A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht
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segunda-feira, agosto 02, 2010

Jorge Cadima: a banca e a liberdade comercial… Da droga

Economia

ermelho - 31 de Julho de 2010 - 12h33

A Wells Fargo, uma das maiores instituições financeiras dos EUA, confessou em tribunal que a sua unidade bancária Wachovia “não havia monitorizado e participado [às autoridades] suspeitas de lavagem de dinheiro por parte de narcotraficantes” (Bloomberg, 29.6.10).

Por Jorge Cadima*, no
Avante

O montante do “lapso” é estonteante: US$ 378 bilhões. Trata-se de dinheiro proveniente de “casas de câmbio” mexicanas nos anos 2004-07. A notícia acrescenta que “o Wachovia habituara-se a ajudar os traficantes de droga mexicanos a movimentar dinheiro”.

Martin Woods, ex-chefe do combate à lavagem de dinheiro no Wachovia em Londres informou o banco e as autoridades do que se passava. “Woods disse que os seus patrões mandaram-no estar calado e tentaram despedi-lo”.

Qual foi a penalização do banco? Pagou US$ 160 milhões de multa (“menos de 2% dos seus lucros de US$ 12,3 bilhões em 2009”) e prometeu melhorar o sistema de vigilância. Se o fizer, “o governo dos EUA deixará cair todas as acusações contra o banco em Março de 2011, segundo o acordo alcançado” (Bloomberg 7.7.10).

Quem disse que o crime não compensa? É sempre assim: “Nenhum grande banco dos EUA – incluindo a Wells Fargo – foi alguma vez formalmente acusado de violar a Lei dos Segredos Bancários ou qualquer outra lei federal. Em vez disso, o Departamento da Justiça resolve as acusações criminais utilizando acordos de adiamento do processo, em que o banco paga uma multa e promete não voltar a violar a lei”. Para os banqueiros não há pistolas taser…

Entretanto, o México desintegra-se na violência que “já matou mais de 22 mil pessoas desde 2006” (Bloomberg, 7.7.10). A carnificina – e a catástrofe social – não suscitam campanhas indignadas. Fosse na Venezuela, já haveria inflamados comentaristas a invectivar contra o “Estado falhado” e exigir “intervenções humanitárias”. Mas aqui, não.

Talvez porque “o Wachovia é apenas um dos bancos dos EUA e Europa que têm sido utilizados para lavar dinheiro da droga”. Ou porque, como afirmou o chefe do Gabinete da ONU sobre Droga e Crimes (Unodc), no auge da crise do sistema financeiro em 2008 “em muitos casos o dinheiro da droga era o único capital de investimento líquido. […] empréstimos interbancários eram financiados pelo dinheiro da droga e outras atividades ilegais. Houve sinais de que alguns bancos foram salvos desta forma” (Observer, 13.12.09).

Os EUA estão numa escalada militar maciça na América Latina. O pretexto oficial é o combate ao narcotráfico. Mas há um longo histórico de ligação das intervenções dos EUA com os tráficos de vária ordem.

Foi assim na Nicarágua, no Kosovo, com o regime colombiano. É assim no Afeganistão. País que, segundo o relatório Unodc de 2010 “é responsável por cerca de 90% da produção ilícita de ópio nos últimos anos”. Na página 38 há um gráfico eloquente.

Praticamente inexistente até 1980, a produção afegã de ópio cresceu de forma acentuada nos anos da ingerência imperialista. A grande exceção foi 2001, o ano antes da invasão, quando os talibã no poder erradicaram mais de 90% da produção. Depois da ocupação EUA/Otan foram batidos todos os recordes de produção.

Grandes alvos do tráfico de droga são os países vizinhos: a Rússia “livre” é hoje “o maior mercado nacional de heroína afegã, um mercado que se expandiu rapidamente desde a dissolução da URSS”. E também as ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central, o Paquistão, a região oriental da China e o Irã.

O relatório da ONU elogia o papel deste último país no combate ao tráfico. “São frequentes os combates mortíferos entre tropas iranianas e traficantes, como é evidenciado pelos milhares de baixas sofridas pelos guardas fronteiriços iranianos nas últimas três décadas”. Entre 1996 e 2008 o Irã “é responsável por mais de dois terços das apreensões de ópio a nível mundial” e cerca de um terço das apreensões de heroína.

Em meados do século 19 o imperialismo britânico desencadeou as duas Guerras do Ópio contra a China, em nome da “liberdade de comércio”… do ópio. Parece que os EUA lhe querem seguir o exemplo.

* Jorge Cadima é professor da Universidade de Lisboa e analista de política internacional
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sábado, janeiro 16, 2010

Fim do socialismo causou a morte de um milhão de pessoas


 

Mundo

Vermelho - 21 de Novembro de 2009 - 1h33

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"O adeus ao comunismo? Provocou um milhão de mortos". O título não é de uma publicação comunista. É de um jornal do grande capital italiano, o Corriere della Sera, de 9 de novembro deste ano, que noticia um estudo de professores de Oxford e Cambridge, publicado na conceituada revista médica britânica The Lancet.

Por Jorge Cadima, no Informação Alternativa

"Baseados nos dados da Unicef, de 1989 a 2002" os autores afirmam que "as políticas de privatização em massa nos países da União Soviética e na Europa de Leste aumentaram a mortalidade em 12,8% […] ou seja, causaram a morte prematura a um milhão de pessoas".
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"Morreu-se mais lá onde se adotaram as “terapias de choque”: na Rússia, entre 1991 e 1994, a esperança de vida diminuiu em 5 anos". Conclusões de estudos anteriores foram ainda mais graves.
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Como escreve o Corriere della Sera, "A agência da ONU para o desenvolvimento, a UNDP, em 1999 contabilizou 10 milhões de pessoas desaparecidas na telúrica mudança de regime, e a própria UNICEF falou em mais de 3 milhões de vítimas".
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Foi para celebrar estes magníficos resultados que o estado-maior do imperialismo se reuniu em Berlim, com pompa, circunstância e transmissões televisivas infindáveis, em uma comemoração de regime dos 20 anos da contra-revolução no Leste.
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O balanço da restauração do capitalismo é ainda mais grave. Mesmo sem falar no sofrimento dos vivos no Leste – o alastrar de pobreza extrema, dos sem-abrigo, da prostituição, da toxico-dependência ou a emigração em massa para sobreviver – os efeitos das contra-revoluções de 1989-1991 fizeram-se sentir em todo o planeta.
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As "terapias de choque" dum imperialismo triunfante e ávido de reconquistar as posições perdidas ao longo do Século 20 tornaram-se uma mortífera realidade global, e tiveram em 2008 o seu corolário inevitável: a maior crise do capitalismo desde os anos 30.
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Uma escalada de mortíferas guerras foram ao mesmo tempo desencadeadas pelo imperialismo, liberto do contrapeso dos países socialistas. Muitas centenas de milhares de mortos (mais de 650 mil só no Iraque, segundo outro estudo publicado em 2006 na Lancet) são o fruto "da queda do Muro" no Golfo, na Iugoslávia, no Afeganistão, no Iraque, no Líbano, na Palestina, e agora no Paquistão – para não falar das agressões "menores".
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E foram acompanhadas pelo "Gulag" de prisões secretas dos EUA espalhadas por todo o mundo, no qual desaparecem milhares de pessoas raptadas e torturadas por um sistema de repressão acima de qualquer controle. Os dirigentes do "mundo livre" que se juntaram, ufanistas, em Berlim, são todos responsáveis por este banho de sangue e repressão.
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Podem mostrar-se de cara simpática e tratarem-se amigavelmente por Hillary, Angela, Nicolas, Bill, Tony. Mas das suas mãos escorre o sangue e sofrimento de milhões de pessoas em todo o planeta – de Peshawar a Guantânamo (que continua aberta), de Abu Ghraib a Honduras (que continua sob controle dos golpistas e a indiferença da mídia "democrática"), das "maquiladoras" mexicanas aos campos de refugiados palestinos (que continuam – há 60 anos – à espera do seu Estado).
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Pelo "Gulag" democrático-ocidental passou Khalid Shaikh Mohammed, que vai agora a julgamento nos EUA, acusado de ser o responsável número um do 11 de Setembro (mas não era o Bin Laden?). Segundo o New York Times (15/09) "foi submetido 183 vezes à técnica de quase afogamento chamada 'waterboarding'".
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O jornal afirma que ele também se diz responsável "por uma série de conspirações" como "tentativas de assassinato do Presidente Bill Clinton, do Papa João Paulo II e as bombas de 1993 no World Trade Center".
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Mais um afogamento simulado e confessaria também ser responsável pelo aquecimento global e o sumiço de D.Sebastião em Alcácer-Quibir. Mas atente-se na vida do acusado: paquistanês, criado no Kuwait e diplomado por uma universidade americana viajou, após os estudos "para o Paquistão e o Afeganistão, a fim de se juntar aos combatentes mujahedines que, nessa altura, recebiam milhões de dólares da CIA para lutar contra as tropas soviéticas" (NYT, 15/11).
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Afeganistão hoje ocupado e onde "segundo responsáveis da Otan […] um terço dos policiais afegãos são toxicodependentes" (Sunday Times, 8/11). Admirável mundo novo que a "queda do Muro" pariu!

