A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht
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domingo, dezembro 12, 2010

Umberto Eco: O contragolpe no Grande Irmão

Mundo

10 de Dezembro de 2010 - 20h57

O caso WikiLeaks tem uma dupla leitura. Por um lado, revela-se um escândalo aparente, um escândalo que só escandaliza por causa da hipocrisia que rege as relações entre os Estados, os cidadãos e a Comunicação Social. Por outro, anuncia profundas alterações a nível internacional e prefigura um futuro dominado pela recessão.


Por Umberto Eco, no Libération

Mas vamos por partes. O primeiro aspecto revelado pelo WikiLeaks é a confirmação do fato de cada processo constituído por um serviço secreto (de qualquer nação) ser composto exclusivamente por recortes de jornal.

As “extraordinárias” revelações norte-americanas sobre os hábitos sexuais de Berlusconi apenas relatam o que há meses se anda a ler em qualquer jornal (exceto naqueles de que Berlusconi é proprietário), e o perfil sinistramente caricatural de Kadhafi era já há muito tempo matéria para piadas dos artistas de palco.

A regra segundo a qual os processos secretos não devem ser compostos senão por notícias já conhecidas é essencial à dinâmica dos serviços secretos, e não apenas neste século. Se for a uma livraria consagrada a publicações esotéricas, verá que cada obra (sobre o Graal, o mistério de Rennes-le-Château, os Templários ou os Rosa-Cruz) repete exatamente o que já tinha sido escrito nas obras precedentes. E isso não apenas porque o autor de textos ocultos não gosta de fazer investigações inéditas (nem sabe onde procurar notícias sobre o inexistente), mas porque os que se dedicam ao ocultismo só acreditam naquilo que já sabem e que confirma o que já tinham aprendido.

É o mecanismo do sucesso de Dan Brown. E vale para os arquivos secretos. O informador é preguiçoso, e preguiçoso (ou de espírito limitado) é o chefe dos serviços secretos (caso contrário, podia ser, quem sabe, editor do Libération), que não reconhece como verdade a não ser aquilo que reconhece. As informações ultrassecretas sobre Berlusconi, que a embaixada norte-americana em Roma enviava ao Departamento de Estado, eram as mesmas que a Newsweek publicava na semana anterior.

Então porquê tanto barulho em torno das revelações destes processos? Por um lado, dizem o que qualquer pessoa informada já sabe, nomeadamente que as embaixadas, pelo menos desde o final da Segunda Guerra Mundial e desde que os chefes de Estado podem telefonar uns aos outros ou tomar um avião para se encontrarem para jantar, perderam a sua função diplomática e, à exceção de alguns pequenos exercícios de representação, transformaram-se em centros de espionagem. Qualquer espectador de filmes de investigação sabe isso perfeitamente e só por hipocrisia finge ignorar.

No entanto, o fato de ser exposto publicamente viola o dever de hipocrisia e serve para estragar a imagem da diplomacia norte-americana. Em segundo lugar, a ideia de que qualquer pirata informático possa captar os segredos mais secretos do país mais poderoso do mundo desfere um golpe não negligenciável no prestígio do Departamento de Estado. Assim, o escândalo põe tanto em cheque as vítimas como os “algozes”.

Mas vejamos a natureza profunda do que aconteceu. Outrora, no tempo de Orwell, podia-se conceber todo o poder como um Big Brother, que controlava cada gesto dos seus súbditos. A profecia orwelliana confirmou-se plenamente desde que, controlado cada movimento por telefone, cada transação efetuada, hotéis utilizados, autoestradas percorridas e assim por diante, o cidadão se foi tornando na vítima integral do olho do poder. Mas quando se demonstra, como acontece agora, que mesmo as catacumbas dos segredos do poder não escapam ao controle de um pirata informático, a relação de controle deixa de ser unidirecional e torna-se circular. O poder controla cada cidadão, mas cada cidadão, ou pelo menos um pirata informático – qual vingador do cidadão –, pode aceder a todos os segredos do poder.

