A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht
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quinta-feira, fevereiro 16, 2012

Prosseguem as troikas


Avante!
N.º 1994 
16.Fevereiro.2012
  • Anabela Fino 


E vice-versa
Os inspectores da troika voltaram esta semana a Portugal para mais um «exame» ao cumprimento ao acordo celebrado com a troika nacional e por cá ficarão durante 15 dias. Prevêem os sempre bem informados analistas destas matérias que o «bom aluno» português não tem motivos para se preocupar com o resultado da prova, cujo só pode ser idêntico aos anteriores, ou seja, positivo – se não com distinção pelo menos com muito bom. Previdente, ou no mínimo com apurado sentido de oportunidade, o Governo escolheu a véspera da chegada de suas excelências os examinadores para enviar aos sindicatos da Função Pública o documento – a que a Lusa teve acesso – com as suas propostas para a revisão do Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP). De acordo com a informação veiculada pela Agência o objectivo do Executivo é harmonizar o dito Regime com as alterações que vão ser feitas ao Código do Trabalho (CT). Trata-se, para quem não esteja ainda familiarizado com a matéria, de aplicar aos funcionários públicos o «acordo» assinado com patrões e UGT a 18 de Janeiro, o qual prevê, entre outras coisas, o aumento do tempo de trabalho sem a correspondente remuneração, redução drástica no pagamento do trabalho extraordinário, liquidação do descanso compensatório, flexibilização na organização dos tempos de trabalho com a imposição do banco de horas individual e grupal.
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«O Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) a Portugal determinou a implementação de um conjunto de medidas com impacto sobre a legislação referente ao emprego. Tais medidas não têm apenas impacto no setor privado da economia, tendo também naturalmente reflexos no âmbito do setor público administrativo, área relevante no total do emprego em Portugal», refere a proposta do Governo.
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É o que se pode classificar de argumento tipo «pescadinha de rabo na boca»: primeiro o governo congelou e depois reduziu os salários dos trabalhadores do sector empresarial do Estado (o termo certo é roubou, embora haja por aí quem se abespinhe com o termo, como se retirar parte do legalmente contratado e constitucionalmente protegido deixasse de ser o que é, um roubo, por se lhe chamar outra coisa). Que ganhavam mais do que no privado, dizia-se, e trabalhavam menos (alguns chegaram mesmo a questionar se trabalhavam...). Depois, com a ajuda da sempre serviçal UGT, Governo e patrões fizeram a rábula da concertação social para cortar a eito no trabalho com direitos no sector privado e pôr os trabalhadores a trabalhar mais, com mais penosidade e por menos salário.
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Conseguido o acordo que João Proença considerou «um mal menor», eis que o Governo se volta de novo para a Função Pública, para nivelar por baixo o que por baixo já fora nivelado, e mais uma vez encenando a farsa da negociação: para além de mobilidade forçada, propõe «negociar» a redução do pagamento das horas extra e o fim do descanso compensatório, que por acaso já constava na Lei do Orçamento do Estado para 2012.
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E porque isto anda tudo ligado – ou não fosse o acaso um caso sério – cabe lembrar que já na anterior inspecção da troika suas excelências os inspectores tinham feito notar que «a fim de melhorar a competitividade dos custos de mão-de-obra, os salários do sector privado deverão seguir o exemplo do sector público e aplicar reduções do sustentadas». É o jogo a dois carrinhos para roubar em dobro.


quarta-feira, dezembro 29, 2010

As sobras



  • Anabela Fino



A recente troca de galhardetes entre Sócrates e Cavaco a propósito dos alegados sentimentos e preocupações que ambos nutrem em relação à pobreza é um exemplo esclarecedor da tragicomédia que se vive em Portugal.
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De uma forma que quase se poderia classificar de obscena, os dois políticos – que têm em comum largos anos de responsabilidades governativas e de implementação de políticas ao serviço do capital – travaram-se de razões à conta dos pobres.
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Cavaco abriu as hostilidades na iniciativa «Direito à Alimentação» promovida pela Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, que pretende distribuir as sobras de restaurantes por cerca de 4500 instituições do País. Cativado pela ideia, o actual Presidente da República disse considerar ser «um dever moral» apoiar a causa, alertou para a «pobreza envergonhada» e foi ao ponto de reconhecer que «temos de nos sentir envergonhados» por haver portugueses com fome. Não fosse restar alguma dúvida sobre os seus sentimentos afirmou ainda que a preocupação com as desigualdades sociais, a pobreza e a exclusão o acompanham desde o início do seu mandato presidencial. (Antes devia andar distraído. Acontece.)
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Sócrates, sabe-se lá porquê, achou que Cavaco estava a atacar o seu Governo e vai daí toca de zurzir forte e feio nos «políticos que não resistem à exploração mais descarada da pobreza e das dificuldades do País» e aos que cedem ao «exibicionismo» das suas acções, ao mesmo tempo que garantia fazer parte dos que, sem alarde, fazem «tudo o que está ao alcance de um político para desenvolver políticas que reduzam as desigualdades». 
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.Presume-se que estivesse a pensar nos PECs.
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Escusado será dizer que nenhum dos dois relacionou a política que ambos praticaram e praticam com o flagelo da pobreza. Dir-se-ia que os pobres se materializaram entre nós por um passe de mágica. Gente que trabalha e passa fome é assim uma espécie de fenómeno, um enigma por resolver, que não tem nada, mas absolutamente nada a ver com décadas de política atacando direitos, atacando salários, ajudando especuladores, apoiando a exploração cada vez mais desenfreada. O preço da saúde, da educação, da casa, da comida... sempre cada vez mais longe do salário hipotecado ao banco ou ao supermercado é coisa que como se sabe gera riqueza. Não é para todos? Paciência. É dos livros que os ricos custam muitos pobres. A nova vaga está pronta a dar à costa em Janeiro com as «medidas de austeridade para todos» que PS e PSD aprovaram e Cavaco vai assinar, a bem da nação, como se dizia. Sócrates, esse «verdadeiro combatente contra a pobreza», vai prosseguir a luta com toda a discrição. Cavaco, por seu lado, acredita na caridade, venha ela das sobras dos restaurantes ou da solidariedade dos portugueses, e até faz questão de lembrar que a recente recolha do Banco Alimentar Contra a Fome «foi a maior de sempre», apesar da crise ou por causa dela.
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Podemos pois estar descansados que enquanto sobrar uma sopa, um prato de batatas, um rissol, quem sabe um filé mignon da mesa dos ricos haverá sempre uma mão pronta à caridade. A outra – não se pode ter tudo! – é a que nos rouba os salários, mas isso faz parte destes contos imorais da política oficial.
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Avante 2010.12.23
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segunda-feira, novembro 16, 2009

Face Oculta - Albardas há muitas... - Anabela Fino

 
Albardas há muitas...

Numa semana tão recheada de notícias sobre o processo «Face Oculta» – curiosa designação esta, a indicar a fina ironia dos investigadores policiais, já que o mais apropriado seria mesmo qualquer coisa no género «Tem Pai Que É Cego», para usar o dito popular – passou quase despercebido um facto tanto mais relevante quanto de manhã à noite só se ouve falar de tráfico de influências, compadrios, corrupções e coisas que tais: a apresentação na Assembleia da República, pelo PCP, de um projecto de lei visando a criminalização do enriquecimento ilícito. Diga-se, em benefício dos que têm a memória curta, que a iniciativa legislativa retoma na íntegra um articulado apresentado na anterior legislatura e que, a exemplo de tantas outras meritórias propostas comunistas, mereceu o chumbo da maioria. Coincidências ou talvez não, que nestas coisas de combate à fraude há sempre quem defenda e bastamente argumente, como faz o PS ou o PSD dependendo da alternância governativa, que a melhor legislação é a que eles próprios irão oportunamente apresentar, sendo que a mais das vezes a última moda não passa de subreptícia forma de melhor albardar o burro à vontade do dono, chamemos-lhe assim, sem ofensa para o jumento que nem sequer faz parte da história. Do sigilo bancário aos offshores, das (não) tributações aos bancos às mais-valias da Bolsa, sem esquecer as providenciais vírgulas legislativas, o que não falta é exemplos da arte de bem albardar em toda a linha.
O verdadeiro folhetim em que se transformou o processo da «Face Oculta» – esta do «oculta» é de morte, sobretudo tendo em conta que já havia denúncias há mais de dez anos... – fez ainda passar quase despercebida uma outra notícia reveladora do estado do País. Trata-se, neste caso, das dificuldades por que está a passar o empresário Américo Amorim, presidente da Corticeira Amorim, que no terceiro trimestre de 2009 teve um lucro líquido de 5,7 milhões de euros, o que representa um aumento de 60,7 por cento, comparando com os 3,6 milhões do período homólogo de 2008. De acordo com o empresário, em declarações ao Jornal de Negócios, o ano tem sido difícil para a Corticeira, já que a empresa tem «desenvolvido a sua actividade num quadro de recessão económica grave e generalizada». A provar as agruras do capital está o facto de o lucro agora registado ficar abaixo dos 10,5 milhões de euros alcançados em 2008, também ano de crise como se sabe. Assoberbado com tanta ralação, Américo Amorim nem teve tempo de se lembrar dos quase 200 trabalhadores que despediu preventivamente em Fevereiro, por causa da crise, com a bênção do então ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva, que ficou de averiguar a legalidade do despedimento colectivo. Vieira da Silva não averiguou nada, mas mudou de pasta e é agora ministro da Economia, uma situação onde certamente não lhe faltará oportunidade para manifestar a sua profunda compreensão para com as dificuldades dos amorins que não deixarão de lhe ir carpir no solidário ombro os milhões a menos que meteram ao bolso.

