A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht
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sexta-feira, setembro 19, 2008

1973.09.11 - Chile - Golpe fascista






HugoJaneiro


«Dirijo-me (...) àqueles que serão perseguidos, porque no nosso país o fascismo está há tempos presente», vaticinou Allende no seu último discurso

35 anos sobre o golpe fascista no Chile


«A história é nossa e quem a faz são os povos»


Cumpriram-se no dia 11 de Setembro 35 anos sobre o golpe fascista que derrubou o Governo Popular do Chile. Em torno de Salvador Allende, o povo e os trabalhadores lançaram-se na transformação do país. Pela construção do socialismo, uniram-se comunistas, socialistas e outros democratas numa experiência derrotada pela burguesia aliada ao imperialismo.´


A luta pela unidade das forças progressistas e a fidelidade à causa dos trabalhadores e da democracia sobressai no percurso de Allende logo em 1948, quando, no Senado, se manifesta contra a ilegalização do Partido Comunista do Chile.Em 1951, rompendo com o anticomunismo do Partido Socialista, e com o oportunismo do Partido Socialista Popular, Allende junta-se ao Partido Socialista do Chile e assume a candidatura à chefia do Estado. A iniciativa é apoiada pelos comunistas, que se mantêm na vanguarda mesmo nas duras condições clandestinas.


A Frente Popular que se forma percorre o país durante 283 dias. Allende discursa com a mesma paixão para milhares de pessoas como para um punhado de camponeses ou pescadores massacrados pela exploração. As sementes que germinariam em 1970 estão lançadas.


O cenário repete-se em 1958. No dia da contagem dos votos, Allende seguem na frente até que uma falha de electricidade se prolonga por horas e o deixa a 30 mil votos da vitória. Fraude, reclama-se.


Seis anos depois, volta a candidatar-se, desta feita contra o democrata-cristão Eduardo Frei, apoiado pelos Estados Unidos, que desde 1963 investem milhões de dólares nas forças reaccionárias.


Em Outubro de 1969 constitui-se a Unidade Popular (UP) e nela se encontra a antecâmara de um governo que reunirá comunistas, socialistas e outros democratas. A 4 de Setembro de 1970, triunfa Allende, gozando do apoio do vigoroso movimento operário e popular forjado em décadas de combate.


Mil dias de conquistas


Com o governo da UP – o primeiro onde participam ministros operários -, inicia-se um período de conquistas históricas. O povo passa a actor maior da história. O proletariado urbano e rural está com Allende. «A democracia vive-se, não se delega», dizia o presidente. Multidões mobilizam-se na concretização do programa de transformação social.


O governo responde com segurança social e assistência médica no campo e nos bairros pobres urbanos; leite grátis para todas as crianças até aos 15 anos e para as mulheres grávidas; publicação de livros a preços populares; férias para os trabalhadores e incentivo à sua educação; legaliza-se a Central Sindical.


No primeiro ano de mandato, o progresso económico e social é esmagador. A produção industrial aumenta 11 por cento; o PIB cresce 7 por cento; o desemprego caí de 8,3 para 4,8 por cento; o número de casas construídas aumenta 20 vezes; os salários reais crescem 66 por cento e os assalariados passam a deter 59 por cento do Rendimento Nacional.


Para tal contribuiu decisivamente a coragem de enfrentar a burguesia nacional e estrangeira. Segundo o próprio Allende, no seu discurso nas Nações Unidas, em Dezembro de 1972, a subordinação económica do Chile ao capital internacional media-se pelo facto de mais de 80 por cento das exportações do país estarem nas mãos das multinacionais.


Neste contexto, o Governo Popular nacionaliza 90 por cento do sector bancário, e 70 grandes empresas são expropriadas ou encontram-se sob controlo operário. O cobre, o salitre, o ferro e o aço passam à área da propriedade social. De um ano para o outro, a Reforma Agrária abrange 2,4 milhões de hectares de terra.


«O povo unido jamais será vencido!», grita-se nas ruas. Mesmo no terreno eleitoral a revolução avança. Nas municipais de Abril a UP obtém uma maioria de 50,86 por cento. Os comunistas têm 17 por cento.


