A Internacional

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quinta-feira, abril 20, 2017

Quando Portugal ardeu por Miguel Carvalho


por Miguel Carvalho
entrevistado por Nuno Ramos de Almeida
Vivemos em democracia, mas também vivemos numa mentira. A nossa memória histórica foi amputada de muito do que se passou. O jornalista Miguel Carvalho escreve um livro,Quando Portugal ardeu [1] , em que se resgata parte da história de Portugal. Nestas quase 600 páginas ficamos a saber que nos venderam um conto de fadas em que os maus vermelhos e totalitários foram derrotados por um grupo de pacíficos democratas impolutos e respeitadores da liberdade. Por baixo do tapete ficaram escondidos anos de terror e mais de 560 ataques da "rede bombista", que aterrorizaram os militantes pró-revolução e mataram muita gente.

Depois de escrever este livro, acha que vai ter problemas? 

(Risos) Confesso que tenho pensado bastante nisso, pelo seguinte: uma das pessoas com quem eu tentei falar para este livro foi Ramiro Moreira. Recusou. Eu não fiz o contacto direto com ele, usei uma cunha de uma pessoa muito próxima dele, e ele, quando ouviu falar do meu nome, disse: "Eu não falo com esse filho da puta." Ele tinha-me processado há uns anos por causa do Apito Dourado, por eu ter referido num texto as suas ligações ao Valentim Loureiro. E processou-me, não por eu ter feito referência a esse negócio, mas por lhe ter chamado bombista. Obviamente, acedi a muita documentação sobre ele, cartas pessoais e elementos dos processos, mas queria falar com ele.

Acedeu à gravação da sua confissão? 

Sim, já a conhecia, o Diário de Lisboa publicou-a na altura e agora ouvi-a. Tem havido uns zunzuns de pessoas que já leram o livro, dos vários lados da barricada, que me têm telefonado a dizer: "Eh pá, se calhar, na sessão de apresentação é melhor ter cuidado", mas confesso que não tenho levado muito a sério.

Esses operacionais da altura já devem estar velhinhos e com alguma dificuldade de locomoção, mas há um conjunto de interesses ligados à "rede bombista" que são revelados e postos a nu no seu livro. 

Há uma série de coisas que nunca tinham sido reveladas. Para este nível de pormenor que o livro revela contribui o facto de muita gente ter falado, passado mais de 40 anos, e a muita documentação consultada. As recusas de gente para falar para o livro mostraram-me que o assunto ainda está quente. Tive três tipos de recusas: a primeira foi do género de contactar o advogado x ou a figura y, pessoa que esteve bastante envolvida a nível processual no julgamento da "rede bombista" e que agora diz que não lhe convém nada, porque é advogado de empresas conhecidas, ser lembrado como advogado das forças de esquerda. Segundo tipo de recusa, mais expectável, é do género: "Eh pá, não me meta nisso porque os meus filhos estudam na universidade z, não sabem o que o pai fez e não quero ser associado a isso." E a terceira recusa, que vai ao encontro da sua pergunta: "Não me meta nisso porque isto foi no século passado, mas não foi assim há tanto tempo, em termos temporais foi ontem, e ainda há muita gente que sabe fazer as bombas, portanto deixe-me em paz."

Uma coisa que se percebe no seu livro é que, para além de Joaquim Ferreira Torres [empresário ligado à rede que foi morto a tiro quando seguia ao volante do seu Porsche vermelho, em 21 de agosto de 1979], se percebe que ao longo dos anos houve bastante gente que desapareceu de forma misteriosa. 

Nomeadamente, alguns operacionais da FLAMA [movimento independentista de extrema-direita da Madeira] que apareceram, como eles gostam de dizer, "suicidados", e o Ferreira Torres, de que fala. Este é um caso que ficou sem conclusão, apesar de, na fase final da investigação, com os cacos deixados por investigações policiais anteriores direcionadas para que nada se soubesse, se terem conseguido algumas pistas. Na parte do livro sobre o ex-coronel Ferreira da Silva [que dirigiu as investigações à "rede bombista"], ele relata uma conversa que teve com um elemento do esquadrão Chipenda [grupo ligado à FNLA - Frente Nacional de Libertação de Angola, que estava em guerra com o MPLA e, em Portugal, associou-se a atos de violência da extrema-direita e da "rede bombista"] que lhe diz, numa boate, que foram eles que mataram o Ferreira Torres por uma questão de dinheiros.

Ele também interpreta como uma ameaça a abordagem, salvo erro no Tamila, de quem diz: "Sabemos quem tu és e sabemos como te encontrar." 

As duas coisas. Ele sabe que é isso, mas também dá crédito à informação. Fica convicto de que lhe estão a contar a verdade, fruto das várias histórias que sabia e investigou. Ele meteu a mão na massa e sabia bem o que tinha um fundo de verdade. Aquilo também foi uma forma de o avisar e de lhe dizer: "Aquilo foi tão perfeito, já sabe o que lhe pode acontecer." Eu consultei o processo Ferreira Torres e muita papelada ligada à matéria, e nunca vi nesses documentos uma afirmação tão direta sobre o motivo eventual do crime. Insinua-se em muitos lugares sobre os negócios e o dinheiro que teria ido para a "rede bombista" à sombra do MDLP [Movimento Democrático de Libertação de Portugal, juntamente com o ELP - Exército de Libertação de Portugal, a principal organização política da rede, dirigida pelo, na altura, general no exílio António de Spínola]. Mas nunca se fala claramente, nessa conversa, sobre as fortunas que ajudou a passar para Espanha e os valores e negociatas à sombra da organização terrorista. Com tudo isso, não é difícil de imaginar que esse elemento do esquadrão Chipenda estivesse a falar verdade quando confessou que Joaquim Ferreira Torres tinha sido morto por causa de "negócios mal resolvidos".

Uma das coisas que não são totalmente novidade, porque já era revelada no livro "A Descoberta de Uma Conspiração", do jornalista Günter Wallraff [2] , é a promiscuidade entre os "democratas" do atual regime e os bombistas: eles eram uma espécie de plano B dos "democratas". 

É precisamente este lado sombrio da história que é importante. Embora eu tenha consciência de que não é este livro que o consegue revelar. Eu tenho um ponto de vista e não abdico dele: quero provar, sem nenhum tipo de ajuste de contas, que a narrativa oficial diz que estivemos à beira de uma ditadura de esquerda quando estivemos muito mais próximos de um golpe de extrema-direita. A direita não foi tão ordeira e civilizada como hoje nos querem fazer crer.

Há muito mais gente assassinada pela "rede bombista" do que pelas FP25. 

