A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sábado, julho 28, 2012

David M. Kotz - A teoria marxista da crise e a severidade da crise económica actual

A teoria marxista da crise e a severidade da crise económica actual

por David M. Kotz [*]

2. A teoria da estrutura social de acumulação e crises estruturais severas
3. A crise actual e estruturas institucionais liberais
4. Os frenéticos anos 1920, a ESA do pós-guerra e a era neoliberal
5. Comentários conclusivos
A teoria da crise económica ocupa desde há muito um lugar importante na teoria marxista. Uma razão para isso é a crença de que uma crise económica severa pode desempenhar um papel chave na superação do capitalismo e a transição para o socialismo. Alguns antigos escritores marxistas procuraram desenvolver uma ruptura na teoria da crise económica, na qual é identificada uma barreira absoluta para a reprodução do capitalismo. [1] Contudo, não é preciso seguir uma abordagem tão mecanicista para considerar a crise económica como central para o problema da transição ao socialismo. Parece altamente plausível que uma crise de acumulação severa e duradoura criaria condições que são potencialmente favoráveis a uma transição, embora uma tal crise não seja garantia de tal resultado. [2]

Os analistas marxistas geralmente concordam em que o capitalismo produz duas espécies qualitativamente diferentes de crise económica. Uma é a recessão do ciclo de negócios periódico, a qual é resolvida após um período relativamente curto pelos mecanismos normais de uma economia capitalista, embora desde a II Guerra Mundial a política monetária e fiscal do governo tenha sido empregada frequentemente para abreviar a recessão. A segunda é uma crise económica duradoura que exige reestruturação significativa — isto é, mudança institucional — se a crise tiver de ser resolvida dentro do capitalismo e com o processo de acumulação de capital restaurado. Apesar do reconhecimento generalizado de que estes dois tipos de crise são diferentes, não há uma terminologia consensual para distingui-las. Aqui será usada a expressão "crise estrutural de acumulação" para o segundo tipo de crise económica e "recessão do ciclo de negócios" para o primeiro tipo.

A história mostra que as crises estruturais de acumulação podem ser mais ou menos severas, como será discutido abaixo. O nosso objectivo aqui é identificar as condições que dão lugar a uma severa crise estrutural de acumulação, uma vez que é este tipo de crise que pode desempenhar um papel na morte do capitalismo. A Grande Depressão da década de 1930 foi, todos concordam, uma severa crise estrutural de acumulação. Embora ainda seja cedo para dizer, tudo indica que a crise económica principiada em 2007-08 pode ser uma outra severa crise estrutural (ver secção 2 abaixo). Em contraste, será argumentado abaixo que a crise estrutural verificada na década de 1970 foi da variedade menos severa. Este documento esboçará uma análise da crise actual, comparando-a com as duas crises estruturais anteriores, a fim de fazer inferências acerca das condições que tendem a produzir uma severa crise estrutural de acumulação.

A teoria marxista localiza a causa da crise em mecanismos internos do sistema capitalista, os quais reflectem o carácter contraditório do processo capitalista. A literatura marxista da teoria da crise apresenta análises de vários mecanismos internos que pode provocar uma crise. Tais mecanismos causais foram chamados tradicionalmente "tendências de crise", as quais incluem o subconsumo, a tendência da queda da taxa de lucro devido à elevação do valor do meios de produção em relação à força de trabalho, o esmagamento do lucro devido a um declínio do exército industrial de reserva (expressão de Marx para trabalhadores desempregados) e o super-investimento (ou super-acumulação), bem como outros mecanismos.

As tendências de crise que tradicionalmente povoam a literatura marxista são o ponto de partida necessário para considerar a(s) causa(s) possíveis de uma crise estrutural severa. Contudo, o nível de abstracção da análise habitual das tendências tradicionais de crise é demasiado elevado para este objectivo. Este documento argumenta que uma crise estrutural severa tende a emergir uma forma institucional particular de capitalismo. Se alguém analisa apenas o capitalismo-em-geral — isto é, se se incluir apenas as características definidoras do capitalismo — então tendências de crise podem ser derivadas mas não pode ser determinado de um modo sistemático se qualquer tendência de crise particular provocará uma crise moderada ou severa. [3]

A secção 2 considera resumidamente a teoria estrutura social de acumulação (ESA) da crise capitalista, concluindo que ela apresenta uma teoria fecunda da crise estrutural mas não proporciona uma explicação satisfatória dos factores que causam uma crise estrutural severa. A secção 3 examina as raízes da actual crise económica, centrando-se sobre a economia dos EUA na qual teve origem esta crise. Retira-se a lição de que a severidade da crise actual resulta do tipo de estrutura institucional capitalista que prevaleceu nas últimas décadas, nomeadamente uma estrutura institucional liberal. A secção 4 compara a crise actual com as crises estruturais das décadas de 1930 e de 1970, notando semelhanças com a primeira e diferenças com a segunda. A secção 5 apresenta comentários conclusivos.

2. A teoria da estrutura social de acumulação e crises estruturais severas 

É comum na literatura marxista tradicional da teoria da crise suplementar uma análise de uma tendência particular de crise localizada no capitalismo-em-geral com a consideração de um evento histórico específico ou de uma política de estado, como um meio para explicar a emergência de uma crise que é severa e duradoura. Contudo, tal abordagem ad-hoc aproxima-se inconfortavelmente da teoria da crise devida ao "factor externo" encontrável na teoria económica convencional. Há uma abordagem alternativa, a qual leva em conta o facto de que o capitalismo nunca existe somente "em geral" mas assume sempre uma forma institucional específica.

A escola da estrutura social de acumulação argumenta que, em países capitalistas individuais e no capitalismo global como um todo, pode ser identificada uma sequência de estruturas institucionais relativamente estáveis, cada uma delas perdurando por várias décadas (Gordon, Edwards, and Reich, 1982; Kotz, McDonough, e Reich, 1994; McDonough, Reich, e Kotz, 2010). Tal estrutura institucional é denominada uma estrutura social de acumulação (ESA). Esta literatura tem argumentado que cada ESA é um conjunto coerente de instituições que, por um longo período, promove a acumulação de capital. Com o tempo as contradições presentes em qualquer ESA intensificam-se, de modo que a ESA já não mais promove a acumulação, conduzindo a um longo período de crise estrutural. A crise continua até que uma ESA seja construída.

A teoria ESA pode apresentar uma explicação da razão porque se verificam crises estruturais de acumulação severas, mas os registos históricos mostram que alguns dos períodos de crise identificados na literatura ESA – tal como a década de 1970 – não parecem ajustar-se ao conceito de uma crise estrutural severa. Como notaram muitos analistas, nos países capitalistas com alto rendimento o desempenho macroeconómico piorou após 1973, em comparação com o período 1948-73. Nos EUA houve uma recessão relativamente aguda desde o quarto trimestre de 1973 até o primeiro trimestre de 1975, com o PIB caindo para uma taxa anual de 2,5% ao longo de cinco trimestres. O resto da década de 1970 foi caracterizado pelo crescimento económico reduzido, alta inflação e desemprego, além de instabilidade no sistema monetário internacional — isto é, foi um período de estagnação relativa e de instabilidade económica.

Pode-se argumentar que a década de 1970 representou uma crise estrutural da ESA capitalista regulada do pós-guerra, a qual levou ao seu passamento e substituição por uma estrutura institucional neoliberal bastante diferente no princípio da década de 1980. Contudo, o crescimento do PIB e da acumulação de capital recuperou rapidamente após a recessão de 1974-75. Utilizando uma medida do ciclo de negócios pico a pico, durante 1973-79 — o núcleo do período de crise estrutural identificado na literatura ESA — a economia estado-unidense realmente expandiu-se, com crescimento do PIB real a uma taxa anual média de 3,0% e o investimento interno privado bruto a 3,4%. [4] A taxa de desemprego, a qual havia ascendido a 8,8% em Junho de 1975, caiu para 5,6% em Maio de 1979. A taxa de desemprego não atingiu números com dois dígitos durante este período até a parte inicial da era neoliberal, quando chegou a 10,8% no fim de 1982. Isto resultou da política deliberada do governo, pois o Federal Reserve aplicou uma política monetária muito rígida a qual conduziu as taxas de juro a mais de 20%, tendo em vista destruir o poder de negociação do trabalho, travar a inflação e promover o valor internacional do US dólar.

A crise da década de 1970 não parece ser uma severa crise estrutural de acumulação da espécie representada pela Grande Depressão da década de 1930. De 1929-33 o PIB nos EUA declinou durante 3,5 anos, caindo em 30,5% ao longo daquele período. Dez anos depois ele havia recuperado para apenas 2,8% acima do seu nível de 1929. O investimento fixo dos negócios, o qual em 1933 caiu 28,7% em relação ao seu nível de 1929, dez anos depois (1939) ainda era apenas 57,7% do seu nível de 1929. A taxa de desemprego atingiu os 24,9% em 1933 e era de 17,9% em 1939. Todo o sistema bancário entrou em colapso em 1933, um contraste agudo com a década de 1970 quando não se verificou nenhuma crise financeira séria.

Há muitas evidências de que a crise actual tornar-se-á uma severa crise estrutural de acumulação, mais como aquela da década de 1930 do que a da de 1970. A recessão no sector real dos EUA começou oficialmente em Dezembro de 2007, embora o PIB não tenha iniciado um declínio constante até o terceiro trimestre de 2008. O lado financeiro da crise começou muito mais dramaticamente, ganhando momento na Primavera e Verão de 2008 e atingindo subitamente o ponto do colapso financeiro em Setembro de 2008, quando a maior parte das maiores instituições financeiras nos EUA e em muitos outros países tornaram-se subitamente insolventes. Um colapso financeiro total foi evitado pela Reserva Federal e o Departamento do Tesouro dos EUA providenciando uns estimados US$12,1 milhões de milhões (trillion) em várias formas de apoio a instituições financeiras gigantes e aos mercados financeiros em geral. [5]

Um estudo recente descobriu que, para a economia global, tanto a produção industrial como o comércio mundial contraíram-se pelo menos tão rapidamente no primeiro ano da crise actual como o fizeram no ano seguinte ao início da Grande Depressão (Eichengreen e O'Rourke, 2009). Um relatório das Nações Unidas projectou um declínio do PIB em 2009 de 6,5% no Japão e de 6,1% na Alemanha (UNCTAD 2009, p. 2).

Nos EUA, o PIB caiu em 3,8% no ano seguinte ao seu nível de pico no segundo trimestre de 2008. No primeiro trimestre de 2009, o investimento fixo privado mergulhou a uma espantosa taxa anual de 39,2%, a mais baixa taxa de declínio desde a II Guerra Mundial. A partir de Setembro de 2009, o emprego total havia experimentado o seu maior declínio desde 1945, caindo em 5,8% desde o seu pico, o que deve ser comparado aos declínios de 2,8% da recessão dos meados da década de 1970 e de 3,1% no princípio da recessão da década de 1980 (Norris, 2009). [6] A taxa de desemprego subiu de 4,8% em Fevereiro de 2008 para 10,3% em Outubro de 2009, uma ascensão precipitada que ultrapassou em muito o aumento da taxa de desemprego da crise dos anos 1970. Isto verificou-se apesar de um plano de estímulo governamental de US$787 mil milhões aprovado em Fevereiro de 2009.

Certos relatos de que a crise económica está a acabar deixam de distinguir uma recessão de ciclo de negócios de uma crise estrutural. O PIB dos EUA aumentou, a uma taxa anual de 2,8%, no terceiro trimestre de 2009, uma viragem que em grande medida parece ser devida a intervenções do governo. Contudo, uma expansão do ciclo de negócios pode, e habitualmente faz, ter lugar durante um período de crise estrutural, como aconteceu em 1933-37 e em 1975-79. Se a história serve de guia, as contradições que produziram esta crise — as quais são discutidas na próxima secção — podem ser resolvidas apenas pela reestruturação significativa do sistema e um tal processo de reestruturação mal começou neste momento.

A teoria ESA convencional, a qual encara as crises estruturais das décadas de 1930 e 1970 como fenómenos semelhantes, não proporciona uma explicação do(s) factor(es) que faz(em) com que uma crise estrutural de acumulação seja severa. Contudo, o foco da teoria ESA sobre o papel da forma institucional de capitalismo na explicação de crises económicas aponta na direcção correcta. O componente que falta é uma análise ainda mais concreta de estruturas institucionais capitalistas. Examinar o modo pelo qual a estrutura institucional nos EUA na era neoliberal deu lugar ao que parece ser uma outra crise estrutural severa pode iluminar os factores chave que produzem aquele tipo de crise.

