A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sexta-feira, maio 18, 2012

Rosalie vai às compras: um conto sobre o vazio moral do consumo


13 DE MAIO DE 2012 - 10H13 

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“Quando deve 100.000 o problema é seu, mas se você deve um milhão o problema é do banco”. É essa linha de diálogo solta no meio do filme “Rosalie Vai Às Compras” (Rosalie Goes Shopping, 1989) que sintetiza toda a crítica que o diretor alemão Percy Adlon faz da “doença contemporânea”: o cartão de crédito.


Apesar da fotografia com muita luz e cores, uma trilha musical composta originalmente para o filme e muito bom humor, Adlon faz um conto sombrio sobre uma sociedade de consumo onde a única barreira para a realização dos desejos não é mais moral ou religiosa, mas financeira. 

“Rosalie Vai às Compras é uma sátira ao consumismo, ao materialismo yuppie de uma década de 1980 conservadora de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, e que terminou em um violento crash da Bolsa de Nova York em 1988. Mas que continua ainda muito atual em uma época de crises financeiras globais, mais uma vez após outra década de conservadorismo neoliberal.

Rosalie (Marianne Sägerbrecht) é uma dona de casa alemã que vive dentro do sonho americano, morando no interior do estado do Arkansas: tem um marido perfeito (um aviador de dedetização aérea), uma família maravilhosa com sete filhos e uma coleção de cartões de créditos falsos e talões de cheques “borrachas” tão vasta que consegue alimentar seus filhos como reis e comprar qualquer produto que ela vê nos comerciais sem fim que toda a família adora (preferem ver os intervalos comerciais e canais de televendas a filmes ou shows).

Rosalie é uma simpática e carismática tranbiqueira que sozinha com seus golpes na praça sustenta os desejos de uma família excêntrica: duas gêmeas limítrofes, um jovem cujo sonho é tornar-se um "chef" (Rosalie colabora comprando as mais caras iguarias de gastronomia), outro com um irritante tique de bater um pé nas refeições, o marido fanático por aviação que grava sons de motores de aviões para todos ouvirem e vive dando voos rasantes sobre a casa, e assim por diante.

Todos com um inquebrantável otimismo no sonho americano transmitido pelos histéricos canais de televendas diante dos quais a família toda se reúne para acompanhar os jingles e antecipar os slogans. Para eles todo sonho ou desejo tem o dever de ser realizado pelo consumo. Se a única barreira que impede isso é a financeira, Rosalie vai dar conta desse empecilho.

Mas as dívidas de Rosalie vão crescendo e os cheques “borrachas” dela não são mais aceitos pelas lojas e supermercados locais o que a obriga a partir para golpes no interior da própria família: limpar a poupança do filho que presta serviço militar na Alemanha e vender as passagens aéreas de volta dos pais que vieram da Bavária para visitá-la.

Tudo muda ao conhecer um computador completo, com modem e impressora. De consumista Rosalie torna-e uma hacker e compreenderá a frase dita pelo carteiro que sempre entrega suas correspondências cheias de cartas de cobrança: “Quando deve 100.000 o problema é seu, mas de você deve um milhão o problema é do banco”. Pronto, Rosalie estará no topo outra vez, revertendo o jogo do sistema financeiro ao criar uma volumosa dívida e uma empresa fantasma.

Consumismo e Esquizofrenia

Numa entrevista para a revista norte-americana “Bomb” em 1990, o diretor Percy Adlon afirmou que “Rosalie Vai às Compras” é o lado sombrio do filme anterior “Bagdá Café” de 1987: “em Bagdá era pura esperança e sentimentos positivos. Em Rosalie, nós olhamos para o espelho de uma das nossas doenças contemporâneas: o cartão de crédito. Neste filme estou alfinetando o sistema, a sedução que está em toda parte dizendo que para ser feliz é necessário comprar. Para mim, o mundo está sempre simultaneamente feliz e triste, agressivo e suave, risos e lágrimas, mas nunca se chega ao paraíso” (“Percy Adlon” por Lance Loud In: “Bomb”, 32/Verão 1990).

Percebe-se nesse depoimento que a crítica de Adlon à “doença contemporânea” no filme vai mais além do que a crítica moralista à sociedade de consumo, onde o “ter substitui o ser”. O problema não é comprar, mas os significados esquizofrenicamente contraditórios que as mensagens publicitárias comunicam aos potenciais consumidores: de um lado, a afirmação universal de que todos têm o direito à felicidade e à realização dos seus sonhos, e, do outro, a situação particular de impedimento – a clivagem financeira.

Isso lembra a chamada situação de “duplo vínculo” (double bind) do antropólogo Gregory Bateson que estudava situações de esquizofrenia a partir de ciladas comunicativas onde a vítima ficava paralisada: a mãe transmite uma ordem negativa (“não faça isso, eu te castigo”) e uma contra-ordem positiva, geralmente transmitida de forma não-verbal, que entra em conflito com a primeira (“não entenda isso como punição” ou “se faço isso é porque te amo”) – veja MARCONDES FILHO, Ciro, A Produção Social da Loucura. São Paulo: Paulus, 2003.