«O soldo do Chile»


«O cobre é o soldo do Chile», considerava Allende. E com razão, pois mais de um terço das reservas daquele metal encontram-se no subsolo do país. Multinacionais como a Anaconda dominavam o sector. Extraíam a matéria-prima a preços de saldo, transformavam-na nas suas siderurgias deixando nos EUA a maior fatia do valor acrescentado, lucravam à tripa forra com os recursos naturais do povo chileno.


Assim, a nacionalização do cobre – aprovada por unanimidade no Congresso Nacional a 11 de Junho de 1971 - significava a «segunda independência», como definiu Allende.


Os trabalhadores derrotam o golpeAtingido no âmago dos seus interesses, o capital responde com violência no ano de 1972. O sector privado reduz drasticamente o nível de investimento com o objectivo de sabotar a revolução. As campanhas de difamação, as mentiras, e as sabotagens ganham uma parte da média e da pequena burguesia, muito embora Allende tenha frisado que contava com essas camadas na luta contra o grande capital nacional e estrangeiro.


Em Outubro de 1972 dá-se uma insurreição da burguesia. O objectivo é «fazer uivar de dor a economia chilena», como havia instruído o presidente norte-americano, Richard Nixon (ver caixa).


As empresas de camionagem entram em lock-out, os patrões querem encerrar as unidades produtivas. A intentona acaba derrotada pela valentia do proletariado, que se lançou na gestão das fábricas, e pelo Governo Popular que restitui os transportes no país. Das 35 mil oficinas e fábricas paralisam totalmente menos de 20. O patronato é obrigado a pedir um acordo, mas a economia chilena sofre sérios revezes.


Alta traição


Em Março de 1973, os partidos da UP obtêm 44 por cento dos votos nas legislativas. È um tónico para a luta de classes que se adensa.Apesar dos progressos, a maioria do poder económico permanece nas mãos da burguesia. A propriedade social controla apenas um terço da produção.


Nas forças armadas, altas patentes assume a oposição a Allende. No comando - acumulando desde a sabotagem patronal de Outubro de 1972 a pasta do Interior - o general Carlos Pratts mantém-se fiel à legalidade constitucional. A verticalidade demonstrada custar-lhe-ia a vida, em 1974, tal como já havia custado ao seu antecessor, René Schneider, assassinado a 22 de Outubro de 1970.Soldados e marinheiros mobilizam-se em defesa do Governo Popular, mas em nenhuma ocasião se quebra a disciplina nas forças armadas, e esse terá sido um factor decisivo para que o fascismo tenha triunfado.


A 11 de Setembro de 1973 consuma-se o golpe de Estado. Pinochet que havia jurado fidelidade ao Governo Popular lidera a acção. O Palácio de La Moneda é bombardeado, acção inútil dada a débil resistência armada dos revolucionários. É um prelúdio sobre a natureza da ditadura que viria a usurpar o poder fazendo recair sobre o povo a brutal repressão fascista, com o assassinato, a tortura e prisão de milhares de dirigentes operários e populares, de comunistas, socialistas e democratas, dos filhos de um Chile novo.


Debaixo do ódio de classe da burguesia, Salvador Allende dirigiu-se pela última vez ao povo e aos trabalhadores, a quem agradece a lealdade e a confiança. Chama traidores aos que o foram. Responsabiliza a burguesia nacional aliada do imperialismo pelo crime que se cometia. Mas deixou a certeza de que «antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre para construir uma sociedade melhor».EUA pagam golpe


O envolvimento dos EUA e da CIA no ataque ao Governo Popular de Allende é um facto documentado. Com base no relatório Church, em documentos desclassificados e em memórias de alguns dos participantes, é possível delinear um quadro aproximado da intervenção norte-americana.


Somente de 1969 e 1973, os EUA «investiram» mais de 7 milhões de dólares nas forças reaccionárias e na desestabilização económica e política do país. Compraram mercenários que realizaram actos de sabotagem, manifestações e intimidações; pagaram greves como as dos comerciantes ou a dos camionistas.


A estes valores acrescem vários milhões de dólares para empresas privadas, sindicatos traidores e para a imprensa de direita, sobretudo ao El Mercúrio.