Estamos cansados de ouvir que o 25 de Novembro foi o princípio da "normalidade democrática" quando os atentados mais mortais da "rede bombista" foram depois dessa data e já corria o ano de 1976. Ninguém dá resposta para isso. A única coisa que nos pode valer é a confissão do Ramiro Moreira, em agosto de 1976, em que ele diz para um gravador: "Interessava que continuasse a haver bombinhas." Porque havia uma série de frustrados com a independência de Angola e porque os comunistas continuavam a existir. Duas das coisas que essa gente assumiu como os objetivos do seu combate, impedir a independência de Angola e liquidar os comunistas, não tinham acontecido.

Não era também uma espécie de chantagem das almas negras para os novos donos do poder e seus anteriores cúmplices? 

Onde quer chegar?

Há setores do CDS, PSD e até PS que aparecem, no seu livro, a colaborar e a apoiar a "rede bombista". Coloca no seu livro um chefe da segurança do PS, preso por causa das chamadas armas de Edmundo Pedro [armas dadas pela direita militar e o Grupo dos Nove ao PS] a dizer na cadeia ao Ramiro Moreira: "Cala-te senão ainda apareces morto." 

Eu não sou ingénuo, mas confesso que o grau de envolvimento de setores do PS com a "rede bombista" é muito maior que eu imaginava.

Setores ou implica a própria direção? 

Há zonas do país em que as diretrizes do PS não são seguidas. Se, em Braga, o dirigente da distrital do PS é um dos grandes organizadores da manifestação da Igreja [que acaba com o assalto e incêndio da sede do PCP], há outras pessoas, como um dirigente do PS de Viana do Castelo, que se recusam a cumpri-las. Esse dirigente demite-se porque não quer obedecer a uma ordem do Largo do Rato sobre um envio de armas.

No seu livro até há um bombista a dizer que colocou um petardo na sede do PS do Largo do Rato, no dia do debate televisivo com o Cunhal, a mando do próprio Partido Socialista, para se vitimar. E quem acaba por indultar o Ramiro Moreira não foi o Eanes. 

Pois não. Foi o Soares. O próprio julgamento da "rede bombista", a própria forma como o julgamento terminou deve muito às manobras do governo PS da altura. Não me custa nada fazer minhas as palavras do advogado Levy Baptista de que o julgamento da "rede bombista" foi uma farsa. Aquilo ter ido para o fórum militar foi uma forma de condicionar uma data de coisas; o papel de Almeida Santos nesse assunto está por esclarecer; o próprio papel de Mário Soares não é claro. Relembro que, depois dos acontecimentos em Rio Maior [manifestação, a 13 de julho de 1975, que culminou em assaltos às sedes do PCP e FSP], Soares faz um comício em Rio Maior em que diz, "Era bom que este exemplo fosse seguido em várias zonas do país", e a Igreja aproveita logo as declarações em várias dioceses. Uma coisa espantosa, mesmo conhecendo bem a documentação desse período, são as coleções do Diário do Minho [jornal de propriedade da Igreja], que quase chegam a ser uma espécie de Ação Socialista daquele período: abundam fotos e elogios ao Mário Soares.

Outra coisa impressionante no seu livro é a dimensão de guerra suja, com operações de provocação que podiam ter custado centenas de vidas, como da vez em que pediram a Ramiro Moreira para colocar 100 quilos de explosivos no Santuário de Fátima para depois acusarem os comunistas do massacre. 

Não tenho dúvidas de que é verdade. Acho que quando o Ramiro Moreira é genuíno é quando foi ouvido, poucas horas depois de ser detido, não é quando em 1991 é indultado e reescreve a história, e diz que têm de lhe erguer uma estátua porque ele lutou pela democracia. Ele é verdadeiro quando está assustado e está convencido de que, "abrindo o livro", pode ser salvo.

É muito curioso o facto de ter sido o próprio Sá Carneiro, de quem Ramiro Moreira tinha sido guarda-costas, a expulsá-lo do PSD, dizendo: "Eu não posso ter um bombista no partido". 

Francisco Sá Carneiro não era um líder político como os de hoje, que são completamente viciados no aparelho.

Soares também não era viciado no aparelho e tinha um historial impressionante... 

Havia uma diferença entre os dois na forma como ligavam com a estrumeira dos respetivos aparelhos. Sá Carneiro, quando começa a saber do envolvimento de certas figuras do PSD, nomeadamente Ramiro Moreira, que não era só segurança, era militante número 7 do partido, tinha feito parte da comissão política distrital do Porto, tinha sido levado ao colo por Mota Freitas, essa figura altamente protegida pelos militares... Quando Sá Carneiro chama Ramiro Moreira a casa e lhe diz, "Meu amigo, ou entregas o cartão ou és expulso", isso é uma tentativa, admito que já desesperada, de que o partido não resvale par aí. Podemos discutir se o conseguiu ou não, até porque o PPD aparece envolvido em muita coisa. Já os militantes do CDS aparecem bastante envolvidos, são eles que fazem grande parte das ligações, em algumas regiões, da Igreja com a "rede bombista". Basílio Horta chega a reunir com os responsáveis da Igreja, que lhe dizem o que estão a fazer. Claro que ele, depois, diz que não alimentaram isso, mas ele sabia o que estava a ser preparado. Espantoso, para mim, é o grau de envolvimento dos setores do PS nisso. O que me leva a tirar a conclusão de que – não sou o primeiro a tirá-la – o Partido Socialista se aliou a tudo para combater o PCP.

Os contactos de Günter Wallraff, a fingir de traficante de armas, com Spínola para armar um golpe de Estado de extrema-direita são posteriores ao 25 de Novembro? 

São anteriores. Quando Wallraff vem a Portugal, ainda os Corrécios [bando liderado por Eduardo Oliveira que cometia grande parte das agressões e atentados contra militantes de esquerda na zona de Braga] estavam em liberdade.

Aliás, o primeiro contacto que Günter Wallraff diz ter com alguém da "rede bombista" é uma conversa que tem, por acaso, com um homem com um cão que é o próprio líder dos Corrécios. 

Alguns pormenores do livro do jornalista alemão podem ter sido romanceados mas, no geral, ele é rigoroso. Na altura, o semanário O Jornal foi conferir os dados do livro e concluiu que eram verdadeiros. Há vários elementos do ELP e do MDLP que vêm confirmar que o livro acertava em cheio. Quando me perguntam como era possível os bombistas, como os Corrécios, irem gabar-se dos seus atos para os cafés, eu respondo: muito facilmente, grande parte do país era anticomunista e era fácil fazê-lo sem nenhuma consequência.

Um dado desconhecido pela maior parte das pessoas é a cumplicidade de membros do Conselho da Revolução com a "rede bombista". 