Pois a publicidade e toda a sociedade de consumo criam essa verdadeira cilada comunicativa para os indivíduos: explicitamente, cada filme publicitário parece uma reivindicação universalista do direito à felicidade; mas uma contra-ordem não-verbal, uma espécie de subtexto transpassa todo o campo das mensagens publicitárias: sem dinheiro não há felicidade.

“Ao fim da cota inteira de publicidade absorvida diariamente pelo indivíduo, e ainda mais, da anual, esse puro receptor se encontrará vinculado por uma série infinita de produtos em contraposição ou em justaposição entre si, imersos na sua mente, sem que o seu “corpo” tenha a possibilidade de satisfazer-se, não certamente, com a totalidade, mas nem mesmo com a possibilidade de investimento visual. E então geram-se a ansiedade e o rancor nessa tesoura que vincula e, ao mesmo tempo, não resolve a ligação” (CANEVACCI, Massimo. Antropologia da Comunicação Visual, São Paulo: Brasiliense, 1990, p.49-50).

Rosalie, como uma alemã e estrangeira imersa no sonho americano transmitido pelos canais de televendas, não consegue entender esse “duplo vínculo” contraditório entre o literal e o metafórico, entre mensagens que ao mesmo tempo afirmam e condicionam. 

Por isso, ela vai compreender o vazio moral existente na sociedade de consumo, após muitas confissões com um padre católico que, perplexo, acompanha as descrições das falcatruas que Rosalie comete na pequena cidade: não existem barreiras morais ou religiosas para buscar a satisfação dos desejos. Se o único impedimento é de ordem financeira, ela poderá dar um jeito.

O vazio moral na Sociedade de Consumo

Se o sociólogo alemão Max Weber estiver correto, a base moral do capitalismo esteve na ética protestante baseada na realização pessoal através do mérito. O “mérito” não era simplesmente um conjunto de características inatas no indivíduo (inteligência, habilidades etc.), mas capacidade de adiamento da gratificação, operosidade, poupança e a imortalização do ato por meio de obras para a posteridade (como no provérbio sobre “livros, árvore e filhos”, realizações que o indivíduo deveria alcançar na vida) para o reconhecimento social e divino.

Pois essa capacidade de sublimação é pulverizada pelo discurso esquizofrênico publicitário. No filme, Rosalie confessa ao padre cada um dos seus “pecados” não porque quer a redenção ou tornar-se uma pessoa melhor. Como ela diz, “quando a gente confessa deixa de serem pecados”, para desespero do padre que vê em Rosalie um caso perdido.

Nos canais de televendas e intervalos publicitários, todos os desejos e sonhos se equivalem por que são expressões legítimas de um livre-arbítrio abstrato, e não mais resultantes de esforços pelo mérito individual. Por isso a busca por crédito (forma líquida do dinheiro em espécie na sociedade de consumo, simbolicamente mágica, pois nas suas formas eletrônicas – cartões de débitos e créditos – não dá a sensação desagradável de “gastar”) é vazia de responsabilidade ética, moral ou religiosa: é apenas um meio para alcançar um direito legítimo porque universal.

Rosalie vai escapar do “duplo vínculo” esquizofrênico da sociedade de consumo através de uma irônica estratégia: criar um débito tão gigantesco que jogue a responsabilidade para o sistema financeiro como um todo. Rosalie vai entender literalmente as mensagens publicitárias e desvincular de qualquer responsabilidade ética e moral a busca pela viabilização financeira dos seus desejos. Se, como afirma aquele anúncio de cartão de crédito que clama “porque a vida é agora”, Rosalie vai entender a mensagem ao pé-da-letra. Os banqueiros que se cuidem!

Ficha Técnica
•Título: Rosalie Vai Às Compras (Rosalie Goes Shopping)
•Diretor: Percy Adlon
•Roteiro: Christopher Doherty e Percy Adlon
•Elenco: Marianne Sägerbrecht, Brad Davis, Judge Reinhold, Erika Blumberg e Willy Harlander
•Produção: Bayerischer Rundfunk, Pelemele Film
•Distribuição: Lions Gate Films
•Ano: 1989
•País: Alemanha, EUA

Fonte: Blog Cinegnose (postado por Wilson Roberto Vieira Ferreira)

William Deresiewicz: Capitalistas e outros psicopatas


14 DE MAIO DE 2012 - 5H13 

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Existe um debate em andamento no país sobre os ricos: quem eles são, qual o papel social deles, se eles são bons ou ruins.

Por William Deresiewicz

Existe um debate em andamento no país sobre os ricos: quem eles são, qual o papel social deles, se eles são bons ou ruins. Bem, considerem o seguinte. Um estudo recente descobriu que 10% das pessoas que trabalham em Wall Street são “psicopatas clínicos”, exibindo falta de interesse ou empatia pelos outros e uma “capacidade sem paralelo para mentir, fabricar e manipular”. (A proporção para a população em geral é de 1%). Outro estudo concluiu que os ricos são mais inclinados a mentir, enganar e violar a lei.

A única coisa que me surpreende sobre estas alegações é que tem gente que acha que são surpreendentes. Wall Street é o capitalismo em sua forma mais pura, e o capitalismo é baseado em mau comportamento. Isso não deveria ser notícia. O escritor britânico Bernard Mandeville disse isso quase três séculos atrás num poema-satírico-com-pretensões-de-tratado-filosófico chamado “A fábula das abelhas”.