O jornal era propriedade de Agustin Edwards, recebido pelo presidente dos EUA, Richard Nixon, imediatamente após a vitória de Allende.Na Casa Branca reúnem-se o presidente da Pepsi, Donald Kendall, Nixon, que tinha sido advogado daquela empresa, Henry Kissinger, Conselheiro de Segurança Nacional, John Mitchell, procurador-geral, o director da CIA, Richard Helms, e claro, Edwards.


Das notas de Helms percebe-se que o grupo está disposto a gastar o necessário. «Dez milhões de dólares disponíveis. Há mais se for preciso», acertam. Querem os melhores homens disponíveis com o objectivo de «fazer gritar de dor a economia chilena».


No mesmo dia, o presidente Nixon informou o director da CIA, Richerd Helms, que um governo de Allende não era aceitável para os Estados Unidos e instruiu a secreta para que tivesse um papel directo na organização de um golpe militar no Chile.


Nove semanas antes do golpe, Nixon telefonou a Kissinger para dizer que «o rapaz do Chile pode ter alguns problemas. Kissinger responde: «creio que definitivamente está em dificuldades».


Salvador Allende morreu no ataque dos fascistas ao Palácio Presidencial, a 11 de Setembro de 1973.

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in Avante 2008.09.18

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quinta-feira, novembro 01, 2007

Entrevista com o secretário-geral do Partido Comunista Libanês


Imperialismo divide para reinar
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* Hugo Janeiro
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O Líbano atravessa uma das mais graves crises políticas da sua curta história. A razão fundamental é a falência do modelo de regime confessional do Estado, explicou ao Avante! Khaled Hadadeh, secretário-geral do Partido Comunista Libanês em entrevista concedida ao nosso jornal durante a última Festa do Avante!.

O Líbano é governado por um regime político que podemos classificar como de repartição confessional do poder. Este tipo de sistema deixa o país vulnerável às ingerências exteriores, coloca-nos num estado de constante precariedade. Isto é, o Líbano tem de afastar a instabilidade sobre o seu próprio regime político de cada vez que há um novo conflito no Médio Oriente.
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Quando há 15 anos, na sequência da guerra civil de 1982, foi firmado um acordo entre os EUA, a Arábia Saudita e a Síria, o Líbano viveu uma relativa pacificação.
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Depois da invasão e ocupação norte-americana do Iraque, em 2003, toda a região voltou a um patamar de tensão extremamente elevado, e, obviamente, sendo o Líbano um regime precário, voltou a ser um dos países mais sensíveis às alterações verificadas.
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O acordo entre a Síria e os EUA terminou, mas os norte-americanos mantêm o apoio às forças políticas confessionais, promovendo inclusivamente manifestações no país, as quais, é claro, veiculam os seus interesses políticos e geoestratégicos.

É nessa conjuntura instável e de guerra que se dá o assassinato do primeiro-ministro Rafic Hariri?

É precisamente nesse período que ocorre o atentado contra o então primeiro-ministro Rafic Hariri. O nosso partido, apesar das diferenças políticas profundas que mantinha com Hariri, condenou e condena esse tipo de acções criminosas.
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Importa, no entanto, frisar que o atentado foi explorado pelos EUA, quer no interior, quer no exterior do Líbano. Usaram-no como instrumento para forçar a aplicação da resolução 1559 do Conselho de Segurança da ONU, onde se intimava as tropas sírias a abandonar o país.
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Tal resolução foi particularmente perigosa porque internacionalizou novamente a vida política do Líbano, desviando as atenções sobre o Iraque.
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As diferenças políticas e de projecto das várias forças e partidos existentes na sociedade libanesa passaram a estar na agenda internacional, primeiro passo para a ingerência estrangeira nas questões internas.

Então considera que o reacender do conflito libanês serviu sobretudo para desviar atenções sobre a resistência crescente no Iraque?