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sábado, dezembro 19, 2009

Guerra de classes na UE




Antes do colapso de 2009, a Islândia era apontada como exemplo beatífico da «globalização». E dizia-se o mesmo da Irlanda, cuja adesão à União Europeia seria a fonte dum «milagre económico». Era o Tigre Celta, por analogia com os chamados Tigres Asiáticos, como a Coreia do Sul ou Taiwan. Estes últimos foram enjaulados em 1997 pela crise regional. Quando eclodiu a crise mundial do capitalismo, tornou-se claro que o Tigre Celta era, afinal, um tigre de papel. O desemprego na Irlanda está nos 12,5% e o défice orçamental disparou para 13,6% do PIB (Economist, 10.12.09). Como noutras paragens, os banqueiros foram salvos pela teta do Estado. Mas para os trabalhadores, a conversa é outra. Já há uns meses o governo irlandês «na prática reduziu o salário dos trabalhadores do sector público introduzindo um desconto especial de 7% para as reformas» (Economist, 10.12.09). Passado que está o referendum-bis sobre o Tratado de Lisboa, o governo vai agora mais longe e corta os salários dos trabalhadores da função pública entre 5 e 8%. Como escreve o Irish Times (10.12.09): «os funcionários públicos e os beneficiários de apoios sociais são os mais atingidos pelos cortes na despesa em 4 mil milhões de euros». Entusiasmada ficou a revista do grande capital anglo-saxónico, Economist (10.12.09): «a Irlanda mostra ao resto da Europa o que realmente significa a austeridade» e «o orçamento deu ao governo uma oportunidade para tranquilizar os investidores internacionais». «Investidores internacionais» são os quadros dirigentes de grandes bancos cujos salários estão a ser aumentados (Financial Times, 24.7.09) e a rapaziada de Wall Street que achou por bem atribuir-se gratificações recorde no valor de 140 mil milhões de dólares (Wall Street Journal, 14.10.09) com os subsídios estatais que recebeu após ter presidido ao colapso do sistema financeiro. O «fim da luta de classes» é assim.
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A Grécia é agora o novo alvo da União Europeia. Uma agência de rating (essas agências de avaliação que supostamente informam sobre a saúde económica de países e empresas, mas que asseguravam que as grandes instituições financeiras dos EUA estavam de óptima saúde na véspera de falirem) decidiu baixar a sua avaliação da Grécia. Logo surgiu uma enorme campanha, exigindo medidas à Sócrates. O Presidente do Banco Central Europeu, Trichet, afirma que os problemas da Grécia exigem «medidas muito difíceis, muito corajosas, mas absolutamente necessárias» (Financial Times, 11.12.09). Pelos vistos, se os governos não podem dizer ao BCE o que fazer, já o contrário não é verdade. Angela Merkel fez coro: «existindo problemas num país com o Pacto de Estabilidade e Crescimento, que apenas se podem resolver através de reformas sociais levadas a cabo nesse país, surge naturalmente a questão de saber qual a influência que a Europa tem sobre os parlamentos nacionais, de forma a garantir que a Europa não seja travada» (euobserver.com, 10.12.09). A Sra. Merkel está a dizer que a soberania nacional acaba nas fronteiras das grandes potências da UE. O Pacto referido pela primeira-ministra alemã prevê multas para países que excedam o défice orçamental de 3%, mas a sua aplicação foi suspensa quando chegou a vez de multar a França e a Alemanha. O novo governo «socialista» grego diz que não quer cortar salários, mas vai ameaçando: «se estivéssemos à beira do precipício, cortaríamos os salários para metade, mas não estamos e lutamos tenazmente para não chegar lá» diz Papandreu (FT, 11.12.09). Os lucros do grande capital não são referidos. É natural que após as eleições seja a vez da Inglaterra, cujo défice orçamental vai nos 14,5%. E talvez sobre também para Portugal.
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Esta ofensiva de classe na UE é indissociável da entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Foi também para isto que foi imposto pela porta traseira e contra a vontade dos povos da Europa. Mas a nova moda de cortar nos salários de quem trabalha vai agravar uma crise que é, no fundo, uma crise de sobreprodução. O grande capital europeu está a declarar guerra aos trabalhadores. Não é coincidência que na Polónia se acabe de proibir os símbolos comunistas e que por toda a Europa se esteja a alimentar de novo o racismo, o fascismo e o anticomunismo. Aos trabalhadores e povos não resta outra via senão a luta. Que hoje mesmo será protagonizada pelos trabalhadores gregos.
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Nº 1881
17.Dezembro.2009 - Avante
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terça-feira, agosto 11, 2009