“Vícios privados, benefícios públicos” é o subtítulo do livro. Um maquiavélico no campo econômico — um homem que nos mostrou como somos, não como gostaríamos de pensar que somos — Mandeville argumentou que uma sociedade comercial cria prosperidade ao aproveitar nossos impulsos naturais: fraude, luxúria e orgulho. Por “orgulho” Mandeville quis dizer vaidade; por “luxúria”, o desejo por indulgência sensual. Ambas criam demanda, como todo publicitário sabe. No lado da oferta, como diríamos, estava a fraude, dizia o poema: ”De todos os negócios a fraude era parte/ Nenhuma profissão era isenta dessa arte”.

Em outras palavras, Enron, BP, Goldman, Philip Morris, G.E., Merck, etc., etc. Fraude contábil, evasão fiscal, lixo tóxico, violações na segurança de produtos, fraude em concorrências públicas, superfaturamento, perjúria. O escândalo de propinas da Walmart, o escândalo da violação de telefones da News Corp. — abra a seção de negócios do jornal em um dia qualquer. Golpeando seus trabalhadores, causando danos aos seus consumidores, destruindo a terra. Deixando o público ficar com a conta. Estas não são anomalias; é assim que o sistema funciona: você sai ileso com o que puder e tenta escapar quando te pegam em flagrante.

Sempre achei estranha a ideia de uma escola de negócios. Que tipos de cursos poderia oferecer? Roubar viúvas e órfãos? Esmagar a cara dos pobres? Alimentar-se com dinheiro público? Foi lançado anos atrás um documentário chamado “Corporação”, que aceitou a premissa de que as corporações são pessoas e em seguida perguntou que tipo de pessoas eram. A resposta foi, precisamente, psicopatas: indiferentes aos outros, incapazes de sentir culpa, devotadas exclusivamente a seus próprios interesses.

Existem corporações éticas, sim, e pessoas de negócio éticas, mas a ética no capitalismo é opcional, puramente extrínseca. Esperar moralidade do mercado é cometer um erro categórico. Os valores capitalistas são incompatíveis com os cristãos. (Como alguns dos cristãos mais barulhentos de nossa vida pública também são os belicosos proponentes do livre mercado sem qualquer regulamentação é uma questão para a consciência deles). Os valores capitalistas também são incompatíveis com os valores democráticos. Como a ética cristã, os princípios de um governo republicano requerem que consideremos os interesses dos outros. O capitalismo, que se dedica à perseguição do lucro, nos faz pensar que é cada um por si.

Tem havido muita conversa sobre os “criadores de empregos”, uma frase criada por Frank Luntz, um guru de propaganda da direita, para classificar Ayn Rand. Os ricos merecem nossa gratidão, assim como tudo o que têm, em outras palavras, e o restante é inveja. Em primeiro lugar, se empreendedores são criadores de empregos, os trabalhadores são criadores de riqueza. Os empreendedores usam a riqueza para criar emprego para trabalhadores. Trabalhadores usam os empregos para criar riqueza para os empreendedores — os excessos de produtividade que superam o salário e outras compensações representam o lucro das corporações. Não é objetivo de nenhum deles beneficiar o outro, mas isso acontece de qualquer forma.

Além disso, empreendedores e ricos são duas categorias diferentes que nem sempre se misturam. A maioria dos ricos não é de empreendedores; eles são executivos de corporações, gerentes institucionais de outros tipos, os médicos e advogados mais ricos, os mais bem sucedidos atletas e artistas, pessoas que simplesmente herdaram dinheiro e, sim, pessoas que trabalham em Wall Street.

Mais importante, nem os empreendedores nem os ricos têm o monopólio do saber, do suor ou do risco. Existem cientistas — e artistas e acadêmicos — que são tão inteligentes quanto qualquer empreendedor, apenas estão interessados em outras recompensas. A mãe solteira que usa o emprego para ir à faculdade comunitária trabalha tão duro quanto o gerente de um fundo hedge. Uma pessoa que consegue um empréstimo imobiliário — ou um empréstimo para educação, ou que tem um filho — contando com um emprego que pode perder a qualquer momento (graças, talvez, a um daqueles criadores de empregos) assume tanto risco quanto alguém que abre um novo negócio.

Questões fundamentais na política dependem destas percepções: quem vamos taxar e quanto; quanto vamos gastar e com quem. Mas se “criadores de empregos” é um termo novo, a adulação que expressa — e o desprezo que claramente assinala em relação a outros — não são. “Os norte-americanos pobres são chamados a detestar a si”, escreveu Kurt Vonnegut em “Abatedouro número 5″. E, assim, “eles se diminuem e glorificam os outros”. Nossa mentira mais destrutiva, ele acrescentou “é que é fácil para qualquer norte-americano ganhar dinheiro”. A mentira persiste. Os pobres são preguiçosos, estúpidos e diabólicos. Os ricos são brilhantes, corajosos e bons. Eles espalham sua beneficência sobre o resto de nós.