Quando no mundo e em todo o Médio Oriente aumentou a contestação aos EUA e à ocupação do Iraque, Washington usou Israel para fazer aplicar as decisões da ONU sobre o Líbano. Foi o que se passou em Julho de 2006.
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Alguns políticos e os próprios jornalistas israelitas admitem que a decisão de atacar o Líbano, invadir e bombardear o país, não foi do governo de Ehud Olmert e das chefias militares israelitas, mas dos EUA.
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A captura dos dois soldados no Sul do Líbano foi simplesmente uma oportunidade para desencadearem a guerra. Foi uma manobra que serviu para reabrir um conflito que pudesse ocultar – e em certa medida até pensavam poder justificar – o que se estava a passar no Iraque.

Movimentações de massas e unidade

Na sequência da guerra, registaram-se fortes movimentações de massas no Líbano. O parlamento esteve cercado durante meses. Quais eram as reivindicações?


Mesmo tendo existido tudo isso, não podemos esquecer que uma parte importante das comunidades de base confessional estiveram ao lado do governo. Digamos que no Líbano ocorreu um tipo particular de manifestações políticas de massas.
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O cenário é este: de um lado temos a Aliança 14 de Março, as forças que suportam o governo, onde se incluem partidos confessionais das comunidades drusa e cristã, apoiados pelos EUA e pela Arábia Saudita.
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Na Aliança 8 de Março temos o Hezbollah, os xiitas, e uma pequena parte da comunidade cristã.
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Este é também um pouco a história dos conflitos em todo o Médio Oriente. Os EUA querem mascarar a luta entre israelitas e árabes em torno da causa palestiniana substituindo-a por um novo tipo de confrontação entre xiitas e sunitas, ou entre árabes e persas.
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O objectivo claro do imperialismo é semear divisões e divergências não apenas para enfraquecerem as forças que se lhes podem opor no domínio da região, mas também para aniquilar a unidade dos povos árabes em torno da causa palestiniana.

Mas na contestação ao governo de Fouad Siniora convergiram diversas forças políticas, colocando a tónica na natureza de classe do regime libanês…

A burguesia libanesa utilizou sempre a divisão confessional para camuflar o verdadeiro conflito social, para ocultar o cerne da luta de classes. Mas é preciso não esquecer que essa diferença de crenças é uma poderosa base de clivagem.
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Por exemplo, os operários sunitas estão convencidos de que o programa neoliberal do primeiro-ministro Fouad Siniora é bom para eles. Nesse contexto, é preciso fazer um esforço enorme para convencer um trabalhador sunita de que ele é como os demais trabalhadores, religião à parte.
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No Líbano, cada comunidade de base confessional tem, resumidamente, uma táctica e um conjunto de estruturas. Todos têm escolas, imprensa e, claro está, o respectivo partido político.
A estrutura mais fraca de todas é mesmo a do Estado central.

Que trabalho faz então o Partido Comunista Libanês para promover a unidade entre os trabalhadores das várias comunidades?

A posição do PC Libanês é de oposição ao regime e ao governo, mas não temos exactamente a mesma postura que as forças confessionais. Temos uma posição independente delas.
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Julgamos que a oposição necessita de um programa geral que vise a natureza do regime libanês e que tem que incluir três eixos fundamentais.
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O eixo nacional, contra a ocupação e as agressões, sobretudo as israelitas; o eixo das reformas políticas, único caminho para a desconfessionalização do Estado, tornando-o laico e dotado de leis eleitorais verdadeiramente democráticas; e, por último, o social e económico, que é a defesa dos trabalhadores libaneses.
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Nós, comunistas, única força que congrega militantes de todas as confissões e crenças, organizamos manifestações que exigem reformas políticas e contra o plano neoliberal aplicado por Siniora.

Quais são os problemas sociais mais sentidos no Líbano?

O desemprego, as centenas de milhares de cidadãos obrigados a emigrar porque não têm condições de vida dignas.
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O Líbano tem cerca de quatro milhões de habitantes, mas os libaneses na diáspora são cerca de 15 milhões.
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Além disso, o que mantém o Líbano são as ajudas financeiras de natureza política. O que chamamos de dinheiro político. São as ajudas da Arábia Saudita para os sunitas e a Aliança 14 de Março, e as reservas do Irão para os xiitas. Só isso torna possível a manutenção das estruturas num nível mínimo.
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O turismo e a banca são os principais sectores económicos, mas cada vez empregam menos libaneses porque os trabalhadores imigrantes são muito mais baratos para o capital.