Duas Crises

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Quando a grande crise económica do capitalismo eclodiu, governos e propagandistas do sistema apressaram-se a despir as camisas que até à véspera envergavam. De grandes arautos do capitalismo selvagem passaram repentinamente a críticos verbais da «ganância», da «cultura de risco», dos «excessos» que, diziam, estavam na raiz do colapso. Em declarações e cimeiras prometeram profundas mudanças. Mas – advertiam – primeiro era preciso travar o descalabro. Muitos milhares de milhões foram entregues pelos estados ao sector financeiro – o principal responsável pelo buraco. E o que mudou?
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Uma das maiores instituições financeiras – e também um dos maiores viveiros de governantes – dos EUA é a Goldman Sachs. No ano passado recebeu 10 mil milhões de dólares de dinheiros públicos. Agora, proclama lucros recorde no segundo trimestre de 2009, e decidiu distribuir 6,65 mil milhões de dólares em gratificações aos seus 29 400 funcionários (Bloomberg, 14.7.09). Alguns indivíduos vão meter ao bolso milhões de dólares, só neste trimestre. Escreve a Bloomberg: a Goldman Sachs «está a reverter para um modelo de negócios que os analistas consideraram irremediavelmente falido durante a crise de crédito global», aumentando as suas actividades de risco. Isto é, os multimilionários de Wall Street continuam a fazer o que sempre fizeram – e que disseram ser a causa da crise. Agora tentam-nos fazer crer que a crise está a abrandar. Querem o business as usual. Aliás, para alguns a crise nem chegou a começar. O ex-CEO da Porsche, Wendelin Wiedeking foi despedido depois de uma tentativa fracassada de comprar a Volkswagen, que deixou a Porsche com uma dívida de 10 mil milhões de euros. Mas na despedida Wiedeking recebeu uma compensação de 50 milhões de euros (Bloomberg, 23.7.09), sem contar com a remuneração de 77 milhões de euros que recebera no ano anterior, quando andava entretido a afundar a Porsche. Vários grandes bancos estão a aumentar os salários dos seus quadros dirigentes (Financial Times, 24.7.09). São factos para recordar quando vierem com a cantiga de que «todos temos que aceitar sacrifícios para sair da crise».
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Se a «ganância» e os «excessos» do grande capital continuam de boa saúde, para o resto da Humanidade a situação é bem diferente. Milhões de trabalhadores já ficaram sem trabalho e estão a cair na miséria. A taxa oficial de desemprego nos EUA aproxima-se dos 10%, mas uma medida mais real e menos manipulada (a “taxa U6”) ascendia em Junho a 16,5% (Bureau of Labor Statistics, www.bls.gov). O patronato e governos dos grandes países capitalistas estão lançados numa ofensiva para aumentar a exploração de quem ainda trabalha. O grande capital nunca acreditou no «fim da luta de classes». Há uma crise para o grande capital e outra para os trabalhadores. Nos EUA foi decretada a falência da General Motors.
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Essa falência só durou 40 dias, após os quais os trabalhadores bem podiam falar num «11 de Setembro»: até 2011 serão encerradas 11 fábricas, até ao final deste ano o número de trabalhadores vai baixar de 91 mil para 67 mil; os que ficaram viram as suas remunerações drasticamente reduzidas. As greves estão proibidas (Workers' World, 17.7.09). Um desastre parecido ocorreu em Abril na Chrysler, que decretou a bancarrota apesar dos trabalhadores aceitarem todas as concessões que lhes foram exigidas para evitar a falência (Avante!, 21.5.09). Factos para recordar quando vierem com a calúnia de que em Portugal as fábricas fecham por culpa da «intransigência do PCP».
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A crise mundial do capitalismo está longe do fim. Em última análise, é uma enorme crise de sobreprodução. Forças produtivas imensas terão de ser destruídas. Mas ao destruir o poder de compra de quem trabalha, também se aprofunda a crise. Os efeitos da crise vão continuar a devastar a vida de muitos milhões de seres humanos. O défice orçamental dos EUA vai atingir este ano uns estonteantes 1,8 milhões de milhões («triliões») de dólares, e a dívida pública total está em cerca de 11,5 milhões de milhões (Bloomberg, 13.7.09). Quem vai pagar esta factura? A palavra de ordem do grande capital é: «A pilhagem continua! Os trabalhadores que paguem a crise!». Mas a crise económica e social já está a desencadear resistência e luta. Em que os partidos de classe dos trabalhadores são chamados a desempenhar um papel fulcral. É por isso que os nostálgicos do fascismo e do anticomunismo violento estão de novo a sair das sarjetas.
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in Avante - 2009.07.30
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sexta-feira, abril 17, 2009

Falsificaçoes da História - Libertação de Paris (II Grande Guerra)


Panzer alemão emboscado e destruído pelos partizans da Resistance no dia da libertação de Paris (2ª Grande Guerra)
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Falsificações

Às vezes, uma notícia é como uma fotografia – vale mais do que milhares de palavras. Segundo a Radio 4 da BBC. «Documentos descobertos pela BBC revelam que os comandantes britânicos e americanos garantiram que a libertação de Paris, em 25 de Agosto de 1944, aparecesse como uma vitória “apenas de brancos”[...]O programa Document da BBC viu provas que os soldados negros das colónias [francesas] – que constituiam cerca de dois terços das forças da França Livre – foram deliberadamente retirados da unidade que conduziu o avanço aliado para o interior da capital francesa». E ainda: «o dirigente das forças da França Livre, Charles de Gaulle, tornou claro que desejava que os seus franceses conduzissem a libertação de Paris. O Alto Comando Aliado [anglo-americano] concordou, mas sob uma condição: a divisão de De Gaulle não deveria incluir quaisquer soldados negros [...] No fim, quase todos ficaram felizes. De Gaulle obteve o seu desejo de ver uma divisão francesa conduzir a libertação de Paris, embora a escassez de tropas brancas significasse que muitos dos seus homens eram na realidade espanhóis. [...] Mas para os Tirailleurs senegaleses, houve poucos motivos para celebração. [...] Após a libertação da capital francesa, muitos foram simplesmente despidos dos seus uniformes e enviados para casa. Para agravar as coisas, em 1959 as suas pensões foram congeladas» (BBC, 7.4.09).

A notícia ilustra muita coisa: como se falsifica a História com encenações bem propagandeadas que glorificam generais sem tropas; como a Libertação da ocupação nazi não representou a libertação dos povos colonizados pelo liberal-democrata e ocidental-civilizado império francês; como os Aliados anglo-americanos (também cúmplices na colonização de boa parte da Humanidade) encaram os povos: carne para canhão, que serve para morrer nas guerras que afirmam o seu poder, mas não para participar nas vitórias.

Sem qualquer desprimor pelo valioso trabalho dos jornalistas da Radio 4, importa também salientar o que a notícia não diz. Quando as tropas aliadas entraram em Paris em 25 de Agosto, encontraram uma cidade já praticamente libertada pela Resistência francesa e o levantamento popular, com destaque para os Francs-Tireurs et Partisans (FTP), guerrilha em que os comunistas desempenharam o papel de vanguarda. Realidade reflectida na cerimónia de rendição do comandante das tropas alemães em Paris, von Choltitz, em que participa o comunista e comandante dos FTP, Coronel Henri Tanguy (Rol). Milhares de «franceses brancos» tiveram um papel decisivo na libertação da França. Mas eram em grande medida comunistas. Eram povo. O que escasseava eram «franceses brancos» da burguesia. Que, fiel ao seu grito de «antes Hitler que a Frente Popular» ou «antes a Prússia do que a Comuna», havia em boa medida escolhido o campo do colaboracionismo, do Marechal Pétain, da capitulação ou da passividade. A dominação de classe estava em primeiro lugar. Não era uma situação única entre as burguesias europeias. Pelo contrário. Mesmo sem falar na Alemanha e Itália, na Peninsula Ibérica, nos Balcãs ou na Escandinávia, a maioria da burguesia inglesa estava com o Pacto de Munique e tinha um fraquinho por Hitler, que havia “metido na ordem” os comunistas e os sindicatos. Churchill apenas chegou ao poder quando se tornou claro que Hitler não iria necessariamente respeitar o Império Britânico. E por toda a parte, de Estalinegrado a Paris, os comunistas desempenharam papel decisivo na derrota do nazi-fascismo.

