A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Encerrado ...

montagem a partir de foto de J. J. Castro Ferreira

Destaque duma foto de Rui Pedro

Fotógrafia destacada dum conjunto - Nogueira da Silva
(Lisboa - o regresso da família em 1975)

auto-retrato

Susana Silva (Mindelo)

Joana Princesa - musa de muita poesia sobre o amor e o brincar- tal como a Maria do Mar
(Porto)

Fátima P. (Buçaco)
a navegadora e anotadora nas nossas viagens em Portugal de lés a lés

Rui Pedro
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... por falta de leitores, de comentários, de nível ou de interesse. Ou tudo junto.
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Autores das fotografias creditados
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Reflexões sobre a China (final) - Sobre o Socialismo



por Elias Jabbour*

Sobre o socialismo

Se da formação sócio-espacial chinesa pode-se extrair elementos que confirmem a necessidade da retomada do debate que envolve a elaboração de uma Economia Política do socialismo, nunca devemos deixar de lado o estágio em que se encontra a transição ao socialismo e ao comunismo em determinada formação sócio-espacial, a chinesa em nosso caso.



Esta é a chave para melhor auferir tanto a historicidade de determinadas categorias (sejam elas historicamente concebidas – mercado e lei do valor, por exemplo -, sejam elas filosóficas transição, processo, por exemplo), quanto da implementação de políticas que estejam em consonância com a base econômica de dada formação.

Por outro lado, vale repetir o já exposto anteriormente, que a transição capitalismo-socialismo em âmbito mundial não deve ser absolutizada, pois o socialismo, diferentemente de outros modos de produção e/ou propostas de sociedade não se baseia na exploração do homem pelo próprio homem, logo a sua cristalização ante o capitalismo poderá ser muito mais lenta e gradual do que imaginamos. Agregamos a isto a seguinte observação de Armen Mamigonian (1996, p. 95-100): ''Assim como a revolução socialista permaneceu isolada na URSS, por décadas, a primeira revolução capitalista ficou isolada na Inglaterra, frente à hostilidade do feudalismo da Europa continental. As relações entre os fenômenos nacionais e mundiais não são tão simples e a transição de um sistema a outro é mais complexa e prolongada do que se imagina.''

***

Cotizar os elementos da formação sócio-espacial chinesa com categorias da Economia Política é condição sine qua non à elaboração da citada Economia Política do socialismo. Até aqui tentamos expor algumas abstrações a respeito. Outro passo é caracterizar o socialismo e seu desenvolvimento no âmbito da formação sócio-espacial sugerida para a partir daí termos condições de obter maiores e mais exatas conclusões.

***

O socialismo é a fase primária do comunismo e, na concepção dos chineses, a China ainda se encontra na “etapa primária do socialismo” (1). A verdade desta constatação pode ser mais bem auferida se nos apreendermos em Marx, que creditou à transição socialismo-comunismo a tarefa de eliminar as diferenças entre campo e cidade, trabalho manual e intelectual e as inerentes à agricultura e indústria. Os chineses classificam esta constatação de “as três grandes diferenças” (2).

São concretos os fatores que caracterizam a etapa primária do socialismo: 1) formação sócio-espacial onde a maior parte da população está ocupada na agricultura e dependente do trabalho manual; 2) escassez de recursos minerais; 3) ciência e tecnologia atrasadas; 4) grandes disparidades regionais de ordem econômica, social e cultural; 5) grande parte da população vivendo com dificuldades; 6) falta de autonomia tecnológica e de financiamento; e 7) grande distância em relação ao nível de desenvolvimento do centro do sistema (3).

Num país como a China, de dimensões continentais e altamente populoso, cerca de 60% da população vivendo em zonas rurais e onde a própria natureza (montanhas e desertos) é fator de dificuldades, vale questionar: quanto tempo esse processo de transição (socialismo-comunismo) demoraria? Daí ser correta a conclusão chinesa acerca do estágio da transição em que se encontram.

Por outro lado, é evidente que as características apresentadas são expressões do fato de o socialismo ter vencido em formações periféricas. Logo, e naturalmente, as heranças de sistemas anteriores continuam a agir. A conseqüência destas influências é sentida nas superestruturas de países como China, Cuba e Vietnã: são muito sensíveis à fluidez (corrupção, influência de culturas estrangeiras, sobrevivências feudais etc).