Tanto o Canto e Castro como o Vítor Alves sabiam o que estava a acontecer e quem eram as pessoas que estavam por detrás dessas ações. O Vítor Alves "aterrou" várias vezes em casa do Joaquim Ferreira Torres. Aliás, há um frase do Joaquim Ferreira Torres, quando o vê na televisão, que diz: "Este filho da puta veio tantas vezes jantar a minha casa e comer o meu fumeiro e, afinal, não fez nada do que se comprometeu." Para além de tudo isso, está também por esclarecer o papel de Ramalho Eanes em tudo isto.

Mas ele parece ter infletido uma eventual cumplicidade. O grau de ódio que Ramiro Moreira manifesta contra Eanes é um pouco indicador disso. Até no seu livro, o coronel Ferreira da Silva fala elogiosamente do grau de distanciamento que Eanes teve com as investigações quando era Presidente. 

Mas o grau de compromisso dele com tudo o que ardia é muito maior do que se pensa. Lê-se em vários documentos e em depoimentos de várias pessoas que há muita gente que suspeita do seu envolvimento. O próprio Álvaro Guimarães, diretor da Polícia Judiciária do Porto, afirma que um dos objetivos do Eanes foi colocar um espião na PJ para controlar os movimentos da Judiciária e saber o que a investigação sabia.

... Lencastre Bernardo. 

Sim.

Não falou com Ramalho Eanes? 

Não, e confesso que não tentei. O objetivo do livro era sobretudo ouvir uma data de gente que, apesar de não ser conhecida, tem mais coisas a dar. Quando eu digo que não acho que haja um esclarecimento total do seu envolvimento naquele período, não penso que fosse conversando com ele que isso se conseguiria apurar. Acho que seria mais importante ouvir pessoas que estiveram com as mãos na massa, investigaram e produziram muita documentação.

Mas o seu livro acaba por ficar na mesma situação em que ficaram as investigações judiciais: os executantes da arraia miúda foram apanhados e logo libertados, os mandantes foram falados mas permaneceram intocados, e quem politicamente estava por detrás nunca foi incomodado. 

Essa situação resulta de uma estratégia intencional por parte do poder. Para conseguir que as coisas não se saibam. Quando eu, para fazer este livro, me deparo com a proibição de aceder a alguns arquivos, isso tem o objetivo de conseguir que muita coisa fique escondida. Assiste-se a uma privatização da memória pública. Tudo isso é feito dentro da lei, mas se eu quero consultar o processo de Eduardo Corrécio, que foi condenado a dois anos e meio de prisão por posse de armas – e tudo o que foi dito naquele julgamento é importante para perceber o grau de cumplicidade daquele gangue com aqueles movimentos e os responsáveis políticos –, esse processo é-me negado com o argumento de que ou é autorizado por ele ou, caso ele tenha morrido, a família tem de autorizar. De modo que espero sentado.

Isso é legal, o processo não tem de ser público? 

Eu acho que sim, mas está protegido. Como está protegido o depoimento prestado por Ramiro Moreira a uma das comissões ao acidente/atentado de Camarate. O depoente só aceitou fazer o depoimento quando lhe garantiram que nunca seria tornado público. Se pedir à Assembleia da República, a resposta que lhe vão dar é que o Ramiro tem de autorizar. Aliás, há muitas atas dessa comissão que são impossíveis de conseguir. Isto é tudo formalmente legal. Mas, para mim, isso é uma privatização da memória pública. Legitima que se possa pensar que isto não é por acaso: se calhar, sabendo-se tudo sobre a "rede bombista", algumas biografias vão ficar desfocadas.

Já teve algumas reações? 

Há muitas. Gente que leu e ficou impressionada com o grau de envolvimento de parte dos políticos nestes acontecimentos, mas ameaças e outras coisas não me têm feito chegar.

Bastante mais calmo do que seria há alguns anos. Conseguiu falar com os Corrécios? 

Mais uma vez, houve a possibilidade de falar com o Eduardo Corrécio, mas eu obtive muita documentação sobre o processo e sobre as investigações, e não insisti porque, mais uma vez, não tinha qualquer garantia da fiabilidade dos depoimentos que conseguisse obter. Confio mais naquilo que foi dito na época do que na reescrita que fizeram depois. O Ramiro Moreira é um bom exemplo disso: eu li todas as entrevistas que ele deu, li muita documentação, cartas pessoais, coisas que nunca vieram a público, elementos do processo, e isso é bastante mais fiável do que a reescrita que ele faz da história e da sua participação nesses acontecimentos que fez nas suas últimas entrevistas.

E o Ramiro Moreira terá lido o livro? 

A única coisa é que o Ramiro Moreira ligou a um camarada de profissão que escreveu sobre o livro, dizendo, indignado, como é que essas coisas serão lembradas. Terá dito que não fez só coisas boas, mas porquê só lembrar coisas desse período. Não passou disso. O próprio depoimento do José Silva Santos no livro é um pouco exemplo deste estado de espírito: um homem que, no âmbito daquele processo, desmente tudo aquilo de que o acusam e, 40 anos depois, confirma tudo: "Sim, o carro foi armadilhado aqui, eu até fiz a ponte com a Igreja."

Agora, há outros, como o cônsul dos EUA no Porto, que, pelo seu depoimento, ficamos a saber que ele só organizava chás e sessões de relações públicas, e que nunca viu um espião da CIA... 

O homem que está no centro do furacão e que garante que a sua vida não passava de jogar golfe. Mas é importante o seu depoimento estar aí. É o relato de alguém que tenta reescrever o sucedido, como quando ele diz que isto tudo não passou de uns tipos a baterem com o guarda-chuva na cabeça uns dos outros. 
12/Abril/2017

[1] Miguel Carvalho, Quando Portugal ardeu , Oficina do Livro, 2017, 560 p., ISBN: 9789897416675
[2] Günter Wallraff, A descoberta de uma conspiração , Bertrand, 1976, 242 p. 


O original encontra-se em ionline.sapo.pt/558127 
http://resistir.info/portugal/quando_portugal_ardeu.html

terça-feira, outubro 30, 2012

Raquel Varela - “vale tudo no amor e na guerra”… de classes!

 

“vale tudo no amor e na guerra”… de classes!