A revisão da história da II Guerra começou ainda antes da guerra acabar. Hoje, o revisionismo e a mais despudorada falsificação histórica alastram - veja-se a vergonhosa resolução do Parlamento Europeu de 2 de Abril. Os herdeiros de Vichy e de Munique, os fascistas que de novo assomam ao poder em Itália ou no leste europeu, e outros - que deveriam ter vergonha - aliam-se para falsificar a História. Querem crucificar e perseguir os comunistas. Mas o que os move é sobretudo o medo. O medo de que os povos se insurjam contra o capitalismo e a sua dominação de classe - geradora de guerra, crise, miséria e fascismo - tornando-se de novo actores da História e construtores do seu futuro colectivo.
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in Avante - 2009.04.18
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quarta-feira, abril 30, 2008

Itália - Berlusconi vence eleições

Tragédia italiana

As forças mais reaccionárias obtiveram uma vitória clara nas eleições italianas. O desprestígio da coligação de «centro-esquerda» de Prodi, que governou à direita, conduziu a um desfecho previsível: traindo a sua base eleitoral, fortaleceu Berlusconi, Bossi e Fini e entregou-lhes a maioria absoluta nas duas câmaras do Parlamento. Avizinham-se tempos negros para os trabalhadores italianos. O presidente cessante da confederação patronal declarou já guerra às estruturas sindicais, com Durão Barroso na plateia (La Stampa, 19.4.08).
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Em meados dos anos 70 a Itália tinha o maior Partido Comunista da Europa ocidental. A notável força social, política e eleitoral do PCI, conquistada ao longo de décadas de luta pelos interesses da classe operária e na resistência antifascista, alcançou enormes avanços sociais. Mas no seio do PCI ganharam força correntes que minaram a sua natureza de classe, a sua história e razão de ser. Correntes que conduziram à sua liquidação em 1991. É instrutivo verificar que grande parte daqueles que conduziram essa liquidação são hoje dirigentes de uma força política – o recém-formado Partido Democrático – que nada tem que ver nem com a tradição comunista, nem sequer com a tradição social-democrata ou o movimento operário. Não se afirmam de esquerda. São defensores assumidos dos interesses do grande capital e do imperialismo italiano e europeu. E governaram como tal, nestes últimos dois anos. Quer no plano social e económico, quer em matéria de política externa – do Afeganistão ao Líbano, do Kosovo às relações com os EUA e Israel. Segundo um relatório da OSCE divulgado nas vésperas das eleições, o salário médio dos trabalhadores italianos é hoje inferior ao da Grécia e Espanha, apenas superando o de Portugal, entre os países da Europa ocidental.
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O enorme descontentamento com a política governamental castigou também as forças mais à esquerda da coligação de governo, que perderam mais de dois terços dos votos obtidos há dois anos. Incapazes de condicionar a política do governo, mas também de a combater através da luta de massas, viram-se destroçadas, entre a tentação do «voto útil» para derrotar Berlusconi e o ser considerados «iguais aos outros». Parte substancial do seu eleitorado virou as costas ao que considerou uma excessiva institucionalização e uma subestimação da luta de classes e de massas. E também a tendências assumidas durante a campanha eleitoral, de diluição do Partido da Refundação Comunista no seio de formações políticas sem uma clara natureza anti-imperialista e anti-capitalista, e sem que isso correspondesse a decisões tomadas democraticamente pelas estruturas do PRC ou pelos seus militantes.
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Talvez em nenhum outro país se tenha gasto tanta tinta a «repensar a esquerda» e «renovar a prática de esquerda» como em Itália. Durante décadas fomos sujeitos aos conselhos de nos «modernizarmos» como «em Itália». O desfecho de tanto «repensamento» e liquidacionismo está à vista e é trágico: pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, não haverá no Parlamento italiano deputados comunistas. Nem sequer socialistas, ou verdes. Uma direita fascizante assume as rédeas do poder num momento de crise profunda do capitalismo. Mas a História não pára. Será a própria realidade de um capitalismo explorador e voraz a impor a necessidade de a classe operária italiana reerguer as suas estruturas de classe. Importa que, ao fazê-lo, saiba extrair as lições e evitar os erros do passado. Para bem dos trabalhadores de Itália e de todo o Mundo.
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in Avante 2008.04.24
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terça-feira, abril 15, 2008

Aumento da Pobreza nos EUA


Prioridades

A notícia vem no Público (6.4.08): «O número de americanos que dependem do programa federal de ajuda alimentar estará prestes a atingir um novo recorde histórico de 28 milhões, segundo as previsões do Gabinete Orçamental do Congresso [Parlamento dos EUA]. [...] Só no último ano, quando o valor do ordenado mínimo foi revisto pela primeira vez em dez anos [...] o preço do leite nos Estados Unidos aumentou 17 por cento. O valor do pão, arroz e massas subiu 12 por cento. Os ovos ficaram 25 por cento mais caros do que em 2006. E em 2008, a inflação dos preços da comida já chegou aos cinco por cento». No mais rico e poderoso país, na superpotência do grande capital, cerca de 10% da população depende de ajudas para escapar à fome. No mesmo jornal, informa-se que o casal Clinton ganhou 109 milhões de dólares, em 2001-07.

A pobreza de largos sectores da população dos EUA vai-se agravar com a grande crise económica que se abate sobre o capitalismo mundial. Já quando as vacas eram gordas, mesmo muito gordas, para a classe dominante dos EUA, a sua população trabalhadora vivia com crescentes dificuldades. O livro «Salário de Pobreza» de Barbara Ehrenreich (Ed. Caminho, 2004), ou os filmes de Michael Moore, «Roger e Eu» (1989) ou «Sicko» (2007) testemunham a queda acentuada do nível de vida da classe operária dos EUA nas últimas décadas. Uma realidade que irrompeu na campanha presidencial, com todos os candidatos a apregoarem uma «mudança» e a falarem dos males sociais do país. Uma realidade que preocupa até alguns sectores da classe dominante, assustados com as suas implicações.

Em 2006, a Presidente de um dos bancos da Reserva Federal afirmava: «a desigualdade cresceu a tal ponto que me parece valer a pena que os Estados Unidos ponderem seriamente correr o risco de tornar a nossa economia um pouco mais recompensadora para uma parcela maior da população», uma vez que «há sinais de que [essa desigualdade] está a intensificar a resistência à globalização, a afectar a coesão social e pode vir, em última análise, a minar a democracia americana» (www.usatoday.com, 7.11.06). Espantoso: «correr o risco» de dar uma parcela maior da riqueza produzida àqueles que a produzem... ! Mas as prioridades do capitalismo não estão para aí viradas. O referido artigo do Público afirma que «o ajustamento dos valores pagos em senhas alimentares é politicamente sensível, simplesmente porque não existe margem orçamental para o financiamento dos programas de subvenções estatais [...]. O peso das subvenções alimentares no orçamento federal deverá subir [...] para uns estimados 36 mil milhões em 2009». Esse total é pouco maior do que o montante (29 mil milhões) que a Reserva Federal acaba de disponibilizar para salvar da falência o banco de investimentos Bear Stearns, um dos grandes beneficiários dos «anos loucos» da especulação financeira. É uma gota de água comparada com o dinheiro que os vários bancos centrais estão a gastar para tentar conter a derrocada do sistema parasitário que ajudaram a criar e que saqueou o mundo nestes últimos anos. É nada em comparação com os 3 milhões de milhões (“3 trilhões”) de dólares que a criminosa guerra do Iraque já custou, de acordo com o título do recente livro de que é co-autor o Prémio Nobel da Economia, Joseph Stiglitz.