Mais especificamente – para o caso da China –, como já exposto, pode se verificar a ação de resquícios do modo de produção asiático. Resquícios positivos (planejamento, administração pública eficiente, capacidade de rápida intervenção sob o território, capacidade de iniciativa comercial dos camponeses etc) e negativos (cultura feudal).

Assim, por mais que a China tenha internalizado os instrumentos (superestrutura de poder popular, socialização dos meios de produção e o planejamento) que viabilizam a anulação da ação do caráter espontâneo da ação das leis econômicas, as leis econômicas intrínsecas a economias planificadas e baseadas na propriedade social ainda não alcançaram um nível de cristalização necessário. A título de exemplo, os sobre-investimentos em determinados ramos industriais na China têm – além do carreirismo de muitos governadores de províncias e/ou regiões autônomas – nas relações (de tipo feudal) entre gerentes de bancos e prefeitos de cidades médias uma das fontes do problema.

Por fim, no âmbito da base econômica ainda é necessária uma combinação dos fatores expostos com a finalidade de se decifrar – minimamente que seja – qual a formatação econômica inerente à uma formação sócio-espacial complexa e única (4) como a chinesa com a fase em que se encontra o seu particular caminho ao socialismo. Para tanto termos em mente as características da chamada etapa primária do socialismo e o fato de o socialismo ser uma grande transição – que envolve outras transições e etapas que podem perdurar até séculos(5) – é primordial à apreensão exata da resposta ao fenômeno.

Prova analítica desta necessária transição foi sublinhada por Marx em sua Crítica ao Programa de Gotha onde argumentou acerca da impossibilidade, após a tomada do poder político pelo proletariado de se suprimir, de forma imediata, todas as diferenças de classe da sociedade. Isso porque, segundo Marx: “uma sociedade comunista que não se desenvolveu sobre sua própria base, mas de uma que acaba de sair precisamente da sociedade capitalista (...), portanto, apresenta ainda em todos os seus aspectos, no econômico, no moral e no intelectual, o selo da velha sociedade de cujas entranhas procede” (6).

Partindo deste nível de abstração (formação sócio-espacial chinesa, etapa primária do socialismo, impossibilidade de transições imediatas) fica mais claro perceber que na fase em que a China se encontra, o velho e o novo estão na cena e que, assim sendo, uma fase de convivência entre o planejamento, os setores estratégicos da economia e os elementos cruciais do processo de acumulação (sistema financeiro, juros, crédito e câmbio) sob poder do Estado, com outras formas de propriedade (particular, privada, joint-ventures) é amplamente necessária. Necessária para o fortalecimento do Estado socialista e conseqüente sobrevivência num ambiente internacional marcado por uma correlação de forças ainda favorável, em todos os sentidos, ao imperialismo norte-americano. Não somente isso, tal composição de propriedade é condição primordial ao rápido desenvolvimento das forças produtivas, tendo em vista o ainda domínio sobre a subjetividade das amplas massas chinesas da mentalidade típica da pequena produção, afinal a transformação da subjetividade a partir de novas relações sociais é um processo mais largo e demorado do que a vontade humana pode conceber; e as experiências socialistas do século passado – e seus malogros – são prova cabal disso.

De posse destas particularidades fica plausível denominar como uma economia de mercado sob orientação socialista a formatação de uma base econômica em transição como a chinesa. Para termos uma idéia, em Marx, somente na fase superior da sociedade socialista (comunismo) é que se reuniriam condições objetivas à superação do direito burguês e assim passar a regular a distribuição não mais em acordo com o que cada um trabalhou e sim em concordância com as próprias necessidades (7). A razão disso, em Marx, encontra-se na necessidade de se gerar, ainda sob o socialismo, formas que contemplem o rápido desenvolvimento das forças produtivas como forma de se passar de uma situação de escassez para outra marcada pela abundância (8)

Daí a necessidade e a utilidade do mercado – como forma de se regular a escassez e alocar os recursos – e de múltiplas formas de propriedade, nucleada pela propriedade estatal ou coletiva durante a complexa transição de um modo de produção a outro de novo tipo.



De forma generalizada, eis os pilares do que se convencionou chamar de “socialismo de mercado” (9).