3. A crise actual e estruturas institucionais liberais 

A teoria ESA tradicionalmente tem asseverado que toda nova ESA é historicamente única. Contudo, argumenta-se em Kotz (2003a) e Wolfson e Kotz (2010) que estruturas institucionais capitalistas caem em dois tipos, liberais e reguladas. As principais características de uma estrutura institucional regulada são as seguintes: 1) o estado regula activamente a economia, incluindo regulação do comportamento dos negócios e das finanças; 2) a relação capital-trabalho no lugar de trabalho tem um elemento de compromisso significativo entre os dois lados, particularmente entre o grande capital e o trabalho; 3) os grandes negócios empenham-se numa forma de competição correspondente e restritiva; 4) a ideologia dominante enfatiza os benefícios da regulação dos negócios, da cooperação capital-trabalho e da competição "civilizada". Em contraste, a estrutura institucional liberal tem as seguintes características principais: 1) há apenas limitada regulação estatal da economia, dos negócios e das finanças; 2) o capital, incluindo o grande capital, esforça-se por dominar completamente o trabalho no local de trabalho; 3) grandes corporações empenham-se em competição sem restrições, implacável; e 4) uma ideologia de mercado livre, ou liberal clássica, é dominante, a qual vê o estado como um inimigo da liberdade e da eficiência e louva as virtudes da competição irrestrita. [7]

O neoliberalismo, que ascendeu cerca de 1980, deu lugar a estruturas institucionais liberais nos EUA, Reino Unido e muitos países (embora não todos) e também ao nível global em que as principais instituições económicas começaram a seguir o modelo neoliberal. A crise económica que começou em 2007-07 emergiu inicialmente nos EUA e emergiu das instituições neoliberais nos EUA e nas economias globais.

Um exame do processo que levou à crise actual mostra porque, e como, uma estrutura institucional liberal tende finalmente a produzir uma severa crise estrutural de acumulação. [8] O nosso exame centrar-se-á sobre a economia dos EUA, onde teve origem a crise actual. O capitalismo neoliberal nos EUA deu lugar a três desenvolvimentos que levaram à crise actual: 1) crescente desigualdade entre salários e lucros e entre famílias; 2) uma série de grandes bolhas de activos; e 3) um sector financeiro que se tornou cada vez mais absorvido em actividades especulativas e de risco.

A desigualdade cresceu rapidamente na era neoliberal, aumentando a um ritmo acelerado quando a estrutura neoliberal atingiu a maturidade no último ciclo de negócios completo da era neoliberal, de 2000 a 2007. De 1979 a 2007 os rendimentos horários reais médios de trabalhadores em funções não supervisórias declinou ligeiramente, em 1,1%, ao passo que a produção por hora cresceu em 69,8%, indicando que a totalidade do ganho de produtividade ao longo do período foi para o capital. Em meados dos anos 2000 o grau de desigualdade entre famílias havia atingido um nível nunca visto desde 1929 (Kotz, 2009a).

O aumento rápido da desigualdade tende a criar um problema de realização — isto é, uma insuficiência de procura agregada em relação ao produto. A ascensão de lucros estimula a acumulação rápida e o crescimento do produto, mas os salários estagnados ou em queda limitam o crescimento da procura. O aumento da concentração do rendimento no topo extrema limita o crescimento da procura, uma vez que os muito ricos não gastam uma grande fatia do seu vasto rendimento com o consumo.

Contudo, a estrutura institucional neoliberal tem características que adiam a realização da crise. Os lucros em crescimento rápido estimulam a elevação rápida de negócios de investimento, os quais constituem uma parte da procura pelo produto. Isto pode perpetuar uma expansão por algum tempo, mas se isto for o único mecanismo a operar para resolver o problema da realização, verificar-se-á rapidamente um desequilíbrio pois os meios de produção cresceriam demasiado rapidamente em relação ao produto. A estrutura institucional neoliberal produziu grandes bolhas de activos, as quais provocaram uma resolução muito mais demorada do problema da realização.

Uma bolha de activos é uma ascensão auto-perpetuadora do seu preço que resulta da expectativa de aumentos futuros no preço do mesmo. Exemplo: se investidores financeiros esperarem que o preço do imobiliário ascenda rapidamente no futuro próximo, eles terão um incentivo para comprar imobiliário a fim de obter ganhos de capital com a ascensão de preços. Isto pode tornar-se um processo auto-sustentador se os lucros ganhos pelos investidores com a ascensão do preço do activo atraírem cada vez mais investidores, cujas compras por sua vez fazem que o preço do activo continue a ascender. Cada uma das expansões económicas longas da era neoliberal nos EUA assistiu a uma grande bolha de activos, no imobiliário comercial do Sudoeste na década de 1980, no mercado de acções na de 1990 e no sector habitacional nos anos 2000.

Houve três expansões económicas longas nos EUA da era neoliberal: em 1982-90, 1991-2000 e 2001-2007. Uma bolha de activos pode prolongar uma expansão ao retardar a percepção de que a crise tende a resultar do aumento da desigualdade. Assim o faz pelo aumento da riqueza de papel daqueles que possuem o activo que passa pelo processo de bolha. O aumento da riqueza de papel leva o consumidor a gastar esse crescimento em relação ao rendimento.

O rácio entre as despesas do consumido e o rendimento após impostos tendeu a descer desde 1960 a meados dos anos 1980. A seguir o rácio tendeu a subir agudamente desde meados dos anos 1080, quando começou a recuperação do deprimido princípio da década de 1980, até 2005. A primeira bolha da era neoliberal que foi suficientemente grande para afectar claramente a economia dos EUA como um todo foi a bolha do mercado de acções dos anos 1990. Após 1992 o rácio dos gastos do consumidor em relação ao rendimento subiu drasticamente, atingindo 93,8% em 1999 quando era de 89,1% em 1992. Quando a bolha habitacional começou após 2002, o rácio subiu outra vez, dos 93,9% em 2002 para 95,9% no seu pico em 2005. [9] Ao longo de umas duas décadas de neoliberalismo, este rácio subiu em quase dez pontos percentuais, principiando em 1984 com 86,0% do rendimento. Em relação ao PIB, os gastos do consumidor ascenderam de uns baixos 62,0% em 1981 para 70,5% do PIB em 2008. [10]
Figura 1.
Contudo, a elevação dos gastos do consumidor em relação ao rendimento familiar, se bem que adiando a realização da crise, tornou pior a crise final. As empresas respondem a um longo período de ascensão nos gastos do consumidor investindo fortemente em capital fixo para aumentar a sua capacidade produtiva. Além disso, uma bolha gigante gera expectativas optimistas acerca de lucros futuros do investimento real, as quais tendem a estimular um aumento no investimento e portanto no volume de capacidade produtiva. Uma vez estourada a bolha — como todas as bolhas de activos acabam por fazer — a despesa do consumidor cai para uma relação mais normal em relação ao rendimento enquanto as expectativas de lucros simultaneamente entram em colapso. O declínio súbito na procura do consumidor e de investimento revela uma grande quantidade de excesso de capacidade que não era aparente enquanto a bolha ainda estava a inchar. Isto pode deprimir o incentivo para investir por um longo período de tempo, acarretando uma severa e duradoura crise de sobre-investimento.

Quando a bolha do mercado de acções estado-unidense estourou em 2000, o investimento fixo das empresas caiu em 13,0% ao longo dos dois anos seguintes. Contudo, naquele momento foi evitada uma severa crise de sobre-investimento com a emergência em 2002 de outra bolha, desta vez ainda mais maciça, na habitação. Após 2002 o investimento fixo dos negócios recuperou, elevando-se em 29,1% durante 2002-2007. A bolha habitacional começou a entrar em colapso em 2007. No segundo semestre de 2008 os gastos do consumidor caíram rapidamente, a uma taxa anual de mais de 3%. O investimento fixo das empresas começou a cair muito rapidamente no quarto trimestre de 2008 e no terceiro trimestre de 2008 havia caído 20,2% em relação ao seu pico no segundo trimestre de 2008.

O sector financeiro, especulativo e propenso ao risco, é o terceiro desenvolvimento que desempenhou um papel chave na crise actual, somando-se ao aumento da desigualdade e às grandes bolhas de activos. Como toda a gente sabe, o sector financeiro estado-unidense empenhou-se numa orgia de actividade especulativa nos anos 2000, grande parte dela relacionada com o sector habitacional. Enquanto a bolha habitacional continuou a inchar, isto contribuiu para a expansão económica. Ao proporcionar um enorme volume de empréstimos hipotecários aos proprietários de casas existentes, incluindo proprietários com uma fraca classificação de crédito, o sector financeiro tornou possível a expansão rápida do gasto do consumidor baseada na elevação dos valores dos lares das pessoas. [11] Se o único meio para que os proprietários das casas pudessem gastar algo do valor em ascensão rápida das suas casas tivesse sido vender a casa, a bolha habitacional podia não ter continuado. Portanto, a concessão de empréstimos especulativos do sector financeiro tornou possível à bolha continuar a inchar enquanto permitia também que o valor em ascensão da habitação estimulasse a ascensão do gasto do consumidor.

Contudo, o resultado deste processo foi um sector financeiro cada vez mais frágil. Não só o sector financeiro estado-unidense criou milhões de milhões de dólares de maus activos cujo valor acabou por entrar em colapso como também tomou emprestados cada vez mais fundos para prosseguir as suas actividades especulativas altamente lucrativas. A figura 2 mostra a dívida total de cada um dos três principais sectores privados da economia estado-unidense. A dívida do sector dos negócios não financeiros subiu apenas modestamente na era neoliberal. A dívida do sector habitacional cresceu rapidamente após o princípio dos anos 1980 e a um ritmo acelerado após 2000. De 1980 a 2008 o rácio da dívida habitacional em relação ao PIB quase duplicou. Em 2008 a dívida das famílias tornara-se insustentável na ausência de uma bolha habitacional contínua, a qual permitia às famílias continuarem a retirar liquidez das suas casas para permanecerem à tona. Contudo, durante aquele mesmo período, de 1980 a 2008, a dívida do sector financeiro cresceu quase seis vezes.
Figura 2.
Portanto, o sector financeiro especulativo e propenso ao risco estava preparado para um colapso em 2008. Um colapso do sector financeiro torna uma crise económica mais severa e mais difícil ao controle do estado. É este aspecto da crise actual que tem recebido a maior parte da cobertura nos mass media e é um factor importante para a explicação da sua severidade. Contudo, este é apenas um dos factores importantes. Todos os três desenvolvimentos — desigualdade crescente, uma série de grandes bolhas de activos e um sector financeiro especulativo e propenso ao risco — actuaram em conjunto para produzir o arranque do que parece como uma severa crise estrutural de acumulação em 2007-08. A causa fundamental é uma crise bolha-de-activos-induzida-pelo-sobre-investimento agravada por uma crise financeira severa.

Estes três desenvolvimentos — ascensão da desigualdade, grandes bolhas de activos e um sector financeiro especulativo e propenso ao risco — não são características inerentes do capitalismo-em-geral. Por exemplo: nos EUA durante o período da ESA regulada em 1948-73, os salários subiram a aproximadamente a mesma taxa da produtividade do trabalho, ao passo que a distribuição do rendimento familiar tornou-se ligeiramente menos desigual (Kotz, 2009a). Durante aquele período não houve bolhas de activos e as principais instituições financeiras empenhavam-se principalmente nas actividades financeiras tradicionais de efectuar e manter empréstimos, vender acções e títulos e oferecer segurança convencional. Não houve grandes falências bancárias ou pânicos financeiros naquele período.

Estes três desenvolvimentos são características da forma institucional liberal do capitalismo. A fraca posição negocial do trabalho numa forma liberal de capitalismo tende a provocar estagnação ou queda salarial enquanto os lucros ascendem rapidamente. A limitada intervenção do estado no mercado permite aos fortes arrebatarem, e manterem, uma fatia crescente do produto social.