terça-feira, agosto 11, 2009

Duocracia


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A provecta idade, que é aquilo a que se chega com um bocado de sorte e muita persistência, tem a vantagem de fornecer um manancial de memória nada desprezível quando chega a hora de fazer comparações. Por exemplo, quem viveu no fascismo lembra-se que então reinava por cá a paz podre da repressão e da exploração, que a liberdade tinha a perna curta dos lápis da censura, pelo que muitos fizeram a mala e zarparam.
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Com a revolução de Abril tudo mudou. Portugal abriu as portas ao mundo e tempos houve em que foi possível voltar. O Sol foi de pouca dura. A contra-revolução ganhou terreno, voltou ao Poder e paulatinamente foi reinstaurando (e ainda o está a fazer) a velha ordem capitalista, sob a larga capa da democracia, que ao fim de 33 anos de mau uso foi encolhendo, encolhendo e deu nesta duocracia actualmente em vigor.
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As consequências estão à vista: Portugal dá de novo ao mundo cada vez mais portugueses, o que faz da emigração o nosso maior produto de exportação, e no País só quase à lupa se encontra coisa que não seja made in qualquer outro lugar. Protestam os pescadores, os agricultores, os metalúrgicos, os professores, os funcionários públicos, os polícias e os militares, os jovens e os menos jovens, as mulheres e os homens, mas os duocratas andam tão entretidos nos seus negócios, nas suas falcatruas, nas suas corrupções, nas suas vidas de luxo que nem dão conta da sangria que grassa no País real. Não dão conta, quer dizer...
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Em ano de eleições mandam as boas práticas que se fale às massas prometendo mundos e fundos e pintando de cor-de-rosa todos os cenários, por mais negros que sejam. A última novidade saída esta quarta-feira do forno PS é a promessa de uma conta poupança de €200 a cada novo bebé nascido em Portugal que só poderá ser movimentada quando o petiz completar 18 anos. Chamam-lhe uma «conta futuro» para fazer de conta que o futuro está na banca. Do salário condigno dos pais, do posto de trabalho, da habitação, da saúde, da educação, da cultura... nem uma palavra. É caso para dizer que é pouca uva para tanta parra. Assim como assim, mais vale ir nascer à vizinha Espanha, onde os bébés já vêm com €2500 no «cordão umbilical».






Outros Títulos:
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Os «porquinhos» de Sócrates
É assim o amor…
Alianças à esquerda – porque não?
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in Avante - 2009.07.30
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sexta-feira, maio 22, 2009

Big, big brother



O presidente Bush, de má memória, ficou com os louros – ou com o ónus, depende da perspectiva – de ter inventado o «eixo do mal» e a correspondente política de «combate ao terrorismo», mas a verdade é que neste caso, como de resto em muitos outros, há razões de sobra para invocar o velho ditado 'uns comem os figos e a outros rebenta a boca'. Não é que George W. Bush não se tenha alambazado, entenda-se, mas está longe de ter sido inovador no que ao «combate ao terrorismo» diz respeito e não foi o único a fazê-lo. De facto, o ex-presidente norte-americano não só esteve sempre muito bem acompanhado, como deixou muitos e empenhados seguidores. Se bem se lembram, os ataques de 11 de Setembro de 2001 às Torres Gémeas, nos EUA, foram o pretexto para a invasão e ocupação do Iraque, por um lado, e para a implementação de uma série de medidas contra as liberdades fundamentais dos cidadãos, por outro.

Em nome da segurança, os cidadãos norte-americanos passaram a estar (ainda mais) sob a estreita vigilância do big brother, que sempre que entender haver «motivo de suspeição» lhes revista as casas, viola o correio, regista os livros que lêem, segue os passos, identifica familiares e amigos, anota hábitos, costumes e gostos, entre muitas outras coisas.

O caso fez algum bruá na Europa, que precisamente dois meses antes do atentado terrorista – a 11 de Julho de 2001 – tinha ficado em estado de choque com um relatório da União Europeia que reconhecia a existência do Echelon, um sistema de espionagem de comunicações à escala mundial feito em colaboração pelos EUA, Nova Zelândia, Austrália, Canadá e Reino Unido.

À época, a União Europeia mostrou-se «preocupada» com os direitos dos cidadãos – pelo menos de alguns, já que se suspeitava que o Echelon servia também para espionagem industrial –, mas cinco anos volvidos mudou de discurso, graças aos bons ofícios do Reino Unido, que esgrimiu os ataques terroristas em Londres e Madrid para abrir caminho à alegada necessidade de empenhar a liberdade à segurança. A directiva aprovada em 2006 não deixa margem para dúvidas: toda comunicação via Internet (telefonemas e correio electrónico) passa a ser guardada pelas operadoras durante um ano. Na transposição da directiva para a legislação nacional (Lei 32/2008, prestes a ser regulamentada por portaria) garante-se que a medida se destina a «investigação, detecção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes», que o conteúdo das comunicações não será guardado e que a informação só poderá ser acedida mediante mandado judicial. A garantia vale o quê? Os EUA garantiram que havia armas de destruição maciça no Iraque e foi o que se viu. Por cá também nos garantem quase tudo, e é o que se vê. E é isto democracia, o que faria se não fosse.
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in Avante 2009.05.21
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quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Coitados dos ricos


• Anabela Fino


O que está a acontecer aos ricos em geral e aos portugueses ricos em particular é verdadeiramente confrangedor. Num abrir e fechar de olhos, que é como quem diz de um trimestre ou quadrimestre para o outro, os coitados perderam milhões com a famigerada crise do nosso descontentamento.
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A coisa é tanto mais brutal quanto se sabe que em períodos do passado recente – para já não falar do longínquo, que isto de ser rico tem perna comprida – os números com muitos zeros foram crescendo nas respectivas contas bancárias espalhadas pelo vasto mundo, paraísos fiscais incluídos, o que obviamente cria legítima habituação ao bem bom. Se ninguém gosta de passar de cavalo para burro, imagine-se o que será cair de puro sangue para pileca... O que felizmente não é o caso – longe vá o agouro! –, mas por isso mesmo é que é preciso tomar medidas, não vá o diabo tecê-las.
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É o se passa, por exemplo, com Américo Amorim, o homem mais rico de Portugal, que no início deste mês já tinha perdido 1,9 milhões de euros, segundo notícias vindas a público, «por causa da exposição aos mercados accionistas».
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Evidentemente, nem eu nem os leitores nem a esmagadora maioria do povo português conseguimos fazer a mais pálida ideia do que uma tal perda representa na vida do senhor Amorim, pela simples razão de que nunca perdemos, nem se afigura viável virmos a perder, uma tal quantia. O que conseguimos perceber, isso sim, é que um rombo desse quilate implica medidas drásticas. Assim, no início de Fevereiro, a Corticeira Amorim – líder mundial no sector da cortiça – anunciou ver-se compelida a despedir 193 trabalhadores. «Custa-nos fazê-lo», garantiu um responsável da empresa, sem dúvida com o coração em sangue, mas o que tem de ser tem muita força. Afinal, os lucros caíram 74 por cento no último trimestre de 2008, o que comparado com lucros de 8,5 milhões no período homólogo de 2007 representa um prejuízo de 4,3 milhões. O resultado final, líquido, foram uns escassos 6,15 milhões de euros de lucro. Não há quem aguente. É por isso que é preciso fazer sacrifícios. E não há sacrifício maior, podem crer, do que sacrificar os trabalhadores.
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in Avanta 209.02.19
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sexta-feira, janeiro 04, 2008