É caso para dizer: «diz-me onde gastas o dinheiro, e dir-te-ei quem és...». Fome e morte para os pobres, subsídios e lucros para os ricos.
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in vante 2008.04.10
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segunda-feira, março 17, 2008

Fome e Negócios




Fome e negócios

Multiplicam-se as notícias sobre uma forte alta no preço dos cereais e dos produtos alimentares em geral, e sobre os seus efeitos trágicos. Em Dezembro, o Director da FAO (Organização da ONU para a Alimentação e Agricultura) considerou que a subida de preços «ameaça a segurança alimentar de milhões de pessoas» (Granma, 18.12.07). Há três semanas, a Directora do Programa Alimentar Mundial (WFP) afirmou que enfrentam sérias dificuldades: todas as semanas tem de desembolsar alguns milhões de dólares adicionais (Financial Times, 24.2.08). «A nossa capacidade de chegar às pessoas está a diminuir, ao mesmo tempo que as suas necessidades estão a aumentar. [...] A fome tem uma nova face: existe comida nas prateleiras, mas os preços impedem as pessoas de lhe ter acesso. [...]. Há distúrbios provocados pela fome em locais onde tal não acontecia» (Guardian, 26.2.08). O mesmo jornal exemplifica que já ocorreram «em Marrocos, no Iémene, no México, na Guiné [Conacri], na Mauritânia, no Senegal e no Uzbequistão». Em Portugal, a indústria panificadora quer aumentar os preços do pão em 50%.

O que se passa? A generalidade da comunicação social fala em alterações climáticas, aumentos de procura, especulações e secas. Mas a sempre bem informada revista Economist (8.12.08) refere factos dignos de registo. «O mais impressionante neste surto de “agflação” é que os preços recorde se verifica, não num momento de escassez, mas num momento de abundância. [...] A produção [mundial] de cereais será [em 2007] de 1660 milhões de toneladas, a maior alguma vez registada e superior em 89 milhões à do ano passado, outro ano de produção abundante». A revista considera que a razão principal da escalada de preços é «o aumento galopante da procura de etanol como combustível para os carros americanos. [...] É responsável pelo aumento do preço do milho porque o Governo federal entrou no mercado para, na prática, absorver um terço da colheita de milho dos EUA.[...] Os agricultores americanos, desejosos de beneficiar com a bonança dos bio-carburantes, generalizaram o cultivo do milho, semeando terras antes dedicadas ao trigo ou à soja. [...] As exigências do programa de etanol dos EUA correspondem, por si só, a mais de metade das necessidades mundiais em cereais não correspondidas. Sem esse programa, o preço da comida não estaria a aumentar desta forma». E informa ainda que «a quantidade de cereais necessários para encher o depósito de um SUV chegaria para alimentar uma pessoa durante um ano». Mas a revista da City de Londres coíbe-se de fazer um reconhecimento de elementar justiça: o primeiro dirigente a advertir pormenorizadamente contra as consequências catastróficas deste programa de subsídios do Governo dos EUA foi Fidel Castro, há um ano, nas suas reflexões no jornal Granma (29.3.07). Comentava a reunião que acabava de ter lugar na Casa Branca entre Bush e os principais dirigentes da indústria automóvel americana: «a ideia sinistra de converter comida em combustíveis ficou definitivamente assente como orientação económica dos EUA».

Tudo isto, para sustentar lucros obscenos e níveis escandalosos de desperdício energético e consumista na citadela do capitalismo mundial. O capitalismo dos nossos dias, cada vez mais mortífero e podre, está, qual monstro de Goya, a devorar seres humanos para encher depósitos de carburante.

sábado, novembro 24, 2007

O delírio das grandezas


* Jorge Cádima

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O Papa falou de cátedra aos bispos portugueses que ouviram e calaram. Tão grande foi o seu desplante e o seu despudor que chegou a citar, como referência da sua intervenção, o Concílio Vaticano II, o mesmo que ele, como cardeal, tão activamente ajudou a apagar da memória dos católicos. E falou da crise da igreja como se ela se verificasse apenas em Portugal. Ora os problemas de incompatibilidade entre a Igreja e o Mundo são graves, irreversíveis e universais.
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Enquanto os cofres do Vaticano abarrotam de oiro, os seminários estão às moscas, a juventude foge das missas como o diabo da cruz e multidões tecnicamente «crentes» viram as costas às catequeses e ao dogma, irreconciliáveis com a vida moderna e com um racionalismo em movimento que não cessa de crescer.
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Como sempre, Bento XVI falou em código cifrado. Disse que o clero tinha de mudar de mentalidade, o que é tudo e nada é. Ele próprio, Ratzinger, é um exemplo vivo do pastor da igreja que não muda. Propõe novas estratégias mas impõe, simultaneamente, a intocabilidade do Dogma e a cega obediência à regra da cadeia hierárquica que defende o Primado da Fé, visa a extinção do Estado Social e reclama a paternidade do Capitalismo.
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A hierarquia católica enferma do delírio das grandezas. A maleita é fatal.

Os próximos passos dos bispos

Em Portugal, há um projecto canónico que se arrasta há anos e que os responsáveis católicos fingem esquecer. A sua sigla é “Reforma das paróquias portuguesas”, título que, tal como o que fez o papa no seu discurso, diz tudo sem nada dizer. A reforma das paróquias que é suposto implementar-se transcende os seus objectivos declarados: é a reforma global da igreja portuguesa. O papa conhece perfeitamente essa proposta. Nesse sentido, tudo o que disse pode ser considerado como uma luz verde, o tiro de partida para uma experimentação laboratorial num pequeno país de uma fórmula que, se resultar, poderá representar a sobrevivência da igreja católica na União Europeia.
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As grandes linhas gerais de orientação são bem conhecidas. O Vaticano é um firme aliado do Capitalismo e admira a vitalidade das mudanças neoliberais. Sobretudo, revê-se nos princípios universalmente aplicados das fusões de empresas, da mobilidade, da flexibilidade, da reconversão ou da privatização de competências do Estado. Envolta por sociedades que febrilmente se movimentam, a Igreja católica sente-se cada vez mais só. Há, pois, que mudar estratégias e estruturas.
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Tanto quanto se saiba, a «Reforma das Paróquias» visará fundamentalmente, numa primeira fase, extinguir ou reagrupar as pequenas paróquias rurais com populações reduzidas; e transferir para as organizações da Sociedade Civil (ONGS, IPSS, Misericórdias, Fundações) os espaços que o Poder vai sucessivamente abandonando na Saúde, no Ensino, no Comércio e Indústria, etc. A figura tradicional do pároco residente será totalmente extinta. Em sua substituição funcionarão, a partir das sedes de concelho ou de distrito, equipas mistas de grande mobilidade e capacidade de intervenção, juntando agentes da Acção Social e catequistas «agentes da Pastoral». As escolas católicas localizadas nos centros urbanos lançarão grandes movimentos de alfabetização e de formação profissional, acompanhados por Aulas da Religião. Organizar-se-ão, no mesmo sentido, equipas sanitárias móveis e hospitais católicos, nomeadamente hospitais de retaguarda. Os financiamentos desta grande mudança social serão garantidos quer pelo Estado - parceiro principal – quer por grupos económicos patrocinadores quer, ainda, por empresas da igreja com fins lucrativos. Com o tempo, estas estruturas orgânicas laico-confessionais abrangerão toda a comunidade. A Igreja ganhará em influência, o Estado capitalista libertar-se-á do peso morto da acção social e o grande capital virá a beneficiar de novos fatias de mercado e de melhor qualidade de mão-de-obra. O Ensino, naturalmente, será feudo católico.
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O projecto existe, Ratzinger conhece-o bem e dá-lhe a sua bênção. O episcopado português, ultraconservador e situacionista, fica entalado entre a espada e a parede. Terá de aceitar participar numa aventura sem garantias, para a qual não existe alternativa, sempre sob a ameaça de não haver retorno. A situação é dramática. Se o projecto avançar, a Igreja apostará o seu futuro na vitória ou na morte do capitalismo. Caso a tentativa não avance e seja abandonada, a Igreja perder-se-á nas areias do deserto e da indiferença dos homens.
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Trata-se de uma reforma de alto risco. Para dentro da esfera religiosa terão de ser transportados os métodos capitalistas que arrastam os despedimentos, as deslocalizações e as rupturas políticas de alianças provisórias e de cultura efémera.
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A situação da igreja católica é já um bicho de sete cabeças. Equacionar um projecto desta grandeza, torna-se difícil mas possível. Traduzi-lo na acção, dar-lhe conteúdos sólidos, é matéria de dificuldade transcendente. Diríamos mesmo: o plano é impraticável.
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in Avante 2007.11.22