Notas:

(1) O economista russo Evgeni Preobrazhenski (1886-1937) foi o primeiro a se referir a uma chamada “etapa primária do socialismo”. Preobrazhenski, que foi um ferrenho opositor da NEP, tornou-se famoso pelas análises da relação entre inflação e industrialização em economias agrárias atrasadas e em estado de isolamento internacional, como a Rússia revolucionária. Sobre suas elaborações sugerimos a leitura de: DAY, R. B.: “Preobrazhenski and the Theory of the Transitional Period”. In, Soviet Studies 8. New York, 1975. e FILZER, D. (org.): “1921-1927: The Crisis of Soviet Industrialization: Selected Essays”. White Plains. Sharpe, London, 1980.

(2) WANCHUN, Pen: The Dialectical Materialism and the Historical Materialism. Foreign Language Press, Pequim, 1985, p. 218.

(3) ZEMIN, Jiang: “Hold High the Great Banner of Deng Xiaoping Theory for an All-Round Advance of the Cause of Building Socialism with Chinese Characteristics into the Twenty-First Century”. Report to the Fifteenth National Congress of Communist Party of China. People’s Publishing House, Pequim, 1992, p. 15.

(4) At last but not least, uma formação sócio-espacial como a chinesa demanda um estudo muito mais objetivo e profundo das complexas estruturas que emergiram e emergem naquela sociedade, de forma que o dogma exportado pelos teóricos da ex-URSS (para quem à equação da complexidade da formação russa apontada por Lênin em 1921 (Sobre o Imposto em Espécie ...) fora superada com o sucesso dos primeiros planos qüinqüenais, logo um dogma da crescente e inexorável homogeneização social e política determinado pela generalização do progresso técnico foi sendo absorvido) não seja repetido numa análise mais fecunda sobre a formação sócio-espacial em tela. Acerca desta generalização na análise soviética ler: FERNANDES, Luís: O Enigma do Socialismo Real – Um balanço crítico das principais teorias marxistas e Ocidentais. Mauad, 2000, 256 p.

(5) Para os chineses, sua etapa primária durará pelo menos o ano de 2050, ano este em que se terá completada sua modernização.

(6) MARX, K. “Crítica ao Programa de Gotha”. In Obras Escolhidas de Marx e Engels . Vol. 1 Alfa Omega. São Paulo. 1977. p. 231.
(7) Idem, p. 237.

(8) Daí a correta afirmação de Deng Xiaoping, repetidas inúmeras vezes nos combates que travou no seio do PCCh de “o socialismo não ser a mesma coisa que pobreza”. Em Deng Xiaoping e sua política modernizadora podemos observar a expressão da transição no seio da superestrutura chinesa de uma subjetividade igualitarista (típica das comunidades agrárias chinesas influenciadas pelo taoísmo e representada na figura de Mao Tsétung) para outra marcada pelo culto à acumulação como parte de um todo que envolve o desenvolvimento integral do socialismo naquela formação sócio-espacial.

(9) Em oportunidade anterior buscamos definir de forma mais detalhada o conceito de socialismo de mercado em: JABBOUR, E. “O que é socialismo de mercado?’ In, JABBOUR, E. China: desenvolvimento e socialismo de mercado. Cadernos Geográficos. Depto. de Geociências do CFH-UFSC. 2006, 86 p.





*Elias Jabbour, é Doutorando e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, membro do Conselho Editorial da Revista Princípios e autor de ''China: infra-estruturas e crescimento econômico'' 256 pág. (Anita Garibaldi).


* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
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in Vermelho -
27 DE FEVEREIRO DE 2008 - 19h55

Reflexões sobre a China (5) - Revolução + Desenvolvimentismo



por Elias Jabbour*

Revolução + Desenvolvimentismo

Amparado pela argumentação contrária ao mundialismo metodológico, intento nesta parte 5 aplicar a categoria de formação sócio-espacial ao diagnostico do processo tanto da revolução de 1949, quanto das reformas iniciadas em 1978.



Uma Economia Política do socialismo em consonância com nosso tempo e desafios deve obedecer a duas ordens de fenômenos, a saber: uma geral, global e outra específica, mais relacionada com determinado território e/ou região. Em ambos os casos devem ser observados, à construção da teoria, a forma como deverão ser inseridas as categorias filosóficas de transição e processo, a correlação de forças na luta-de-classes em âmbito mundial, a história das transições anteriores ocorridas no mundo e do socialismo no século 20 em particular.