Call girls, call boys


Call girls, call boys

O solstício de Inverno, celebrado pelos povos do hemisfério Norte desde tempos imemoriais como a vitória da luz (o Sol) sobre as trevas, o princípio da renovação da natureza com dias cada vez maiores e mais quentes até ao novo retorno da Primavera que irá desabrochar em todo o seu esplendor nas sementes do futuro, essa ancestral comemoração, dizia, foi transformada pelo Imperador Romano Constantino I, no ano de 336 d.C., na festa do nascimento de Cristo. O vasto império de então, abraçando (e impondo) o cristianismo inculcou na civilização ocidental um novo paradigma: em vez do nascimento do Sol, passa a assinalar-se num dia fixo – 25 de Dezembro – o nascimento do «salvador da humanidade».
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Vários impérios depois, a data apropriada pela igreja de Roma transformou-se num pretexto para o delírio consumista numa sociedade que aliena os valores que era suposto serem a sua essência. A justiça, a solidariedade, a paz e a fraternidade entre os homens são incensadas para mais facilmente serem trucidadas, tornadas meros temas de discursos descartáveis até à próxima época natalícia.
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Tornou-se também habitual, por esta altura, lançar no mercado produtos com sucesso anunciado à força de campanhas bem oleadas. Dos brinquedos aos livros, dos electrodomésticos aos filmes, ninguém escapa aos apelos garantindo felicidade, satisfação e qualidade. Este ano o pacote trouxe ao País um filme «como nunca se viu», um «retrato da realidade nacional» sem tabus nem pudores, «condenado» a atrair multidões e a facturar milhões. Call girl de seu nome, diz que é a história de uma prostituta e de um autarca corrupto. A originalidade parece residir no facto de o corrupto ser comunista, o que não tendo tradução na realidade – onde abundam casos do PS, PSD e CDS, mas não do PCP – arrisca ser tomado como o único rasgo de criatividade do cineasta em causa, também conhecido pelas suas andanças nos meios futebolísticos mais ao menos ligados ao poder, onde abundam call girls e call boys bem instalados na vida, que isto de prostituição tem muito que se lhe diga e de corrupção nem se fala. Será um sinal dos tempos, em tempo de falsos solstícios, mas por mais que se invente e deturpe... o Sol brilhará para todos nós.
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in Avante 2008.01.03

terça-feira, dezembro 18, 2007

A estratégia do saco de plástico

A estratégia do saco de plástico

Na mesma altura em que o espírito de Lisboa pairava na cabecinha pensadora de Sócrates como forma airosa de dar a volta ao texto de uma cimeira que se pautou por muita parra e pouca uva, que é como quem diz «a montanha pariu um rato» daqueles bem pequeninos, na mesma altura, dizia, os portugueses tomavam conhecimento de uma panóplia de «notícias», dadas como certas de manhã e desmentidas à noite, tendo como traço comum o anúncio de um novo assalto à carteira dos contribuintes, a pretexto da agora muito em moda «defesa do ambiente».
Da inovação tecnológica que permite a leitura à distância do consumo da electricidade, a pagar pelos contribuintes e a configurar já nova leva de despedimentos, à taxa sobre os sacos de plástico dos supermercados que há décadas somos compelidos a usar como veículos da publicidade gratuita das grandes superfícies comerciais, não faltou motivo para susto e muito sentimento de culpa.
O planeta está doente, dizem-nos, e a culpa é nossa, dos consumidores, que deixámos de forrar os baldes do lixo com jornais – sabe quantas árvores é preciso abater para fazer uma bobine de papel?, perguntaram então – e passámos a usar os sacos de plástico com que nos inundaram os mesmos que hoje vêm dizer o que sempre se soube, ou seja, que o produto demora anos e anos a desfazer-se.
A solução do problema, diz-se, está na taxa dos sacos, o que significa que quem tem dinheiro vai continuar a usá-los (e a poluir, pois então!), e os outros recuperam a alcofa, o saco de pano e outros recipientes afins, até que alguém se lembre de vir dizer que afinal também devem ser taxados porque o mundo não se aguenta de pé com tanto achaque.
Salvaguardadas as devidas proporções, é o que está a acontecer em Bali, em mais uma cimeira do ambiente, em que o maior poluidor do mundo – os EUA – se recusa a assumir compromissos mas debita medidas para os restantes países cumprirem à risca, deixando-lhes como alternativa venderem quotas de poluição e pagarem aos desenvolvidos a tecnologia poluidora de que necessitam para se desenvolverem.
É a estratégia do saco de plástico à escala global. A bem do planeta e do capitalismo.
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in Avante 2007.12.13

quarta-feira, outubro 31, 2007

Alô Cuba


* Anabela Fino
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O presidente dos EUA, George W. Bush, protagonizou há dias uma encenação grotesca mas muito esclarecedora do que a actual equipa da Casa Branca entende por «defesa da democracia». Perante os membros do seu gabinete e as câmaras da CNN, Bush deu asas à imaginação e falou sobre a vida em Cuba. Quem teve oportunidade de o ouvir – e poucos terão sido os mortais que escaparam à prelecção, com honras de difusão em horário nobre nos noticiários – ficou a «saber» coisas interessantíssimas, tais como que em Cuba é proibido «mudar de trabalho», «mudar de casa», a reunião de «mais de três pessoas», «ler livros diferentes dos publicados no país», ou ainda que os cubanos «são forçados a andar de cavalo», e que os jornalistas pedem encarecidamente aos amigos que lhes levem «esferográficas e tinta para as máquinas de escrever». Numa palavra, que em Cuba se vive na idade da pedra ou perto disso, o que só não é de todo dramático porque, sempre segundo Bush, há «cada vez mais manifestações pacíficas contra o governo», que por acaso é uma feroz e sanguinolenta «ditadura».
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Certamente por esquecimento, Bush não falou das criancinhas comidas ao pequeno almoço, mas disse que «a palavra chave para Cuba não é estabilidade mas sim liberdade», pelo que instou a comunidade internacional a conjugar esforços para a «libertação do povo cubano».
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Como estas coisas não se fazem sem ajuda – que o diga o povo iraquiano, há quatro anos a viver as delícias da «liberdade duradoura» prometida por Bush – o presidente norte-americano logo ali apelou ao Congresso para ratificar o bloqueio que há quase 50 anos mantém contra a pequena ilha caribenha e, em jeito de quem acena com a cenoura ao burro, prometeu a criação de um fundo, mais um, para os empresários que hão-de colher os frutos da economia do país quando se registarem «mudanças profundas».
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Com a enorme subtileza que o caracteriza, Bush pediu a colaboração das Forças Armadas e da polícia cubanas, exigiu a prisão dos actuais dirigentes e deixou claro quem serão os «eleitos» do futuro delineado por Washington ao afirmar que «os dissidentes de hoje serão os líderes de amanhã».
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Nesta «lição de democracia», sem direito a público nem a perguntas (ao contrário do que sucede com o tão criticado programa Alô Presidente, de Hugo Chávez), Bush teve ainda tempo para se solidarizar com os cubanos que «com grande risco» acompanhavam o seu discurso através dos canais norte-americanos que transmitem para Cuba.
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O que Bush não disse – e muitos outros calaram – é que apenas cinco horas depois deste patético Alô Cuba, o canal público Cubavisión (do tenebroso regime cubano), no programa Mesa Redonda, retransmitia a sua intervenção na íntegra, e, ao contrário do que fez a CNN, sem sequer intervalo para publicidade.
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Embora seja público e notório que a Casa Branca está sempre pronta para apaparicar Cuba, vale a pena dizer que esta encenação bushiniana não ocorreu por acaso. É que estamos em vésperas de mais uma Assembleia Geral da ONU onde – surpresa!!! – vai estar mais uma vez em debate a questão do bloqueio, o tal que em nome da democracia obriga o povo cubano aos mais severos sacrifícios para defender a sua Revolução.
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in Avante Nº 1770 01.Novembro.2007
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sexta-feira, outubro 12, 2007