quinta-feira, novembro 22, 2007

A Igreja e os direitos dos trabalhadores



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* Jorge Cádima
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Começa a dissipar-se a neblina com que Sócrates e a alta finança tentaram lançar novos mitos tais como os do «êxito português na Europa», da «visita respeitosa de Putin» ou do «desabar do BCP». A Igreja Católica, que tão activa esteve nas conspirações contra o socialismo soviético, na proclamação da «ética do capitalismo» ou na consolidação de uma «Europa capitalista e cristã», refugia-se no silêncio e na inocência do «espanto e incompreensão» quando se trata de denunciar e combater as constantes violações dos direitos do homem, particularmente quando o homem é um modesto trabalhador. Entretanto, beatifica os fascistas espanhóis. Não se trata de posições involuntárias, mais tarde corrigidas. Há uma linha de rumo da hierarquia religiosa, pensada e decidida, quando a luta de classes se agrava e o capital e o trabalho se confrontam. Não faltam, nessa área, exemplos actuais.
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Há dias, foram entrevistar o padre Jardim Moreira, presidente da Rede Europeia Anti-pobreza da Pastoral Social, acerca da pobreza em Portugal. O sacerdote manifestou-se optimista: «A pobreza não é bem uma tragédia inevitável. Felizmente, a pobreza persistente é só uma parte do todo, senão estávamos perdidos!». Os desempregados podem «dar a volta» a essa situação, aprendendo e educando-se. Afirmou que, segundo as estatísticas (católicas), 49% dos pobres detectados conseguiram sair da miséria. A mesma tese foi defendida por outros altos responsáveis da Pastoral Social, designadamente pelo influente padre José Maia que agora preside à poderosa «Fundação Filos», do patriarcado de Lisboa. A pobreza só atinge aqueles que «caem no desespero» quando se confrontam com uma situação pessoal de desemprego, doença ou velhice. Pobre é só aquele que não sabe reagir ao infortúnio e entra em pânico. A pobreza é um «estado de espírito» e o seu principal culpado, o próprio pobre que não se auto-valoriza...

Novas faltas de vergonha

Chama também a atenção o virar costas da igreja católica a afirmações públicas de responsáveis políticos e financeiros que se dizem crentes. É o caso de um certo projecto capitalista menos falado – o «E-Government» - que está a ser desenvolvido a nível global. Em resumo, trata-se dos aparelhos de Estado, das direcções financeiras e da Sociedade Civil, praticarem uma «cumplicidade estratégica» que envolva «melhor Estado, eficiência global, racionalidade e transparência nas relações do poder político com os cidadãos». De um ponto de vista capitalista, é claro. Este padrão de «cumplicidade» promove aquilo a que chamam a «reinvenção electrónica do Estado», e se traduz na «coragem» dos políticos em destruírem o que está no presente tecido social por «aquilo que vier, seja o que-quer-que-for». É justamente isso que se está a passar em Portugal à custa da destruição dos postos de trabalho, do aumento do custo de vida, dos cortes salariais e de pensões ou da «flexiegurança». A direita declara-se «boa aluna» do capitalismo neoliberal. A Igreja tudo vê e tudo cala. Intimamente, só pode aplaudir. É certo que perde em dignidade e em aura popular. Mas está convicta de que, tal como recentemente afirmava em «caixa alta» um diário português de grande circulação, «a construção do Novo Estado não se pode fazer sem a Sociedade Civil». E a sociedade civil é a Igreja.
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Aqueles 49% de pobres «recuperados» a que aludiu o padre da Rede Anti-Pobreza são um embuste e ele sabe-o bem. Um jovem desempregado pobre inscreve-se nos «call centers» (centros de atendimento), recebe um contrato de 3 meses e, automaticamente, deixa de ser pobre. Os meses passam, o contrato caduca e o jovem volta a ser pobre. Mas foi apagado do registo de pobreza. A Estatística cumpriu as suas funções oficiais. E a Igreja calou-se, cumprindo a regra da «cumplicidade estratégica» que a liga aos seus parceiros. O grupo de trabalhadores precários que integram a pobreza em Portugal envolve, segundo se calcula, mais de 150 mil trabalhadores, 1,2 milhões de euros de salários e cresce a um ritmo anual de 10%.
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A historieta da «derrocada do BCP» é outro caso do cruzamento de intrigas e de interesses dos banqueiros de«chapéu alto». Toda a imensa massa de capitais em causa inclui uma gigantesca parcela de dinheiros eclesiásticos. A sugestão de «crise no BCP», apenas é um factor da intriga com que se oculta o projecto de fusão de capitais financeiros ibéricos, à escala da globalização, com a criação de um canibalesco super-banco concebido como um monopólio bancário. E recusemos a ideia de que há banca nacional, como mentirosamente nos dizem. O dinheiro não tem pátria, nem moral, nem cor.
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Pelo contrário valores monetários «cúmplices» desta ordem podem significar, se a operação for em frente, a venda da nacionalidade, a liquidação da democracia e a redução a cacos das Conquistas de Abril.
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in Avante 2007.11.08

sábado, outubro 06, 2007

Núvens negras


* Jorge Cádima

A crise do capitalismo mundial agrava-se. O esforço das nossas televisões para dar pouco relevo à turbulência em curso não muda a realidade. É a corrida aos balcões de uma instituição para-bancária britânica (pela primeira vez desde 1866). São as divergências entre bancos centrais, seguidos da clamorosa reviravolta do Banco de Inglaterra. É o facto da crise ter expressão particularmente grave nos mercados monetários inter-bancários, revelando que quem mais desconfia da actual situação são aqueles que melhor a conhecem. É o multiplicar de sinais de que a crise financeira está a afectar a economia produtiva. É a decisão da Reserva Federal dos EUA de baixar a taxa de juro de referência, que acalmou temporariamente as bolsas, mas parece não estar a resolver os problemas dos mercados financeiros (Financial Times, 29.9.07) e terá inevitavelmente consequências mais graves no futuro.