No específico, a principalidade reside na investigação da história de determinada formação sócio-espacial, o nível de desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção e da relação entre superestrutura e base econômica, de forma que de uma visão de conjunto - sem direitismos, nem esquerdismos, nem tampouco idealizações - um poder político de caráter popular possa dar bom termo à complexa tarefa de transição entre um sistema sócio-político e outro e a gradual transformação das relações sociais herdadas de determinado modo de produção em vias de superação.

Tendo em mente que o processo histórico só é passível de ser analisado no concreto no âmbito da formação sócio-espacial, que seu contrário redundaria na negação da categoria de modo de produção, será que poderemos na esteira desta discussão falar – inclusive – de uma Economia Política da formação sócio-espacial?


Respostas na história

As respostas aos porquês que envolvem o desenvolvimento chinês devem ser, necessariamente, relacionados com: 1) sua Revolução Nacional-Popular de 1949 que criou as condições políticas ao rompimento do círculo de dominação estrangeira, em favor da edificação socialista e da utilização do planejamento econômico e da hegemonia estatal sob os setores estratégicos da economia, anulando assim o aspecto espontâneo inerente à ação das leis econômicas (logo substituindo a anarquia da produção pela tomada do processo consciente de desenvolvimento); 2) por fatores naturais, entre eles a constelação de recursos oferecidos por seu território de cerca de 9.000.000 km2, possibilitando assim a “construção do socialismo em um só país” e 3) por fatores sociais, entre eles a estrutura social estabelecida naquele território durante um processo de sedentarização de tribos nômades sobre imensos vales férteis datada de 5000 anos atrás, criando condições ao surgimento, tanto de uma pequena produção camponesa, quanto do estabelecimento de um império centralizado, servindo de base, desde seus estertores (cerca de 2.500 anos atrás, unificação da nação), a um acelerado e precoce processo de desenvolvimento das forças produtivas, surgimento de instituições estatais, do mercado e comércio interno e externo e milenar utilização de mecanismos de planejamento estatal (1).

Descendo ao específico e buscando nexos genéticos entre a formação social chinesa e seu processo de revolução e reforma, o elemento camponês é de capital importância e inclusive dá cores originais e por isso o que se busca na China desde as lutas revolucionárias lideradas por Mao Tsétung é a viabilização do que se convencionou chamar de “socialismo com características chinesas”, aliás, num a clara alusão à independência do processo revolucionário chinês e expressão de uma subjetividade nacional milenar e sem complexo de inferioridade com relação a nenhum outro povo ou nação. Retornando, do elemento citado, para fins de melhor compreensão do processo de desenvolvimento da civilização e nação chinesas, é importante ressaltar pelo dois aspectos: 1) o aspecto rebelde, contestador e 2) o aspecto empreendedor, típico da subjetividade de regiões do globo onde predominou a pequena produção mercantil (nordeste dos EUA, p ex.).

Desde a formação do Império Chinês até a fundação da República Popular em 1949, o processo de substituição de dinastias é caracterizado pelo erupção de revoltas camponesas. Foi assim em 221 a.C., em 1368, 1644, 1820 e na proclamação da República da China em 1911. A última rebelião camponesa chinesa levou o Partido Comunista da China ao poder em 1949. Ora, isso se explica tanto pela formação de uma subjetividade nacional (confucionismo e taoísmo) para quem “todo poder emana dos céus, porém o mesmo é revogável pelo povo”, quanto pelo próprio modo de produção surgido neste tipo de formação sócio-espacial: o modo de produção asiático. O modo de produção asiático correspondeu ao primeiro grande esforço de planejamento estatal ao intervir – com o apoio de massas camponesas – em imensas obras hidráulicas que permitiram ampliar as áreas agriculturáveis, a partir de áreas propícias (centrais), para áreas menos favorecidas pela natureza (2).

A análise histórica e radical pode nos levar a irresistível constatação que prova que a prática milenar de planejamento territorial – inerente ao modo de produção asiático – pode ser observada ainda hoje na China, tendo em vista o dinamismo do Partido Comunista da China (PCCh) em prover políticas públicas com rápidos impactos sob o território do 3º maior país do mundo com uma população estimada em 1,3 bilhão.

A dinâmica cíclica do modo de produção asiático demonstra que de períodos largos de tempo, as forças produtivas, apoiadas em grandes obras de engenharia, desenvolviam-se rapidamente, contribuindo assim ao crescimento geométrico da população (daí a China ser o país mais populoso do mundo), porém em outras épocas percebia-se a apodrecimento de determinada superestrutura, expressada na cada vez maior corrupção e inépcia estatal em tocar adiante projetos necessários à reprodução econômica e social, daí as revoltas camponesas terem cumprido papel central à formação e desenvolvimento da nação chinesa (3). Essa percepção do histórico papel camponês foi a maior prova de sabedoria e independência política de Mao Tsétung, fundamental pra o sucesso da revolução de 1949.