Um texto imprescindível da greve dos estivadores e dos papel dos sindicatos, escrito pelo sociólogo Alan Stoleroff, do  IUL-ISCTE, que aqui publico com a sua autorização.
All’s fair in love and (class) war
Em consonância com a conhecida expressão inglesa, no amor e na guerra vale tudo e, sobretudo, quando se trata de guerra de classes. E é disso que se trata na crise em curso, uma guerra de classes de grande envergadura. Em Portugal, neste momento, esta guerra tem várias frentes. Todas possuem importância na ofensiva do capital e dos seus gestores políticos neoliberais e todas têm importância para a defesa dos direitos da população trabalhadora pelos sindicatos. Contudo, está em curso uma batalha específica que pode determinar o curso da guerra – o conflito em torno da flexibilização do trabalho portuário e a greve dos estivadores.
O governo e o patronato estão a jogar com a ignorância e a indiferença da população para efectuar grandes transformações na operação dos portos mas, no Sindicato dos Estivadores, Trabalhadores do Tráfego e Conferentes Marítimos do Centro e Sul de Portugal, uma associação que beneficia de uma sindicalização de quase 100% nos portos incluídos no seu âmbito, encontraram um obstáculo aos seus planos.
Este sindicato está convicto de que o Acordo para o Mercado de Trabalho Portuário celebrado pelas Associações dos Operadores, a UGT e a Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores Portuários, bem como a legislação subsequente produzida pelo governo, visam a desregulação de normas estabelecidas para o seu trabalho e o funcionamento dos portos, um esvaziamento dos legítimos direitos conquistados pelos trabalhadores portuários, despedimentos em larga escala, um incremento da precariedade e redução do emprego dos trabalhadores cobertos pela contratação colectiva.
O governo e o patronato argumentam que a flexibilização do trabalho portuário é necessária para aumentar a competitividade dos portos portugueses, e vários grupos económicos fortes (nomeadamente o Mota Engil) estão posicionados para retirar os benefícios das transformações conseguidas, de forma a ampliar os seus lucros e o seu espaço de intervenção nos portos e zonas logísticas adjacentes.
É verdade que a competitividade dos portos portugueses poderia ser melhorada. Mas o governo e os empregadores põem o ónus da falta de competitividade sobre as normas de trabalho portuário. Todavia, será que o problema essencial da competitividade dos portos portugueses incide no custo do trabalho resultante da sua regulação?
Analisando dados comparados relativos à competitividade, destacam-se como mais relevantes os dados referentes aos custos comparados da exportação e importação de um contentor. De facto, em termos dos custos totais, Portugal está relativamente bem posicionado nos rankings calculados pelo Banco Mundial, encontrando-se em terceiro lugar em relação à exportação (atrás de Singapura e da Finlândia) e em sexto lugar em relação à importação (atrás de Singapura, da Finlândia, da Noruega, da Suécia e da Dinamarca). Em primeiro lugar, deveremos registar destes rankings a observação de que a competitividade não é, necessariamente, um resultado simples do grau de regulação do trabalho portuário e do custo do trabalho, sendo que os portos dos países escandinavos, com os seus fortes sistemas de relações laborais, se apresentam entre os mais competitivos. Em segundo lugar, a contribuição do custo da movimentação da carga nos portos tem de ser relativizada. Efectivamente, Portugal não está muito competitivo neste indicador mas, mais uma vez, a superior competitividade dos países escandinavos em termos destes custos demonstra que o custo do trabalho não é, necessariamente, um factor que impede a competitividade. Factores como a gestão, a tecnologia e a logística entrarão, realmente, com mais peso neste cálculo. Sim, é possível aumentar a competitividade neste campo à custa da retribuição pelo trabalho portuário à moda chinesa – como fizeram os gregos no porto de Pireus, entregando uma parte da zona portuária à administração de uma empresa chinesa. Mas será uma solução inteligente? As condições de trabalho dos trabalhadores gregos sob gestão chinesa são muitíssimo precárias e há uma discrepância significativa no seu nível salarial em relação aos outros portos gregos, sendo essa a razão pela qual a gestão chinesa atingiu a sua melhoria de competitividade. Em terceiro lugar, é outra vez evidente, pelo posicionamento medíocre de Portugal em relação ao custo dos aspectos administrativos e burocráticos envolvidos na movimentação da carga, que o governo poderia fazer muito, neste domínio, para melhorar a competitividade dos portos portugueses. Então, por que é que governo e o patronato canalizam os seus esforços para a flexibilização do trabalho portuário?
A resposta tem a ver com a ofensiva geral do capital, do governo e da troika, aproveitando a crise, contra o que resta de um modelo de relações laborais baseado na regulação do mercado de trabalho através da contratação colectiva. Também tem a ver com os interesses dos grupos económicos que estão prontos para se aproveitarem de novas áreas de negócio portuário, abertas pela transformação das relações laborais estabelecidas.
Quanto ao custo do trabalho portuário, os estivadores grevistas estão a ser vítimas de  uma campanha de desinformação (quiçá intoxicação!), na comunicação social, que procura isolar os estivadores e culpabilizá-los pelos direitos que têm conquistado desde a década de 1980, na sequência das mudanças tecnológicas nos portos. Nesta campanha várias celebridades mediáticas têm vindo a prestar um serviço ao governo e ao patronato. A mentira mais comum é de um sadismo terrível: a afirmação de que os estivadores ganham 5000€ mensais! Quem poderia sentir simpatia ou solidariedade por trabalhadores “braçais” que ganham mais do que um professor catedrático? A ideia transmitida é a de que estes trabalhadores são uns privilegiados que fazem greves fortuitas e que estarão a explorar os… empregadores!!
Num programa recente no canal televisivo SIC Notícias, Sónia Almeida, mulher de um estivador, fez a pergunta relevante: “Em que é que estas figuras baseiam as suas afirmações difamatórias dos estivadores?”. Em primeiro lugar, relativamente à afirmação dos 5000€, trata-se (infelizmente) de uma ficção inventada. Não é verosímil que entre os estivadores em greve hajam muitos trabalhadores que cheguem a salários mensais regulares de 5000€ com base no regime de trabalho normal, desde logo porque uma percentagem importante dos estivadores corresponde a trabalhadores eventuais que trabalham em função dos pedidos das empresas, podendo ser trabalhadores em situação precária ou temporária.
Mas, sim, de facto, é possível chegar a ganhar 5000€ por mês no trabalho portuário. Vamos ver como. A partir da tabela salarial actualmente em vigor e pelo contrato colectivo, consegue-se fazer alguns cálculos simples aplicados a uma das muito variadas combinações possíveis de prestações retribuídas. Trata-se de um horário de serviço extremo – mas o exemplo é útil porque na realidade as condições de laboração, os horários e a duração de trabalho nos portos são tipicamente extremos!
Por exemplo, um trabalhador da mais alta categoria da carreira – superintendente – poderia trabalhar 16 horas por dia, durante 22 dias seguidos, e mais 8 horas por dia todos os Sábados e Domingos do mês. Com esse horário, ele pode chegar a ganhar até aproximadamente 5.685.02€ (incluindo o subsídio de alimentação). Mas vamos analisar estas quantidades: 1) O vencimento de base do superintendente é 1.996,65€, mas 2.326,06€ no total se receber o subsídio de turno e por trabalho nocturno.[1] 2) O trabalho suplementar em dias úteis além do primeiro turno de 8 horas (ou seja, uma semana de 40 horas) – que pelo contrato colectivo é obrigatório quando a empresa mandar e isso acontece regularmente – teria de ser pago, até à aplicação do novo Código do Trabalho, com base numa retribuição estabelecida convencionalmente por turnos; portanto, estamos a calcular 6 horas por dia adicionais a 97,68€ por dia.[2] 3) No fim da semana, o trabalho suplementar tem mais um acréscimo de valor. Pelo primeiro turno o superintendente ganharia 113,57€.
Portanto, este exercício baseou-se evidentemente numa combinação simplificada mas intensiva de prestações e todos os valores referidos referem-se a salários brutos. Podiam-se fazer inúmeras simulações de horários para chegar aos 5.000€ por mês mas isso não adiantaria muito. (Por exemplo, podia tomar em conta ainda os horários de 24 horas seguidas que são uma realidade demasiadamente frequente para alguns trabalhadores.) O facto é que para lá chegar é preciso um regime de trabalho brutal que implicasse viver apenas para o trabalho. Por trabalhar tanto, o trabalhador mereceria não só os 5000€ mas, ainda, o bónus de um Porsche, tal e qual o terceiro carro do seu patrão, e, por último, um caixão de ouro no fim do ano! Por outro lado, o exemplo baseia-se na categoria mais alta da carreira, um trabalhador com responsabilidades exigentes em relação ao trabalho portuário. Para um horário de trabalho igual, o trabalhador médio do Porto de Lisboa (de base tipo B-V) chegaria a ganhar aproximadamente 4.412,58€. Esta retribuição processa-se em função do contrato colectivo e a lei com respeito ao trabalho suplementar. (Com a aplicação do novo Código de Trabalho os valores para o trabalho suplementar podem vir a descer significativamente!) Ora, não faz o mínimo sentido apontar o dedo aos vencimentos daqueles casos de trabalhadores que conseguem de vez em quando realizar um regime de trabalho brutal – o que implica o sacrifício do direito de descanso em troca da retribuição obtida – a não ser que se queira realmente atacar os níveis salariais estabelecidos convencionalmente. E na realidade toda esta história tem por objectivo a reivindicação do governo, patronato e troika de baixar a base salarial obtida pelos sindicatos na contratação colectiva. É isso que conseguiram fazer em Leixões e é isso que querem fazer no Sul!
Portanto, aqueles, como Ângelo Correia, que vieram à televisão fazer afirmações bombásticas deste tipo, têm a responsabilidade de demonstrar como tal é possível e, em vez de fazer acusações moralistas aos estivadores, explicar o que está em causa.
Ao contrário do que foi afirmado, televisivamente, por Ângelo Correia, a nova legislação não visa uma redistribuição “mais justa” das horas extraordinárias de um conjunto de trabalhadores, supostamente privilegiados mas, antes, a redistribuição dessas horas a novas categorias de trabalhadores precários nas áreas do trabalho em terra e de “logística” portuária. É assim que a legislação governamental visa precarizar o trabalho portuário em geral, tendo, por efeito de contágio, um impacto sobre as relações laborais dos trabalhadores sindicalizados. É, por isso, que os estivadores em greve prevêem o desemprego de uma grande parte dos trabalhadores efectivos (ou seja, os trabalhadores cedidos, diariamente, pelas ETPs empresas de trabalho portuário às empresas de estiva) e o afastamento de muitos trabalhadores eventuais, os quais terão contratos precários com essas empresas de cedência de trabalho portuário. Se permitirmos que isso aconteça nos portos, outros ramos de actividade sofrerão, por contágio, os efeitos deste modelo de flexibilização das relações de trabalho. Aliás é o contágio de uma desregulação já realizada das relações de trabalho no Porto de Leixões que está a minar o emprego em todo o sector portuário português!
Por outro lado, qual é o problema se um trabalhador ganhar bem pelo serviço prestado, de trabalho duro, para uma empresa que tem grandes lucros? É um pecado? A pobreza do proletariado do século XIX (ou em Portugal antes do 25 de Abril) será uma virtude melhor, uma meta para as relações laborais de hoje? Será que estas celebridades pensam que é preciso ser pobre para ser um operário honesto? Que argumentação perversa e mentalidade reaccionária! E qual é o problema se um trabalhador ganhar devidamente, devido à boa capacidade negocial do seu sindicato na contratação colectiva, por a sua alta produtividade permitir altos rendimentos ao seu empregador? Não é isso, supostamente, a virtude da função da contratação colectiva em democracia? Ou terá perdido a burguesia o apreço e a tolerância pela democracia e pela negociação laboral?