Uma estrutura institucional liberal dá lugar a grandes bolhas de activos, por duas razões. Primeiro, o aumento da desigualdade leva a que os lucros, e o rendimento das famílias ricas, excedam as oportunidades disponíveis de investimento produtivo lucrativo. Portanto, algo daquele rendimento encontra o seu caminho na compra de activos tais como acções corporativas ou no imobiliário, o que inicia uma bolha de activos. Segundo, as instituições financeiras desreguladas numa estrutura institucional liberal são livres para efectuarem os empréstimos especulativos sem os quais uma bolha de activos não pode continuar a crescer.

O terceiro desenvolvimento que surge na era neoliberal — um sector financeiro que busca actividades especulativas e de risco — resultou primariamente da desregulamentação financeira. Uma vez que as instituições financeiras são livre para buscar lucros máximos sem supervisão ou regulação, elas buscarão tais actividades arriscadas, as quais prometem uma taxa de lucro muito mais elevadas do que as funções financeiras tradicionais e triviais. Pelo menos, isto é assim enquanto as grandes bolhas de activos perdurem e antes que os investimentos arriscados se revelem maus.

4. Os frenéticos anos 1920, a ESA do pós-guerra e a era neoliberal 

De acordo com a visão convencional encontrada na literatura ESA, os anos 1920 tinha uma ESA que teve origem nos anos 1890. Aquela ESA era caracterizada pelo monopólio de poder e significativa regulação estatal dos negócios (Gordon et al, 1982, ch 4; Kotz, 1987). Contudo, após a I Guerra Mundial houve grandes mudanças no capitalismo estado-unidense. As novas agências regulatórias do estado que haviam aparecido durante a Era Progressiva de 1900-16 foram capturadas pelos negócios e/ou cessaram de exercer qualquer supervisão. Os limitados movimentos dos grandes negócios rumo a uma relação cooperante com os sindicatos na Era Progressiva deram lugar a um assalto ao trabalho, iniciado pela ruptura de uma grande greve na indústria do aço em 1919. Em meados da década de 1920 o movimento dos trabalhadores estava em declínio pronunciado. O padrão de preços cooperativos estabelecido por J.P. Morgan e outros capitalistas financeiros após os anos 1890 enfraqueceram, quando a Wall Street perdeu poder para novos centros de finanças no Meio Oeste e no Oeste e quando emergiram novas indústrias (tais como automóveis) que estavam fora do controle da Wall Street (Kotz, 1978, ch. 3). Uma ideologia extremamente individualista tornou-se dominante. Os EUA da década de 1920 ajustavam-se estreitamente às características de uma estrutura institucional liberal.

Os anos 1920 nos EUA também assistiram aos mesmos três desenvolvimentos que surgiram na era neoliberal. A desigualdade cresceu drasticamente, quando os salários ficaram atrás do crescimento da produtividade e o rendimento familiar concentrou-se no topo. De 1920 a 1929 os salários horários reais na indústria manufactureira ascenderam 19,3% ao passo que o produto por hora de trabalho na manufactura ascendeu 62,6%. [12] A fatia do rendimento após impostos indo para os 1% do topo ascendeu de 11,8% em 1920 para 19,1% em 1928. Emergiram grandes bolhas de activos, no imobiliário da Florida em meados dos anos 1920 seguida pela bolha gigante no mercado estado-unidense de títulos no fim dos anos 1920. O sector financeiro tornou-se cada vez mais envolvido em actividades especulativas e arriscadas. Se bem que isto tenha começado com instituições financeiras de média dimensão, no fim dos anos 1920 os maiores bancos tradicionais estavam voltados para isso (Kotz, 1978, ch. 3).

A Grande Depressão foi desencadeada pelo colapso da bolha de títulos no fim de 1929. Isto foi seguido por um declínio rápido no consumo e no investimento, levando finalmente, em 1933, a um colapso completo do sistema bancário. Como foi observado acima, o investimento permaneceu deprimido durante uma década a seguir a 1929. Enquanto os conservadores atribuem a culpa disto ao temor dos negócios com as reformas do New Deal, pode-se argumentar que isto é explicado por uma severa crise de sobre-investimento induzida pelas grandes bolhas de activos da década de 1920. A combinação da bolha que induziu o sobre-investimento e de uma crise financeira é bastante semelhante às condições de hoje. [13] Portanto, os antecedentes históricos da crise actual, juntamente com a da Grande Depressão, dão apoio à visão de que uma forma institucional liberal de capitalismo cria condições que tendem finalmente a desencadear uma severa crise estrutural de acumulação.

As crises estruturais mais suaves e mais curtas que se seguiram ao colapso da forma de capitalismo regulado do pós II Guerra Mundial podem ser explicadas pelas diferentes tendências dominantes de crise em tal forma de capitalismo. Sob o capitalismo regulado, o trabalho tende a ter um poder significativo de negociação. Em consequência, as expansões económicas tendem a iniciar um tipo de crise de compressão do lucro, pois o exército de reserva em declínio leva à ascensão de salários suficientemente rápida para comprimir lucros (Kotz, 2009b; Wolfson e Kotz, 2010). Um estudo (Kotz 2009b) descobriu que toda recessão de ciclo de negócios do período 1948-73 foi provocada tendência de crise de compressão do lucro. [14]

As análises ESA mais comuns da crise estrutural dos anos 1970 vêem um factor chave na emergência daquela crise como sendo uma espécie versão da tendência à compra do lucro a longo prazo (Bowles et al., 1990, parte II). De acordo com este argumento, ao longo do período de capitalismo regulado, havia um aumento a longo prazo na força relativa do trabalho, bem como de outros grupos, em relação aos capitalistas dos EUA. Finalmente isto levou a um conjunto de conflitos agudos entre capitalistas e trabalho (e outros grupos tais como fornecedores de matérias-primas do terceiro mundo) que desestabilizaram a ESA capitalista regulada e o processo de acumulação que havia apoiado.

Por que as crises estruturais resultantes foram menos severas do que a Grande Depressão? Se a causa subjacente da crise foi o acrescido poder negocial do trabalho e outros grupos populares, aquele "problema" podia ser resolvidos por uns poucos anos de muito alto desemprego e punição económica politicamente induzidos no princípio dos anos 1980. A reestruturação neoliberal — a qual foi cumprida de modo relativamente rápido pela reafirmação do poder do capital, pelo desmantelamento da regulação estatal dos negócios e por um corte drástico em programas sociais — serviu para resolver a crise do capitalismo regulado.

Além disso, há uma diferença na capacidade administrativa do estado no fim dos dois tipos de estrutura institucional do capitalismo. Quando o capitalismo regulado entra numa crise, o estado tem experiência recente na administração da economia, a qual facilitar a resolução da crise. Contudo, quando o capitalismo liberal entra numa crise, o estado atravessou um longo período de esvaziamento e tem pouca capacidade para a administração efectiva da economia. Apesar dos programas arrojados da administração Roosevelt, a economia dos EUA não emergiu plenamente da Grande Depressão rumo a um novo caminho de acumulação vigorosa até após a II Guerra Mundial, uns quinze anos após 1929. Na crise actual temos testemunhado as dificuldades experimentadas pela administração Obama devido à falta de experiência recente, e ao compromisso para, de administração estatal activa da economia. O programa de estímulo económico de Fevereiro de 2009 foi concebido para criar ou salvar apenas 1,6 milhão de empregos, a comparar com os 15 milhões que estavam oficialmente desempregados no fim de 2009, e a sua implementação foi muito lenta. [15]

5. Comentários conclusivos 

Tanto as considerações teóricas como a evidência histórica apoiam a visão de que uma forma liberal de capitalismo tende finalmente a causar uma severa crise estrutural de acumulação, ao passo que a forma regulada de capitalismo encontra no fim uma crise estrutural mais suave. Isto tem graves implicações.

Primeiro, há uma implicação para a teoria marxista. A análise acima sugere que é necessário ir para além da análise do capitalismo em geral, ou simplesmente suplementar tal análise com o acréscimo ad hoc de desenvolvimentos históricos particulares ou políticas de estado. Os marxistas deveriam procurar analisar sistematicamente as formas institucionais particulares de capitalismo que surgem na história para determinar as suas propriedades e tendências. Parece haver alguma relutância em assim fazer, talvez como resultado de uma preocupação em que focar a forma institucional particular de capitalismo desviará atenção dos males do próprio capitalismo e da necessidade de substituí-lo totalmente. Uma tal preocupação não tem lugar de ser. Para sermos eficazes no entendimento e desafio ao capitalismo devemos analisar as suas características particulares institucionais no tempo e lugar actual.

Segundo, a análise acima coloca um paradoxo para a transição ao socialismo. Um longo período de capitalismo regulado tende a fortalecer a classe trabalhadora. O levantamento radical à escala mundial do fim da década de 1960 ocorreu após vinte anos de capitalismo regulado. Contudo, o capitalismo regulado também tende a provocar uma ascensão do padrão de vida e expansão de serviços públicos para a classe trabalhadora, o que torna menos provável o desafio com êxito ao capitalismo. A estas considerações a análise acima acrescenta o argumento de que a crise de acumulação final do capitalismo regulado tende a ser relativamente branda, o que mais uma vez reduz a probabilidade de uma transição para o socialismo.

Em contraste, um longo período de capitalismo liberal tende a enfraquecer a classe trabalhadora e os movimentos radicais. Temos observado isto na era neoliberal e uma tendência semelhante verificou-se nos EUA na década de 1920. Se uma forma liberal de capitalismo tende finalmente a provocar uma severa crise económica, ele entra naquela crise com o movimento da classe operária e o movimento radical fracos e divididos. Portanto, o potencial que pode surgir para estar presente naquela severa crise estrutural que se segue a um período de capitalismo liberal a fim de promover uma transição para o socialismo incide no problema de que pode não haver um agente de tal transformação que esteja pronto para promovê-la.

Contudo, contra as considerações acima deve ser ponderada a conclusão de que crises estruturais que se seguem a uma forma institucional liberal de capitalismo provavelmente não serão fácil ou rapidamente resolvidas. Se a crise actual continuar por algum tempo, os efeitos desmobilizadores do neoliberalismo podem ser substituídos pelos efeitos radicalizantes de uma crise económica prolongada e severa. Na parte inicial da Grande Depressão nos EUA houve alguns protestos, mas o período de grande efervescência trabalhista e radical foi 1934-39. Embora qualquer analogia histórica seja altamente imperfeita, estamos agora num tempo análogo a 1930-31 — isto é, os primeiros um ou dois anos da actual crise estrutural.

Os principais estados capitalistas parecem neste momento estar a tentar ressuscitar o capitalismo neoliberal, mas a análise apresentada aqui sugere que neste momento ele não pode ser ressuscitado como uma base viável para acumulação capitalista renovada. Um novo estado de capitalismo regulado poderia constituir a base para a acumulação renovada, mas exigiria um período de tempo extenso construir uma tal nova forma de capitalismo. Esta crise apresenta uma oportunidade, a qual pode perdurar por alguns anos, para a esquerda organizar uma alternativa real ao capitalismo.
Referências 
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Eichengreen, Barry and K.H. O'Rourke.. 2009. A Tale of Two Depressions, June 4. Downloaded from website www.voxeu.org/index.php?q=node/3421 on August 26, 2009.
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Greenspan, Alan, and Kennedy, James. 2007. Sources and Uses of Equity Extracted from Homes. Federal Reserve Board Finance and Economics Discussion Series No. 2007 20. Available at www.federalreserve.gov/pubs/feds/2007/200720/200720pap.pdf .
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Sweezy, Paul M. 1970. Theory of Capitalist Development. New York: Monthly Review Press.
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Wolfson, Martin, and David M. Kotz. 2010. “A Reconsideration of Social Structure of Accumulation Theory,” in McDonough, Terrence, Michael Reich, and David M. Kotz (eds.), Contemporary Capitalism and its Crises: Social Structure of Accumulation Theory for the Twenty First Century. Cambridge: Cambridge University Press.