Operação Milagre e a ajuda humanitária Cubana na Bolívia


A vingança das bruxas
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* Anabela Fino
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Toda a gente conhece a famosa frase sobre as bruxas, as tais em que não se acredita... pero que las hay, las hay. Pois não é que voltaram ao ataque? Não, não foi nada com Sócrates, nem com polícias à paisana, nem com o debate sobre Segurança Interna, nem com nenhum outro tema palpipante, revoltante, sórdido, indigno ou (sobretudo) preocupante dos muitos que agitam as águas cada vez mais turvas da nossa vida nacional, e em relação aos quais estou em crer que as bruxas, se existem, não só nada têm a ver como devem guardar distância por elementar questão de higiene e sanidade mental.
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Do que se trata é de outra coisa, sem importância de maior porque sem consequências relevantes, que nem sequer valeria a pena trazer aqui à colação se não fosse essa questão de princípio que obriga – a alguns pelo menos – a repor a verdade sempre que é caso disso. O caso é com Teran, o sargento boliviano hoje na reforma, o homem que há 40 anos assassinou Che Guevara, que tanta tinta fez correr recentemente – inclusive no Avante!, pela autora destas linhas – devido a uma pretensa operação às cataratas que lhe teria devolvido a visão. O tempo dos verbos não é fortuito.
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Então não é que, neste fim-de-semana, em Serpa falando com um camarada boliviana, apurei que a Operação Milagre na Bolívia já devolveu a vista a três – três, meus amigos, três – homens de nome Teran, sendo que nenhum deles é o tal que ficou tristemente famoso por ser um assassino? Pois é verdade. Ao que parece, terá sido a precipitação (ou especulação?) do jornal que recebeu os agradecimentos do filho de um desconhecido Teran aos médicos cubanos que lançou o mundo mediático no engano. Nem a própria agência cubana Prensa Latina escapou.
A «notícia» correu mundo. Mas uma falsa notícia não é notícia. Ou será? Quase se pode ouvir as gargalhadas das bruxas, saboreando a pequena vingança e pensando em quantas «notícias» destas, de consequências bem mais graves, fundamentam o «conhecimento» do que se passa no mundo ou mesmo aqui ao nosso lado, difundidas de forma bem menos inocente do que esta de Teran o foi.
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O erro, no caso, não foi grave. O mérito da Operação Milagre é incontornável. Mas não deixa de ser caricato que tenha sido preciso um engano destes para milhões de pessoas em todo o mundo ficarem a saber a imensa generosidade da revolução cubana. Uma gota de água no oceano de mentiras ou meias verdades que todos os dias nos servem, dirão as bruxas.
in Avante 2007.10.11
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Mais sobre a Operação Milagre
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Operação Milagre já recuperou a visão de 650 mil pessoas
Publicado Junho 27th, 2007
Política
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Mais de 650 mil latino-americanos e caribenhos recuperaram a visão graças à Operação Milagre, plano de reabilitação oftalmológica impulsionado pelos governos de Cuba e da Venezuela.
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O número foi divulgado na última segunda-feira (25) pela ministra para o Investimento Estrangeiro e a Colaboração Econômica de Cuba, Martha Lomas, em apresentação ao Parlamento de seu país. Na ocasião, ela detalhava aos deputados o andamento da da Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA), à qual pertencem Cuba, Venezuela, Bolívia e Nicarágua, e de cujos programas também se beneficiam inúmeros países da região.
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A ministra fez um balanço das cinco Cúpulas da ALBA realizadas até hoje, a última das quais teve lugar, em abril, em Barquisimeto, Venezuela, e na qual foi aprovada a execução de 32 mega-projetos nacionais para fomentar a unidade latino-americana e caribenha.
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Também se referiu à implementação de outros programas dentro da ALBAquanto ao fornecimento de petróleo e sua poupança; ao uso de fontes renováveis de energia; ao impulso de planos de alfabetização e da saúde pública na Nicarágua, Bolívia e Venezuela; além de projetos de desenvolvimento em Cuba e outras ações.
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Além disso, foram denunciados os empecilhos impostos pelas leis do bloqueio econômico, comercial e financeiro de Washington a Cuba ao pagamento de suas cotas financeiras à UIP e ao Parlamento Latino-americano (Parlatino).
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No dia 29 de junho, começa no Palácio das Convenções o 9º período ordinário de sessões da 6ª Legislatura do Parlamento cubano.
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Fonte: Granma - Site do Pc do B
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Rizzolo: Dizem que os médicos de cuba não têm uma formação adequada, pois o país carece de recursos na medicina. Isso é uma grande mentira, pois Cuba apesar de ser um país com poucos recursos e que sofre por um Bloqueio econômico genocida, imposto pelos Estados Unidos, investe muitos recursos na medicina e nos médicos ali formados. Tanto é que Cuba exporta esses profissionais, muito competentes, para diversos países de África, América Latina, Caribe, Ásia e inclusive para Europa.
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Cuba possui índices de saúde que superam ou se igualam aos de países desenvolvidos, como EUA e Canadá. Estes avanços na saúde deste país favorecem com que os médicos que se formam na ilha sejam requisitados em vários países, não somente para exercer a profissão médica, mas também para serem professores universitários.
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È inaceitável que alguns médicos brasileiros corporativistas tratem de difamar a medicina cubana com o único objetivo de impedir que os médicos ali formados ocupem o mercado de trabalho no Brasil.
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Vivemos em um país de medicina comercial e qualquer escola que forme médicos para trabalhar para a população carente brasileira será vista com maus olhos, pois quanto mais médicos, menos doenças e menos mortes e consequentemente, menos dinheiro será gasto com consultas particulares e medicamentos desnecessários, o que para o mercado da medicina é uma perda.
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sábado, outubro 06, 2007

Bolívia - Operação Milagre


* Anabela Fino

Acordar de manhã e ver o quarto que nos dá abrigo; chegar à janela e ver o Sol ou a Lua que nos iluminam; abrir os olhos e ver um rosto que se ama; fazer um gesto e ver como se transforma num acto criador ou numa carícia; desfolhar um livro ou uma flor e ver letras e pétalas que seduzem... Quantas coisas se desvendam com o olhar, quantas mais se descobrem quando se sabe ver!
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Deste bem, como de muitos outros, só ganhamos plena consciência quando se torna raro, quando fica ameaçado ou quando, no limite, nos falta. É nessa altura que assume toda a sua dimensão a importância do conhecimento e dos meios que permitiram à humanidade reparar o que se degradou e, mais ainda, o tipo de organização social que não faz depender do dinheiro que se tem ou não no bolso o acesso a tais cuidados.
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Não são muitos os países que se podem orgulhar de ter a medicina ao serviço do seu povo e são menos ainda os que se dispõem a partilhá-la generosamente com os outros povos.
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Talvez seja por isso que ostenta o nome de «Operação Milagre» o programa cubano de assistência médica oftalmológica gratuita a pessoas de parcos recursos em diversos países da América Latina, que já devolveu a vista a milhares de pessoas.
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O «milagre», se existe, não está no desenvolvimento científico-técnico hoje já uma realidade num vasto número de países, mas na dádiva que Cuba e os seus médicos dela fazem ao mundo, em particular lá onde o imperialismo – o mesmo que tão encarniçada e persistentemente quer destruir a Revolução cubana – condenou os povos à mais aviltante pobreza, explorando as suas riquezas e a sua força de trabalho para de seguida os descartar como lixo quando deixam de se tornar rentáveis, sem direito aos mais elementares cuidados de saúde, quanto mais ao «luxo» de uma operação que lhes permita continuar a ver.
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Num desses países, a Bolívia, que trilha agora os caminhos da libertação do jugo imperialista, a «Operação Milagre» acaba de dar mais uma lição de humanidade aos que vivem da exploração do homem pelo homem, aos que transformam o homem – alguns homens – em carrascos de outros homens. Em Santa Cruz, a segunda maior cidade boliviana, o ex-sargento Mario Teran recuperou a vista após ter sido operado às cataratas por médicos cubanos.
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O caso nada teria de excepcional se Teran não fosse o homem que há 40 anos assassinou Che Guevara com uma rajada de metralhadora, a 9 de Outubro de 1967, um dia depois de ter sido preso e encerrado numa escola a algumas centenas de quilómetros de Santa Cruz.
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Teran não se apresentou com a sua identidade, receoso talvez de não ser atendido. Mas o filho – por ventura mais visionário do que o pai alguma vez foi – considerou dever expressar o seu reconhecimento aos médicos cubanos numa declaração ao jornal local El Deber (O Dever).
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Comentando o facto, o jornal cubano Granma escreveu que Teran, agora na reforma, «poderá apreciar de novo as cores do céu e da floresta, conhecer o sorriso dos seus netos (…). Mas nunca será capaz de ver a diferença entre as ideias que o levaram a assassinar um homem a sangue-frio e as desse homem.»
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Pode ser que o Granma se engane. Afinal, é a «Operação Milagre» que Cuba está a oferecer ao mundo.
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in Avante 2007.10.04