Formação sócio-espacial das reformas chinesas

Partindo do princípio da não existência de modos de produção “puros”, como explicar, a partir de uma análise histórica e fundamentada na categoria de Formação Sócio-Espacial, o sucesso da “economia socialista de mercado” na China, tendo em conta que a China cresce ininterruptamente há quase 30 anos? Será que se trata apenas de um “modelo exportador” eficiente? Um capitalismo sustentado na superexploração de mão-de-obra abundante como sugere muitos analistas? Ou uma expressão de algo construído historicamente e assentado numa civilização milenar que foi capaz de gestar filosofias com propostas éticas e morais semelhantes às criadas na Grécia antiga e também de uma economia mercantil com mais de três milênios de existência?

Como já sugerido acima, alguns fatores genéticos têm grande poder de explicação acerca do fenômeno. Ao contrário de experiências passadas de “socialismo de mercado” (Hungria, Iugoslávia e Polônia) onde, amiúde a conjuntura política e histórica, tentou-se instituir modelos mercantis em sociedades onde revoluções burguesas foram abortadas e em seguida um processo de refeudalização foi posto em marcha (processo este encerrado com a instalação de democracias populares após a Segunda Guerra Mundial), a China desde seus primórdios civilizacionais, com uma massa camponesa assentada sobre vales férteis rapidamente, dada as boas condições naturais, permitiu a surgimento de uma divisão social do trabalho, ou em outras palavras, do mercado como instituição. Esta tradição comercial pode se fazer sentir tanto na expansão territorial chinesa, quanto nas centenas de expedições feitas pelo mundo por chinesas (diga-se de passagem, os chineses foram os inventores da caravela) entre os séculos 12 e 15.

Tais zonas de pequena produção mercantil (vales do rio Yangtsé e Amarelo), e seu atual desenvolvimento capaz de puxar à frente a locomotiva chinesa (Vale do Yangtse, Xangai e Guangdong) se enquadram perfeitamente na idéia marxiana – já citada – de “via revolucionária” ao capitalismo de transformação em capitalistas não de comerciantes e sim de pequenos produtores (4). Evidente que uma revolução burguesa não ocorreu na China, mas desta constatação, podemos tirar algumas outras conclusões.

De certa forma fica subentendido que Mao Tsétung apoiou-se nos camponeses pobres para levar à cabo a revolução Nacional-Popular que liderou. Agora, fica uma questão grávida de resposta que se relaciona com quais forças sociais pode Deng Xiaoping (5) apoiar-se para levar adiante seu audacioso programa de modernização da China e, partindo deste programa, inclusive poder ter resistido aos ventos contra-revolucionários do final da década de 1980 mantendo a China no mesmo rumo traçado em 1949 e retificado em 1978.


Pequena produção mercantil e socialismo

Ao longo do tempo, das análises e de conversas feitas no Brasil e na China e munidos do referencial teórico e metodológico do materialismo histórico constatamos que a base à um novo processo de acumulação de novo tipo (socialista) (6) iniciada com a política de Reforma e Abertura, está toda uma classe de camponeses médios, com comprovada capacidade de iniciativa empresarial, capacidade esta recriminada desde do período que vai do início da década de 1950 até 1978. A pujança econômica chinesa explica-se muito pela liberação destas energias camponesas esmeradas por séculos de pequena produção mercantil. Não é de se estranhar que mais de 70% dos atuais empresários de nacionalidade chinesa eram camponeses médios em 1978 e que somente na cidade sulista de Shenzen (espelho maior das reformas pós-1978), cerca de 90% dos empresários o eram em 1978 (7).

Em resumo, pode-se auferir, ao caso atual da China é perfeitamente plausível a aplicação da idéia leniniana que relaciona a implantação do socialismo em formações periféricas com a “ressurreição” do espírito empreendedor, a energia e a ousadia empresarial típicas da pequena produção mercantil e que há muito tempo já fora sufocada pelo advento do monopólio (8).