Notas 
1. Ver Sweezy (1970, cap. 11) para uma revisão das teorias marxistas da ruptura.
2. A História mostra que uma viragem para o fascismo também é um resultado possível de uma severa crise económica.
3. As características definidoras do capitalismo são, em suma, a produção mercantil e a relação de trabalho assalariado.
4. Os dados apresentados neste documento sobre PIB, investimento de empresas, desemprego, taxas de juro, salários, produtividade do trabalho e desigualdade de rendimento são, a menos que indicado em contrário, das seguintes fontes: Economic Report of the President 1967; U.S. Bureau of Economic Analysis, 2009; U.S. Bureau of Labor Statistics, 2009; U.S. Bureau of the Census, 1960; and U.S. Federal Reserve System, 2009a and 2009b.
5. Desde o princípio da crise financeira até 1 de Abril de 2009, o governo federal comprometeu com o sector financeiro US$7,7 milhões de milhões como investidor, US$2,3 milhões de milhões como prestamista e US$2,1 milhões de milhões para garantir a dívida do sector financeiro. Dos US$12,1 milhões de milhões comprometidos, US$2,5 milhões de milhões haviam sido gastos até 1 de Abril ( The New York Times, 2009).
6. Durante a desmobilização e reajustamento económico pós II Guerra Mundial, em 1945, o emprego caiu em 10,1%.
7. Nenhuma destas característica de uma ESA liberal impede os grandes negócios de aproveitar oportunidades para fazer lucros através das suas relações com o estado ou de procurar e obter poder monopolista em mercados.
8. Esta análise é retirada de Kotz (2009a), a qual proporciona exame pormenorizado das raízes da crise actual.
9. A elevação dos gastos dos consumidores em 2005 para 95,9% do rendimento disponível não implicava que a poupança pessoal fosse quase 4% do rendimento, uma vez que parte do rendimento disponível vai para o pagamento de juros e pagamentos de transferência. Naquele ano a taxa de poupança pessoal caiu para apenas 0,4% do rendimento.
10. Ver Kotz (2003b and 2008) para uma análise pormenorizada dos efeitos de bolhas sobre gastos do consumidor e procura agregada nas décadas de 1980 e 2000.
11. No período 2004-06 as famílias dos EUA tomaram emprestado contra os seus lares uma quantia que rondava os 9,5% do rendimento pessoal disponível (Greenspan and Kennedy, 2007).
12. Calculado do U.S. Bureau of the Census, 1960, pp. 92, 126, 600. Os salários nominal estavam estagnados mas os preços caíram ao longo da década.
13. Uma diferença pouco percebida entre a década de 1930 e os dias de hoje é que na crise actual o sistema financeiro se aproximou da insolvência bem antes do início da crise económica, ao passo que nos anos 1930 o colapso financeiro, que aconteceu na Primavera de 1933, seguiu-se a três anos e meio de declínio no sector real.
14. Por contraste, no período de expansão nas décadas de 1980, 1990 e 2000, o salários reais não subiram suficientemente rápido para comprimir lucros (Kotz, 2009b, suplementado com dados actualizados).
15. Por contraste, o estado chinês, o qual tem presidido um sistema que permaneceu fortemente regulado pelo estado ao longo da era neoliberal, foi capaz de aplicar um programa de estímulo relativamente muito mais amplo o qual teve efeito quase imediatamente e restaurou o crescimento económico rápido, embora fizesse isso promovendo investimento para um nível que pode ser insustentável.

[*] Professor de C. Económicas, University of Massachusetts-Amherst.   Autor ou co-autor de Revolution from Above: The Demise of the Soviet System  , Les transformations du capitalisme contemporain  , Russia's Path from Gorbachev to Putin: The Demise of the Soviet System And the New Russia  , Bank Control of Large Corporations in the United States  , Social Structures of Accumulation: The Political Economy of Growth and Crisis  , Contemporary Capitalism and Its Crises: Social Structure of Accumulation Theory for the 21st Century  .

O original encontra-se em http://people.umass.edu/dmkotz/Marxist_Cr_Th_09_12.pdf . Tradução de JF. 


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

quarta-feira, julho 25, 2012

César Príncipe ~ Tráfico & Corrupção: Doença genética do capitalismo


24 DE JULHO DE 2012 - 9H42 



No sistema do capitalismo real, o tráfico e a corrupção são elementos estruturantes. Nos Estados Unidos o tráfico de influências e a corrupção granjearam estatuto legal e gabinete no Congresso. Passaram à categoria de lobby. Conquistaram espaço de diálogo junto do Legislativo e nas cercanias do Executivo. Em Portugal, o lobby esconde-se sob nomes grotescos como sucateiro ou pós-modernos como parceria público-privada.

Por César Príncipe, na revista Militante, de Portugal

Sobre tráfico e corrupção muito se fala e pouco se clarifica. Situaremos o problema na esfera ideológica e na ilustração do concreto. No sistema do capitalismo real, o tráfico e a corrupção são elementos estruturantes; no sistema do socialismo real, são elementos acidentais. 

Não é um mero contraditório semântico e muito menos um resquício de ingenuidade ou um preconceito transformado em filosofia: a experiência histórica revela o problema e confronta o dilema. Bastará sinalizar quatro países como observatório: EUA, Portugal, URSS, Cuba.
 

Nos Estados Unidos, um dos super-veículos das virtudes do capital, o tráfico de influências e a corrupção granjearam estatuto legal e gabinete no Congresso. Sentaram-se à cabeceira da Mesa do Plano e do Orçamento. Passaram à categoria de lobby. Conquistaram espaço de diálogo junto do Legislador e nas cercanias do Executivo.

Em Portugal, o lobby esconde-se sob nomes grotescos como sucateiro ou pós-modernos como parceria público-privada. Mas é possível estabelecer uma barreira sanitária.
 

Na União Soviética, o tráfico de favores e a corrupção existiam mas não determinavam as relações estatais-empresariais nem a diplomacia econômica. Não por obra e graça do homem novo. A democratização do ensino e a didáctica cívica não seriam dissuasores bastantes. A ordem econômico-financeira de natureza socialista é o factor condicionante. No socialismo real, os benefícios à margem da lei, em geral, não transcendem o abuso corrente, o nepotismo, a promoção sem mérito, o acesso a mordomias. Já no capítulo do comércio externo aumenta o potencial de risco, pois entram em cena actores privados e podem ser sugeridas escapatórias extraterritoriais. Mantém-se, porém, nos gráficos da relatividade.

Aplicada a tese a Cuba, o Estado impôs dispositivos de curto-circuito, e como os meios são escassos, embora a corruptela possa atingir alguns departamentos ou alguns agentes, não é fácil alcançar escala: a vida do traficante, do corrupto e do corruptor move-se numa malha apertada, já que a economia de peso está em mãos da mesma entidade e a finança não serve de lavandaria nem faz ponte com paraísos fiscais e as autoridades têm tradição supervisora, até porque o Império (a 150 quilômetros) tenta a cada minuto minar a credibilidade do regime.

A teoria do bom selvagem do Norte

A nossa tese vai, portanto, no sentido de que o tráfico e a corrupção não são uma doença infantil ou senil do capitalismo, mas um expediente necessário ao longo dos ciclos de acumulação de riqueza, de sabotagem e anulação da concorrência, de drenagem dos erários para os privados.
 

Daí que, ao contrário do acento posto pelo núcleo português da Transparency International, (1) que elabora um mapa de corrupção, desenhado segundo padrões de subdesenvolvimento/desenvolvimento, reabilitando, agora para euro-consumo, o estigma de africanos, asiáticos e sul-americanos ou a fórmula de um capitalismo selvagem, a Sul, e de um capitalismo civilizado, a Norte, sustentamos que a corrupção de topo é pilotada pelas potências políticas, industriais, comerciais, financeiras.
 

Um relance por países-modelo e deparar-nos-emos com uma paisagem de teias e pirâmides: Alemanha (que volta a defender trabalho escravo e decreta o confisco de salários e pensões nos países sujeitos a resgate, incorporou a economia da corrupção e da evasão, sobretudo por banda de companhias majestáticas, emergindo a Siemens como bandeira: a BDK/União Alemã dos Investigadores Criminais e a Transparency calculam em mais de 200 biliões de euros/ano as perdas, devido a subornos e a fintas ao fisco, sendo rotineiros os fluxos de capital clandestino, nomeadamente para a amável Suíça); França (sede de tráficos múltiplos: armas, diamantes, petróleos, de que a multinacional Alston é flagrante paradigma, funciona como abrigo de ditadores cleptocratas e sanguinários); Suíça (um dos terminais e tectos da criminalidade financeira mundial); Reino Unido (onipresente nos caminhos da corrupção econômico-financeira e da evasão fiscal, com musculosos tentáculos no Oriente Médio e na Ásia, além de incondicional anfitriã da máfia russa); Estados Unidos (capital do capitalismo de assalto, das lavandarias de armamento, droga e proxenetismo, dos desvios colossais, no âmbito civil e militar: um parafuso de um avião de combate encarece dezenas de vezes entre a fábrica e o Pentágono, bilhões de dólares somem no Iraque/Afeganistão).
 

O capitalismo tende a ser selvagem e corrupto. Nunca houve capitalismo civilizado por vontade própria. Quem o poderá moderar é a perspectiva organizada do mundo do trabalho, a inteligência do protesto, a força da reivindicação, o corretor democrático, a alternativa de classe.
 

De outro modo, a sacra iniciativa privada sempre tomará a iniciativa de explorar, roubar, corromper, amedrontar, manipular, através da posse e gestão dos recursos materiais e da captura política, jurídica e mediática da sociedade.
 

O predomínio da propriedade individual, familiar e de grupo sobre a propriedade social, cooperativa e nacional favorece a desregulação entre empresas e a permissividade crónica entre empresas e Estados.
 

O tráfico de favores e a corrupção associada são ingredientes do capital, tão indispensáveis como as crises. De fato, o capitalismo de dimensão nacional, continental e intercontinental não está em crise. Não se confunda o provocador da crise com as suas vítimas.
 

Desde a sua aparição, expansão e consolidação que o capitalismo sempre foi uma marca de crise e dá a volta à crise pilhando o tesouro público e saqueando as populações e as pequenas e médias empresas, lançando operações de domínio de povos e territórios.
 

Bilhões de seres humanos têm sofrido as dores de crescimento e recuperação do capitalismo. Ele entrará, de facto e de jure, em crise se ocorrer uma ruptura sistêmica, uma tomada do poder pelos trabalhadores e pelos seus aliados de convicção ou circunstância.
 

Só então se poderá declarar que, em determinada zona do globo, o capitalismo perdeu a direcção da História e deixou de ser fonte beneficiária da corrupção, da espoliação, da sujeição, da alienação.
 

Descodifiquemos, pois, a corrupção e a crise. Teremos de as reler como energias renováveis das máquinas de assalto do capitalismo nacional, regional e global.

Favor com favor se paga

Para assegurar o pleno funcionamento e buscar o máximo rendimento, o capitalismo de ponta, com formação acadêmica cosmopolita, treinado em ditaduras brutais e democracias formais, cuida das relações com o Estado (Administração Central/Local/Regional), apostando na criação e aliciamento de pessoal que desempenhe funções em nome da Cidadania e do Serviço Público.
 

Os protagonistas do capital, utilizando os seus legisladores na Assembleia da República, nos Governos, em Sociedades de Advogados, estas, desde há anos, alçadas a quinto órgão de soberania, começam por reformular os imperativos republicanos (não foi por acaso que a primeira revisão constitucional se voltou para a matéria econômica).(2)

Aqui atua o legislador, fabricando, por caderno de encargos, complacência ou incompetência, ordenamentos à medida das clientelas, das suas oportunidades e dos seus sobressaltos. A legislação permite lucros imorais aos grupos financeiros. Quem aponta o dedo ao complô legalista? Karl Marx, em 1867? Não. José Castanheira, em 2012.(3)
 

Para outros, tratar-se-á de má qualidade do processo legislativo. É um parecer tecnicista e benévolo muito em voga entre os bloquistas centrais com alguma subtileza e capacidade de desculpa. Na realidade, o enriquecimento lícito é tanto ou mais grave e danoso do que o enriquecimento ilícito. E como se ascende a membro da tríade legislativa? Óbvio: através de outra tríade, a partidária (PSD/CDS/PS).
 

O grande capital é mecenas destas companhias de teatro eleitoral, coopera na indicação ou sugestão de representantes da Nação, recruta quadros para o vaivém EE/Empresa-Estado/Estado-Empresa. Assim se solidificam os laços do Arco do Poder/Arco de Influência.
 

Este BCI/Bloco Central de Interesses foi assumindo, desde 1976, uma irrefreável vocação de business, sendo, hoje, tarefa delicada destrinçar até onde os três partidos ou agremiações se reduzem a Centros de Super-Emprego e Agências de Negócios.
 