Vários sinais deveriam ter acordado o movimento sindical quanto à seriedade da situação mas, lamentavelmente, ainda há pouco eco do conflito no debate sindical:
1) Na última semana, várias vozes do patronato pressionaram o Governo, frontalmente, reivindicando o recurso à requisição civil. Aparentemente, o governo vai tentar evitar o risco de um confronto aberto, optando, para obter o mesmo efeito, pela alteração dos critérios dos serviços mínimos, redefinindo-os. Em vez de incidirem apenas no tratamento de produtos perecíveis e de primeira necessidade pretendem, Governo e empresas, que os grevistas tenham ainda o dever de tratar de tudo o que é indispensável à economia nacional. Como tudo o que tem a ver com a exportação – e até com a importação – pode ser invocado como indispensável à economia nacional, nesta crise, o governo vai, efectivamente, retirar força ao direito à greve. Se isso acontecer todo o movimento sindical sofrerá as repercussões desta precedência.
2) Um representante do patronato veio várias vezes a público acusar, de forma policial, o PCP e a CGTP (como se fossem uma entidade única anti-nacional) de estar por detrás da greve. Trata-se de uma táctica McCarthyista das mais elementares. Toda a gente sabe que o sindicato em questão é “independente, livre e democrático”, como rezam os seus estatutos, e que o PCP não tem influência na sua direcção. Algo diferente é que o PCP apoie, de alguma forma, a luta destes trabalhadores, o que os estivadores só poderão agradecer, como reconhecerão o apoio de todas as forças políticas que sustentem a justiça desta luta. E se há alguma convergência entre a greve e os objectivos políticos do PCP e da CGTP, isto é indicativo da situação política no país e não dos objectivos dos estivadores. Mas esse apoio valioso do PCP, e de outras forças da esquerda, de maneira nenhuma significa que se trata de uma greve fomentada por eles. Esta greve é uma resposta legítima de uma classe de trabalhadores que está a sofrer um ataque violento às suas condições de trabalho e de emprego.
Trata-se de um conflito laboral importante e legítimo – que entretanto envolve alguma divisão sindical. O acordo sobre o trabalho portuário que abriu a porta à nova legislação foi assinado pela UGT e pela Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores Portuários, federação filiada na UGT e onde se encontra filiado o Sindicato dos Estivadores de Leixões. Embora este sindicato represente, em maioria, os trabalhadores do porto de Leixões, no conjunto de portos portugueses é bastante minoritário. Quanto à UGT, a assinatura deste acordo é, infelizmente, consistente com a sua política de concertação a todo o custo, sendo muito compatível com a sua posição em relação à assinatura do “Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego”. Evidentemente, há diversas estratégias sindicais para lidar com os problemas actuais da economia e do emprego. Ora, sem querer entrar no conflito ideológico que divide, disfuncionalmente, o sindicalismo português, é preciso, contudo, constatar que a greve dos estivadores é um conflito exemplar em resposta às reivindicações patronais para a flexibilização e desregulação das relações laborais em torno da competitividade. As repercussões desta situação podem – e vão ser de certeza – sentidas muito além dos portos.
A campanha dos empregadores procura isolar os estivadores em greve da mesma maneira (embora ainda mais radicalmente) que, no geral, se procura dividir os trabalhadores do sectores público e privado no contexto das políticas de austeridade. Também cada vez mais, nos ruídos produzidos na internet e na “opinião pública”, outros trabalhadores do sector dos transportes em conflito, tais como maquinistas da CP, trabalhadores da Soflusa e da Transtejo, etc., estão a ser tratados em conjunto, como se fossem uma aristocracia de trabalho que tem uma vida privilegiada, e associam-se os conflitos, deslegitimando as reivindicações destes trabalhadores.
Os estivadores têm tido evidentes dificuldades em transmitir a sua mensagem. Embora se possa entender que entre sindicalistas da UGT haja um incómodo em relação ao conflito, devido à assinatura, pela UGT, do Acordo sobre o Mercado de Trabalho Portuário, surpreende a falta de empenho do resto do movimento sindical em torno da situação e, sobretudo, a falta de discussão do conflito. Como é que vão reagir se houver uma repressão dos estivadores em greve?
Em conclusão, sugiro uma reflexão sobre a história recente do movimento sindical internacional. Pensemos no sindicalismo americano, por exemplo, e no efeito que em 1981 a repressão, por Reagan, da greve dos controladores aéreos de PATCO, uma profissão reduzida de trabalhadores altamente qualificados e “privilegiados”, teve no declínio do poder negocial dos sindicatos norte-americanos, em geral, e na sindicalização. Consideremos o sindicalismo britânico e o efeito que a derrota em 1984 dos mineiros, outros “privilegiados”, teve nos recuos dos direitos dos trabalhadores desse país. Lembremos, então, o significado do lema sindical “solidarity forever”. Não se trata, apenas, de um slogan do passado histórico ou de uma ideia ideológica abstracta, mas de uma necessidade sindical!
Não esqueçamos o que o governo e o patronato tão bem entendem (e aplicam, se deixarmos): “vale tudo no amor e na guerra”… de classes!