Resistir para vencer

O ataque israelita contra o Líbano deixou marcas profundas em todo o país, mas o povo ofereceu forte resistência. Como é que tal se processou?

Eles bombardearam todo o país. Casas, pontes, infra-estruturas, estradas, tudo, bombardearam tudo.
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Nós, PC Libanês, temos 14 mártires dessa guerra, 14 militantes comunistas que resistiram às tropas israelitas apesar de não termos praticamente armas. Ou melhor, as que temos são muito velhas, são ainda do tempo da guerra civil de 1982.
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Não obstante a falta de meios, nós, comunistas, apelámos e levámos à prática a resistência à invasão israelita, embora a esmagadora maioria dos grupos que a compunham estarem ligados a forças de natureza confessional, nomeadamente os xiitas.
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Para nós, o fundamental era dar combate aos atacantes, muito embora, sublinho, tenhamos diferenças de fundo, ideológicas, por exemplo com o Hezbollah.
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Sempre assim foi e isso nunca impediu os comunistas de afrontarem as sucessivos campanhas bélicas de Israel.

Então nesse contexto de guerra houve uma unidade entre as forças que se opunham à invasão?

Não podemos falar de uma aliança. O que houve foi a convergência, limitada, de forças na resistência ao agressor. O cenário muda completamente quando tratamos de questões políticas internas do Líbano.
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Quer o Hezbollah quer as restantes forças políticas confessionais libanesas preferem manter o regime vigente, ao contrário do que nós pensamos.
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Mesmo que a resistência a Israel volte a ter sucesso num futuro conflito, consideramos que não é possível alcançar uma vitória, alcançar a estabilidade política do nosso país sem que se efectuem profundas reformas democráticas.
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Resistimos e vencemos, é certo, mas continuamos divididos quanto à natureza dessa vitória, e nesse quadro não é possível avançar.
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Digamos que o povo construiu a sua própria resistência, substituindo o Estado. Desde os anos 60 que temos duas organizações de resistência ligadas ao Partido Comunista Libanês. Durante a ocupação israelita, em 1982, lançamos uma frente nacional de resistência e só depois surgiram outras forças similares, como o Hezbollah.
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O Estado nunca se opôs a nenhuma acção invasora de Israel.

E o programa de ajuda militar norte-americano ao Líbano, como o encaram?

O povo libanês está permanentemente dividido e os EUA são contra o armamento do nosso exército, consideramos nós.
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O apoio que dão não pode ser usado como bem queremos. Os norte-americanos colocam condições, como por exemplo, que o exército altere a sua conduta política no que diz respeito ao apoio à resistência contra Israel.
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Eu não ponho de parte que os EUA tenham um plano de implementação de um exército sunita no Líbano que combata o Hezzbollah xiita. No fundo, dividem as forças importantes na resistência contra Israel e na defesa dos direitos do povo palestiniano.

Acha que a resolução da questão palestiniana é a chave da resolução dos problemas do Líbano?

Penso que a questão central no Médio Oriente é a existência de um Estado palestiniano, questão que não é de agora, tem muitas décadas e motivou diversos conflitos na região.
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Porque razão ainda não foi possível estabelecer um Estado soberano para o povo palestiniano?
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Bem, desde sempre a questão central dos países imperialistas é a preservação de Israel como a maior potência militar na região, como um país capaz de impor, pela força ou pela ameaça, aos vizinhos as orientações políticas das potências capitalistas, as quais, para o Médio Oriente, estão directamente ligadas ao acesso ao petróleo.
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É por isto que não se resolve a questão palestiniana.