Raul Rego publicou, em 1969, um opúsculo com um elenco de figurões do regime fascista que se passeavam do Poder Político para o Poder Econômico.(4)
 

Em 2011, o Diário de Notícias localizou 40 ministros e secretários de Estado, que saltaram dos Governos para as Empresas.(5)
 

Que rol de competências e afinidades terão demonstrado para merecerem acolhimento fervoroso e reconhecimento distintivo? Lusoponte? Mello? Quimigal? Mota-Engil? Cimpor? Camargo? Iberdrola? Endesa? EDP? Portgás? Galp? Sonae? Brisa? Efacec? Sapec? BCP? BPN? BPP? BES?
Santander? BANIF? BIC? CGD? BP? CMVM? ANA? TAP? CTT? PT? Ongoing? Fundações (Gulbenkian/Centro Cultural de Belém/Arpad Szenes-Vieira da Silva/Serralves/Casa da Música/Oriente/Luso-Americana/Champalimaud/Manuel dos Santos-Jerónimo Martins)? Misericórdias? 

Na esteira de ex-governantes do Bloco Central de Interesses, vai um séquito de ex-assessores, de antigos chefes de gabinete e segue uma escolta do entourage partidário. Mas alguns servidores (ex-governantes e autarcas) sobem, lance a lance, a escada do sucesso, metamorfoseando-se em empresários e banqueiros.
 

O motor de busca de cabeças políticas, coroadas pelo capitalismo, levar-nos-ia por tortuosos corredores. Como merecer retrato na Galeria do Sistema? Como ter assento no Governo Visível e ser da confiança do Governo Invisível?(6)
 

Não faltam cursos de província e diplomas de Harvard. E não faltam bailarinos de turno para as danças de cadeiras. Exibem currículos da causa pública e da coisa privada. Pavoneiam-se. Os fascistas eram mais complexados. Evitavam as parangonas: Nomeação do dr. Dias Rosas para governador do Banco Nacional Ultramarino. Não pôr, em título, que é ex-ministro da Economia. (Ordem da Censura).(7)

A Grande Porca

Analistas dos EUA caracterizam a elite governante do seu país, farol e torre de controle do capitalismo, como cleptocracia bipartidária.(8)
 

Em Portugal, dadas as dificuldades na imposição de todo o receituário neoliberal (convirá relembrar aos colecionadores de calendários: houve uma Revolução democrática em 1974 e continua em alta a resistência constitucional), optou-se pelo consenso alargado, recorrendo-se à via tripartidária, tendo a direita clássica atraído a direita moderna (PS) para conluios domésticos e cumplicidades internacionais e a direita moderna convidado a arcaica para parceiratos, reabilitando inclusive figuras do Estado Novo no Novo Estado.
 

Rotativismo? Caciquismo? Tráfico? Corrupção? Lojas de Conveniência? Mimetismo Negocista? Nem precisaríamos de citar um ex-governante norte-americano, temos doutrina caseira e secular (1908): Nenhum dos dois partidos (Regenerador e Progressista) se distingue do outro, a não ser pelo nome do respectivo chefe. (9)
 

Não se distingue nas opções de fundo e no arrivismo dos barões. Na transição do séc. 19/20, como na transição do séc. 20/21, havia ministeriáveis, ministros e ex-ministros implicados em esquemas (rostos do painel: Hintze Ribeiro/José Luciano e Castro).
 

Oliveira e Costa, Dias Loureiro, Isaltino Morais, Armando Vara, José Penedos & aparentados podem consultar os sacos azuis da Monarquia e os cadastros do Fascismo e descobrir o seu brasão no Armorial.
 

Hoje, o fantasma BPN/SLN ronda o inquilino de Belém, como o fantasma Freeport ronda o ex-inquilino de São Bento, como o fantasma dos adiantamentos rondou o rei Carlos.
 

Vivemos na democracia da Grande Porca: (10) Fax de Macau, Bragaparques, Contentores de Alcântara, Banco Insular, Face Oculta, Apito Dourado, Operação Furacão, Portucale, Monte Branco, EXPO, Ponte Vasco da Gama, Submarinos & Casinos, Prescrições de Processos de Fundos Comunitários UGT & Américo Amorim, Aditamentos & Contratos Paralelos, Concursos Diretos & Pagamentos Sem Conta, Contabilidades Engenhosas & Derrapagens Calculadas.
 

Como afiança o rifão: O céu é de quem o ganha, a terra de quem a apanha. Como desabafou o refugiado Antônio Guterres, isto é um pântano. Como gracejou o desertor Durão Barroso, isto está de tanga.
 

Como reconheceu, sem rodeios, o empresário Henrique Neto, isto (Portugal) está entregue à máfia. A mafiocracia já atua de cara destapada na Americolândia, na Eurolândia, na Lusolândia: Goldman Sachs, Icesave, Allied Irish Bank, BPN, Bankia aí estão para comprovar que os maiores assaltos a bancos são perpetrados por bancos e dentro dos bancos.
 

Na década de 1980, escrevi algo de antecipador relativamente ao colapso do sistema financeiro/2008: o maior assalto a um banco não é praticado à metralhadora mas com caneta Parker.(11)
 

Os comunistas socorrem-se de um instrumental dialético e sinalético que lhes permite visão de microscópio e telescópio. Pena foi e continua a ser que demasiados portugueses não usem lentes de ver ao perto e ao longe.
 

Cá como lá: Os dois maiores obstáculos para a democracia nos Estados Unidos são: primeiro, a ilusão generalizada entre os pobres de que temos uma democracia, e segundo, o terror crónico entre os ricos de que tenhamos uma. Edward Dowling o escreveu. John Pilger o subscreveu.(12)
 

Três Perguntas

Quem lembrou que os gastos do Estado com as parcerias público-privadas estão estimados em 38 mil milhões de euros? (Há estimativas de despesa contratualizada de 50 mil milhões). Carlos Moreno.(13)

Quem salientou que o pagamento de juros (da dívida de perto de 20 mil milhões de euros das empresas públicas de transportes) representa 75% dos prejuízos? José Manuel Viegas.(14)

Quem pretenderá ocultar o conflito de interesses da auditoria a 36 parcerias público-privadas e a 24 concessões, encomendada pelo Governo à consultora Ernest &Young, que trabalha para os grupos José de Mello Saúde, Somague e Águas de Portugal, Endesa e Iberdrola, entre vários outros, parte interessada em várias PPP, como Lusoponte, Auto-Estradas do Atlântico, Auto-Estradas Túnel do Marão, Barragens de Gouvães, Alto Tâmega, Daivões e Girabolhos, Hospital de Braga, Hospital de Vila Franca de Xira?
 

Uma resposta

Poderíamos citar numerosas autoridades em assuntos públicos e privados, brilhantes defensores ou detractores do público e do privado, mas resolvemos transcrever a posição de um arauto dos princípios colectivos e das riquezas das nações.
 

Que pensar de quem vende e trafica bens soberanos? De quem desvirtua a Constituição da República? Há 2 mil anos um culto e radioso espírito já interpelava os privatizadores, já condenava a apropriação do que é da Humanidade por alguns humanos (ou desumanos). A água das Metamorfoses é a metáfora do inalienável.
 
A palavra a Ovídio:
Porque me proibis a água? O uso da água é comum a todos. Nem a natureza produziu um sol privado, nem o próprio ar, nem a fluida água. É um bem público aquilo a que venho. (15) 
 
Tríade mediática

Cumpre-nos clarificar na praça e nos suportes de comunicação livres o que é ocultado, desfocado e cortado nas televisões, jornais e rádios, na tríade mediática. Mais do que explorar o filão das novelas judiciárias, a opinião publicada carece de uma armadura conceitual, de uma agenda de investigação até ao osso e de colunas de tratamento sem anestesia.

No entanto, sempre que as mídias dos grupos se referem a casos dos grupos, excitam-se com o tema durante uns dias e de imediato recentram as atenções nas manchetes de futebol, sangue e sexo. A criminalidade econômica público-privada e a liquidação do patrimônio estratégico não sugerem aprofundamento.
 

Tocam áreas cruzadas e personagens com guarda-chuva. Os média preferem incidir os holofotes sobre uma ou outra personalidade mais indefesa ou caricata, um outro incidente mais movimentado. Resumem o escrito e o dito ao texto, ignorando o contexto.
 

Ora, o tráfico e a corrupção, bem como a entrega do ouro ao bandido, remetem-nos para a engrenagem institucional-partidária e para a sua tutela, o grande capital. A comunicação, que se proclama social, contenta-se com o clamor inócuo e o comentário de superfície, a fim de não despertar quem a vê, quem a lê, quem a escuta.
 

Ao ficar-se pela rama, entregue ao pensamento único e à contra-informação, acaba por desempenhar um papel equívoco, branqueador de factos e desnorteador de mentes. Uns branqueiam vis metais ou capitais, outros branqueiam jornais ou telejornais.
 

O Dicionário da Propaganda é tão imaginativo que o roubo das troikas ou tríades é considerado um pacote e um ajuste, uma ajuda e um resgate.
 

A indignação patriótica atingiu o clímax com o Ultimato Inglês de 1890 e concorreu para o descrédito e o derrube da Monarquia. Mas muito boa gente ainda não se apercebeu do alcance do Ultimato Alemão de 2011.
 

O Bloco Central Político/Econômico/Midiático tudo tem feito para retardar a cólera democrática e a exigência do pagamento da crise pelos que a causaram: especuladores e dilapidadores, traficantes e corruptos. Somente com o povo levantado do chão e a retoma do projecto de abril se porá termo ao saque e à servidão e se reabrirá a estrada do progresso social e cultural.

Notas:
(1) Transparency International (Portugal/Ponto de Contacto da Rede)/07/Imprensa, 05/2012. Segundo a percepção desta organização, Portugal ocupa o 32.º lugar num ranking de 180 países.
(2) Constituição da República Portuguesa. Sucessivas revisões à medida das privatizações e das carteiras de interesses da troika/UE/BCE/FMI (1982/1989/1992/1997) passaram uma esponja sobre o ordenamento econômico de 1976, baseado em três sectores: público, privado, cooperativo.
(3) Castanheira, José, ex-director-geral da Saúde, professor do Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz, Lusa/DN, 03/05/2012.
(4) Rego, Raul, Os Políticos e o Poder, ed. autor, 1969; Arcádia, 1974.
(5) DN, 13/01/2011, 40 ex-ministros e ex-secretários de Estado em empresas. Caixa já empregou 23 ex-governantes.
(6) Bourdier, Pierre, Contre-feux 2, Éditions Raisons d`Agir. Governo invisível dos poderosos.
 
(7) Ordem da Censura/coronel Roma Torres, 06/06/1973. C.P: Os Segredos da Censura, 3.ª edição, Editorial Caminho, 1994.
(8) Craig, Paul Robert, ex-Secretário-Adjunto do Tesouro.
(9) Ortigão, Ramalho, Rei D. Carlos, Typ. A Editora, 1908.
(10) A Política: a Grande Porca. Uma porca, sentada no solo pátrio, amamenta uma ninhada de leitões. Raphael Bordallo Pinheiro, A Paródia, 1.ª série, n.º 1/capa, 17/01/1900.
(11) Fronteira, antiga crónica dominical do autor, JN.
(12) Dowling, Edward, editor, 1941, citado http://johnpilger.com/page.asp?partid=492/.
(13) PPP são chocantes - diz Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas, Assembleia da República, O Sol, 25/05/2012.
(14) Contratos das PPP foram um arranjinho - diz José Manuel Viegas, professor do Instituto Superior Técnico, secretário-geral do Fórum dos Transportes da OCDE, O Sol, 19/05/2012.
(15) Ovídio, Metamorfoses, Cotovia, 2007.

*Este artigo foi publicado em O Militante n.º 319, julho/agosto 2012, Ano 71, Série IV

Fonte: Diário.Info


terça-feira, julho 24, 2012

CICLO DE NEGÓCIO, crise e crise do euro


Por sociodialetica, às 00:39 | comentar
A CRISE DE 1929/33 E A ACTUAL SÃO COMPARÁVEIS?

1. Só a história futura nos informará da validade da comparação entre a crise de 1929/33 e a de 2008 e que continua ainda hoje, 2012. Admitimos que existem semelhanças e diferenças importantes. Já fizemos referência a elas num trabalho anterior (»»») (»»») (»»»).