quinta-feira, agosto 09, 2012

Medvedev anuncia "desestalinização" da Rússia


DOMINGO, 28 DE NOVEMBRO DE 2010

Medvedev anuncia "desestalinização" da Rússia


Após duas grandes campanhas de desestalinização, sob Kruschev e Gorbachev, a Rússia viverá sua terceira onda anti-stalinista. O Presidente Medevedev a anunciou nesta sexta, dia 26, junto com a sua viagem oficial a Polônia.

 
O fantasma do Comunismo: Stálin
 
Historicamente, após sua morte, Stálin se transformou como o ícone de tudo que dá errado na Rússia. Se a produção de grãos caiu, é culpa de Stálin. Se a economia está estagnada, a culpa é de Stálin. Se os chechenos estão se revoltando, é culpa de Stálin. Se tornou um modo corriqueiro do governo russo se esquivar de suas responsabilidades na violenta crise que acertou a nação com a queda do socialismo. Não importa se ele e o sistema a qual lutou sua vida inteira já foram enterrados há um bom tempo. Há sempre persistências. Afinal, o marxismo é uma "doença" infecciosa monstruosa que acaba com toda o "bem" que o capitalismo foi capaz de produzir para humanidade. Se o capitalismo dá errado, certamente é por causa do passado marxista da Rússia. "Ah, a época de transição foi mal conduzida. Infelizmente o stalinismo ainda não foi erradicado". Procurem ir atrás de qualquer problema na Rússia nas últimas décadas, esta é sempre a desculpa oficial.

Comemoração do Dia da Vitória sobre o Fascismo conta com a presença de Stálin em São Petersburgo

Ora, é muito mais fácil jogar a culpa nos outros do que admitir o fracasso de todo o sistema que supostamente salvaria os russos da "ditadura monstruosa". Ditadura esta, que terrivelmente garantia à população um sistema de saúde eficiente e de graça, infra-estrutura pública de primeira qualidade, educação de alto nível para todos, emprego, direitos trabalhistas avançadíssimos, um baixíssimo custo de vida, segurança e baixíssima taxa de criminalidade, etc. Enquanto isso, o sistema "salvador" trouxe a miséria de volta à Mãe Rússia, a fome, o sucateamento da educação e da saúde, a queda brusca de padrão de vida para a maioria da população, o crime organizado, a corrupção sistêmica e um Estado inoperante e muito pouco preocupado com sua população.

Manifestação comunista na Rússia. Camarada Stálin presente!

Realmente, a culpa é de Stálin, Sr. Medvedev. Este monstro horrendo que ousou derrotar e humilhar os fascistas! Olha que crime! Que ousou esfacelar as velhas elites e modernizar a Rússia. Que ousou dar poder a ralé, fortalecendo os sindicatos e a organização da classe trabalhadora. Que ousou unir dezenas de povos sob a única bandeira da solidariedade comunista e permitir que Cazaques estudassem de graça na gloriosa Rússia, que Tadjiques se "apoderassem" dos conhecimentos técnicos das indústrias russas e que Russos gastassem sua grande "superioridade" intelectual na construção de fábricas, colégios e hospitais nestas repúblicas islâmicas e asiáticas "inúteis". Realmente Sr. Medvedev, a culpa é de Stálin.

Cartaz de Stálin decora as ruas na Rússia

Mas o que esta nova onda de desestalinização realmente mostra é a força e o apelo popular que Stálin goza na velha Rússia. É o fantasma do comunismo. Este ano pudemos observar a crescente nostalgia acerca dos velhos tempos soviéticos na Rússia, o crescimento dos movimentos comunistas. As manifestações populares em marcos históricos comunistas foram enormes. Centenas de milhares de russos foram às ruas no aniversário da Revolução, no Primeiro de Maio, no aniversário de 130 anos de Stálin, no dia da Vitória. E Stálin, agora sim, era onipresente. Cartazes, fotos, tatuagens. O povo marchava e ainda marcha por Moscou carregando orgulhosamente a imagem do grande líder bolchevique, mesmo após meio século de difamação e de bombardeamento ideológico anti-Stálin. E não são meia dúzia de pessoas, são centenas de milhares, são multidões.

