total de 351 entradas divulgadas pela CGTP, só 20% ocorreram no sector industrial. Por outro lado, destas 62 só cerca de metade (30) aparecem na lista das mil maiores empresas não-financeiras a operar em Portugal. Mesmo entre as empresas industriais ou de comércio com participação na greve houve casos onde o impacto não foi propriamente de monta ou sequer próximo da totalidade dos trabalhadores. Por exemplo, no caso da 14ª maior empresa a operar em Portugal – o grupo de supermercados e hipermercados Auchan – registou-se uma adesão à greve na loja Box de Faro. Outro exemplo é o caso da EDP, onde só foram afectadas unidades em Vila Real, Chaves, Valença e, o caso mais importante, Sines. Refira-se que pela primeira vez desde 2002 não se registou uma contabilização da adesão à greve na mais importante unidade industrial em Portugal – a Autoeuropa. Apesar de algumas empresas subcontratadas dedicadas à produção de componentes terem praticamente parado a produção, a verdade é que o coração do Parque Industrial da Autoeuropa não regista dados de adesão à greve.
Em suma, se a greve geral ainda teve alguma adesão, tal deveu-se a uma presença relativamente forte dos sindicatos nas empresas públicas e nos serviços do Estado (saúde, educação, entre outros). Estes setores, até há pouco tempo, eram imunes ao processo de divisão quantitativa e qualitativa operada no privado, por um lado, pela divisão das grandes empresas fordistas em cada vez mais pequenas unidades parcelares e, por outro, pelo fracionamento da força de trabalho por vários tipos de categorias contratuais.
O grande malogro sindical nas empresas de capital privado reside, porém, na precarização dos vínculos laborais e no aumento do desemprego. Tais fenómenos, em primeiro lugar, quebram a relação identitária entre indivíduo e trabalho, a qual, paradoxalmente, ainda constitui a espinha organizacional do sindicato. Quando o precário é aquele que, por definição, não tem emprego, mas vai tendo empregos (de vária natureza), importa perguntar qual a vantagem em manter sindicatos estruturados em torno de uma relação que deixou de existir. Em segundo, e associado, o aumento da precariedade e do desemprego deixam o trabalhador à mercê de uma autêntica política de chantagem. Neste sentido, qualquer mínimo sinal de resistência poderá ser punido com a não renovação do contrato.
Esta debilidade permite às empresas não só acabar com todas as ameaças à paz social no seu seio, como auferir de maiores níveis de produtividade com menos custos. Uma das formas mais usadas na persecução desse objetivo é o recurso a prémios, isto é, a manutenção de salários baixos complementados por um «prémio adicional», caso se consigam cumprir determinadas metas. Referimo-nos não apenas, e a título de exemplo, à concretização de uma série número de vendas e/ou assinaturas de contratos por telefone (bastante usual nos call-centers), como também a «subsídios de presença» concedidos a quem não faltar durante um ou vários meses.
Um dos problemas que afetou a greve nas transportadoras privadas foi, justamente, a questão dos prémios. Nalguns casos, estamos a falar de prémios de cerca de 500 euros (correspondentes a uma assiduidade de 4 meses seguidos), que seriam perdidos com uma falta ao trabalho.
Embora difícil, o atual estado da correlação de forças não deve ser encarado como uma fatalidade. Na verdade, os prémios de produtividade estão longe de corresponder a um dado novo. Em Portugal, os primeiros ensaios deram-se ainda no período do Estado Novo, por iniciativa de grupos como a CUF. Perante o desafio, os trabalhadores organizaram-se e decidiram em colectivo boicotar a tentativa de os virar uns contra outros, ou seja, decretaram que todos receberiam por igual. Uma postura que, à altura, era fomentada pela proximidade e por um conhecimento mútuo: afinal, o «gajo» [o cara] que estava ao lado não era só um colega, mas uma pessoa com a qual se confraternizava todos os dias, dentro e fora do local do trabalho. Se isto não fosse importante, as empresas não estariam preocupadas em organizar jantares de Natal ou fins-de-semana de team-building onde gestores e trabalhadores trocam sorrisos e pancadinhas nas costas.
Simultaneamente, importa quebrar com uma espécie de boa moral, que se preocupa mais em defender a lei do que os interesses de quem trabalha. Algumas transportadoras privadas, a título de exemplo, recorrem em dias de greve a autocarros [ônibus] que transportam os motoristas, um a um, a partir das suas casas. Um dos primeiros objetivos do piquete de greve é, portanto, tentar impedir a saída desse autocarro e, deste modo, impedir o comparecimento dos transportados. Como resposta, esse mesmo autocarro começou a ser estacionado de véspera em local público, sendo os motoristas transportados até um ponto próximo do local de trabalho (para que o piquete se confronte com colegas e não com autocarros). Toda a mudança de estratégia do adversário deve, porém, ser interpretada como uma oportunidade ou, pelo menos, como um sinal da necessidade de mudança da nossa própria estratégia. Neste específico caso, o «abandono» do autocarro num local acessível ao público representa, no mínimo, um convite à imaginação. E não há nada que quebre mais a imaginação do que a evocação de uma barreira moral inamovível, independente de toda a reflexão em torno dos seus efeitos.