quarta-feira, julho 04, 2007




Bufaria

* Anabela Fino
O caso do professor afastado de funções e alvo de um processo disciplinar por alegado comentário jocoso sobre o primeiro-ministro José Sócrates teve o mérito de trazer à luz do dia uma realidade que, parece, está a generalizar-se na vida portuguesa: a delação. Para além da história do docente Charrua soube-se, num curto espaço de tempo, que um sacerdote e autarca teria sido alvo das atenções da responsável da DREN tristemente celebrizada por ser mais papista do que o papa; que um magistrado foi processado há alguns anos por, sentindo-se injustiçado numa avaliação, ter dito em desabafo com um «amigo» que os seus pares do Conselho Superior de Magistratura eram «todos uns filhos da p...»; que uma ex-funcionária da fábrica Mendes Godinho (então propriedade da Parpública) foi acusada de «falta de lealdade» e penalizada em 3500 euros na indemnização a que tinha direito por, em Março, ter questionado por correio electrónico, via portal do Governo, a Direcção Geral de Contribuições e Impostos quanto a um alegado perdão fiscal de 600 mil euros à referida empresa, facto que foi levado ao conhecimento da então directora da fábrica por solícita e clandestina mão que tratou de lhe reenviar o dito e-mail; e ainda que um ofício, com selo do Ministério da Defesa, foi encaminhado para a Força Aérea com as fotos de sete militares que participaram no protesto de Novembro de 2006, em Lisboa, contra os cortes nos serviços de saúde, para instrução de processos disciplinares.
Os casos não são exaustivos e têm evoluções distintas. O dos militares está em «segredo de justiça», o que dá muito jeito a Severiano Teixeira para se escusar a dar explicações; a punição do juiz foi anulada pelo Supremo Tribunal de Justiça, que considerou que o juiz conselheiro se limitou, em conversa particular, a «dar vazão à sua até aí contida revolta», com a «liberdade de linguagem própria de uma ‘relação de confiança’ e com a acrimónia que o injustiçado normalmente sente»; os restantes episódios correm termos.
O que estas histórias têm em comum, com maior ou menor intensidade, com mais ou menos chancelas oficiais, é o facto de contarem com gente que se presta a veiculá-las, vulgarmente conhecida por bufos, e outra gente colocada em postos decisórios que se apresta a usá-las com fins punitivos. Num país com um passado recente de quase cinco décadas de fascismo, em que por cada agente da polícia política havia uma horda de esbirros dispostos a denunciar até os mais secretos pensamentos dos portugueses, o reaparecimento do fenómeno da delação e o acolhimento que lhe é dado num regime dito democrático é por demais preocupante.
E mais ainda quando se constata hoje, como no passado, que tanto bufos como verdugos encartados em nada se distinguem – e bastas vezes se confundem – com aqueles a quem por ingenuidade ou boa fé até temos por amigos. A questão que se coloca é a de saber quem e como está a promover a reabilitação desta cultura de pântano e a dar-lhe alvará de normalidade na vida nacional. Há quem diga que o crime compensa. Nem sempre será assim, mas o facto é que o Governo PS não se mostra incomodado com esta situação e são cada vez mais os que, à volta dos tachos, ostentam compensação.
in Avante 2007.06.28

sábado, junho 09, 2007







Tenham paciência


* José Casanova

Havia quem opinasse que, na apreciação à Greve Geral, os rapazes BE não dariam o passo de, publicamente, alinhar com o poder dominante. Quem assim opinava, alvitrava que, nesta situação concreta, os referidos boys manteriam a habitual postura de tapar a careca (desta vez com um véu de silêncio). Quem tal dizia, argumentava que os rapazes, apesar dos inegáveis esforços até aqui desenvolvidos e da mestria revelada na arte de esconder o que são e fingir o que não são, ainda não cumpriram plenamente as tarefas que lhes estão destinadas, as quais, cumpridas, quiçá lhes abrirão as portas de acesso a merecidos cargos governamentais.

Mas a verdade é que o êxito da jornada de luta de 30 de Maio – a maior e mais forte acção de massas contra o actual governo - colocava exigências imperativas: para o Governo, a Greve Geral tinha que ter sido um fracasso. E para o demonstrar, foram utilizados todos os trunfos disponíveis: catadupas de ministros e secretários de Estado a desfilarem pelas têvês; os média em peso (mais o coro afinado dos respectivos fazedores de opinião); enfim, a tropa de choque dos grandes momentos – todos repetindo-se e repetindo a cassette gasta e roufenha destas ocasiões.

Ora, tal estado de alerta há-de ter levado os rapazes BE a pensar que se lhes pedia um passo em frente. E deram-no: Miguel Portas e outros seus pares, no decorrer da Convenção do BE, juntaram-se ao coro de propagandistas do Governo. Mais do que isso: aproveitaram os ventos favoráveis e avançaram nas provocações contra o PCP e a CGTP, o que muito há-de ter agradado aos que tudo fazem para acabar com esse mau exemplo que é a existência em Portugal de uma verdadeira central sindical – verdadeira porque, sendo democrática, unitária, de massas e de classe, existe para defender, e defende de facto, os direitos e interesses dos trabalhadores.

E tamanha era a euforia que os rapazes nem se aperceberam que, ouvindo-os, muitos cidadãos haveriam de concluir que eles estavam, afinal, a reconhecer publicamente que nada fizeram para que a Greve Geral fosse um êxito; que, nos casos em que disseram apoiá-la, o fizeram apenas para não perder o comboio; e que, apesar disso, a Greve Geral foi um êxito dos trabalhadores e da CGTP.

Custa-lhes, enerva-os e irrita-os o êxito da Greve Geral e a constatação da certeza de que a luta dos trabalhadores vai continuar mais ampla e mais forte? Tenham paciência: é assim mesmo que vai ser.

A luta não espera por Proença

* Anabela Fino

«Sentimos novamente a pobreza e a exclusão»; o combate ao défice público «tem sido feito à custa dos salários e das pensões»; reina o «caos» na Administração Pública; «não é aceitável a política do quero, posso e mando!»

Bem prega Frei Tomás, ou no caso vertente João Proença, líder da UGT, ex-dirigente nacional e deputado do PS, com passagem por vários gabinetes ministeriais e hoje como sempre militante socialista.

Quem o ouviu no 1.º de Maio, pregando aos cerca de mil manifestantes (mil manifestantes mil) que segundo o DN responderam à chamada da UGT para as comemorações do Dia do Trabalhador, quem o ouviu, dizia, é capaz de ter pensado que a organização se distanciava das estratégias político-partidárias do Governo PS e erguia a bandeira da luta contra o «aumento do desemprego, da precariedade no trabalho e das desigualdades sociais» que, de acordo com o próprio Proença, o executivo Sócrates está a implementar.

Dias depois, no encerramento do Congresso do CDS-PP, a 20 de Maio, Proença voltava ao ataque dizendo que «houve perdas de salários», e alertando para o facto de Portugal ser o «país da União Europeia com maior desigualdade social».

É desta, pensaram os crédulos, antevendo a entrada da UGT na luta geral dos trabalhadores por uma mudança de rumo na política nacional. Qual quê! Quem acreditou nisso não leu certamente a entrevista de Proença ao CM (13.05.07), onde o intrépido sindicalista opina que ainda não é tempo de os trabalhadores da UGT fazerem greve, aconselha os trabalhadores a esperar pelo momento certo para protestar, e aponta como eventual razão para uma greve geral a próxima revisão do Código de Trabalho, o qual, se bem nos lembramos, lhe mereceu o aplauso.