Mandeville acreditava que a busca pela satisfação de interesses individuais poderia trazer benefícios públicos mas, ao contrário de Adam Smith, não acreditava que faria isso por si só. A “mão” de Smith era “invisível”– a operação automática do mercado. A de Mandeville exigia “o gerenciamento multifacetado de um político hábil” — em termos modernos, legislação, regulamentação e taxação. Ou, como ele escreveu em verso, ”Assim, o vício o bem vai causar/ Se a Justiça o atar e podar”.

*O autor é ensaista, crítico e autor de “Uma educação de Jane Austen”

Fonte: Viomundo

sexta-feira, maio 11, 2012

Richard D. Wolff: O que o capitalismo proporciona


5 DE MAIO DE 2012 - 10H45 

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'O capitalismo não funciona'. A maior parte dos presidentes atravessam um ou mais períodos econômicos maus (recessões, depressões, crises, etc). Todo presidente desde pelo menos Franklin Dellano Roosevelt gerou um "programa" para responder ao período mau – tal como era pedido pelos cidadãos e os negócios.

Por Richard D. Wolff*







FDR e todo presidente posterior prometiam que o seu programa iria "não só livrar os EUA das perturbações econômicas atuais como também garantiria que nem nós nem os nossos filhos precisarão enfrentar tais períodos maus no futuro". Obama foi apenas o mais recente a dizer isso.

Nenhum presidente foi capaz de manter tal promessa. A atual crise capitalista, agora a meio caminho no seu quinto ano sem fim à vista, prova que o impedir de futuros períodos de baixa capitalista iludiu todo presidente do passado e todos os seus prestigiosos e bem pagos conselheiros econômicos. Uma vez que o programa do presidente Obama não é basicamente diferente os anteriores programas presidenciais, não há razão para esperar que ele tenha êxito.

O fracasso em impedir crises capitalistas condenou milhões dos nossos companheiros cidadãos a repetidas devastações de perdas de empregos, benefícios e segurança além de lares arrestados e perspectivas negras para os nossos filhos. Os custos familiares e econômicos do fracasso em lidar com crises capitalistas são estarrecedores. Hoje dezenas de milhões de americanos ou não têm trabalho ou devem aceitar empregos em tempo parcial quando precisam e querem trabalho a tempo inteiro. De acordo com o governo dos EUA, aproximadamente 30 por cento das ferramentas, equipamentos, fábricas, escritórios, espaço comercial e matérias-primas permanecem ociosos. Este sistema capitalista priva-nos da produção e riqueza que podia ser produzida se os empregos negados ao povo fossem combinados com os meios de produção ociosos.

Essa produção poderia reconstruir nossas indústrias e cidades, poderia convertê-las em instituições ambientalmente respeitáveis e poderia aliviar a pobreza nos EUA e mais além. Se empregados, aqueles agora sem empregos podiam ter vidas melhores, manterem seus lares e serem produtivos. Todos nós poderíamos beneficiar-nos enormemente se não fosse o fracasso abjecto do capitalismo para combinar as pessoas que querem trabalhar com meios de produção não utilizados para o que precisamos.

O problema básico tão pouco tem a ver com políticas e programas governamentais. Afinal de contas, os principais partidos políticos, os políticos, lobistas e seus aliados na mídia e na academia cantam todos em uníssono para celebrar o capitalismo. Eles têm insistido ao longo dos últimos cinquenta anos em que a crítica o capitalismo, não importa quão fraco seja o seu desempenho, era tola, sem fundamento, absurda, desleal ou pior. A sua lenga lenga tem sido "o capitalismo cumpre as promessas" ("capitalism delivers the goods").

Por trás da cobertura protectora de uma proibição da crítica quase total, o sistema capitalista estado-unidense deteriorou-se (o resultado habitual quando é proscrita a crítica pública de uma instituição social). Desde o desencadeamento desta crise em 2007, o capitalismo tem estado a "proporcionar dificuldades" à maior parte de nós. Ele ameaça de modo crescente proporcionar dificuldades ainda piores nos anos pela frente. Promotores acríticos do capitalismo estão agora a pressionar o governo a reduzir serviços públicos exatamente quando a massa de americanos os necessita mais do que nunca. O seu slogan e programa básico insistem: "recuperação" econômica para poucos e austeridade para muitos.

Nas décadas de 1950 e 1960, o escalão de rendimento individual que tributava os americanos mais ricos era de 91%, ao passo que hoje é de 35%. Em 1977, o imposto que as pessoas pagavam sobre "ganhos de capital" (ao venderem ativos como ações e títulos a preços superiores aos pagos por eles) era de 40%. Hoje aquela taxa é de 15%. A massa do povo nunca desfrutou de cortes fiscais tão maciços. Estes cortes fizeram os ricos ainda mais ricos enquanto forçavam o governo a tomar dinheiro emprestado para substituir o que já não podia ser obtido através dos impostos sobre os ricos. Como é grotesco que os ricos agora utilizem dívidas do governo como desculpa para eliminar serviços públicos para a massa dos americanos!

A solução para crises capitalistas como aquela que hoje nos aflige não é que o presidente promova outro programa de reformas, regulamentações, estímulos econômicos e orçamentos deficitários. Já passamos por isso e já o fizemos. Isso nunca funcionou para impedir este sistema econômico de condenar o povo a "tempos difíceis" infindavelmente repetidos. Há muito que se deve sujeitar o capitalismo à crítica séria, aberta e pública e debater o que nunca deveria ter sido reprimido. Precisamos examinar se e como os EUA podem fazer algo melhor do que o capitalismo.

