A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht
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quarta-feira, abril 25, 2007

Évora 1975














1. - Em 25 de Abril de 1974

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Há uns anos atrás comecei a compilar a minha extensa produção epistolar, que durou até 1976, e que escapou à destruição, para escrever vários «livros»: «Viagens», «Os dias da Revolução», «Retratos» e «Crítica (literária e cinematográfica)»
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Esse projecto ficou incompleto mas dele fui repescar aquilo que hoje intitulo «Évora75», embora seja uma compilação incompleta e por isso lacunar.
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Mas é o que se arranja para lembrar um outro Abril em Maio.
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Em 1974, a 25 de Abril. fui acordado pelo Diogo da Amareleja que «invadiu» o meu quarto de rádio em punho exclamando: «Ouve lá isto, vê lá se percebes alguma coisa». Na altura vivia-se o rescaldo do «golpe» das Caldas e sob ameaça dum golpe da extrema direita liderada pelo Kaulza de Arriaga. Mas a partir de certa altura as canções do Zeca Afonso e outras, transmitidas pela rádio, deram o sinal; enquanto em Lisboa as pessoas contrariavam os apelos do MFA (Movimento das Forças Armadas) e enchiam as ruas, determinando o sentido da «insurreição», em Évora juntavam-se junto dos carros com rádio para viverem à distância e perceberem o que se passava lá na capital.
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Depois ... depois vieram dias de alegria e de esperança num novo mundo que parecia estar ali ao virar da esquina, ao alcance da mão.
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Foi o tempo de voltar a ligar a Associação dos Estudantes ao movimento associativo estudantil, apesar dos «golpes» da Direcão do Instituto [ISESE] que dela se tentara apoderar dois anos antes. Depois foram os contactos com os partidos políticos, a difícil ligação ao PC, pois a maioria dos estudantes eram esquerdistas e anti-cunhalistas, as manifestações, os comícios, a Reforma Agrária.
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2. Outras Memórias
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No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou‑me a ler as cartas que reavera ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

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Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recortes, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

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Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor‑me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

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in - Apontamentos de viagem e DA VIDA QUOTIDIANA

Os textos epistolares deram origem a vários «livros», uns já trabalhados, como aquele a que se refere o anterior prefácio, e outros ainda em bruto, como o que se intitula «Os dias da (pré)Revolução». Mas os «meus» livros não são tratados de ciência política nem memórias (com)sequentes daquele tempo, antes recolha fragmentada e reordenada das cartas que escrevi, sobretudo para casa e para a C. Naquele tempo escrevia muito. Quase todos os dias para a C. e todas as semanas para casa e para muitos amigos e amigas, nos intervalos ou fragmentos de tempo entre as aulas, a política, a associação dos estudantes, o estudo, o café, o quarto, o cinema e as sessões culturais, a piscina no Verão e as viagens. E as cartas eram escritas ao sabor do tempo, não temáticas, e apenas o corte e cola permite organizar «borrões», uns já mais trabalhados que outros, que talvez não dêem origem a qualquer obra que não tenha uma circulação muito restrita.

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As reticências não são censura, apenas omissão na transcrição de pedaços de texto desnecessários. Quanto ao meu «dever», terás de esperar por «disposição» para escrever as memórias daquele tempo; tirando o livro que os jesuítas publicaram na sequência do encerramento post 25 de Abril do ISESE, restam as memórias que um dia pensei recolher de «outrens», mas onde estão eles? As histórias, dispersas, cada vez mais perdidas nas brumas dos tempos e da memória, e uma parte dos arquivos da AE, que está comigo e não sei a quem entregar. A outra parte ficou salvo erro com a B. C. de quem nunca mais soube.

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Pois é, da única escola de sociologia anterior ao 25 de Abril, para formar quadros capitalistas, não se fala, morreu! Para a História o verbo é o ISCSTE, mas era em Évora, antes do verbo aparecer e se impor, que se podia dissertar livremente sobre o materialismo dialético (em História das Teorias Políticas e em Teorias Sociológicas) e onde se dava a economia marxista com a mais valia travestidada de DELTA (donde vem este delta, perguntava teatral o Armando Nogueira nas aulas de Economia II) e sociologia urbana numa perspectiva marxista, por um jesuíta basco.

(...)

É verdade que apareces pouco nos meus textos de então, talvez porque não fizesses vida de café como eu, o Camilo, o Carlos e alguns outros. Mas se vivi em Évora, tal como aqueles, tu fazes parte da minha vida e das minhas memórias, nas lutas que travámos, sobretudo na Associação de Estudantes, e na amizade que por ti tenho, apesar da distância e do afastamento. Daquele tempos restam apenas tu e o C. N. P.. E a E., dos dois anos em que estive em Económicas, em Lisboa.