Não é pois de estranhar que Proença tenha vindo a público acusar a CGTP de «arrogância» e asseverar que a greve de 30 de Maio não foi geral «porque não foi declarada pela UGT, nem pela maioria dos sindicatos independentes».

Se se tiver em consideração que a única vez que a UGT aderiu a uma greve geral foi em 1988 – também classificada com um «fracasso» pelo então primeiro-ministro Cavaco Silva – bem pode Sócrates dormir descansado. Se os trabalhadores estivessem à espera «do momento certo para protestar», segundo a UGT, bem podiam esperar sentados. Talvez seja por isso que apenas mil foram ouvir Proença no 1.º de Maio, enquanto dezenas de milhares desfilavam ao som de luta da CGTP.

Avante 2007.06.06

segunda-feira, abril 23, 2007


Bruxas & conspirações





Cinco anos depois dos criminosos atentados do 11 de Setembro nos EUA, os principais média nacionais e internacionais retomam o tema com análises mais ou menos aprofundadas sobre os alegados intervenientes no evento que tantas e tão profundas implicações teve à escala mundial.

Embora o período dedicado à efeméride ainda esteja a decorrer, é de presumir que o mais importante sobre o 11 de Setembro de 2001 fique por dizer. Falamos das teses que os média dominante denominam por «teorias da conspiração» e que, no essencial, questionam a «verdade oficial» servida à escala planetária como sendo o que de facto aconteceu, ou seja, que os atentados foram planeados e levados a cabo pela Al’Qaeda de Bin Laden, com tanto saber e mestria que apanharam completamente desprevenidos a maior potência militar do mundo.

Sucede que, ao contrário das bruxas, as conspirações existem, e nessa matéria os EUA têm longa experiência. Sabe-se hoje, por exemplo, que em 1962 altas patentes militares norte-americanas conceberam um plano – Operation Northwoods – que consistia num ataque terrorista interno, na costa da Florida, envolvendo o assassinato de cidadãos nacionais, derrube de um avião de passageiros e afundamento de um navio. A responsabilidade seria atribuída aos cubanos, o que daria um excelente pretexto para a invasão de Cuba com a complacência internacional. A semelhança com casos mais recentes será pura coincidência?

Mas voltemos atrás, à década de 70, e vejamos o pretexto para a guerra contra o Vietname: bombardeio de navios americanos no Golfo de Tonquim por barcos torpedos vietnamitas. Tais bombardeamentos nunca existiram, mas isso não impediu o então presidente Lyndon B. Johnson de usar o «facto» para fazer aprovar no Congresso a «Resolução Golfo de Tonquim», que era na verdade uma declaração de guerra. Os EUA perderam mais de 50 mil homens (e centenas de milhares ficaram afectados para toda a vida) antes de reconhecerem a derrota e serem forçados a retirar.

Recentemente, outra conspiração assente numa despudorada mentira «legitimou» a invasão do Iraque. Os relatórios que davam conta da compra de urânio à Nigéria pelo governo de Saddam Hussein e a existência de armas de destruição massiva no Iraque não passaram de invenção. Mas o país foi destruído e a guerra continua, aliás como no Afeganistão, com crescente número de baixas norte-americanas.

Por que havia então de ser diferente no caso do 11 de Setembro, que serviu de pretexto à «guerra contra o terrorismo» e aos mais graves ataques aos direitos dos cidadãos?

Investigações independentes que têm vindo a ser desenvolvidas nos EUA e na Grã-Bretanha, sobretudo, dão conta que o Pentágono foi atingido por um míssil e não por um Boeing 757; que nenhum caça da U.S. Air Force decolou para tentar interceptar os aviões sequestrados; que as Torres Gémeas vieram abaixo por implosão (demolição controlada com explosivos pré-posicionados) e não devido a choques de aviões, tal como de resto o Edifício 7 que não foi atingido por nenhum avião; e que as contradições da versão oficial são tantas que não resistem a uma análise desapaixonada dos factos.

Silenciando estas investigações ou remetendo-as para as «teorias da conspiração», os média dominantes – e dominados – cumprem o seu papel. São a voz do dono. Não será por aí que se chegará à verdade. Pode não se acreditar em bruxas nem em conspirações, mas lá que elas existem, existem.


Artigo publicado na Edição Nº1710 2006.09.07

sábado, abril 21, 2007


Flexinsegurança




O palavrão entrou no léxico dos portugueses depois de andar meses e meses a aboborar nos gabinetes de Bruxelas, que é de onde oficialmente saem as modernices vocabulares com que o capital se renova para prosseguir a sua razão de ser: máximo lucro a preço mínimo.

Chamam-lhe uns «flexi-segurança» e outros «flexigurança», mas para o caso tanto faz, que não é o hábito que faz o monge nem a peneira que tapa o sol. E tanto assim é que esta semana, nas audiências de Sócrates com os parceiros socais para os ouvir sobre as principais matérias que hoje e amanhã vão ser discutidas na cimeira europeia, em Berlim, o representante das confederações patronais, Pinto Coelho, fez questão de dar um toque pessoal à coisa defendendo uma «flexigurança à portuguesa».

Que quererá isto dizer?, perguntar-se-á o leitor esperançoso ou desconfiado, dependendo do feitio, como se a resposta estivesse num sistema de múltiplas ao invés de escondida com o rabo de fora, nem precisa ser gato para mostrar as bem afiadas unhas. Má vontade, dirão uns quantos, poucos, lembrados de que o representante dos patrões e ele próprio presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), disse ao jornalistas, no final da reunião com o primeiro-ministro, que lhe agrada muito o conceito de flexigurança, que está em discussão na Europa e que, na versão lusa, tal seria a via verde para promover a qualificação dos trabalhadores, proporcionando-lhes mais facilidade em arranjar trabalho, e tornar as empresas mais competitivas.

Pinto Coelho terá ainda garantido, segundo a Lusa, que com a «flexigurança à portuguesa» será criada mais riqueza e haverá melhores condições para pagar mais subsídios de desemprego, o que só pode tratar-se de um lapso da Agência ou de imperdoável deslize de Coelho, a menos que...

A menos que esteja tudo certo e que esta nova modernice, passe o pleonasmo, seja isso mesmo, liberalização dos despedimentos e contratação à la carte, francesismo que entre nós bem se poderia traduzir por praça de jorna, seja a que se praticava nas vilas alentejanas seja a que hoje se faz às escâncaras às portas dos colombos ou a recato em fábricas e escritórios onde o fato e gravata passou a ser o fato-macaco da era neoliberal.

Nem meio século passou desde que os assalariados rurais do Alentejo e Ribatejo conquistaram – com muita fome, sangue, tortura e prisão – o direito à jornada de trabalho de oito horas, pondo fim à escravidão de sol a sol, e já de novo o capital, escassas três décadas depois da Revolução de Abril, lança mão ao dicionário para vestir de novo a exploração do homem pelo homem.

Já agora, e para que conste, diga-se que um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado em Janeiro dá conta de que o número de desempregados em todo o mundo registou um máximo histórico em 2006 (cerca de 200 milhões), apesar de no seu conjunto as economias terem crescido cerca de cinco por cento.

Voltando à vaca fria de que nos vimos ocupando, chamemos-lhe sem rodeios flexinsegurança que não corremos o risco de errar.


Artigo publicado na Edição Nº1736 AVANTE

terça-feira, abril 17, 2007


EUA promovem corrida às armas nucleares


A verdadeira ameaça à segurança mundial

«Que interesse há em ter esta supremacia militar... se não a pudermos usar?» A pergunta, que nada tem de retórica, foi feita há alguns anos por Madeleine Albright, antiga embaixadora americana nas Nações Unidas e ex-secretária de Estado dos EUA. A questão está hoje na ordem do dia com acrescida acuidade devido à polémica em torno do programa nuclear do Irão, que os EUA insistem em impor na agenda do Conselho de Segurança como uma inadmissível violação do Tratado de Não Proliferação (TNP) de armas nucleares e uma ameaça à segurança mundial.

Tal como sucedeu em relação ao Iraque, pouco importa a ausência de provas que contrariem a versão oficial iraniana de que o seu programa nuclear se destina à produção de energia. A mensagem que passa para a opinião pública é a de que é preciso «parar» o Irão, seja a que preço for, antes que seja tarde.

O que não se questiona, pelo menos na comunicação social dominante, é por que razão uns podem ter energia nuclear e outros não e, mais grave ainda, por que motivo uns quantos podem ser detentores de armamento nuclear capaz de fazer desaparecer do mapa qualquer país e de destruir várias vezes o planeta, sem que por isso sejam considerados um perigo para a Humanidade.