Notas:

(1) Sobre a formação social e cultural do povo chinês e a relação de tal formação com o desenvolvimento do marxismo e do socialismo na região, ler: MAMIGONIAN, A. “As bases naturais e sociais da civilização chinesa”. In, Revista de Geografia Econômica. Dossiê Ásia-China 1. Edição Piloto. Núcleo de Estudos Asiáticos do Depto. de Geociências do CFH-UFSC. Junho de 2007.

(2) MAMIGONIAN, A.: “Desenvolvimento Econômico e Questão Ambiental”. In, Cadernos da VII Semana de Geografia. Universidade Estadual de Maringá. Junho de 1997.

(3) O poder camponês pode-se fazer sentir ainda nos dias de hoje, onde pressões desta camada social têm levado o governo chinês e o Partido Comunista dirigente a centrar fogo em projetos que tem por objetivo reduzir as diferenciações sociais e territoriais do país após quase 30 anos de início da política de Reforma e Abertura. Essa pressão camponesa sobre a superestrutura do país é fator a se levar em conta em análises que tentem contemplar as diferenças entre China e URSS: enquanto o camponês russo sempre fora um servo, o camponês chinês sempre foi um agricultor livre.

(4) Sobre esta forma de transição feudalismo-capitalismo ler artigos de Maurice Dobb em resposta a Paul Sweezy In, A transição do feudalismo para o capitalismo. Paz e Terra , 5° Edição, São Paulo, 2004, 247p.

(5) É mister salientar que Deng Xiaoping valeu-se de sua experiência revolucionária (aos 25 anos já era general do Exército Vermelho) e dirigente (desde o início da década de 1950 era membro do Politburo do PCCh) para colocar a China no rumo que está em nossos dias. Como homem que viveu “por dentro” o século XX pode se basear, e muito, nos erros e acertos de processos como o próprio chinês, mas também o soviético.

(6) Dizemos de novo tipo, pois ao contrário do modelo soviético em que a relação entre campo e cidade - à formação de poupança - era marcada pelo desfavorecimento do campo, as reformas de 1978, inspiradas na NEP de Lênin são caracterizadas pela inversão desta prioridade. Esta inversão de prioridade, no caso chinês, deve-se não somente a fatores econômicos, mas principalmente à fatores de ordem políticos, pois os camponeses, desde 1928, é a base social do PCCh.

(7) WENZHEN, Pen: Entrevista concedida a Elias Jabbour. Comissão de Assuntos Econômicos da Assembléia Popular de Shenzen. Shenzen, Guangdong, 15/10/2006.

(8) Lênin expõe esta posição em meio à polêmica que se seguiu à necessidade de utilização de mecanismos de mercado durante o processo de acumulação primitiva socialista na URSS. Sugerimos a leitura de LÊNIN, V. “Como organizar a emulação?”. In, Obras Escolhidas. Vol. 2 Alfa Omega. São Paulo. 2004. pp. 441-447.





*Elias Jabbour, é Doutorando e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, membro do Conselho Editorial da Revista Princípios e autor de ''China: infra-estruturas e crescimento econômico'' 256 pág. (Anita Garibaldi).


* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
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in VERMELHO -
20 DE FEVEREIRO DE 2008 - 15h56

Reflexões sobre a China: (4) - O “marxismo vulgar” de I. Wallerstein



por Elias Jabbour*

Como ante-sala de uma análise de caso – a China – envolvendo a categoria de formação sócio-espacial, creditamos importante compará-la com outras perspectivas metodológicas, sobretudo as relacionadas a um certo “mundialismo metodológico” incorporado inicialmente pelos teóricos da dependência e atualmente amparada em investigações levadas a cabo por historiadores como Immanuel Wallerstein. A questão que levanto nesta parte 4 das “Reflexões...” pode ser sintetizada da seguinte forma: apesar do modismo em que navegam, até que ponto podemos levar em consideração a historicidade de tais tipos de enfoque metodológico (mundialismo metodológico) em contraposição a uma proposta centrada na categoria de formação sócio-espacial?


O marxismo, seja no Brasil, seja na América Latina, é marcado pela hegemonia de um determinado enfoque teórico-metodológico baseado na idéia central de dependência, que por sua vez, em âmbito mundial, tem na perspectiva do sistema-mundo sua mais bem acabada e difundida teoria. Seu principal teórico, Immanuel Wallerstein, parte da premissa da “externalidade”, o que em curtas palavras significa que o lugar ocupado por determinado país no mundo depende sobremaneira da dinâmica do “sistema-mundo”, que por sua vez (o “sistema-mundo”) tem grande impacto no desenvolvimento interno de cada nação, em detrimento do processo histórico em si, capaz de abarcar com essencialidade a categoria de modo de produção (1). Algo somente possível no âmbito da categoria de formação econômico-social.