Apontávamos então como semelhanças:
  1. Ambas são partes integrantes do ciclo de negócios, são crises de sobreprodução que se manifestam sob a forma de subconsumo;
  2. Ambas se desencadeiam numa fase em que o capitalismo domina à escala mundial, embora no primeiro com a recente recordação da Revolução Russa;
  3. Grande parte das formas de manifestação da crise é semelhante.
Acrescente-se uma outra :
  1. Segundo alguns autores existem os ciclos longos da economia, com uma aproximação a uma periodicidade de meio século, contendo uma fase ascendente (de maior tendência ao crescimento) e uma descendente (de menor tendência ao crescimento). De acordo com estas teses as duas crises situar-se-iam numa fase descendente do grande ciclo de Kondratief
Apontávamos então como diferenças:
  1. Grande parte das actividades produtivas estão fora do território dos países que mais sofreram a crise (EUA e Europa);
  2. A crise actual está mais intensamente associada às bolsas de valores e ao capital fictício;
  3. Actualmente é muito maior a economia paralela;
  4. Hoje há um muito maior entrelaçamento das economias nacionais, pese embora o grande sincronismo do ciclo em 1929/33.
Acrescentemos duas outras muito significativas:
  1. Então vivíamos numa ditadura, que se tinha imposto recentemente, com um ambiente interno e externo que lhe era relativamente favorável. Hoje vivemos em democracia
  2. Então o Estado Português tinha total poder de decisão política sobre as instituições económicas portuguesas, enquanto hoje essa soberania, nomeadamente económica, está em grande medida na União Europeia, fora do seu campo de decisão.
Esclareça-se, no entanto, que esta falta de poder de decisão nada tem a ver com o sistema político interno de Portugal, mas por agora haver uma integração regional (UE) e, sobretudo por esta ter adoptado (diga-se, também com o voto entusiasta de Portugal) uma configuração político-económica que privilegia o núcleo dos países mais desenvolvidos economicamente.

Da diferença apontada em (f) resulta uma outra diferença.
  1. Quando da crise de 1929/33 o sistema bancário já estava hierarquizado, havendo um banco central que apoiava os restantes bancos e que era o principal suporte financeiro dos Estados. Na actual crise o Banco Central Europeu não assume a função de recurso financeiro em última instância, e, antes pelo contrário, são os Estados que servem de recurso em última instância aos bancos operando nos respectivos países. Passou-se dum sistema bancário ao serviço do País para o País ao serviço dos bancos.

2. Sendo bom não esquecer todas estas semelhanças e diferenças há ainda dois aspectos que convém referir:
  1. Então como agora Portugal está numa fase de afastamento dos países mais ricos da Europa, numa divergência de dinâmica de crescimento económico. No período que antecede a crise o nível médio de rendimento por habitante em comparação com o dos países europeus mais desenvolvidos atingia o nível mais baixo desde o início do século XIX. Para o período mais recente o rendimento per capita português atingiu o valor mais elevado em relação à actual União Europeia em 1999, e desde então tem vindo a diminuir (ver Figura 1). Simultaneamente assiste-se a um agravamento da situação da nossa economia em termos de formação bruta de capital fixo, vulgo investimento, tendo quase sempre valores inferiores ao dos actuais países da UE desde 2000 (ver Figura 2).
  2. Em diversas crises anteriores se fizeram comparações com a crise de 1929/33, particularmente na de 1973/06, uma das maiores após a segunda grande guerra. Nessas comparações foi então dito qualquer coisa como “comparando a evolução dos indicadores económicos constatamos que a crise mais recente teve amplitude menor, mas isso deve-se essencialmente a que então não havia uma política económica.” Se esta afirmação é verdadeira então podemos dizer que esta crise é bastante pior que a de 1929/33.

Figura 1
Rendimento per capita
Percentagem de Portugal em relação ao que é hoje a União Europeia
 
Fonte: Banco Mundial

Figura 2
Taxa de variação do investimento
Diferença de Portugal em relação ao que é hoje a União Europeia
 
Fonte: Banco Mundial

http://incursoes.blogs.sapo.pt/1607702.html
Por sociodialetica, às 11:08 | comentar
1. Falemos em empresa para designar o conjunto de actividades sociais que criam bens e serviços e, por essa forma, criam valor.

No ciclo de vida de uma empresa tem de haver, à partida, dinheiro (D). É com ele que os proprietários da empresa podem comprar máquinas e equipamento, matérias-primas e energia. É com esse dinheiro que as empresas contratam inicialmente os trabalhadores que, utilizando os equipamentos, vão criar mercadorias, isto é, os tais bens e serviços que vão ser adquiridos e utilizados por outros membros da sociedade (outras empresas e famílias, nacionais ou estrangeiras). Com o dinheiro compram-se mercadorias (M) que vão ser utilizadas num processo produtivo (...P...), seja ele qual for, para produzir outro tipo de mercadorias (M’). Vendidas estas, as empresas voltam a obter dinheiro, que lhes permite reiniciar um novo ciclo produtivo.

Sinteticamente
D – M ...P... M’ – D’

em que M’ são os bens e serviços produzidos, diferentes das máquinas, matérias-primas e força de trabalho inicialmente adquiridos (M). Diferentes nas suas características e no seu valor (D’ é maior que D), sendo a diferença o lucro.

2. Falemos agora da sociedade, da sociedade transformada pela Revolução Industrial, na qual continuamos a viver (dramaticamente redescoberta por alguns na presente crise) embora, obviamente, com um conjunto de especificidades (tecnológicas, informativas, éticas, ambientais; com outros espaços sociais de realização e outros tempos de realização). Historicamente o dinheiro (mais genericamente a moeda) é posterior à produção de bens e serviços, mesmo posterior a aquelas serem produzidas para outrem, serem mercadorias: (M – D).

É a produção que permite criar valor novo, rendimento. É este que permite aumentar a quantidade de bens e serviços durante um dado período, acumulando-se sob a forma de riqueza (individual e colectiva): ...P... é o ponto de partida da dinâmica social.

Por outras palavras, a dinâmica das empresas (e poderíamos dizer outro tanto das famílias) e da sociedade são diferentes, podendo funcionar em harmonia (complementaridade) ou conflito (oposição das respectivas dinâmicas).

3. As empresas precisam de dinheiro hoje para obterem maior quantidade de dinheiro amanhã. Se hoje obtiverem mais dinheiro amanhã também terão ainda mais. É individual e socialmente (aqui há harmonia) vantajoso antecipar ciclos de negócios. Para tal há que aumentar a importância do capital alheio (emprestado) em relação ao capital próprio (sendo também vantajoso aumentar este, sobretudo se não puser em causa a propriedade da empresa).
Estas funções foram preenchidas através de duas instituições.

Em primeiro lugar pelos bancos, eles próprios anteriores à Revolução Industrial, há muito especializados em conceder crédito e obter uma remuneração adicional por essa actividade. A sua função específica é transferir dinheiro de quem o tem disponível para quem necessita dele. A sua importância aumenta quando se vão apercebendo que não precisam de ter no cofre todo o dinheiro que foi neles depositado e passa a haver um sistema de compensação nos pagamentos entre os bancos.

Em segundo lugar pelas bolsas de valores, que surgiram mais tarde, inicialmente destinadas a compra e venda de acções (forma das empresas aumentarem o capital próprio) e obrigações (forma de obterem capital alheio). Durante muitos e muitos anos esta era a actividade principal das bolsas de valores: permitirem às empresas aumentar a actividade produtiva antecipando dinheiro. Quem emprestava comprava obrigações, e pretendia receber periodicamente um juro; quem participava com o seu dinheiro no capital da empresa comprava acções e pretendia obter uma parte dos seus lucros, receber dividendos.

É certo que sempre foi possível “jogar na bolsa”: comprar acções hoje para vender amanhã, fazer o mesmo com as obrigações. Se tudo lhes correr bem obtêm um rendimento adicional. Essas aplicações financeiras são, para ele, capital. Mas essas sucessivas compras e vendas nada têm a ver com o processo produtivo, porque o financiamento das empresas já foi anteriormente feito: do ponto de vista social esse “capital” não cria nova riqueza, é fictício. Utilizando a terminologia anterior referida, aqui há conflito entre o individual e o social.

As bolsas de valores permitem capital fictício, mas a sua importância foi, até os anos 80 do século passado, reduzida. Também os bancos permitem o crédito ao consumo, embora socialmente a sua função principal seja a o crédito à produção.

4. E tudo funciona bem enquanto os negócios vão bem, o que não acontece quando se aproxima uma crise, quando esta se manifesta.

Veremos oportunamente como é que tudo acontece e como os acontecimentos evoluíram desde meados do século XIX até aos dias de hoje.
Será matéria da próxima conversa.

Por sociodialetica, às 13:29 | comentar
(Continuação de artigo anterior com o mesmo título »»»)

5. Numa linguagem muito simplista podemos dizer que ao longo do tempo as actividades económicas têm altos e baixos. Subidas e descida ao longo do século, ao longo da década, ao longo do ano, ao longo do mês, ao longo da semana, ao longo do dia. Em qualquer escala do tempo tem crescimentos e decrescimentos, evoluções mais rápidas e dinâmicas mais lentas. Os economistas passaram a chamar-lhes ciclos, distinguindo uns dos outros, ou pelo nome dos economistas que chamaram a atenção para a sua existência (ex. ciclos de Kondratief; ciclos de Juglar) ou pelo tempo decorrido desde um “ponto de partida” até um “ponto de chegada” que tem uma posição relativa semelhante ao ponto de partida (ex. ultralongo, longo, médio, curto, infracurto). Por vezes também os identificam pelo tipo de mercado em que se manifesta, havendo uns (ex. bolsa de valores) mais sensíveis que outros (ex. da construção civil).

Associada a esta oscilação também foi surgindo dois tipos de análises das temáticas económicas: conjuntural e estrutural. A primeira atende essencialmente aos movimentos de subidas e descidas, ao momento em que estamos na evolução cíclica; a segunda privilegia a tendência de evolução, a dinâmica de conjunto.

Numa primeira leitura podemos dizer que não é de espantar estas dinâmicas conjunturais, tantos são os intervenientes na actividade económica (ex: a comprarem ou a venderem, a pedirem ou a concederem crédito, a pouparem ou a aplicarem recursos), tantas são as intenções com que o fazem (ex: para adquirirem dinheiro ou bens, para fazerem aplicações durante uma vida ou segundos; para satisfazerem a sua ânsia de poder ou para ter lucros), tantas são os encontros e desencontros entre vontades, tão diversa é a informação com que promovem as suas acções (sendo habitual falar em simetria ou assimetria da informação), tanta é a diversidade institucional dos intervenientes (ex. famílias com muitos ou poucos recursos, empresas localizadas numa aldeia ou multinacionais, instituições públicas ou privadas, fábricas metalúrgicas ou gestores de fundos de pensões), tanta é a diversidade sejam quais forem os critérios considerados. Quando olhamos para esta diversidade podemos falar da anarquia da produção, da troca e da repartição de rendimentos.

Só por simplificação de raciocínio, por soberba humana de pretendermos impor à realidade os nossos pensamentos, poderíamos admitir que a economia, uma forma concentrada de falarmos na sociedade, evoluiria de forma simplista: a uma variação constante, a uma taxa de variação constante, ou algo semelhante.

A este propósito poderíamos percorrer a longa história da Filosofia sobre a relação entre o homem e a sociedade (ou a sociedade e o homem), sobre a natureza humana, sobre a liberdade. Excluiríamos Deus porque as ciências sociais (ciências e não meras lucubrações) assentam na laicização da sociedade, na hipótese de partida de que a dinâmica da sociedade é construída pela própria sociedade, de que há “leis naturais” que gerem os agregados humanos. Mas reencontramo-lo nos debates sociológicos do primado do homem sobre a sociedade (com o paradigmático Max Weber) ou da sociedade sobre o homem (com a referência a Durkeime). Os economistas discutiriam, o que não faremos agora, se são as conjunturas que determinam as estruturas ou se, pelo contrário, são as estruturas que determinam as conjunturas. Provavelmente discutiriam com a imprudência idealista de não destrinçarem a diversidade epistemológica (formas diferentes de pensar) da unidade ontológica (dinâmica global das relações sociais de produção e troca).

6. Contudo, mais importante é percebermos que, por detrás da anarquia, despontam probabilidades, regularidades, relações essenciais entre os actos, concatenações lógicas, o que podemos designar por leis científicas do funcionamento dos ciclos.