Como se aguenta um poder que deixou de ter a possibilidade de conservar os seus próprios segredos? É verdade, já o dizia Georg Simmel, que um verdadeiro segredo é um segredo vazio (e um segredo vazio nunca poderá ser revelado); é igualmente verdade que saber tudo sobre o caráter de Berlusconi ou de Merkel é realmente um segredo vazio de segredo, porque releva do domínio público; mas revelar, como fez o WikiLeaks, que os segredos de Hillary Clinton são segredos vazios significa retirar-lhe qualquer poder. O WikiLeaks não fez dano nenhum a Sarkozy ou a Merkel, mas fez um dano enorme a Clinton e Obama.

Quais serão as consequências desta ferida infligida num poder muito poderoso? É evidente que, no futuro, os Estados não poderão ligar à Internet nenhuma informação confidencial – é o mesmo que publicá-la num cartaz colado na esquina da rua. Mas é também evidente que, com as tecnologias atuais, é vão esperar poder manter conversas confidenciais por telefone. Nada mais fácil do que descobrir se e quando um Chefe de Estado se desloca de avião ou contatou um dos seus colegas. Como poderão ser mantidas, no futuro, relações privadas e reservadas?

Sei perfeitamente que, no momento, a minha visão é um pouco de ficção científica e, por conseguinte, romanesca, mas vejo-me obrigado a imaginar agentes do governo a deslocar-se discretamente em diligências de itinerários incontroláveis, portadores de mensagens que têm de ser decoradas ou, no máximo, escondendo as raras informações escritas na sola de um sapato. As informações serão conservadas em cópia única, em gavetas fechadas à chave: afinal, a tentativa de espionagem do Watergate teve menos êxito do que o WikiLeaks.

Já tive ocasião de escrever que a tecnologia avança agora a passo de caranguejo, ou seja para trás. Um século depois de o telégrafo sem fios ter revolucionado as comunicações, a Internet restabeleceu um telégrafo com fios (telefônicos). As fitas de vídeo (analógicas) permitiram aos investigadores de cinema explorar um filme passo-a-passo, andando para trás e para diante, descobrindo todos os segredos da montagem; agora, os CD (digitais) permitem saltar de capítulo em capítulo, ou seja por macro porções. Com os trens de alta velocidade, vai-se de Roma a Milão em três horas, enquanto, de avião, com as deslocações que implica, é necessário três horas e meia. Não é, pois, descabido que a política e as técnicas de comunicação voltem ao tempo das carruagens.

Uma última observação. Antes, a imprensa tentava compreender o que se tramava no segredo das embaixadas. Atualmente, são as embaixadas que pedem informações confidenciais à imprensa.

Traduzido em PresseEurop, Portugal, disseminado pelo pessoal da Vila Vudu e adaptado para o português brasileiro pelo Viomundo
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quinta-feira, julho 30, 2009

Umberto Eco: Berlusconi, o inimigo das liberdades



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O chefe do governo quer amordaçar a informação. E na nossa sociedade doente parece que a maioria dos italianos também está disposta a aceitar esta infração. Porém, o intelectual famoso diz: “Não estou de acordo”.