A questão presidencial

Nas últimas semanas, um dos temas centrais da política libanesa tem sido a eleição do presidente da república. A questão volta a motivar uma acesa luta entre partidários do governo e oposição. O prazo termina a 25 de Novembro e se até lá não for possível alcançar um acordo quanto ao novo chefe de Estado, o Líbano pode voltar a mergulhar num conflito interno de consequências imprevisíveis.
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Na entrevista ao Avante!, Khaled Hadadeh disse-nos, quase premonitoriamente, que a eleição do próximo presidente libanês está directamente relacionada com os interesses de Washington na região.
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«Se aos EUA interessar uma acalmia no Médio Oriente, então pode ser que consigamos eleger um presidente, caso contrario, se der mais jeito inflamar o Médio Oriente, então perante tamanha vulnerabilidade do Líbano, pode até suceder termos dois governos e dois presidentes da república. E talvez mesmo uma guerra civil entre comunidades alinhadas em campos opostos», concluiu.
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in Avante - Nº 1770 - 01.Novembro.2007

terça-feira, abril 17, 2007


Arlindo Vicente - Candidato contra o fascismo (1958)
* Hugo Janeiro

No ano [2006] em que se comemoram datas históricas no percurso de luta do povo português contra a ditadura fascista; os 70 anos da Revolta dos Marinheiros e da abertura do Tarrafal, os 75 anos do Avante! -, vale a pena assinalar também o centenário do nascimento de Arlindo Vicente e, através dele, lembrar a candidatura à Presidênciada República, em 1958. Fica ainda um registo naturalmente insuficiente da figura ímpar que foi Arlindo Vicente, pintor, advogado defensor de presos políticos e candidato contra o fascismo.

A candidatura à Presidência da República assumida por Arlindo Vicente em 1958 constitui um dos episódios mais marcantes da luta contra a ditadura fascista que amordaçou o povo português durante 48 anos, quer pelas fissuras provocadas no regime durante o período de campanha, quer pela sentido colectivo demonstrado pelo protagonista na hora de se retirar em favor do general Humberto Delgado, promovendo a união de ambas as candidaturas.

Testado no combate antifascista nos famigerados Tribunais Plenários como advogado ; tantas vezes sem cobrar um tostão ; de muitos presos políticos, Arlindo Vicente inicia o seu percurso de resistência activa próximo do Movimento de Unidade Democrática (MUD), sobretudo por ocasião da sua ilegalização. Também na candidatura à presidência protagonizada pelo professor Rui Luís Gomes, em 1951, sob o nome do Movimento Social Democrático, promovido pelo PCP e outros antifascistas, Arlindo Vicente toma parte activa. Sob esta candidatura acabou por se abater a brutal repressão da ditadura, com espancamentos, apreensão e proibição de propaganda, prisões indiscriminadas. Porquê? Porque nela se defendia a amnistia para todos os presos políticos, a extinção do Tarrafal, o fim da PIDE e da censura, a extinção dos tribunais plenários, etc.

De 1951 a 1957 assiste-se a um refluxo da oposição (mas não da luta), a qual volta a surgir em força nas «eleições» para a «Assembleia Nacional» em 1957. Arlindo Vicente integra a lista da Oposição Democrática pelo círculo de Lisboa, mas o movimento não se apresenta às urnas, mais uma vez, por carência absoluta de condições e liberdade mínima de acção durante a campanha.

Combate pela liberdade

Sucessor do marechal Carmona no palácio de Belém, Craveiro Lopes é impedido de se voltar a candidatar e o regime coloca em seu lugar um experiente fascista com 14 anos de dedicação no ministério da Marinha, o almirante Américo Tomás, posteriormente apeado do cargo com a revolução dos cravos.

Contra Tomás, a oposição aposta no nome de Cunha Leal, mas numa reviravolta talvez inesperada, o engenheiro alega indisponibilidade e, a 20 de Abril de 1958, em assembleia de delegados ocorrida na Cooperativa dos Trabalhadores de Portugal, em Lisboa, Arlindo Vicente é indicado como candidato da estrutura unitária.

No seguimento, o PCP emite diversos comunicados apelando à unidade de todos os sectores democráticos em torno da candidatura, a qual se pretende que seja um factor de mobilização e actividade das massas até às urnas. Humberto Delgado apresenta-se cerca de duas semanas depois apoiado pela Oposição Independente.

Arlindo Vicente inicia a campanha no Sul do País. Grandes iniciativas acolhem o candidato em Faro, Beja, mas depois também em Coimbra e no Porto.