Os sistemas econômicos nascem, evoluem no tempo e morrem – como todas as instituições humanas. Em resultado do fim da escravidão e do feudalismo, nasceu o capitalismo. Ele prometia, nas palavras dos revolucionários franceses, "liberdade, igualdade e fraternidade". Fez alguns progressos genuínos rumo àqueles objectivos. Contudo, também ergueu alguns graves obstáculos para alguma vez alcançá-los. O principal deles foi a organização da produção no interior das empresas capitalistas.

Nas empresas corporativas capitalistas que hoje dominam a economia, os seus grandes acionistas e os conselhos de administração que eles selecionam estão na não democrática posição exclusiva de tomarem todas as decisões chave. Os grandes acionistas e conselhos de administração constituem uma pequena minoria daqueles diretamente ligados a empresas capitalistas. A maioria são os trabalhadores das empresas e as populações de comunidades dependentes das mesmas. Mas as decisões da minoria (acerca do que, como e onde produzir e o que fazer com os lucros) impactam a maioria – incluindo provocar crises – sem permitir à maioria qualquer papel direto na tomada de tais decisões. É então dificilmente surpreendente que a minoria exija e esteja em posição de tomar para si própria a riqueza e a fatia de rendimento do leão. Ela igualmente compra o controle da política a fim de impedir a maioria de utilizar o governo para retificar as suas desvantagens e privações econômicas. Eis porque agora temos salvamentos governamentais para os ricos e austeridade para o resto de nós.

A menos que a sociedade se movimente para além da organização capitalista da produção, as crises econômicas continuarão a acontecer e a gerar falsas promessas de políticos de que as impedirão. É ingênuo esperar que a minoria responsável por um sistema que para ela ainda funciona bem democratize a economia e a política. Esta é a tarefa central dos 99%.

*Richard D. Wolff é professor emérito da Universidade de Massachusetts-Amherst e professor visitante no Programa de Graduação em Assuntos Internacionais da New School University, Nova Yok. 

Fonte: Pátria Latina

terça-feira, maio 08, 2012

Emir Sader: Trabalho, a atividade mais transversal da humanidade


2 DE MAIO DE 2012 - 9H03 

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O homem se distingue dos outros animais por várias coisas, mas a determinante é que o homem tem capacidade de trabalho. O homem transforma o mundo, o meio que o cerca, através do trabalho, para encontrar as formas de sua sobrevivência e para amoldar o mundo conforme os seus projetos.

Por Emir Sader, em seu blog


O homem tem o poder de humanizar a natureza, enquanto os outros animais apenas recolhem o que encontram na natureza ou fazem trabalhos puramente mecânicos e repetitivos, sem criatividade – como os casos das formigas e das abelhas.

O progresso humano foi resultado do trabalho humano, embora o trabalho, nas sociedades existentes ate’ aqui, seja, um trabalho alienado, em que os trabalhadores nao possuem os meios de produção para plasmar seu trabalho conforme suas decisões conscientes. Tenham que submeter a ser explorados pelos que nao produzem, mas possuem capital suficiente para ter meios de produção que explorem o trabalho alheio.

A transformação do mundo só pode ser explicada pela evolução do trabalho humano, da capacidade humana de modificar o mundo que o cerca. O homem foi escravo da natureza durante séculos e séculos, acordava quando havia luz e dormia quando ela terminava. Era vítima inerte das catástrofes naturais.

O trabalho humano é a fonte da construção das riquezas, dos bens de que o homem dispõe. Se pudesse decidir livremente, de forma consciente e democrática, o destino do seu trabalho, o mundo seria – será – muito destino, humanizado.

No entanto, a crítica de concepções tradicionais, que buscavam reduzir todas as contradições das nossas sociedades à contradição capital-trabalho, como se as outras – de gênero, de etnias, entre outras – se resolvessem automaticamente quando fosse resolvida aquela contradição, levou à critica da centralidade exclusiva das contradições do mundo do trabalho. Afloraram contradições que sempre existiram, mas que ficaram escondidas pelas lutas dos trabalhadores contra a exploração. Surgiram os novos movimentos sociais – das mulheres, dos negros, dos indígenas, dos quilombolas, das diversas formas de sexualidade, do meio ambiente, entre outros.

Ao mesmo tempo, as transformações ocorridas no mundo, com o desaparecimento do campo socialista e a expansão sem limites do capitalismo, representaram uma ofensiva brutal contra os trabalhadores e o mundo do trabalho. A simples possibilidade dos capitais de se deslocarem para qualquer lugar do mundo para explorar mão de obra nas condições mais brutais, já representa uma violência brutal contra os direitos dos trabalhadores.

O conjunto desses fatores levou à diminuição de importância do mundo do trabalho – invisibilizado pela mídia -, os próprios estudos sobre o mundo do trabalho perderam muito importância, justamente quando exigem muito mais investigação, porque as formas de exploração do trabalho se tornaram muito mais complexas e diversificadas.