O perigo, dizem-nos, advém do facto de certos países serem considerados pelas potências ocidentais como «pouco fiáveis» ou, para usar a terminologia bushiana, como integrando ou podendo vir a integrar o «eixo do mal», conceito inventado pela Casa Branca e apadrinhado pela NATO, pela União Europeia e respectivos satélites para uso ao sabor dos interesses e estratégias de curto, médio e longo prazo.

Em causa não está o que esses países fizeram ou fazem, mas o que se suspeita, mesmo sem fundamentos, que possam eventualmente vir a fazer. Trata-se, ao fim e ao cabo, de uma forma de «legitimar» aos olhos da opinião pública as intervenções ditas preventivas.

O caso iraquiano é paradigmático, como mais uma vez foi demonstrado esta semana pelas declarações de Hans Blix, que em entrevista à Sky News acusou George W. Bush e Tony Blair de manipularem documentos para justificar a invasão do Iraque. Segundo o antigo inspector da ONU, responsável pelas buscas de armas de destruição maciça no Iraque – nunca encontradas porque inexistentes –, os relatórios de especialistas sobre a matéria foram adulterados, o que permitiu transformar hipóteses em verdades irrefutáveis.

O antigo responsável da ONU referiu-se expressamente ao dossier apresentado pelo governo de Blair antes da invasão, onde se afirmava que Saddam Hussein tinha enormes quantidades de armas químicas e biológicas e que podia activá-las em 45 minutos.

«Penso efectivamente que eles manipularam. Puseram pontos de exclamação no lugar dos pontos de interrogação», frisou Hans Blix, acrescentando que se os inspectores das Nações Unidas tivessem continuado o seu trabalho normalmente a guerra poderia ter sido evitada.

«Se eles nos tivessem deixado continuar as inspecções durante mais alguns meses, nesse caso teríamos conseguido ir a todos os locais considerados suspeitos pelos serviços secretos», afirmou Blix. «E uma vez que não havia armas, teríamos respondido: 'não há armas em nenhum dos locais'», sublinhou.

A guerra contra o Iraque – que já causou a morte de pelo menos 700 000 iraquianos, mais de 3000 norte-americanos e cerca de 150 britânicos, entre outros, para além de ter arruinado o país – tornou evidente o que desde a destruição da União Soviética se receava pudesse vir a suceder: os países sem capacidade «dissuasora» ou se submetem ou morrem.

A questão leva naturalmente a outra, por demais preocupante para os que efectivamente lutam pela paz e o desarmamento: o que é válido para os EUA é válido para o resto do mundo. Dito de outra forma, se os EUA podem ser uma potência nuclear, por que motivo não o poderão ser os outros estados?

Tratados são letra morta

Em Novembro de 2006, um artigo de Rodrigue Tremblay, professor emérito de economia da Universidade de Montreal, intitulado «The Arms Market and the Arms Race», fazia notar que um dos indicativos da violação da lei internacional era a corrida ao aumento de stocks de armas nucleares e convencionais, bem como a nuclearização do espaço.

Apesar da assinatura, em 1968, do Tratado de Não Proliferação (TNP), o facto é que o «clube» de países com capacidade nuclear (EUA, Rússia, Grã-Bretanha, França, Israel, Índia, Paquistão) não parou de aumentar, tal como a capacidade de destruição das armas existentes, fazendo letra morta do objectivo de desarmamento nuclear.

Segundo Tremblay, os EUA lideram a corrida para a substituição dos stocks por armas cada vez mais modernas e mortíferas.

A administração Bush/Cheney – lembra Tremblay – anunciou em 6 de Março de 2006 que tem planos para o fabrico de 125 novas bombas nucleares por ano, entre 2010 e 2022, ao mesmo tempo que avisou que não permitirá a corrida armamentista de outros países. A 13 de Junho do mesmo ano, a administração norte-americana deixou igualmente claro que apesar do Tratado das Nações Unidas (1967) proibir a militarização do espaço com armas de destruição massiva, os EUA não abandonam os seus planos de desenvolver armas para usar a partir do espaço, com o claro objectivo de dominar o que é suposto ser um bem comum da humanidade.

Se necessário for, sublinha Tremblay, os EUA não hesitarão em sair do Tratado de 1967, tal como saíram, em 2002, do Tratado de Anti-mísseis Balísticos (ABM).

O facto é que, já em 2001, a dupla Bush/Cheney mostrou a importância que dá ao TNP ao anunciar na sua Nuclear Posture Review (Revisão do Posicionamento Nuclear) que não só mantém em aberto a opção militar, incluindo o uso de armas nucleares em resposta a ataques químicos ou biológicos, ou a «desenvolvimentos militares inesperados» não especificados, como também a possibilidade de no futuro desenvolver, e eventualmente testar, novas armas nucleares, como as «mininukes» para ataque a bunkers subterrâneos.

A adopção oficial pelos EUA da chamada política de uso preemptivo de armas nucleares – incluindo contra países não nucleares – só poderia ter como consequência uma nova corrida armamentista.

Acresce, por outro lado, que enquanto os EUA prosseguem na sua campanha contra «o perigo iraniano», a administração Bush não vê qualquer contradição no estabelecimento de um programa de cooperação nuclear com a Índia sem pôr em causa o facto de o país não ser subscritor do TNP, tal como ao longo dos anos vem fazendo em relação a Israel. Em ambos os casos, a que importa juntar o Paquistão, nunca se colocou a questão de debates no conselho de Segurança ou a imposição de sanções.

Também não abalou o civilizado mundo ocidental que outros países como a França e a Grã-Bretanha, seguindo o exemplo de Washington, tenham declarado admitir recorrer ao uso de armas nucleares contra ataques não convencionais de «rogue states», o que se poderá traduzir por «estados párias», ou seja, os que os EUA designam por «eixo do mal».

Onde estão as armas

De acordo com a organização Nuclear Threat Initiative (www.nti.org), é o seguinte o arsenal das potências nucleares declaradas:

EUA: Os EUA mantêm um arsenal atómico com cerca de 10 mil ogivas intactas, seis mil das quais estarão activas ou operacionais.
· Cerca de 1700 destas armas estão colocadas em sistemas de mísseis terrestres (ICBMs Minuteman e Peacekeeper);
· 1098 em aviões bombardeios (B-52 e B-2) e 3168 em submarinos;
· 800 são armas nucleares tácticas (TNWs) e consistem em mísseis de cruzeiro Tomahawk e bombas B61.

De sublinhar que os EUA são o único país do mundo que possui armamento nuclear armazenado fora do seu território. Segundo dados de 2006, estima-se que o Pentágono tenha cerca de 480 armas nucleares depositadas em bases da NATO em seis países da Europa (Bélgica, Inglaterra, Alemanha, Itália, Holanda e Turquia), que no seu conjunto representam um potencial nuclear superior ao da China. Um estudo da Greenpeace Internacional, do mesmo ano, dava conta de que a maioria da população daqueles países ignora que o seu país serve de depósito a armas nucleares norte-americanas. Acresce que os referidos depósitos estão fora do controlo democrático dos respectivos parlamentos.

A questão já provocou polémica na Bélgica, onde a 13 de Julho de 2006 os deputados aprovaram uma resolução a favor da retirada das armas nucleares dos Estados Unidos na Europa. Foi a primeira vez que tal sucedeu num país membro da NATO.

Rússia: A Rússia teria cerca de 20 mil armas nucleares mas, segundo o Tratado Start I, o arsenal atómico do país foi reduzido para cerca de 7000 ogivas nucleares.

Importa ter presente que, de acordo com o Tratado de Reduções Ofensivas (Sort), assinado pelos EUA e pela Federação Russa em Maio de 2002, em Moscovo, os dois países comprometeram-se a reduzir o seu arsenal operacional, até 2012, para um nível entre as 1700 e as 2200 ogivas nucleares.

França: A França possui cerca de 350 ogivas nucleares.

Grã-Bretanha: O arsenal britânico contará pelo menos com 200 ogivas estratégicas ou «subestratégicas» colocadas em submarinos nucleares equipados com mísseis balísticos (SSBN).

China: A China conta com um arsenal de cerca de 400 ogivas, cerca de 250 armas «estratégicas» e 150 armas «tácticas». A China assinou em 1992 o TNP.