Leis que podem ser facilitadas ou contrariadas pela acção dos homens, pelo que se costuma designar por política económica, mas que, nesse contexto de conflito continuam a existir. (Para se aprofundar esta questão seria necessário distinguir entre “política económica” e “gestão económica”, entre “superação de contradições” e “desvio de contradições”). Leis, no entanto, que já se perfilavam a partir do momento em que utilizamos a palavra “ciclo” porque ela pressupõe a aceitação de uma sucessão de evoluções que se repetem no tempo, independentemente (ou através) da forma como isso acontece.

Porque este pequeno texto é o caminho para chegarmos a um melhor entendimento do que actualmente se passa com a moeda da União Europeia, com o euro, vamos concentrar a nossa atenção no ciclo de negócios, na fase da crise e em algumas das suas leis.

7. Para não entrarmos em grandes preciosismos técnicos, admita que vai a andar de barco e que há uma ondulação forte. Admita que está a subir uma onda, atinge o seu ponto mais alto. A essa situação segue-se uma descida, uma diminuição de nível, até atingir o ponto mais baixo. Chamemos-lhe a «fase um» da sua navegação. Atingido o nível mais baixo assim continuará durante algum tempo, mais ou menos dilatado conforme a frequência das ondas. Chamemos-lhe a «fase dois» da navegação. Finalmente começa novamente a subir até atingir um nível médio ao que tinha atingido na onda anterior. Chamemos-lhe «fase três». A subida continua até novamente atingir um cume, no qual nos mantemos algum tempo. É a «fase quatro».

Transpondo esta navegação para os ciclos podemos, grosso modo, dizer que a fase um corresponde à crise, a dois à depressão, a três à recuperação e, por fim, a quatro à expansão. Poderíamos adoptar outro tipo de classificações, mas esta parece-nos simples e compreensiva.

Claro que a dinâmica económica não é tão simples, como provavelmente não seria a própria navegação, porque uns ciclos sobrepõem-se a outros ciclos de tipo diferente, porque há uma tendência de evolução de longo prazo, porque existem diferenças de comportamento entre sectores de actividades e entre países, entre mercados locais e globais (apesar de desde 1968 estarmos numa fase de crescente sincronismo), entre empresas (a falência de umas pode ser a centralização e crescimento de outras, por exemplo). Mas a descrição aqui feita parece-nos suficiente para os nossos propósitos.

Porque a nossa cultura construiu a ideia de “progresso”, porque o funcionamento harmónico da actividade económica pressupõe que se venda o que foi produzido, que o procurado seja encontrado, que haja rendimentos para comprar os produtos, as fases consideradas “normais” são a recuperação e a expansão. A depressão é uma fase transitória para se atingir essa tão almejada “normalidade”. Por outras palavras, apenas a crise é considerada “anormal” e de facto assim a podemos considerar porque é o período de explosão dos conflitos, das desarticulações, das contradições. No entanto, tenhamos bem em conta, a crise é uma fase tão importante quanto as outras na reprodução do sistema capitalista. Mais, sendo a anarquia parte integrante da produção, troca e repartição do rendimento do capitalismo, a crise, ao resolver dramaticamente as tensões e os antagonismos que aquela propicia, tem uma função insubstituível na continuidade do sistema
Concentremos, pois a nossa atenção na crise.

8. As manifestações visíveis da crise são conhecidas: as mercadorias não são vendidas, as empresas têm carências de dinheiro para fazer face aos seus compromissos, muitas dívidas não são pagas, reduz-se o investimento privado (ou a sua taxa de crescimento), atenua-se a criação de emprego e aumenta o desemprego, intensificam-se as falências. As perspectivas de lucro diminuem, o pessimismo penetra em quase todos os interveniente no processo. A queda das cotações nas bolsas de valores é, frequentemente, o primeiro sinal estrondoso de se estar a viver uma fase de crise.

Concomitantemente agravam-se as desigualdades sociais, intensificam-se as tensões sociais. Estas manifestam-se de forma conflitual. Por um lado, as dificuldades existentes para grandes camadas populacionais, a violência ética das desigualdades, o desespero da criação do dia seguinte podem conduzir a situações de ruptura revolucionária. Por outro, a insegurança, a passividade que o desemprego gera numa estratégia de sobrevivência e a incerteza podem gerar uma submissão passiva. Num caso ou noutro o sentido das opções políticas pode ser muito diverso.

A crise é uma expressão do excesso. Faz todo o sentido dizer que “é a miséria na opulência”. Há excesso de mercadorias (mercadorias que estão inseridas num processo de valorização, que são capital, capital-mercadoria) em relação às possibilidades de venda. Há excesso de produção (capital produtivo) em relação às necessidades de produção para o mercado. Há excesso de dinheiro (capital-dinheiro) em relação às possibilidades de utilização rentável, sendo entesourado.

As crises do ciclo de negócios são crises de sobreprodução, crises de excesso de capital. A sua superação passa por uma destruição desse excesso de capital em relação à taxa de lucro esperada.

De um ponto de vista lógico tanto poderíamos falar de excesso de produção como de falta de consumo, sendo a sobreprodução a outra face do subconsumo. Contudo a relação hierarquizada entre produção, repartição do rendimento, troca e consumo, o primado da produção e a condução da dinâmica pelo capital (privado) fazem com que o essencial seja a sobreprodução, sendo a sua manifestação fenomenológica o subconsumo. A superação da crise, no quadro do sistema capitalista, passa inevitavelmente pela destruição espontânea, e dolorosa, de capital sob as suas diversas formas. A leitura pelo subconsumo, permite, no entanto, uma política económica de atenuação da crise, de impedimento dos seus efeitos mais nefastos para as populações.

9. Começámos o antigo anterior por chamar a atenção para o ciclo do capital: aplicar o dinheiro num processo produtivo, produzir mercadorias com um valor superior, vendê-las e retomar novo ciclo.

Na aproximação da crise, numa fase última de alta conjuntura, é frequente já começar-se a sentir as dificuldades de venda, as quais são inicialmente registadas pelo comércio (a retalho e por grosso) e só posteriormente pela indústria, pelas actividades produtivas. O tempo que decorre entre a aplicação do dinheiro (D) e o seu retorno (D’) amplia-se. O sector industrial, em sentido lato, começa a mostrar-se menos lucrativo, de mais difícil e incerta rentabilização. Entretanto os mercados de títulos financeiros continuam com elevados níveis de rentabilidade e de rápida rotação do capital (que pode aumentar pela ânsia de liquidez), com tendência para aumento da importância relativa do capital fictício.

O sucesso das aplicações financeiras e o início das dificuldades comerciais e industriais fazem com uma parte do capital-dinheiro se desvie destas actividades para aquelas aplicações, o que aumenta a “euforia” nos mercados financeiros. Frequentemente esta “euforia”, a aparência de que tudo “corre às mil maravilhas”, é já uma fase prévia da crise de sobreprodução, é uma primeira manifestação desta.

Porque se trata de uma expansão nos mercados financeiros que tem como contrapartida uma retracção do investimento nos sectores produtivos, porque já existem dificuldades de venda das mercadorias e há o perigo de rompimento do pagamento das dívidas, porque essa expansão financeira assenta mais sobre o capital fictício do que no financiamento às empresas, essa dinâmica financeira também se rompe.

Por estas razões uma das primeiras manifestações explícitas da crise são, frequentemente, as brutais quedas de cotação dos títulos nas bolsas, o “pânico” bolsista, o não pagamento das dívidas (o aumento do crédito mal parado), a falta de liquidez da banca e das instituições cuja rentabilização assentava nas aplicações bolsistas.

A aparência é a de que estamos perante uma crise financeira. Admite-se que as dificuldades sobrevenientes são uma sua consequência: que é a crise financeira que gera a crise no sector produtivo, no conjunto da economia. Contudo a sequência efectiva é outra: é o despontar da crise de sobreprodução que empola e retarda a crise financeira, é esta que revela em plenitude a crise.

10. Também a crise que actualmente vivemos parece ter sido gerada por uma crise financeira (localizada nos EUA, do subprime, tendo como momento nevrálgico a falência do Lehman Brothers), mas a crise actual, do capitalismo em fase de globalização, nem foi exportada pelos EUA (embora o que aí aconteceu tenha fortes impactos nos restantes acontecimentos), nem é o resultado de acontecimentos financeiros. É uma crise de sobreprodução tendencialmente mundial.

A sua dinâmica obedece às leis económicas das crises, particularmente evidentes quando estamos perante grandes crises. Contudo as formas que aquelas assumem dependem das características da dinâmica social em cada momento.

A crise actual enquadra-se nas características aqui traçadas, mas assume especificidades, essencialmente resultantes da hegemonia do neoliberalismo, das características da globalização e do tipo de “política económica” adoptada.

A sua análise permitirá ver de forma mais clara a situação actual, nomeadamente a crise do euro, assunto de que nos ocupará em próxima conversa.


Por sociodialetica, às 12:27 | comentar
(Continuação de artigos anteriores com o mesmo título [1] [2])

11. As fases do ciclo e as crises manifestam-se de acordo com as leis que as regem, mas assumindo formas, intensidades, interligações, harmonias e conflitos diferentes conforme as especificidades de cada momento, conforme os comportamentos típicos e efectivos dos intervenientes na sociedade, desde o Estado às empresas. As leis são regularidades explicitadas através da observação imediata das irregularidades, enquanto aparências de fogachos do acaso.
A crise que se iniciou em 2008 e que continuamos a viver é frequentemente comparada com a dramaticamente famosa crise de 1929/33 sobre a qual é importante recordar algumas imagens:
  • Tudo parece ter começado na bolsa. “Os sintomas da crise já tinham aparecido no início de 1929 (leve queda da Bolsa de Nova York), a produção industrial americana já havia começado a cair a partir de julho do mesmo ano, causando um período de leve recessão econômica, e em setembro aconteceu a queda da Bolsa de Londres. Em agosto, a taxa de juros foi levada de 5% para 6%, numa tentativa de reduzir o volume de crédito, mas já era tarde demais. A orgia de lucros, finalmente, estourou a 24 de outubro de 1929: as cotações do Stock Exchange de Nova York afundaram 50% em um só dia. Estes preços estabilizaram-se ao longo do final de semana, para caírem drasticamente novamente na quarta feira, 28 de outubro. Muitos acionistas entraram em pânico. Cerca de 16,4 milhões de ações subitamente foram postas à venda na quinta feira, 29 de outubro, a “Quinta-Feira Negra”. O excesso de ações à venda, e a falta de compradores, fizeram com que os preços destas ações caísse cerca de 80%. Até o final do mês, seguiram-se novas derrubadas de preços e uma onda de falências. Milhares de acionistas perderam, literalmente da noite para o dia, grandes somas em dinheiro. Muitos perderam tudo o que tinham.”

  • A violência do não pagamento das dívidas alterou radicalmente o sistema monetário: “Em 1931-1932, a Inglaterra, Canadá, a Escandinávia e os EUA abandonaram o padrão-ouro; em 1936, somaram-se a eles Holanda e Bélgica, finalmente também a França”. (...) “A desvalorização se mostrava incapaz de sustar as fugas de capitais, inclusive as reforçava. A maioria dos países latino-americanos, cujas moedas foram depreciadas em 1929 e 1930, recorreu ao controle cambial em 1931 e 1932. Na Europa, vários países aliaram igualmente a desvalorização e o controle cambial.”

  • A actividade económica produtiva decresce violentamente: “Em 1932, a produção mundial tinha caído 33% em valor; o comércio mundial, 60%; o Birô Internacional do Trabalho contabilizava 30 milhões de desempregados (cálculo modesto). Os países mais atingidos pela crise, além dos Estados Unidos, foram a Alemanha, Austrália, França, Itália, o Reino Unido [onde a taxa de desemprego atingiu 20%],  e especialmente o Canadá. (...) O comércio mundial desabou: reduziu-se a um terço do seu valor entre 1929 e 1933. O desabamento se devia, em parte, à queda pela metade dos preços-ouro mundiais. Os índices da produção industrial nos principais países caíram na mesma proporção (50%). E disso resultou um número enorme de desempregados: 12 a 15 milhões nos EUA, 6 milhões na Alemanha, 3 milhões na Grã-Bretanha; na Tchecoslováquia havia quase um milhão de desempregados numa população de 13 milhões de habitantes. A situação foi pior, embora na mensurável em cifras tão precisas, nos países menos conhecidos que viviam da exportação de matérias-primas, agora invendáveis.”