Nunca como na atualidade tanta gente vive do seu trabalho, por mais heterogêneos que eles sejam. Homens e mulheres, negros, brancos, indígenas, idosos e crianças, todos trabalham. A riqueza humana continua a ser produzida pelo trabalho humano.

A maioria esmagadora da humanidade gasta grande parte do seu tempo de vida trabalhando – para enriquecer algumas outras pessoas -, a atividade do trabalho é a que ocupa a esmagadora maioria das pessoas e do seu tempo de vida. O trabalho é a atividade transversal que cruza países, classes etnias, gêneros, idades.

O trabalho precisa voltar a ganhar a centralidade que requer, sem deslocar por isso as outras contradições, mas se articulando com elas. Somente assim a grande luta contra a exploração do trabalho, a alienação do trabalho e da consciência humana, poderá avançar na luta pela emancipação humana.

terça-feira, maio 01, 2012

António Gervásio - 1962 - Ano de Lutas


As 8 horas de trabalho no campo!
Uma conquista histórica
do operariado agrícola do Sul 


Membro do Comité Central do PCP
Na história da luta revolucionária do operariado agrícola do Sul contra o fascismo, pelo pão e pelo trabalho, pela liberdade e progresso social estão registadas duas vitórias e realizações de um elevado significado político e histórico: uma, sob o fascismo, a extraordinária conquista vitoriosa do horário das 8 horas para o campo, em Maio de 1962; outra, na Revolução de Abril, o audacioso avanço para a Reforma Agrária, em 1975, sob a bandeira de "a terra a quem a trabalha!".
Uma e outra não foram oferecidas pelo poder dominante. Uma e outra foram conquistadas pela luta corajosa, combativa e organizada do proletariado agrícola do Sul. Uma e outra tiveram no seu centro, como motor impulsionador, a intervenção organizada e dirigente do PCP.
A conquista das 8 horas representou uma extraordinária melhoria das condições de vida e de trabalho de centenas de milhar de trabalhadores e suas famílias. A Reforma Agrária produziu profundas transformações qualitativas nas terras do latifúndio. Pôs as terras a produzir. Acabou com o desemprego. Abriu horizontes de uma nova vida e de uma nova esperança às populações do Sul. A Reforma Agrária foi travada e destruída pelos seus inimigos! Um crime que ficará para sempre ligado aos governos de direita ou com política de direita.
Realidades e razões da luta pelas 8 horas
Já passaram 40 anos. Abordar hoje a questão das 8 horas para a agricultura poderá parecer, sobretudo às gerações mais novas, um assunto de menor importância. Mas não o é. Falar da conquista das 8 horas pelo operariado agrícola do Sul é prestar homenagem a essa luta e aos seus obreiros. É relembrar uma das lutas mais magníficas dos assalariados agrícolas do Sul, uma vitória histórica arrancada ao poder fascista e aos grandes proprietários da terra, pela primeira vez em Portugal, por um poderoso movimento de massas, sob a influência e direcção do Partido, que envolveu cerca de 200.000 trabalhadores agrícolas do Sul.
Quando vemos os ideólogos do capital na guerra política e ideológica contra o PCP, passando certidões de óbito, mentindo e deturpando, silenciando o papel determinante do PCP na resistência antifascista e na luta dos nossos dias na defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo, contra a política de direita, por uma alternativa de esquerda, é necessário falar a verdade, relembrar a história.
Relembrar que, até Maio de 1962, os assalariados agrícolas do Sul (com pequenas diferenças no Ribatejo e na Margem Esquerda do Guadiana) não conheceram outro horário de trabalho no campo que não fosse o escravizante horário de sol a sol, ou seja: pegar ao nascer do sol e despegar ao sol posto. Fazer o caminho de casa para o trabalho e vice-versa, a pé, uma, duas horas (e mais). Não havia transportes, raros eram aqueles que possuíam uma bicicleta a pedal!
Os assalariados agrícolas não tinham subsídio de desemprego, nem reforma, nem assistência médica, nem segurança social. Tinham salários de miséria, passavam fome, eram trabalhadores sem direitos! Em 1960 a 1962 o seu salário médio rondava os 25$00 a 30$00 para o homem e 13$00 a 17$00 para a mulher! O desemprego atormentava os trabalhadores longos meses sem ganharem um tostão para o seu sustento e das suas famílias.