Este «ajustamento abrupto com consequências de expressão mundial» teve o seu epicentro no rebentar da bolha especulativa do mercado imobiliário dos EUA, como prevenia a Resolução Política do nosso 17º. Congresso, em 2004. Mas a sua causa de fundo reside no endividamento desenfreado e na natureza cada vez mais parasitária e especulativa da actual economia capitalista com, em pano de fundo, uma crise latente de sobreprodução de bens. Que a situação dos EUA não é eternamente sustentável - com os seus astronómicos deficits comerciais e orçamentais e níveis de endividamento externo e interno galopantes – é um facto reconhecido e sublinhado pelas Resoluções de vários Congressos do PCP. O quadro actual é extremamente complexo. Qualquer intervenção visando resolver um aspecto da situação arrisca-se a agravar vários outros problemas. O regresso do «capitalismo puro e duro» nos últimos anos intensificou todos os podres desse sistema: desde as guerras imperialistas e o aumento desenfreado da exploração, às suas crises «puras e duras».

Os mercados financeiros, cujas «virtudes» se exaltam até à exaustão e em nome dos quais se exigem todos os sacrifícios, geraram esta crise. Mas para a resolver procuram, como sempre, a vituperada teta do Estado: apenas até ao dia 12 de Setembro, o Banco Central Europeu já havia entrado com mais de 300 mil milhões de euros (!) para tentar impedir o descambar da crise. Dizem que não há dinheiro para a saúde, o ensino e a segurança social. Mas parece não haver limite para os recursos estatais disponíveis quando se trata de salvar a pele e os lucros obscenos de especuladores sem escrúpulos.

Este agravamento da crise vem sobrepor-se a uma situação que já era extremamente complexa e incerta, com a ofensiva global do imperialismo; com as dificuldades cada vez maiores das suas aventuras militares e políticas (que também contribuem para agravar os deficits norte-americanos); com o crescimento de novas potências económicas (China, Rússia, India) que modificam o quadro de forças mundial; e com a cada vez mais evidente explosão de rivalidades e conflitos daí resultante.

Avoluma-se o perigo de que o imperialismo (com o eixo EUA-UE em consolidação) procure reagir a esta situação extremamente difícil tal como fez no passado: pela via de uma aventura militar de grandes proporções e de consequências terríveis para o nosso planeta. As nuvens negras de uma grande crise mundial estão a adensar-se.
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in Avante 2007.10.04
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Foto - J Borges in Pensadora 2

sexta-feira, outubro 05, 2007

Seguindo a pista


* Jorge Cádima

O governo dos EUA já gastou 500 mil milhões de dólares na destruição do Iraque

Não é segredo que a única coisa importante para o capitalismo é o dinheiro. Para compreender as suas prioridades e preocupações, não há melhor caminho do que seguir a pista do dinheiro.

Dois anos após a passagem do furacão Katrina, o jornal Público (29.8.07) informa que «não há uma única escola pública na cidade de Nova Orleães que tenha reaberto [...] Nalgumas zonas da cidade, o abastecimento eléctrico ainda não foi reposto». Um terço dos antigos habitantes ainda não regressaram aos seus lares e «muitos dos bairros tradicionalmente ocupados pelas famílias afro-americanas continuam desertos». Embora haja um programa governamental de apoio aos proprietários de casas destruídas, «dos mais de 180 mil candidatos, só 40 mil receberam os cheques respectivos». Não há dinheiro nem segurança para os pobres, na mais poderosa nação do capitalismo mundial.

Para outros fins, já existe dinheiro. O Boston Globe (1.8.07) calcula que o governo dos EUA já gastou 500 mil milhões de dólares na destruição do Iraque, e estima que essa despesa venha a duplicar. E estamos nestes dias a assistir à utilização de astronómicas verbas públicas para tentar evitar que a “economia de casino” - cada vez mais delirantemente especulativa e divorciada da economia produtiva – venha abaixo, com enormes repercussões mundiais. «Os Bancos Centrais dos EUA, Japão e União Europeia já despejaram (e continuam a despejar) mais de 250 mil milhões de dólares nos bancos privados [...] O Fed [Reserva Federal dos EUA] sustenta os piores especuladores em nome da “salvação do sistema financeiro” - coisa que nunca faria para salvar o sistema de saúde americano à beira da falência» (J.Petras, na revista Counterpunch, 25.8.07). O jornal Guardian (17.8.07) ilumina a natureza deste “sistema financeiro” ao informar que este ano as gratificações que os directores das grandes empresas britânicas se atribuíram a si próprios subiram 16%, para atingir 19 mil milhões de libras, «o equivalente a todo o orçamento nacional anual para os transportes». Como seria de esperar, «as grandes gratificações, que frequentemente atingem muitos milhões de libras, foram para um pequeno número de homens da finança e banqueiros de investimentos», os tais que levaram o “sistema financeiro” a necessitar da intervenção salvadora do Estado. Como resultado, «a lista de espera para novos Rolls-Royces é agora de 5 anos, em vez de 2 ou 3 como era hábito, e muitas pessoas estão a gastar milhões em iates de luxo. Existe hoje uma escassez mundial de tripulações para super-iates» (Telegraph, 30.8.07). No mesmo dia e no mesmo país, o Primeiro Ministro “trabalhista” Gordon Brown «enviou uma mensagem dura aos trabalhadores, dizendo que o governo não irá tolerar desvios aos aumentos salariais “disciplinados” que, afirmou, são a chave do êxito económico da última década». Já no início deste ano o governo tinha «imposto um congelamento de aumentos salariais, ou corte em termos reais, a quase todo o sector público, com excepção dos militares» (Guardian, 30.8.07). Lá como cá, uns comem caviar, e os outros lições de moral.

Mas há sempre um limiar de tolerância. Este capitalismo - obsceno, belicista e depredador – acabará por provocar, tal como o furacão Katrina, o rebentar dos diques que actualmente contêm o descontentamento e a revolta.
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in Avante 2007.09.06
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Foto - A cidade de Nova Orleans, depois da passagem do Katrina 29 Ago 2005 17:24:22 hora local.
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New Orleans, Louisiana in the aftermath of Hurricane Katrina (2005:08:29 17:24:22), showing Interstate 10 at West End Boulevard, looking towards Lake Pontchartrain.
The 17th Street Canal is just beyond the left edge of the image. The breach in the levee of that canal was responsible for much of the flooding of the city in the hours after the hurricane.
In the foreground, the intersection is the juncture of I-10, running from the bottom of the photo and curving out of the photo to the left, with the western end of I-610, which extends off the photo from the center right, and the West End entrance/exit from I-10.
The block shaped building at center right front is a pumping station, one of those used to pump water from heavy rains off city streets in more normal times.
The far eastern end of Veterans Memorial Boulevard is seen just back from the interchange extending to the left.
The view looks north toward Lake Pontchartrain. The stretch of ground with no buildings from the Interchange to the lake is Pontchartrain Blvd. (on the left) and West End Blvd. (on the right), with a linear park (formerly the route of the New Basin Canal) between them. Smoke can be seen rising near the lake, probably from the burning of the Southern Yacht Club building.
This photo provided by the U.S. Coast Guard shows flooded roadways as the Coast Guard conducted initial Hurricane Katrina damage assessment overflights of New Orleans, Monday Aug. 29, 2005.
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sábado, junho 02, 2007


Fim à ocupação!

Povo Palestino e todos os povos do Médio Oriente merecem Justiça e Paz!