  • Houve um aumento da concentração da riqueza: “No fim do processo, oito grupos financeiros detinham 30% da renda nacional: a banca Morgan (que controlava General Electric, Pullman, US Steel, Continental Oil, ATT, etc.), Rockefeller (US$ 6,6 bilhões em ativos), Kuhn e Leeb (10,8 bilhões), Mellon (3,3 bilhões), Dupont de Nemours (2,6 bilhões). Constituíram-se também redes de acordos internacionais, espacialmente com empresas alemãs: Dupont de Nemours e IG Farben, General Electric com Siemens e Krupp, General Motors e Opel.” (Osvaldo Coggiola, “A crise de 1929 e a grande depressão da década de 30”)
Ainda não conhecemos plenamente a actual crise porque ainda a estamos a viver. Não a conhecemos tão bem quanto a crise de 1929/33 porque dessa já exploramos todas as consequências, já incidimos o crivo da racionalidade e o bisturi da análise sociológica e económica ao longo de décadas, mas é possível traçarmos em linhas gerais as grandes semelhanças e diferenças. Elas no ajudarão a compreender algumas vertentes que nos permitirão concluir sobre as ligações entre a actual crise de sobreprodução e a que então se viveu.

12. Entre as semelhanças salientemos as seguintes:

(A) Ambas são partes integrantes do ciclo de negócios, são crises de sobreprodução que se manifestam sob a forma de subconsumo. Dentro desta tipificação podemos dizer que são grandes crises, crises de grande intensidade de manifestação, com impactos sociais susceptíveis de gerar as mais profundas rupturas sociais. São crises de amplitude mundial que se revelam com grande sincronismo entre os países até então dominantes.

(B) Ambas se desencadeiam numa fase em que o capitalismo domina à escala mundial, em que as relações económicas e sociais são de tal forma intensas e frequentes que podemos falar num capitalismo mundial, o capitalismo já dominado por grandes empresas internacionais, as chamadas multinacionais. A exploração colonial de então expressa-se hoje sob a forma “neocolonial” (apesar das diferenças entre as duas situações as semelhanças são mais fortes) ou, por outras palavras, utilizando uma terminologia consagrada, estamos, então como hoje, na fase imperialista do capitalismo.

(C) Grande parte das formas de manifestação da crise é semelhante: diminuição do investimento privado, inversão do crescimento do produto nacional, desemprego em grande percentagem, falências, instabilidade bolsistas e violentas quedas de cotação. Enfim uma panóplia de situações a que já fizemos alusão.

Simultaneamente apresentam grandes diferenças:

(1) Os mercados financeiros não criam valor, transferem valor. A criação deste encontra-se, grosso modo nas actividades agrícolas e industriais. Os mercados financeiros podem ser importantes para as actividades produtivas mas serão tanto menos quanto o capital fictício assume uma importante parcela das actividades daqueles mercados. Quando da crise de 1929/33 a Inglaterra e os Estados Unidos da América, em plena ascensão mundial eram as economias mais poderosas tanto em termos produtivos como financeiros (em 1926/9 os EUA era responsável por 42,2% da produção mundial de produtos industrializados e o primeiro produtor mundial de carvão, electricidade e petróleo ao mesmo tempo que a bolsa de Nova Iorque assumia cada vez mais a hegemonia financeira mundial). Na actual crise os EUA dominam os mercados financeiros, continuam a ter uma importante base industrial mas há uma forte deslocação dessas actividades para outras economias, como a China. Há um hiato político-territorial entre o centro das actividades financeiras e os centros das actividades criadoras de valor. Este hiato tende a condicionar as possibilidades de recuperação da crise e tenderá a associar a saída da crise a uma reestruturação do poder económico mundial.

(2) Em parte pelas razões invocadas no ponto anterior, em parte por uma generalização da ideologia neoliberal, em parte, ainda, pelas novas formas adoptadas pelos EUA para manter o seu poder internacional (assente no capital financeiro e na capacidade militar) a economia mundial, muito particularmente as economias americana e europeia, dos últimos trinta anos tem assentado numa expansão exponencial dos mercados financeiros (monetário, de capitais, cambial; formais e informais), dos contratos a prazo (futuros, opções, swapswarrants, certificados, produtos estruturados, Hedge Funds e tudo que a imaginação e os interesses do capital fictício o exijam), dos bancos, instituições financeiras e fundos de pensões. Uma financiarização não só desligada do processo produtivo como, em grande medida, contra ele. O capital especulativo, a quantidade de recursos absorvidos pelas transacções financeiras, o predomínio avassalador do curto prazo na lógica e dinâmica económicas foram factores que colocaram os mercados financeiros em conflito com as actividades produtivas. Acrescente-se que tudo isto associado à ideia da eternização desse processo conduziu a uma abundante criação legal favorável à redução das reservas bancárias (o que simultaneamente aumentava as suas capacidades de crédito) e à desregulação.

Por outras palavras, esta financiarização da economia apontava para a possibilidade de uma crise económica de maiores proporções e menores possibilidades de recuperação que na crise anterior. Esta tendência ainda foi reforçada pela política económica desencadeada quando dos primeiros sinais da crise: apoiar os bancos, alimentar os mercados financeiros, facilitar a vida aos principais agentes causadores da crise.

(3) O crescimento avassalador das actividades financeiras aqui referido foi sistemicamente acompanhado por um aumento da economia não-registada, frequentemente designada por economia paralela. Aumentam as actividades que visam a fuga aos compromissos fiscais (grandemente com o apoio dos próprios Estados que fomentaram a concorrência fiscal, a livre circulação do capital, a deslocalização industrial, as praças financeirasoffshore), a economia ilegal (da escravatura ao tráfico de droga, do armamento ao lixo tóxico, das espécies em extinção aos órgãos humanos, etc.) e ainda a economia informal. A fraude entrelaça-se com esta tendência de aumento da economia paralela, a corrupção generaliza-se a assume formas mais sofisticadas, como a promiscuidade entre o económico e o político, o financiamento das campanhas eleitorais, etc.). As máfias e o crime económico internacional organizado estão presentes por todo o lado. Estas são situações totalmente novas em relação à crise de 1929/33.

Por definição o aumento muito significativo da economia paralela reduz a eficácia das políticas económicas, reduz as possibilidades dos Estados desencadearem políticas económicas cíclicas, anti-crise e de recuperação, de promover um desenvolvimento económico assente na criação de valor.

(4) Há contudo uma diferença entre as duas crises que joga a favor da situação actual. Os Estados têm um passado de intervenção que lhes confere um maior peso na economia, apesar das teses liberais, antes, e neoliberais, depois. A integração económica, o maior entrelaçamento da economia e os actuais meios tecnológicos permitem conjugação de esforços à escala mundial e maior rapidez de actuação.

Mesmo nas semelhanças existem diferenças que não são nada despiciendas. Em ambas as situações há um domínio mundial do capitalismo. Contudo a crise de 1929/33 acontece com a experiência da Revolução Russa de 1917 ainda bem viva na memória de todos, num quadro social internacional de construção de um sistema social alternativo. A actual crise verifica-se após de um quarto de século de derrocada do conjunto de países constitutivos do “bloco soviético”, de convencimento de que a China optou definitivamente pelo capitalismo. Por outras palavras então o capitalismo estava ameaçado enquanto agora é o grande vencedor à escala mundial.

13. Perante a situação de crise, animados pelos apoios concedidos pelos Estados e pelas grandes quantidades de capital-dinheiro fora do controlo do Estado (offshores, economia paralela, branqueamento de capitais) o capital financeiros redescobriu novas formas de se reproduzir, de continuar a usufruir de lucros associados à especulação. Os mercados de futuros e as multinacionais permitiram alastrar a especulação a bens essenciais ao quotidiano das sociedades e das pessoas. Afectou os preços internacionais do petróleo e dos bens alimentares.

Os preços de muitos bens deixaram de ser o “ponto de encontro da oferta e da procura” e passaram a ser essencialmente o resultado do jogo monopolista através da intermediação dos mercados de futuros.

Isso já era muito claro quando dos primeiros aumentos brutais do preço do petróleo. Afirmava então (« O Financeiro contra o económico ». Shift #1, Maio 2008):

“Se as crises são períodos típicos de opção por bens que possam funcionar como reservas de valor, o sistemático aumento do preço do petróleo e os aumentos de alguns outros bens minerais e agrícolas, revelam uma situação nova. Os preços no consumidor final não são o resultado dos custos de produção e da oferta e da procura, mas da especulação:

«O movimento ascendente mais recente ocorreu em paralelo com uma queda pronunciada do valor do dólar americano e, consequentemente, com uma deslocação de muitos investidores para futuros contratos de crude. Trata-se de uma substituição básica dos activos em alta pelos que se encontram em declínio. Esta dinâmica influenciou significativamente o preço do petróleo no curto prazo e fez também aumentar os preços de outras mercadorias. (...) A OPEC aprecia a forma como os mercados financeiros funcionam, mas é importante ter atenção aos impactos sobre o mercado do petróleo deste género de especulação, na medida em que pode criar um clima de nervosismo e incerteza.» (OPEC, «Stability and volatility?», OPEC Bulletin 3-4/08)

O capital fictício continua a promover formas de auto-sustentação. Consegue transferir os impactos da especulação para o preço dos bens de consumos, canalizando rendimentos dos consumidores para os lucros de empresas e especuladores.”

Continua a ser assim hoje, como se relata em “Petrolíferas aproveitam a desgraça alheia”, publicado em Maio no Courrier:
  • “o essencial, o custo do barril das empresas reflecte os custos anteriores de perfuração e/ou de compra do crude, que quase sempre têm pouco ou nada a ver com o preço actual do crude”

  • “os verdadeiros – e talvez únicos – ganhadores são os especuladores financeiros, nos mercados de futuros, e as grandes empresas petrolíferas, que tiram partido do pânico generalizado para impor um aumento dos preços muito superior ao dos seus custos”.

14. A actual crise do euro e da União Europeia (é isso que está em causa e não os problemas financeiros grego, irlandês, português, espanhol, italiano, belga, etc., não as dificuldades de liquidez da grande maioria dos bancos, não o abrandamento do produto das economias dominantes como a alemã) é a conjugação de dois factores: (a) a expansão da especulação financeira às dívidas dos Estados e aos mercados cambiais; (b) uma série de erros na criação do euro.

Porque já anteriormente falámos do expansionismo do capital fictício e especulativo recordemos alguns aspectos da segunda vertente. Alertando para outros textos já depositados neste espaço, recorremos a mais um artigo doCourrier (“Euro: salve-se quem puder”) publicado em Junho:
  • “A crise da dívida na Europa pôs a nu todas as mentiras, todos os logros, vazios jurídicos, fissuras políticas e lacunas económicas que acompanharam a criação da moeda única. Uma das razões pelas quais os europeus ainda não consolidaram o euro é a sua incapacidade de avaliar a magnitude da má-fé que esteve presente na criação da moeda única”.

  • “a Zona Euro foi sempre vulnerável a uma crise financeira. Mas, levando a negação ao extremo, a Europa nunca criou um mecanismo de resolução de crises. (...) Foram as decisões políticas tomadas pelos dirigentes europeus que acabaram por pôr em perigo a solvência de alguns países. O erro mais grave cometido durante o processo de procura de solução para a crise foi a decisão tomada pelos líderes da Zona Euro, em outubro de 2008, após a falência do banco americano Lehman Brothers, de adoptar uma abordagem do tipo (...) cada um por si (...) em relação à crise do sistema bancário.”

  • “a Europa está atolada num problema clássico da ação colectiva: a defesa dos interesses nacionais impede uma solução comum”.

15. É neste contexto internacional e neste entendimento das crises e da crise de sobreprodução actual que podemos entender a “crise das dívidas soberanas”.

Contudo fica uma dúvida.

A maneira como a “crise do euro” tem sido “comandada pelos mercados” é de um rigor cirúrgico no aproveitamento dos elos mais fracos, do desnorteio das instituições, da articulação entre as situações europeias e internacional. A conjugação de esforços entre os “donos do mundo” (“mercados”, banca,ratings, etc.) também tem sido de um rigor militar.

Os “mercados” têm uma direcção estratégica e táctica?

Os “mercados” têm uma intelligentia?