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E quanto ao teu processo disciplinar, estarias acompanhado, caso não nos valesse, se necessário, a Isabel Pimentel, sobrinha do Conde de Vilalva, que estava solidária connosco na Direcção da AE. Nesse conturbado tempo o Ginjas nas aulas clamava em vão que ou os estudantes demitiam a Direcção da AE ou eles a demitiam, enquanto o Pe. Borges entendia o “Bisturi” não como instrumento de dissecação/análise mas como instrumento de destruição Ainda tenho para aí alguns exemplares do «nosso» jornal, que ainda hoje me parece bem feito e muito violento, apesar da sua «delicadeza». Pois é, mas o V. G. era o aterrorizado Presidente da Assembleia Geral da AE e lá lhe fomos dizendo - tu e eu - como deveria fazer para nos livrarmos da expulsão, embora tenha dúvidas que os jesuítas estivessem interessados em «ondas». E lá ficou o aterrorizado G. com os louros, os outros dizendo: «Ah! Que inteligente que foi o G., conseguiu sanar tudo»!

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Deixo-te as notas dispersas, ainda não trabalhadas definitivamente, duma parte do meu «livro de viagens e da vida quotidiana», que intitulei «Évoraburgomedieval». Algumas passagens já constavam do mail que deu origem aos teus comentários.

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E já que estás no remanso, podes começar a completar as memórias daquele tempo.

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Victor Nogueira
fotografias de VN
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segunda-feira, abril 23, 2007

KAÚLZA DE ARRIAGA: o general sem vitórias

No passado dia 2 [Fevereiro 2004], faleceu com 89 anos de idade, o general Kaúlza de Arriaga.

* José Pedro Castanheira

No jornal Expresso de ontem, em particular na revista "Única", sai publicado um texto da autoria de José Pedro Castanheira, cujo conteúdo apresenta uma síntese do percurso e ideias do general.

Regista o autor que "Kaúlza de Arriaga foi comandante militar em Moçambique, defendeu teses racistas e quis derrubar Marcelo Caetano, que via como "traidor".

É, pois esse texto, que neste post editamos.

O GENERAL SEM VITÓRIAS

"Faleceu do dia 2, com 89 anos de idade, o general Kaúlza de Arriaga. O seu nome fica associado ao massacre de Wiriamu, ocorrido em 16 de Dezembro de 1972, quando era comandante-chefe das Forças Armadas de Moçambique. Considerado o maior crime de guerra cometido nas antigas colónias, Wiriamu foi denunciado pelo jornal "Times", na véspera da visita de Marcelo Caetano a Londres. Ainda hoje se ignora o número de vítimas civis, causadas pela 6ª Companhia de Comandos. Um relatório da Cruz Vermelha calculou-as em cerca de centena e meia. Os três inquéritos instaurados pelas autoridades portuguesas concluíram por números muitíssimos inferiores. Mas uma investigação feita pelo EXPRESSO, em 1992, apontou para quatro centenas. No rescaldo de Wiriamu, Caetano perdeu a confiança em Kaúlza, que, assim, terminou a sua carreira.

Kaúlza Oliveira de Arriaga nasceu no porto em 18 de Janeiro de 1915. O ex-Presidente Costa Gomes lembra, em O Último Marechal: "Foi aluno distintíssimo na Faculdade de Ciências do Porto e na Escola de Engenharia do Exército". Ainda no Porto, "teve uma grande paixão" pela poetisa Sofia de Mello Breyner.

Ajudante e chefe de gabinete do ministro da Defesa Nacional, Santos Costa, foi nomeado, em 1955, subsecretário de Estado da Aeronáutica, tendo fundado o Batalhão de Caçadores Pára-quedistas. Já secretário de Estado, foi autor, em 1960, de um relatório premonitório. Em Alvorada em Abril, Otelo Saraiva de Carvalho regista que o documento alertava para o risco que a "proletarização das Forças Armadas" poderia constituir para o regime, quando os jovens cadetes, oriundos das classes sociais baixas, chegassem a oficiais.

Em 1961, registou aquela que terá sido a sua principal vitória política. Na sua página na Internet (www.cidadevirtual.pt/k-arriaga) lê-se que "contribuiu decisivamente para fazer abortar um golpe de Estado contra o Presidente Salazar e contra o Ultramar português". Foi a "Abrilada", de que resultou a destituição do ministro da Defesa, Botelho Moniz, e do subsecretário de Estado do Exército, Costa Gomes. Seguiu-se uma remodelação governamental, com Salazar a assumir a Defesa e a dirigir um célebre discurso ao país: "Para Angola, rapidamente e em força".