Coreia do Norte: Em 2005, o governo norte-coreano declarou pela primeira vez que possuía armas atómicas, vindo posteriormente a realizar o seu primeiro teste nesta área. Segundo alguns especialistas, a Coreia do Norte poderá ter capacidade para fabricar oito armas nucleares.

Índia: A Índia assumiu-se formalmente como potência nuclear, com capacidade fabricar entre 40 e 90 armas. Não assinou o TNP.

Paquistão: Crê-se que o Paquistão terá capacidade suficiente para fabricar de 40 a 50 armas nucleares por ano. Não assinou o TNP.

Potências nucleares «não-declaradas»

Israel: Oficialmente, o governo israelita não admite ter armas nucleares, não assinou o TNP e não admite que a questão seja sequer aflorada. Segundo estimativas baseadas na capacidade de produção de plutónio do reactor de Dimona, onde o programa nuclear é desenvolvido, Israel terá entre 100 e 200 armas atómicas.

Irão: O governo iraniano assevera que o seu programa nuclear se destina a fins pacíficos e não há provas de que esteja a fabricar armas nucleares.

Nova campanha, nova corrida

Enquanto a opinião pública é distraída com a «questão iraniana», os EUA avançam com os seus programas de crescente militarização do mundo, Europa incluída.

A mais recente iniciativa respeita ao sistema anti-míssil que os EUA pretendem instalar na República Checa e na Polónia – bem às portas da Rússia – a pretexto da defesa contra eventuais ataques de «países párias», como a Coreia do Norte e o Irão.

Uma notícia publicada no início da semana pelo Financial Times dava conta de que o sistema permitirá «proteger quase toda a Europa», o que segundo o secretário-geral da NATO, Jaap de Hoop Scheffer, poderia dividir a aliança entre os que ficariam protegidos e os que ficariam de fora. Um «problema» resolúvel, naturalmente, com uma «defesa extra contra mísseis de curto alcance» dada a proximidade do Irão.

Ainda segundo o secretário-geral da NATO, o programa norte-americano pode ser complementado com os planos da Aliança já existentes de até 2010 tornar operacional um sistema de defesa contra mísseis em campos de batalha.

Jaap Scheffer diz acreditar que a Europa está de facto ameaçada. «Há todas as razões para acreditar nisso, devido aos testes norte-coreanos de mísseis, à capacidade iraniana e às coisas que os iranianos andam a dizer», declarou ao Financial Times.

Como seria de esperar, a Grã-Bretanha está interessada em participar no sistema norte-americano.

Qualquer semelhança com o que sucedeu em relação ao Iraque não é certamente uma coincidência.

E por falar em coincidências, registe-se o facto de, na segunda-feira, 12, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, ter perdido o vice-líder do governo na Câmara dos Comuns, Nigel Griffiths, que renunciou ao cargo para poder votar contra a extensão do uso do míssil Trident D5 até ao início da década de 2040. A votação estava prevista para ontem, 14 de Março, e Griffiths deixou claro que renunciava «com pesar, mas de consciência tranquila», já que discorda do plano multimilionário para renovar o sistema de defesa de mísseis nucleares da Grã-Bretanha. A proposta deve custar cerca de 40 mil milhões de dólares.

O pretexto invocado pelo Partido Trabalhista – que havia assumido o compromisso de um desarmamento nuclear unilateral no início da década de 1980 – e amplamente explorado por Blair é a necessidade de actualizar o sistema de defesa para fazer face à ameaça que representa a Coreia do Norte e o Irão.

in AVANTE 2007.03.15

Ilustração - Guerra Nuclear, por
Jakubias

sexta-feira, fevereiro 09, 2007


O Direito à vida acaba a partir do nascimento?

* Victor Nogueira

O Direito à vida é compatível com o desemprego , com o trabalho sem direitos, à hora ou à peça, com a miséria, com os bairros de lata, com os baixos salários, com a subserviência, com a doença para quem não tiver dinheiro, com a velhice sem dinheiro, com o aumento da pobreza? Será?
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Recebi um dia destes pela NET uma carta subscrita por Adriano Moreira, Paulo Portas e Ribeiro e Castro,apelando ao Não. Adriano Moreira, Ministro do Ultramar no tempo de Salazar e da Guerra Colonial, não se preocupou nessa altura com a morte ou traumatismo psicológico de milhares de jovens que durante treze anos foram forçados a chacinar os guerrilheiros dos movimentos de libertação e as populações negras, designadamente na Guiné, Angola e Moçambique? Que autoridade tem Adriano Moreira , membro dum Governo de Salazar que nunca denunciou os massacres como os de Wiriamu ou da Baixa do Cassanje e foi conivente com a censura e a PIDE , no tempo em que à maioria das mulheres não era reconhecido o direito de voto? De que lado estava a maioria dos Bispos e dos padres que abençoavam as tropas em desfile e lhes «davam» conforto moral no dramático teatro de guerra? Quem são estes senhores que se apresentam como democrata cristãos ou «populistas»? Que Igreja é esta que ficou silenciosa perante o desterro do Bispo do Porto D. António Ferreira Gomes por se opor a Salazar ou «expulsou» padres como o de Macieira da Lixa (Mário de Oliveira) ou Felicidade Alves?´
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A política destes senhores, travestidos de Sócrates, Melo e Castro, Mendes, Durães e quejandos, obedientes à batuta do grande capital e dos senhores do dinheiro, é a de criar condições de riqueza e boa-vida para um punhado de homens e mulheres baseadas no crescimento da miséria, da ignorância, da repressão, da insegurança, do «medo» face ao futuro e da capacidade de autodeterminação pessoal, para que tudo continue na mesma. Tal como no antigamente, que persiste ou ressuscita nos dias de hoje?
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A 11 de Fevereiro, votar é um direito. A 11 de Fevereiro VOTAR SIM é um dever, o dever de votar contra o medo e contra a repressão das consciências, é votar pela capacidade de auto-determinação pessoal dos homens e das mulheres.

Victor Nogueira

Direito de decidir

O ruído gerado em torno do referendo para a despenalização do aborto até às dez semanas a pedido da mulher não é inocente nem fortuito.

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A invocação de valores ditos morais para rejeitar a alteração de uma legislação iníqua que consagra o direito à devassa da intimidade, à humilhação pública e à pena de prisão até três anos da mulher que pratica o aborto não passa de espessa cortina de fumo para esconder o essencial em jogo nesta batalha: a tentativa de imposição à sociedade dos dogmas da Igreja católica – outra fosse a religião e não faltariam acusações de fundamentalismo! – e dos sectores sociais mais retrógrados que visam manter a mulher com um estatuto de menoridade – logo incapaz de decidir responsável e livremente – e condicionada à função de reprodutora, de preferência sob o manto do matrimónio.

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Vale a pena lembrar que até 1967 a família era chefiada pelo marido, a quem competia decidir em relação à vida conjugal comum e aos filhos; que só em 1976 foi abolido o direito do marido abrir a correspondência da mulher (Decreto- Lei n.º 474/76, de 16 de Junho); e que só em 1978, com a revisão do Código Civil, a mulher deixou de ter estatuto de dependência para ter um estatuto de igualdade com o homem, desapareceu a figura do "chefe de família", deixou de haver poder marital e ambos os cônjuges passaram a dirigir a vida comum e cada um a sua, a decisão sobre a residência do casal passou a ser de ambos, a mulher deixou de precisar de autorização do marido para ser comerciante, e cada um dos cônjuges passou a poder exercer qualquer profissão ou actividade sem o consentimento do outro.

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Tal como no passado se ergueram contra o trabalho da mulher fora do lar ou contra o seu direito de voto, contra o seu direito à educação ou à independência económica, contra a sua existência como ser humano de pleno direito e sem a subordinação à tutela obrigatória de qualquer homem, também hoje as forças que se empenham na criminalização do aborto procuram negar à mulher o direito de decidir da sua vida reprodutiva.
Manipulando sentimentos genuínos e legítimas preocupações, dúvidas e anseios para impedir o uso da razão, os ditos defensores da vida estão uma vez mais a tentar subalternizar a mulher.

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Despenalizar o aborto não obriga ninguém a abortar. Não o fazer, é tratar as mulheres que abortam como criminosas e irresponsáveis. No domingo, a opção não pode ser mais simples – votar SIM.

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in Avante, 2007.02.08