Milhares de russos marcham na Praça Vermelha no aniversário de Stálin

Qual será a explicação disso? Ainda há a "lavagem cerebral" do Grande Irmão soviético? Ou será que o Memorial ainda não despejou o tanto de propaganda direitista e reacionária necessárias para "iluminar" o ignorante povo russo? A verdade é que, doa a quem doer - anti-comunistas, liberais, membros de organizações de "direitos humanos", etc. - o povo russo vivia muito melhor sob Stálin do que sob qualquer outro regime implantado por aquelas bandas. 95% da população era privilegiada pelo governo, que investia pesado em cultura, educação, saúde, transporte, segurança, agricultura, indústria, etc. 95% da população representada pelas classes operária e camponesa. Mas enquanto isso, 5% da população amargava a perda de seus privilégios monárquicos e capitalistas. Coitado deles, não podiam mais explorar a força de trabalho alheia para enriquecerem. Não podiam mais deixar seus servos e operários passarem fome para que tivessem dinheiro para construir seus magníficos palácios. E pior, ainda tinham que trabalhar na terra! Pegar na enxada e trabalhar ombro a ombro com seres primitivos e bárbaros! Olha que ultraje!


Stálin vive!

Estes pobre coitados voltaram ao poder. E agora tremem as bases quando vêem o povo caminhando pelas ruas com imagens de Stálin. Eles sabem muito bem o poder do comunismo, o poder do povo. Sabem que são minoria, e que, se o povo quiser, suas cabeças rolarão. Frente à volta deste terrível fantasma à Mãe Rússia, a única saída é a boa e velha desestalinização. Aumentar o controle ideológico sobre a população, suprimir a força dos comunistas e transformar as manifestações populares em crime.

 
Milhares de russos homenageiam os 130 anos de Stálin


J. Slavyansk - Guia do Anti-comunismo

Para a História do Socialismo e da União Soviética



DOMINGO, 7 DE NOVEMBRO DE 2010

Guia do Anti-comunismo

Hoje, dia 7 de Novembro de 2010, completa-se 93 anos da Grande Revolução Proletária de Outubro (no velho calendário russo, o dia era 25 de Outubro), um imenso marco na história do século XX e de toda a humanidade. Durante todos esses anos ela conquistou grandes admiradores e grandes inimigos. Inspirou a luta por um mundo novo em milhões de corações, mas também inspirou o ódio conservador em tantos outros milhões. Ela forjou as bases da luta política no século XX e a influencia até hoje.

O pequeno artigo que postarei agora é uma visão humorística dos argumentos e atitudes dos opositores da Revolução. Traduzi diretamente do inglês, nesta postagem do blog "The Red Republic":http://redrebelde.blogspot.com/2008/09/j-slavyanskis-guide-to-anti-communism.html