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Por Umberto Eco*


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Não sei se será o pessimismo devido à idade avançada, se a lucidez que a idade traz consigo, mas tenho as minhas dúvidas, não isentas de ceticismo, quanto a intervir a instâncias das redações em defesa da liberdade de imprensa. O que pretendo dizer é que, quando alguém tem de intervir em defesa da liberdade de imprensa é porque a sociedade, e com ela uma grande parte da imprensa, já está doente. Nas democracias a que podemos chamar “fortes” não é preciso defender a liberdade de imprensa, porque não lembra a ninguém limitá-la.
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Essa é a primeira razão para o meu ceticismo, de onde deriva todo um corolário. O problema italiano não é Sílvio Berlusconi. A história, diria eu desde Catilina para a frente, está contaminada por aventureiros não isentos de carisma, com muito pouco sentido de Estado, mas com um sentido agudo dos seus próprios interesses, que desejaram instaurar um poder pessoal passando por cima dos parlamentos, magistraturas e constituições, distribuindo favores pelos seus cortesãos e (às vezes) cortesãs e identificando o seu próprio prazer com o interesse da comunidade. O que acontece é que tais homens nem sempre conquistaram o poder a que aspiravam, porque a sociedade não o permitiu. Quando a sociedade o permitiu, porquê levar a mal esses homens e não a sociedade que lhes deixou fazer o que queriam?


Lembro-me sempre de uma história contada pela minha mãe, que com vinte anos tinha conseguido um bom emprego como secretária e datilógrafa de um deputado liberal. Deputado liberal, foi o que eu disse. No dia seguinte à subida ao poder de Mussolini, o deputado em questão disse assim: “Mas, no fundo, com a situação em que se encontra a Itália, pelo menos esse homem sabe como pôr as coisas em ordem”. Pois bem, se se instaurou o fascismo não foi devido à personalidade enérgica de Mussolini (oportunidade e pretexto), mas sim à indulgência e consentimento daquele deputado liberal (representante exemplar de um país em crise).
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Por conseguinte, é inútil virarmo-nos contra Berlusconi que, digamos assim, faz o seu papel. Quem aceitou o conflito de interesses, quem aceita as rondas, quem aceita a lei Alfano [lei que garantiria a imunidade aos quatro mais altos cargos do Estado – N.T.] e quem agora aceitaria sem grandes pruridos a mordaça que puseram à imprensa (por enquanto de forma experimental), se não fosse o presidente da República levantar reservas, é a maioria dos italianos. Se uma cuidadosa censura da Igreja não estivesse neste momento a turvar a consciência pública, esta mesma nação aceitaria sem vacilar e incluso com uma certa cumplicidade maliciosa que Berlusconi recebesse acompanhantes, mas isso depressa estará ultrapassado, porque os italianos e os bons cristâos em geral desde sempre foram às putas, por muito que o padre diga que não está bem.

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Porque dedicar então a estes alarmes um número do L’Espresso, se sabemos que o jornal vai chegar às mãos de quem já está convencido destes riscos da democracia e, em contrapartida, não será lido por quem está disposto a aceitá-los desde que não lhe faltem com a ração de Big Brother e que de muitos casos político-sexuais no fundo bem pouco sabe porque uma informação em grande parte submetida a controle nem sequer se lhes refere?
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Porque fazê-lo? O porquê é muito simples. Em 1931, o fascismo impôs aos professores universitários, que então eram 1.200, um juramento de fidelidade ao regime. Apenas se recusaram 12 (1%), que perderam o lugar. Há quem diga 14, mas isso mais não faz que confirmar até que ponto o fato passou então despercebido, deixando uma memória um tanto vaga. Muitos outros que logo seriam personagens eminentes do antifascismo do pós-guerra, inclusive aconselhados por Palmiro Togliatti ou Benedetto Croce, fizeram o juramento para poderem continuar a difundir o seu ensino. Pode ser que os 1.188 que ficaram tivessem razão, por diferentes motivos, todos eles respeitáveis. Mas os 12 que disseram não salvaram a honra da Universidade e, em definitivo, a honra do país.

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É essa a razão para às vezes se ter que dizer não, ainda que se seja pessimista e se saiba que não vai servir para nada.

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Pelo menos que a gente possa um dia dizer que o disse.
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* Umberto Eco, escritor, é diretor da Escola Superior de Ciências Humanas na Universidade de Bolonha. Texto publicado no jornal italiano L'Espresso. Tradução: Jorge Vasconcelos para ODiario.info.

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O Diário.info
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in Vermelho - 29 DE JULHO DE 2009 - 13h52
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