Um problema – também – de ortodoxia marxista

Observando, de forma superficial, a lógica da ênfase no “externo” desloca a necessária concentração nas condições internas de cada unidade de análise (formação social) tendo conseqüência direta na impossibilidade de análise da transição e suas fases, análise esta que se constitui no principal objetivo do materialismo histórico (2). Isto por si só torna-se a perspectiva do “sistema-mundo” algo no mínimo tendente a uma síntese a-histórica do processo de reprodução tanto do capital, quanto da gênese e substituição de modos de produção.



Retornando, Wallerstein assenta sua hipótese no desenvolvimento de um sistema capitalista mundializado que nasce e se desenvolve entre os séculos 15 e 17 e se consolida após a revolução russa de 1917. O nível de integração que alcançou este “sistema capitalista mundial” levou o autor a designar o conjunto sistêmico não mais de “economia mundial” e sim “economia-mundo” (3). Isto tem relação direta (fases de desenvolvimento) com uma duvidosa base marxista praticada por Braudel, que em suas periodizações históricas (ciclos históricos) abstraiu, por exemplo os ciclos de curta (Juglar/Marx) e longa duração (Kondratiev). Tal negação dos “ciclos econômicos” pode redundar na própria negação do processo de acumulação ou na pior das hipóteses relacionar tal como fez Wallerstein: confundindo a acumulação capitalista em si com o processo de acumulação primitiva a partir do século 16.

A verdade marxiana elementar demonstra que o processo de acumulação capitalista opera segundo leis intrínsecas do modo de produção capitalista, sendo que o processo de acumulação primitiva, engendrado na Europa a partir do século 16, criou certas condições objetivas à transição ao capitalismo na Europa dominada pelo feudalismo. A diferença entre um caso de acumulação e outro reside no modo de produção em si, pois se a acumulação capitalista é possível somente pela via da apropriação privada do excedente econômico que é síntese de uma forma social de produção, na acumulação primitiva o excedente é via comércio ancorado em diferentes formas de estabelecimento de preços em diferentes modos de produção do mundo integrados pela rotas comerciais, então integradas.

Ao não apreender de forma séria o marxismo, Wallerstein deixa-se levar por uma definição de capitalismo muito genérica sintetizada na idéia de produção para a venda no mercado, em que o objetivo é o lucro máximo. Desta forma Wallerstein aproxima-se muito mais da Economia Política produzida por Adam Smith do que da crítica produzida a ela por Marx. Somente um deslocamento do marxismo – em sua forma radical – em detrimento de uma caduca Economia Política pode servir de base a uma falsa totalidade hegeliana (afinal pode-se vislumbrar o todo mesmo na parte) e da esquematização e estratificação (logo, não observando historicamente o processo de formação e desenvolvimento das nações) do mundo em centro, semi-periferia e periferia, creditando (como nossos teóricos da dependência) que processos autônomos de desenvolvimento só podem existir com “autorização” (ou “convite”) e a serviço dos interesses do centro.

Resumindo, tal perspectiva metodológica (que pressupõe a existência do capitalismo na Europa do século 15!!!) só pode evoluir devido a outro – mais um – deslocamento: o do eixo do capitalismo, da análise do processo produtivo à análise do processo de circulação. Aliás, algo muito conhecido entre nós no Brasil acostumados com as “hegemonias” cepalina, da teoria da dependência, das idéias de Caio Prado, das teorias do subdesenvolvimento e daqueles que não trabalham com a hipótese da existência histórica do feudalismo no Brasil. O que existe em comum em todas elas é a não explicação do dinamismo de países como o Brasil (que chegou a ser a 8° economia do mundo no início da década de 1980) e sim na busca cega por explicações de nosso atraso (4).


Modo de produção e processo

Sob outro campo de observação, ao não perceber (a perspectiva do “sistema mundo”) as especificidades de cada formação social (como o fez Sweezy no debate sobre a transição feudalismo-capitalismo na Europa, ao negar tanto o feudalismo quanto o capitalismo durante a transição), acaba-se por negar, inclusive a própria categoria de modo de produção, categoria central no arcabouço teórico/metodológico do marxismo (5). Eis a essência do circulacionismo e sua ramificação, a perspectiva do “sistema-mundo”.