OPERAÇÃO NÓ GÓRDIO

Encerrada, para seu desgosto, a experiência governativa, foi colocado como professor no Instituto de Altos Estudos Militares (1964/1968). O tomo Problemas Estratégicos Portugueses (um dos 12 livros que escreveu) reúne algumas das suas lições, em que se distinguiu como teórico do racismo branco: "Nós não seremos capazes de manter a dominação branca, que constitui um objectivo nacional, a não ser que o povoamento branco se efectue a um ritmo que acompanhe e ultrapasse, mesmo que ligeiramente, a produção de negros evoluídos".

Presidente da Junta de Energia Nuclear e da emprensa de petróleos Angol, em Junho de 1969, foi colocado em Moçambique, onde, pela primeira e única vez, pôs à prova as suas qualidades e teorias de estratego militar- primeiro como comandante do Exército e, depois, como comandante-chefe das Forças Armadas. A sua acção foi marcada pela operação Nó Górdio.

Envolvendo um efectivo de oito mil homens foi a maior operação dos 13 anos de guerras coloniais. Até ao fim da vida, Kaúlza não se cansou de sublinhar que a operação "foi um sucesso". Vaidoso, chegou mesmo a apresentar-se (em Guerra e Política) como "o segundo melhor perito do mundo em guerra subversiva, logo a seguir a Giap- célebre chefe militar nas guerras da Indochina e do Vietnam". Ponto de vista diametralmente oposto foi sustentado quer por Costa Gomes, quer por Spínola. Para o historiador António Costa Pinto, em O Fim do Império Português, "a operação foi um falhanço, pois passados poucos meses a Frelimo recuperou o terreno perdido".

A Nó Górdio não satisfez Lisboa, que também considerou megalómana e perigosa a proposta de um mesmo comandante-chefe para Angola e Moçambique. Mas o que fez cair Kaúlza foi o escândalo Wiriamu. A 9 de Julho de 1973, Caetano escreveu-lhe a carta fatal: "Reconheço a vantagem, para si, para Moçambique, para todos nós, em outra pessoa rever os conceitos e as tácticas da acção anti-subversiva em Moçambique". Contrafeito, e sempre acompanhado da mulher, regressou à metrópole no mês seguinte. Na sua página na Internet lê-se que "a partir do final do ano de 1973, deixou de crer nas possibilidades em decréscimo do Presidente Caetano, procurando a sua substituição". Com efeito, Kaúlza passou a liderar o que António de Spínola designa (em País sem Rumo) "a revolta dos generais", em ruptura à direita com a política de Caetano.

Posto ao corrente dos planos da extrema-direita militar, os capitães decidiram infiltrar-se. José Manuel Barroso, em Segredos de Abril, refere que Sousa e Castro foi um dos "espiões do MFA". "Reunimo-nos na Pousada de São Filipe, em Setúbal, nos finais de 1973. Explicam-nos que o golpe já tem data marcada, no mês de Dezembro". A 17 de Dezembro, Carlos Fabião denunciou publicamente o golpe de Estado em preparação. Fabião foi punido pela hierarquia militar, mas o golpe foi travado.

ASSÉDIO AO PRESIDENTE

Kaúlza, no entanto, não era homem para desistir e passou a assediar o próprio Presidente da República, Américo Thomaz, com a cumplicidade do cunhado, general Luz Cunha, novo chefe do Estado Maior General das Forças Armadas. Nas suas memórias, Últimas Décadas de Portugal, Thomaz transcreve uma última carta de Kaúlza, exortando-o a que tomasse "em tempo útil, as grandes medidas" capazes de "sustar a evolução no sentido do abismo". Certamente informado do golpe em curso, Kaúlza fazia notar que "os prazos de acção são curtos".

Hesitante e sem poder, Thomaz nada fez. A 25 de Abril de 1974, os capitães puseram termo à ditadura. Três semanas depois, Kaúlza foi passado à reserva. Acabou por ser preso na crise do 28 Setembro, ficando detido 16 meses. Sem culpa formada, foi libertado incondicionalmente em Janeiro de 1976 e processou o Estado português. Em 1977, lançou o Movimento para a Independência e Reconstrução Nacional (MIRN), uma pequeníssima formação de extrema-direita, a que presidiu.

O processo judicial arrastou-se durante mais de dez anos e subiu ao Supremo Tribunal Administrativo, que em 1987 reconheceu a razão do general. O Estado foi condenado a uma indeminização de 100 contos e um escudo. O respectivo acórdão inclui um invulgar juízo político: "O general Kaúlza de Arriaga tinha, realmente, capacidade, vontade e prestígio para liderar um movimento que impedisse a descolonização de Angola e Moçambique".

Vítima de doença de Alzheimer, Kaúlza de Arriaga morreu no Hospital militar da Estrela. O funeral foi no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa".


retirado do blog Ciência e História (Sandra Cristina Almeida)