Outra realidade que importa relembrar: nas décadas de 40 a 60 havia nos campos do Sul mais de duas centenas de milhar de assalariados agrícolas. Cada vila e aldeia constituía uma concentração de trabalhadores agrícolas, homens e mulheres, sem terra sua. A única fonte de subsistência, sua e da família, era a venda da sua força de trabalho, mão-de-obra sem direitos sujeita à exploração sem lei dos agrários.
A mais pequena luta era violentamente reprimida. Muitos milhares de trabalhadores agrícolas foram espancados, presos e alguns assassinados. Privado de direitos sindicais, o proletariado agrícola foi um baluarte de resistência contra a ditadura, uma classe combativa, com um elevado espírito de unidade e de organização. Através dos anos e da luta desenvolveram a sua organização unitária, como as Comissões de Unidade (comissões de tipo sindical, candestinas). Organizaram as Praças de Jorna (locais onde os trabalhadores se juntavam para combinar aumentos de salários e outras reivindicações, com intervenção das Comissões de Unidade).
Desenvolveram uma forma de organização muito importante: tornaram prática corrente, em muitas localidades, fazer reuniões ou plenários de trabalhadores antes de iniciar uma luta ou uma reivindicação. Por vezes essas reuniões ou plenários tinham 100, 150, 200 e mais participantes e várias delas com a participação de funcionários do Partido. De um modo geral, essas reuniões eram feitas de noite para fugir à vigilância policial. Mesmo nas condições da repressão fascista, era já uma forma de organização avançada da discussão unitária e democrática dos problemas dos trabalhadores.
A preparação da luta
A partir do começo dos anos 40 a implantação da organização e influência do Partido tem um desenvolvimento crescente nas vilas e aldeias do Sul, em particular no Alentejo. O PCP ganha forte influência e força organizada, grande confiança e credibilidade no seio dos trabalhadores agrícolas. O único partido que os trabalhadores sempre viram junto de si, na defesa dos seus legítimos interesses, contra o fascismo e a exploração dos agrários, no confronto com a repressão e nas cadeias, foi o PCP, os seus militantes.
Nas décadas de 50 a 60 o Partido tinha organização e ligações na maioria das localidades mais significativas do Sul, com maior peso nos três distritos do Alentejo. De um modo geral não havia uma luta com maior significado que não tivesse a intervenção ou a influência do PCP.
Em muitas dezenas de localidades o Partido contava com fortes organizações, ligadas às massas: Comités Locais, Comités de Zona, Células de Empresa, Comités Sub-Regionais e Regionais, etc.. O PCP gozava de grande confiança junto do proletariado agrícola.
A vitória das 8 horas tem atrás de si milhares de pequenas e grandes lutas (derrotas e vitórias) em torno de melhores salários e outras reivindicações: nas ceifas, tiradas de cortiça, debulhas, carvoarias, arrozais, mondas, apanha da azeitona, "esgalhas" e outras, lutas expressas em concentrações, abaixo-assinados, trabalho lento ("cera"), paralisações, greves e outras formas. Lutas contra o flagelo do desemprego, pelo pão e trabalho, com concentrações e manifestações junto das autoridades, caçadas às lebres e perdizes nas coutadas, bolota, azeitonas, carne nos rebanhos: "buscar o comer onde o houver".
Luta contra a repressão fascista e pela libertação dos presos, contra a guerra colonial e pela paz, pela liberdade e a democracia. Na história da luta do proletariado agrícola encontramos, em muitas reivindicações, a associação da luta económica com a luta política.
A partir de 1957-58
É a partir dos anos de 1957 e 1958 que a luta pelas 8 horas ganha um maior desenvolvimento com a multiplicação de reuniões e plenários com dezenas e centenas de trabalhadores por muitas localidades do Sul. Vilas e aldeias como Avis, Benavila, Alcórrego, Montargil, Sousel, Campo Maior, Montemor-o-Novo, Escoural, São Cristão, Lavre, Cabeção, Mora, Vendas Novas, Bencal, Montoito, Couço, Coruche, Alpiarça, Grândola, Alcácer, Palma e Comporta, Alvalade, Ermidas, Aljustrel, Ervidel, Baleizão, Pias, Vale de Vargo, Serpa, apenas para relembrar algumas, são vilas, aldeias e outras localidades que tiveram papel decisivo na discussão, na organização, no desenvolvimento e direcção da histórica luta das 8 horas.
Em 1957 foi elaborado um caderno reivindicativo com três pontos, a reivindicar junto do Instituto Nacional do Trabalho (INT) e dos agrários:

1 - Trabalho garantido;
2 - Salário mínimo de 30$00 para o homem e 20$00 para a mulher;
3 - Horário das 8 horas de trabalho.
Com o desenvolvimento da discussão e da luta, a exigência das 8 horas - a reivindicação mais sentida - ganha grande prioridade em relação aos pontos 1 e 2 do caderno.
Multiplicaram-se as reuniões e plenários, a formação de Comissões de Unidade. Em 1960 foi formada uma Comissão Coordenadora da luta com membros de outras comissões dos três distritos do Alentejo, do Litoral Alentejano e do Ribatejo
(Couço/Coruche). As condições amadureciam para o arranque final da luta.
O porquê da escolha do mês de Maio/1962
Muitos camaradas tinham dúvidas do êxito desta luta, incluindo responsáveis da Direcção do Partido, se não seria uma utopia a terminar num fracasso. Havia a noção de que arrancar as 8 horas aos agrários e ao fascismo seria uma luta muito difícil e dura. Era um grande desafio. Havia também da parte de muitos trabalhadores (mais nos ganadeiros) a ideia de que as 8 horas não se adaptavam aos trabalhos do campo.
A data não foi uma escolha arbitrária, foram ponderados vários factores e realidades. A luta tinha atingido um elevado ponto de amadurecimento. Havia uma forte vontade de sair para a rua. O mês de
Maio era falado, com a sua força por ser o Dia do Trabalhador, Março, Abril, Maio e Junho são meses de grande aperto das culturas agrícolas, um factor favorável para pressionar os agrários. Por outro lado, nos primeiros meses de 1962 galopa o movimento de massas contra a ditadura: cresce a luta operária nas empresas, a luta social nos campos, nas escolas, nos serviços, nos quartéis. Surgem as situações do Santa Maria, o assalto ao Quartel de Beja. Cresce o Movimento de Oposição Democrática. Rebenta a luta libertadora nas colónias e a guerra colonial. Aparece a Rádio Portugal Livre (Março/1962) com um papel destacado na informação da opinião pública. Acelera-se o isolamento e a crise interna do fascismo.
Portanto, o mês de Maio/1962 era a data, era a altura certa para arrancar para a rua com as 8 horas. Antes as condições não estavam maduras, depois poderia perder-se a oportunidade certa.
Nos começos de 1962, o Partido publica um número de "O Camponês" e uma separata com milhares de exemplares a distribuir pelo Alentejo e Ribatejo, fazendo um firme apelo dirigido aos trabalhadores agrícolas do Sul para que:
No dia 1º de Maio de 1962 ninguém trabalhe mais que as 8 horas! Que ninguém trabalhe mais de sol a sol! Que lá onde os capatazes se oponham sejam os trabalhadores a imporem as 8 horas!
E assim aconteceu em muitas localidades e herdades no dia 1 e 2 de Maio de 1962!
O apelo de "O Camponês" e das organizações do Partido tiveram uma forte adesão. Logo nos primeiros dias do mês de Maio dezenas de mlhares de trabalhadores conquistaram as 8 horas. Foi no Litoral Alentejano, onde o movimento arrancou com maior força (Grândola, Alcácer, Palma e outras), que mais de 30.000 trabalhadores conquistam, no dia 1 e 2 de Maio, as 8 horas. O poderoso movimento estende-se, nas primeiras semanas de Maio, aos três distritos do Alentejo, ao Ribatejo, por vários concelhos da Estremadura e do Algarve, envolvendo cerca de 200.000 trabalhadores, homens e mulheres.
As 8 horas não foram conquistadas logo nos primeiros dias de Maio. Os agrários e a ditadura ofereceram muita resistência, fizeram despedimentos, prisões e espancamentos, deixaram estragar culturas. Promoveram amplas reuniões com a participação dos governadores civis, INT, PIDE e GNR, em Alcácer do Sal, Grândola, Estremoz, Évora e outras, com o objectivo de esmagar a luta pelas 8 horas. Muitos agrários resistiram semanas e meses mas o movimento de massas também resistiu, era mais forte e venceu!
A luta pelas 8 horas tomou a forma de levantamento, com as Comissões de Unidade e outros grandes grupos de trabalhadores falando, de localidade em localidade e de rancho em rancho, com os trabalhadores e com os ranchos de fora (beirões e algarvios) no sentido de ou trabalhavam as 8 horas ou não poderiam continuar de sol a sol. Os ranchos de fora, uns aderiram à luta e outros abalaram.
A luta prolongou-se pelo Verão fora com greves, com a recusa de trabalhar sol a sol. As organizações locais tomaram as mais diversas iniciativas na organização da luta, contactando com os trabalhadores, divulgando propaganda e apelando à resistência. As mulheres e os jovens tiveram uma intervenção activa na luta das 8 horas, muitos deles foram espancados e presos. As localidades e ranchos onde havia maior atraso na organização foram arrastados pela onda do movimento.
No final de 1962 o horário das 8 horas estava praticamente implantado nos campos do Sul. Tinha acabado para sempre o horário escravizante de sol a sol. O fascismo não oficializou as 8 horas para o campo, os trabalhadores implantaram-nas! Passaram a ser aceites como uma coisa normal.
Estamos a falar de uma realidade de há 40-50 anos atrás. Hoje vivemos uma outra nova situação. Os campos do Sul, particularmente no Alentejo, sofreram profundas alterações económicas e sociais. Após a destruição da Reforma Agrária foram reconstituídos os latifúndios. As suas terras estão incultas, povoadas de coutadas e cercas de arame farpado, não havendo, praticamente, actividade produtiva. As terras não produzem e não dão emprego. Os campos do Sul sofreram a maior desertificação social da sua história. Ainda há alguns assalariados agrícolas, mas num quadro completamente novo, sem expressão. Hoje deixou de existir esse proletariado agrícola do Sul, concentrado, numeroso, organizado e combativo que existia nos anos de 1940 a 1970!
A vitória foi possível. A luta pela conquista das 8 horas no Sul não foi uma revolta espontânea. Não foi uma decisão voluntarista ou arbitrária. As 8 horas constituíam uma profunda aspiração dos trabalhadores agrícolas do Sul. Esta luta foi organizada e dirigida pela Partido desde o início até ao seu triunfo. Ela amadureceu e desenvolveu-se até à sua vitória.
Não basta as 8 horas serem uma reivindicação muito sentida. A experiência da luta das 8 horas ensina que, sem uma forte organização unitária dos trabalhadores agrícolas, sem uma longa experiência, combatividade e determinação, sem uma grande organização do Partido, com confiança dos trabalhadores, ligada aos seus problemas, a luta vitoriosa das 8 horas não teria sido possível em 1962!
«O Militante» - N.º 259 Julho /Agosto de 2002