Ora, a precariedade é a principal razão para as dificuldades de adesão à greve geral. Os dados apresentados previamente acerca da baixa adesão de trabalhadores do sector privado e as dinâmicas acabadas de descrever desmontam o discurso triunfalista. Nesse sentido, o triunfalismo é um veneno para a análise das lutas sociais. Primeiro, porque prefere a celebração encomiástica traduzida nas ruas, mas quase sem qualquer impacto nos locais de trabalho. Em segundo lugar, na medida em que a discrepância entre os discursos públicos oficiais e os próprios dados coligidos pela central sindical reproduz um modelo organizativo em que o debate (se o houver) e a consciência real da amplitude da greve fica para os dirigentes, enquanto para as bases os chavões parecem servir. Em termos muito simples e à boa maneira da estrutura organizacional fordista, persiste uma separação entre os que executam e os que elaboram o plano de acção e de trabalho (sindical). A incapacidade para discutir com as bases é um dos sinais mais fortes do burocratismo do modelo sindical herdado do fordismo. Em terceiro lugar, importa referir que este obscurecimento das enormes dificuldades de actuação da CGTP nos locais de trabalho não é completamente inocente, pois é da condução ordeira e disciplinada dos trabalhadores em luta para o exterior das empresas que a CGTP e o PCP retiram o seu capital político a aplicar no parlamento. Finalmente, e em quarto lugar, se os sindicatos evidenciam uma clara incapacidade para actuar nos locais de trabalho e se os próprios trabalhadores não se revêem nos sindicatos, então há que concluir que só novas modalidades de organização autónoma da parte dos trabalhadores podem relançar as lutas sociais num plano realmente anticapitalista e que se baseie na própria iniciativa das bases.
Notas finais sobre a polícia
Nos últimos tempos, a multiplicação das manifestações e o nível de actuação policial sobre as mesmas tem originado um debate de surdos: de um lado, o «mata, pisa e esfola» o polícia, do outro o «abraça o polícia, que ele é trabalhador». Relativamente a este último argumento, a carga policial sobre centenas de pessoas que se manifestavam em solidariedade com a greve veio a demonstrar a sua fiabilidade. Tal não significa, contudo, que estejamos perante uma horda de bárbaros que se deixam dominar por uma pretensa irracionalidade. O sangue que no fim dessa tarde manchou o pavimento das ruas foi o resultado, antes, de uma operação cirúrgica, ou seja, de um cenário que foi previsto, ordenado e no final aplicado. É esta capacidade de consequência que deve suscitar a maior das preocupações.
Não obstante a resistência oferecida nas imediações da assembleia, assistimos a uma operação policial que se estendeu no espaço e no tempo, chegando a efetuar diversas detenções no Cais do Sodré. De acordo com alguns relatos divulgados nas redes sociais e nos meios de comunicação social, não só estas foram produzidas de forma arbitrária, como os direitos dos detidos a uma representação legal foram violados. Ficámos igualmente a saber que a recolha de imagens realizada pela polícia durante as várias manifestações, à margem do parecer negativo da Comissão Nacional de Proteção de Dados, poderá vir a ser utilizada na identificação e responsabilização judicial dos «profissionais violentos». Tudo isto, importa mais uma vez realçar, não deriva de uma disfunção do aparelho policial e judicial, mas sim da concretização de uma estratégia.
Se compararmos a prática das autoridades nas manifestações de 15 de Setembro e de 14 de Novembro, constatamos diferenças de actuação e não de essência. Na primeira, a reacção perante o abraço de uma jovem de 18 anos não foi diferente do comportamento face ao arremesso de garrafas. A segunda, concomitantemente, pautou-se pela mesma receita: tudo a eito, sem grandes diferenças, pois ordens… são ordens.
Não existe qualquer dúvida da violência que foi praticada pela polícia sobre os manifestantes. Todavia, o facto de estarmos a falar de uma instituição que detém o seu poder de monopólio a nível interno torna difícil distinguir o que é uso e o que é abuso. A lei e os «direitos humanos» continuam, certamente, a contar com a Ordem dos Advogados e com a Amnistia Internacional. Mas a sua vinculação passa apenas a fazer parte das contas e não a definir a conta.
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