A sede de campanha fica em Lisboa, no Arco Cego, local que a PIDE assalta destruindo e roubando materiais de propaganda. A candidatura de Arlindo Vicente e o próprio candidato sofrem constantes ameaças, difamações e, desde logo, centenas de colaboradores são detidos.

A comissão central da candidatura integra dezenas de membros. Na última semana de Maio, a quinze dias da farsa eleitoral, agendada para 8 de Junho, restam em liberdade um punhado deles. Por todo o lado onde passa Arlindo Vicente em sessões de casa invariavelmente cheia, mobiliza-se a polícia política e a GNR em provocação aberta. O fascismo teme o candidato e a força da sua candidatura, provada que está a tenacidade dos comunistas e dos que com eles estão nesta batalha pela liberdade.

O «Pacto de Cacilhas» e a farsa consumada

Em face da repressão que se abate sobre as candidaturas do campo democrático e temendo que a divisão de votos seja pretexto para que o fascismo «legitime» a sua «vitória» eleitoral, promove-se em Cacilhas, a 30 de Maio, uma reunião entre as comissões de campanha. Fica acordada a desistência de Arlindo Vicente em favor do general Humberto Delgado, mas nem assim a ditadura se coíbe de atribuir 23 por cento à candidatura da Oposição. Consuma-se a farsa, fica a denúncia do regime e a mobilização de centenas de milhares de portugueses contra o fascismo. A luta continua.

Prisão não tardou

No rescaldo das eleições fraudulentas fica ainda uma «espinha na garganta» do regime: Arlindo Vicente. A personalidade combativa e o prestígio granjeado tornam-se cada vez mais incómodos e depois da repressão na campanha chega a prisão, em Setembro de 1961. É enviado para o Aljube onde permanece 19 dias e noites num compartimento com dois metros por um, os famosos «curros», sujeito a tortura e sem a necessária assistência médica. A condição precária provoca em Arlindo Vicente graves problemas de saúde, pelo que a PIDE transfere o ex-candidato para Caxias mantendo-o durante três meses e meio isolado.

Presente a tribunal, em Fevereiro de 1962, declara-se inocente e defende não ser um elemento «perigoso» como indica a PIDE, antes, insiste que o seu processo é político.

A estas acusações acrescenta a PIDE outras na esperança de manter Arlindo Vicente sob a pata do cárcere fascista. Acusam-no, por exemplo, de ter defendido elementos do MUD, de ter sido candidato a deputado e à Presidência da República, da notícia da sua prisão ter sido veiculada pelo Avante!

Em Julho acaba por ser libertado mas com uma pena de 20 meses de prisão correccional e cinco anos de suspensão de direitos políticos. Era redonda a tacanhez da ditadura portuguesa quando suspendia os «direitos políticos» de um homem como pena pelo exercício dos mesmos.

Sonho concretizado em vida

O pintor dentro do «doutor»

As modestas posses da família impediram que Arlindo Vicente optasse pela sua mais pungente paixão: a pintura. Depois de um aturado esforço para manter o filho na escola, o pai de Arlindo Vicente impediu que o jovem artista fizesseda tela e dos pincéis modo de vida, negação dum sonho que o haveria de acompanhar vida fora.

O talento de Arlindo Vicente amadureceu cedo, ainda na adolescência. No Liceu de Aveiro cursou Desenho com distinção e foi pela mão do reitor da escola que ilustrou o primeiro livro, um manual escolar. Pouco valeu o estímulo, acabou em Medicina, curso que viria a abandonar para concluir Direito em Coimbra, isto depois de matrículas em Lisboa,período durante o qual estabelece os primeiros contactos na capital. Na Universidade de Coimbra, organiza o 1º Salão de Arte dos Estudantes, em 1927. Arlindo Vicente expõe 16 obras aolado de José Régio, José Santos Figueira, Alfredo Osório de Souza Pinto, entre outros.

No mesmo ano, os retratos apresentados em Coimbra e o contacto com José Régio levam Arlindo Vicente a colaborar com a Presença, revista que durante 13 anos contou com Arlindo Vicente na primeira fila dos seus promotores, emprestando-lhe ilustrações, duas das quais na capa da publicação.