• JorgeCadima

Dentro de poucos dias completam-se 40 anos da chamada «Guerra dos Seis Dias». Em 5 de Junho de 1967, Israel lançou um ataque aéreo contra a Força Aérea egípcia, destruindo a maioria dos seus aviões de combate. Seguiram-se seis dias de guerra, de que resultou a ocupação por Israel dos territórios palestinos da Faixa de Gaza e da Margem Ocidental - incluindo Jerusalém Oriental, dos territórios sírios dos Montes Golã e dos territórios egípcios da Península do Sinai. Com excepção do Sinai (recuperado pelo Egipto após a guerra de 1973), a totalidade dos territórios ocupados por Israel na Guerra dos Seis Dias continua sob ocupação directa ou indirecta (caso da Faixa de Gaza). O Estado de Israel (criado em 1947 pelas Nações Unidas, na base duma partilha dos territórios palestinos ocupados pelos colonialistas britânicos) expandiu-se pela guerra, em violação frontal de toda e qualquer legitimidade internacional. Inúmeras resoluções do Conselho de Segurança da ONU exigindo a retirada permanecem letra morta.
Israel justifica sempre a sua ocupação, os seus crimes, as suas violações do Direito Internacional, as suas guerras, alegando a necessidade de «segurança» e o direito à existência do Estado Judaico. Mas o Estado que há décadas não existe, apesar de previsto em resoluções da ONU, é o Estado da Palestina. A segurança que não existe desde há 60 anos é a segurança do povo palestino. Só na semana entre 17 e 23 de Maio as forças israelitas mataram 32 palestinos, incluindo 7 crianças, e provocaram 102 feridos (Centro Palestino para os Direitos Humanos - www.pchrgaza.ps). Gaza está de novo a ser regularmente bombardeada a partir do ar. Nos últimos dias, as forças de ocupação sionistas raptaram dois Ministros, vários Presidentes de Câmara (incluindo os de Nablus e Qalqilia) e vários deputados palestinos. O Ministro da Defesa de Israel já ameaçou publicamente assassinar o Primeiro-Ministro palestino (Guardian, 22.5.07). Aqueles que estão sempre a apregoar a «democracia» e a papaguear a falsidade de que «Israel é a única democracia no Médio Oriente» estão, sistematicamente, a prender e assassinar os representantes do povo palestino, eleitos em eleições multi-partidárias, cuja democraticidade só foi manchada pelo facto de se realizarem sob a ocupação das forças sionistas. E tudo isto num contexto mais vasto de sofrimento permanente para o povo palestino, que é vítima do bloqueio internacional, imposto por Israel, Estados Unidos e União Europeia (com a honrosa excepção de alguns países nórdicos e de Estados que não pertencem à UE, como a Noruega, a Suíça, a Rússia, a China e outros).
Em Gaza e na Margem Ocidental há fome. Há desemprego e miséria em larga escala. Há sangue a correr todos os dias. Há desespero. Há descrença nas promessas vãs do «Ocidente». Há descrença na via negocial que já foi tentada e que – apesar dos numerosos acordos assinados e das numerosas cedências aceites pelos palestinos, mas que nunca satisfazem a gula israelo-norte-americana – não se concretizam num Estado Palestino soberano e independente. É inevitável que, com tanto sofrimento e falta de esperança, haja também lutas fratricidas. Alimentadas e armadas a partir do exterior. São trágicas, tristes e enfraquecem a luta do povo palestino. Mas nunca nos devemos esquecer que a causa e responsabilidade primeira está do lado de quem há décadas ocupa, oprime, mata e destrói pela violência qualquer esperança de justiça e paz.
Já chega de ocupação!
O povo Palestino e todos os povos do Médio Oriente merecem Justiça e Paz!
in AVANTE 2005.06.01
VER TAMBÉM

segunda-feira, maio 07, 2007



Filmes velhos, perigos novos

• Jorge Cadima


Estamos outra vez a ver o mesmo filme

O quarto aniversário da criminosa agressão imperialista contra o Iraque, foi assinalada de formas diferentes. Por toda a parte, com destaque para várias cidades dos EUA, centenas de milhares de pessoas voltaram às ruas para manifestar a sua oposição à catástrofe da ocupação. Mas no Conselho de Segurança da ONU viveram-se este fim-de-semana cenas que fazem lembrar a escalada que conduziu à agressão de 2003.


Parece difícil de acreditar, mas o guião que rodeou a aprovação da resolução 1747, impondo mais sanções ao Irão, não é muito diferente daquele com que os senhores da guerra (incluindo Durão Barroso, que haveria de ganhar a cadeira da Presidência da Comissão Europeia) procuraram «justificar» a agressão ao Iraque. São as acusações sobre armas de destruição em massa. São as inúmeras inspecções que nunca descobrem provas de violações dos acordos internacionais, mas que deixam sempre em aberto a dúvida e transferem para os acusados a impossível missão de provar que não existem violações. É o aumento gradual de sanções, ameaças e provocações, que acabam por conduzir à agressão – independentemente do que façam os países visados. Hoje quase ninguém se atreve a negar que a versão iraquiana deste guião foi uma colossal mentira. Ainda há poucos dias o ex-chefe dos inspectores da ONU no Iraque, Hans Blix, afirmou que os mesmos governos que hoje instigam a condenação do Irão manipularam os seus relatórios. Mas estamos outra vez a ver o mesmo filme.


A hipocrisia e a mentira são enormes. Falam de não-proliferação nuclear. Há uns meses o New York Times (11.9.05) informava que os EUA se preparavam para adoptar como doutrina oficial a possibilidade de ataques nucleares por antecipação (pre-emptive). Já o Los Angeles Times informara (9.3.02) que o Pentágono tem planos para ataques nucleares contra sete países, incluindo o Irão. Há 40 anos que Israel - que nunca assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (NPT), nem admite inspecções da ONU - possui armas nucleares. O Parlamento britânico acaba de aprovar uma despesa de 20 mil milhões de libras para modernizar o seu sistema de mísseis nucleares Trident (BBC, 15.3.07). O Paquistão, aliado dos EUA e que, tal como a outra recente potência nuclear vizinha, a Índia, também não é membro do NPT, acaba de efectuar um ensaio com um novo míssil tipo Cruzeiro, de longo alcance e capaz de carregar ogivas nucleares (USA Today, 22.3.07). Mas o Conselho de Segurança – incluindo alguns membros que amanhã poderão estar na mira do imperialismo – parece só ter olhos para o Irão, que assinou o NPT, tem aceite as inspecções da AIEA, e afirma querer apenas um programa de energia nuclear civil. Dois pesos e duas medidas. Ou melhor: apenas o peso e a medida do imperialismo.


Quem duvide da possibilidade de um ataque ao Irão deve meditar sobre a entrevista de 2 de Março (disponível no site www.democracynow.org) do General americano Wesley Clark, que comandou a guerra da NATO contra a Jugoslávia em 1999. Nessa entrevista à jornalista Amy Goodman, o general Clark afirma que os planos de ataque estão em marcha e conta como cerca de 10 dias após o 11 de Setembro visitou o Pentágono. Durante a visita, um dos generais que havia trabalhado sob o seu comando na Chefia do Estado-Maior chamou-o para o informar que já estava tomada a decisão de atacar o Iraque, e não só: «Este é o memorando que descreve como vamos atacar sete países nos próximos cinco anos, começando pelo Iraque e depois a Síria, o Líbano, a Líbia, a Somália, o Sudão e, para terminar, o Irão». Falando dos dias de hoje, Clark confessa algo notável: «Se estivesse no Irão, provavelmente acharia que já estava em guerra com os Estados Unidos […] porque nós estamos a apoiar grupos terroristas, ao que parece, que estão a infiltrar-se e provocar explosões no interior do Irão. E se não somos nós a fazê-lo, digamos então: provavelmente conhecemo-los e estamos a encorajá-los». Assim se faz a «guerra ao terrorismo» do imperialismo.


Artigo publicado na Edição Nº1739 AVANTE 2007.03.29