40 Dicas úteis para se tornar um Anti-Comunista de sucesso

Por 
J. Slavyanski


1.      Insistir constantemente que o marxismo está desacreditado, ultrapassado e totalmente morto e enterrado. Então prossiga na construção de uma lucrativa carreira para superar esta teoria supostamente ‘morta’ durante o resto de sua vida de trabalho.
2.      Lembre-se, qualquer morte não-natural que ocorra sob um regime ‘Comunista’ não é apenas atribuível aos líderes de Estado, mas também ao Marxismo como ideologia. Ignore as mortes ocorridas pela mesma razão em Estados não-Comunistas.
3.      Comunismo e Marxismo são o que você quiser que seja. Sinta-se à vontade para rotular países, movimentos e regimes de ‘Comunistas’ independentemente de seus objetivos reais, ideologia adotada, relações diplomáticas, políticas econômicas ou relações de propriedade.
4.      Se houve um conflito envolvendo Comunistas, o conflito e todas as subsequentes mortes podem ser colocados sob as costas dos Comunistas. Tenha cuidado ao aplicar isto à Segunda Guerra Mundial. Movimentos Fascistas que lutaram contra os soviéticos ou partisans Comunistas são bons, mas tente não louvar abertamente a Alemanha Nazista. Deixe isto para conversas particulares se você precisar mesmo fazê-lo.
5.      Você decide o que o Marxismo “realmente significa” e quem foram os verdadeiros representantes do Comunismo. Simule interesse por Trotski ter tido, de alguma maneira, o poder roubado por Stálin, mesmo que você o odeie também.
6.      Fale constantemente de George Orwell. Cite Revolução dos Bichos e 1984. Não se preocupe com o fato dele nunca ter pisado na União Soviética e os dois livros serem romances.
7.      Cite números de mortes massivos sem levar em conta a demografia ou a consistência. 3 milhões de mortos pela fome? 7 milhões? 10 milhões? 100 milhões de mortos no total? Você não precisa se preocupar com alguém conferindo seu trabalho, o que é bom, já que você provavelmente não checou nada também.
8.      Tudo mundo que foi preso sob um regime Comunista provavelmente era inocente de qualquer crime. Comunistas só prenderam poetas inofensivos e profetas políticos que tinham uma bela mensagem para compartilhar com o mundo.
9.      Tudo que Stálin fez ou deixou de fazer tinha uma motivação sinistra oculta. TUDO.
10.  Mantendo o espírito do #9, lembre que Stálin era um ser onipotente, talvez a encarnação do deus hindu Vishnu, que tinha plena consciência de tudo que ocorria na União Soviética e um controle total sobre todos os acontecimentos realizados entre 1924 e 1953. Tudo que ocorreu nesta época era a vontade de Stálin. Stálin sabia os detalhes exatos de todos os casos criminais de seu tempo e devido à sua crueldade sem limites, mandou fuzilar milhares de pessoas inocentes por razão nenhuma, independentemente de onde elas estavam ou de suas posições em vida. Sendo onipotente, ele não era dependente de informações passadas para ele por dezenas de milhares de subordinados.
11.  Ataque constantemente os regimes ‘Comunistas’ por ações que ocorrem nos regimes capitalistas até hoje.
12.  Alegue que o Marxismo é utópico por causa de sua descrição de uma possível sociedade futura. Alegue alternadamente que o Marxismo falhou porque nunca deu uma descrição detalhada de como seria uma sociedade Comunista. Não preste atenção na gigantesca contradição aqui.
13.  Comece a referir ao Marxismo como algum tipo de fé religiosa, messiânica, ou qualquer outra porcaria espiritualista que você puder pensar. Quando pessoas apontarem que você pode traçar similaridades entre basicamente qualquer ideologia política e religiões, ignore-as.
14.   Lembre-se do duplo ataque Anti-Comunista: ataque o sistema pós-Stálin em termos de economia, alegando que simplesmente não funcionou. Já que um oponente informado certamente apontará que as políticas econômicas socialistas realmente funcionaram nos tempos de Stálin, e de fato funcionaram muito bem, ataque aquela época com base nos direitos humanos.
15.  Duas palavras – natureza humana. O que é a natureza humana? Para os seus propósitos, natureza humana é uma explicação rápida do porque que as ideias políticas e sistemas de que você não gosta estão errados.
16.  Revoluções bolcheviques foram realizadas com violência e derramamento de sangue. Revoluções burguesas foram todas realizadas através de referendos democráticos, e não houve qualquer tipo de violência.
17.  Use palavras como ‘liberdade’ e ‘democracia’ constantemente. Não aceite qualquer contestação na definição destes termos.
18.  Comunistas podem ser a favor ou contra qualquer coisa que seja popular em sua área particular. Se você está pregando para uma multidão de direitistas, Comunistas são a favor da degeneração e da homossexualidade. Se você está pregando para uma audiência mais mainstream, Comunistas são homofóbicos. Essencialmente, Comunistas são a favor da degeneração moral e da virtude puritana ao mesmo tempo. Novamente, não perceba a contradição.
19.  Ataque constantemente Stálin em relação ao Tratado Molotov-Ribbentropp, enquanto ignora-se o apoio massivo e a colaboração com a Alemanha Nazista, a Itália Fascista e o Japão Imperial pela parte dos EUA, França e Inglaterra bem antes da guerra. E depois também, em alguns aspectos.
20.  Glorifique a recentemente encontrada “liberdade” no Leste Europeu. Ignore o massivo despovoamento via migração, queda brusca de natalidade, enormes problemas com drogas e álcool, instabilidade política, guerras civis, limpezas étnicas, tráfico sexual e prostituição infantil, crime organizado, altas taxas de suicídio, desemprego, doenças, etc. Quem se importa com isso tudo quando você tem liberdade de expressão?
21.  Fale constantemente da cultura do medo em nações Comunistas, do ‘chute na porta’ no meio da noite. Ignore ‘chute em sua porta no meio da noite, enfie uma escopeta nas suas costas, e arranque-lhe da cama etc. porque você é suspeito de traficar’, uma ocorrência normal na guerra dos EUA contra as drogas.
22.  Ataque os comunistas por supressão religiosa. Ataque fundamentalistas Islâmicos por não serem seculares. Que contradição??
23.  Não perceba a ironia que os EUA estão atualmente lutando uma guerra perdida e extremamente cara contra um oponente o qual ele financiou, apoiou e até entregou sua primeira vitória no Afeganistão.
24.  O que você deve dizer quando confrontado com todos os persistentes e, muitas vezes piorados, problemas do mundo de hoje, e questionado acerca de soluções? LIBERDADE! (repita o quanto for necessário, até seu oponente ir embora).
25.  Nada vindo de “Comunistas” é confiável. A não ser que de alguma maneira sirva ao seu favor, como o “Relatório Secreto” de Kruschev de 1956 ou qualquer coisa escrita por Trotski.
26.  Líderes Comunistas eram ‘paranóicos’ por dedicarem tanto tempo à segurança interna contra a contra-revolução. Ignore as montanhas de evidências, incluindo a restauração do capitalismo no Bloco Oriental, que esta ameaça era bem real.
27.  Regimes Comunistas nunca eram populares. Se provas são apresentadas em vários casos que mostram o contrário, alegue que as pessoas sofreram lavagens cerebrais. Não faça o mínimo esforço em considerar as restrições de gastos e logística em tal empreendimento.
28.  Propaganda Comunista é rude e primitiva. Se alguém mencionar ‘Red Dawn’, ou pior, mencionar a série de quadrinhos de J. Edgard Hoover conhecida como ‘The Godless Communists’, saia correndo.
29.  Louve o secularismo em nome da ‘liberdade’ e do ‘pluralismo’ até ser confrontado por um Comunista. Então jogue a carta da religião.
30.  Atrocidades e outras coisas ruins ocorridas em regimes não-Comunistas são culpa de ‘pessoas más’ individualmente. Qualquer coisa ruim que ocorra em um regime ‘Comunista’ é culpa da ideologia e do sistema. E de Stálin.
31.  Ser um Anti-Comunista significa não ter qualquer tipo de consistência ideológica. Pregue um populismo de esquerda pseudo-socialista em 90% do tempo, então compare o sistema capitalista com a “Rússia de Stálin” (se você nunca estudou realmente o assunto, apenas leia Revolução dos Bichos e 1984). Reclame do capitalismo em 99% do tempo, porém recuse quando alguém sugerir o Comunismo como alternativa. Fascista ultra-direitista? Reclame constantemente sobre a degeneração cultural sob o capitalismo, enquanto se mantém fanaticamente contrário ao Marxismo por nenhuma razão discernível, exceto sua afinidade pelo nacionalismo histórico.
32.  Se você é um anarquista, continue apontando o ‘fracasso’ do Marxismo enquanto ignora o fato de que sua ideologia tem 100% de fracasso em toda sua história. Jogue a culpa desses fracassos nos Comunistas, ou potências militares mais fortes. Ignore o fato de que a mais maravilhosa sociedade é inútil se não conseguir defender-se da reação.
33.  Neo-Nazi? Comunismo é Judeu! Fim do debate.
34.  Neo-Hippy? Tibet!
35.   Condene constantemente o genocídio que supostamente aconteceu sob Mao, enquanto ignora as relações dos EUA com a China estabelecidas por Nixon, e o papel gigantesco da China capitalista em relação à economia moderna dos EUA. Quando você quer falar positivamente da China, é um país capitalista. Se você precisa criticá-la, ainda é ‘Comunista’.
36.  Alegue que o Marxismo não é empírico. Nem neoliberalismo, ‘democracia’ ou ‘liberdade’, mas não se preocupe com isso.
37.  Sempre insista que apesar da localidade, país, época histórica, experiência passada, e todos os outros fatores, Comunistas devem sempre querer recriar uma cópia moderna da Rússia de Stálin, e tudo isso faz sentido de acordo com você. Não perceba a idiotice inerente neste conceito, como o seu país já ser industrializado e não ter um problema histórico de atraso.
38.  Aprenda a usar a palavra mágica ‘totalitário’. Esta palavra lhe possibilita fazer ligações entre duas ideologias opostas, Comunismo e Fascismo.
39.  Ignore o fato de que os estados socialistas experimentaram mais problemas econômicos paralelamente ao número de reformas de mercado que eles fizeram.
40.  Quando contestado acerca de números ou contexto histórico, apele a rótulos como “tirano impiedoso”, “assassino cruel”, entre outros. Lembre-se, pessoas como Stálin eram assassinos em massa por causa de todas as pessoas que eles mataram, e nós sabemos que eles mataram todas essas pessoas porque eles eram assassinos em massa. Cola direitinho!