O grupo que se associa à revista é tema para alguns dos trabalhos da época assinados por Arlindo Vicente. Retratos de José Régio, Vitorino Nemésio, Miguel Torga, Francisco Bugalho ou Adolfo Casais Monteiro fazem parte do repertório. O Modernismo é a tendência em voga. Arlindo Vicente explora essa tendência.

Lisboa e os Independentes.

Ainda antes de terminar Direito, o que viria a acontecer em 1932, Arlindo Vicente faz parte de um lote de artistas plásticos chamados de Independentes. Os Independentes, animados pela figura multifacetada de António Pedro, expõem, em 1930, 312 obras na Casa Quintão, na Rua Ivens, em Lisboa. Pintura, desenho, escultura, fotografia misturam-se numa mesma mostra, reflexo da rejeição às formas estanques que os cânones académicos procuravam impor.

No ano seguinte a iniciativa reaparece, mas a situação política e social do país agrava-se, o fascismo estende-se a toda a latitude do poder do Estado e só em 1936 a experiência voltaria a repetir-se, embora com um cunho diferente. Ao mesmo tempo que decorria o 2º Salão de Arte Moderna promovido pelo regime, com António Ferro à cabeça, os Artistas Modernos Independentes fizeram questão de se distanciarem do fascismo e voltaram à Casa Quintão.

Meia centena de trabalhos são expostos. Arlindo Vicente está presente. Definitivamente em Lisboa, coloca de lado as leis e fura no meio artístico. O sonho longínquo afinal parecia perto. É tertuliante habitual do Café Chiado onde se junta a João Villaret, António Pedro, etc. Visita França e Espanha, países nos quais vende parte dos seus trabalhos mas onde também «perde os olhos» a contemplar as obras de Goya, Cézane, Gaugin ou Renoir.

Proscrito pelo fascismo.

A 2ª Guerra Mundial e a insistência em dar cor aos flagelos sociais do Portugal dos anos 30 valem-lhe a antipatia do fascismo e colocam-lhe obstáculos no prosseguimento de uma carreira artística. Não cede aos favores da ditadura, recusa as iniciativas do regime e dedica-se quase por inteiro à advocacia como forma de sustentar uma família onde já crescem filhos pequenos, mas nunca abandona as tertúlias intelectuais. No Café Veneza priva com Ferreira de Castro, escritor com quem desenvolve uma profunda amizade e identificação.

O pós-guerra não seria frutuoso do ponto de vista artístico para Arlindo Vicente. As esporádicas aparições do pintor dão-se por oito vezes, entre 1946 e 1956 na Exposição Geral de Artes Plásticas da Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA), instituição à qual o seu nome está indelevelmente ligado.

O seu gosto pela arte e pelo livre pensamento levam-no a fazer parte dos órgãos sociais e de diversos corpos de júri da SNBA. Os mesmos motivos levam Arlindo Vicente a enfrentar o regime, entre as décadas de 40 e de 60, em diversos processos como advogado de artistas e exposições encerradas pelo fascismo a golpes de rusgas policiais. É o «lápis azul» e o sentido de justiça de um antifascista em rota de colisão.

Sete anos com toda a alma. Quando em 1970 abandona o escritório onde enterrou o sonho de artista durante trinta anos, Arlindo Vicente ganha novo fôlego e uma exposição individual na SNBA. Do catálogo fazem parte 106 trabalhos, a maioria dos quais óleos dedicados ao povo nas mais diversas expressões. O trabalho, o lazer, a família numa visão desempoeirada.

Quatro anos depois, em Novembro, já conquistada a liberdade para a qual deu inestimável contributo, Arlindo Vicente volta a mostrar mais de 70 quadros na SNBA. O povo volta ao centro da tela e a luta dos camponeses inspira o artista.A 24 de Novembro de 1974 morre em Lisboa, com 71 anos, mas deixa um exemplo de tenacidade, quanto mais não seja, porque obrigou o pintor a sair de dentro do «doutor».

Publicado no Avante! de 23 Novembro 2006

Sobre Arlindo Vicente ver http://www.museusaopedro.jb.pt/arlindovicente/