Crendo na existência de um capitalismo consolidado na Europa pelo menos 200 anos antes da Revolução Puritana, Wallerstein, assim como Sweezy, credita ao capital comercial o principal elo à transição ao capitalismo. Wallerstein vai mais longe ao já perceber na forma comercial um estágio de capitalismo consolidado.

Sendo o processo histórico algo inerente às diferentes formações sociais e não algo que somente pode-se ocorrer no geral, a superficialidade da análise circulacionista e wallersteiniana fica facilmente perceptível ao compararmos com uma típica abordagem que parte da categoria de formação econômico-social (ou formação social ou formação sócio-espacial), como segue nas palavras de M. Dobb, para quem o capital comercial europeu, ao invés de promover o avanço do capitalismo, pode, inclusive retardar seu avanço (6): “Um traço dessa nova burguesia mercantil, que de início se mostra surpreendente e mundial, é a presteza com que tal classe entrou em acordo com a sociedade feudal (...). O grau em que o capital mercantil floresceu num país nesse período não nos proporcionou medida alguma da facilidade e rapidez com que a produção capitalista ia desenvolver-se e em muitos casos sucedeu exatamente o contrário. (...)”(7).

A passagem de Dobb demonstra que a negação da categoria de modo de produção – e em conseqüência do processo como categoria filosófica e angular à compreensão de uma formação social – levou Sweezy a escamotear que o desenvolvimento do capitalismo na Europa ocidental deve-se ao florescimento do modo de produção da pequena produção mercantil, responsável pela transformação de pequenos produtores em capitalistas. Essa forma de transição feudalismo-capitalismo (“via revolucionária”) fora exposta por Marx que a contrapôs a uma outra via, que Lênin denominou de “via prussiana” caracterizada por uma transição capitaneada por uma aliança entre o capital comercial e senhores feudais (Japão e Alemanha, p. ex.) que por sua vez de cima para baixo impõem novas relações sociais (8).

Tal elaboração marxiana, desenvolvida por Lênin é mais uma prova de que é no âmbito da formação social que se deve partir a análise do processo em si, pois sendo o modo de produção uma categoria axial do marxismo, somente é no âmbito da formação social que se pode ser detida na sua singularidade. Caso contrário poderemos chegar à conclusão de que o camponês na Europa ocidental ou na China não passa de um ser a-histórico, sem vida, sem passado nem presente, cujas nações e seu futuro dependem ou das decisões do “centro” do “sistema-mundo” ou de uma ruptura sistêmica em escala mundial...

Por fim e fazendo uma analogia histórica, na mesma medida em que Sweezy passa por cima da observação de processos históricos concretos, daí não observar o desenvolvimento do concreto e suas múltiplas determinações na homogeneidade restrita da Europa Ocidental, Wallerstein e seus discípulos do “sistema-mundo” nunca poderão perceber que a produção e distribuição em diferentes zonas do globo são determinadas pelo nível que se dão as relações homem-natureza, que por seu turno (e independente de variáveis externas) fez surgir de forma precoce modos de produção mediados por mecanismos como o planejamento econômico e territorial datados de mais de 2.000 anos, por exemplo na China. E não utilizar o passado da formação social no deciframento de determinado processo recente é, em última instância, jogar fora o menino junto com a água suja do banho.


O “sistema-mundo” e o socialismo

De um “marxismo sem dialética”, assim como Caio Prado denominou o Brasil como capitalista desde seu descobrimento, o desenrolar teórico de uma premissa circulacionista só pode desembocar na síntese segundo a qual considera-se capitalista qualquer Estado que mantenha relações comerciais na esteira do mercado mundial unificado capitalista, independente das formas de produção internas em cada país. É o supra-sumo da negação do processo como ente histórico/filosófico e, conseqüentemente, da categoria de modo de produção. Desta forma, Wallerstein caracterizou como “capitalistas” (por serem “componentes do sistema-mundo capitalista”), em sua essência, as experiências socialistas, remotas e presentes.

L. Fernandes (1999, p. 144) demonstra os limites teóricos e empíricos desta abordagem – de forma simplificada, porém categórica – a partir da seguinte constatação: “(...) a mais flagrante evidência das limitações das teses que caracterizaram os antigos regimes do Leste como foi (é) dada pela própria crise geral que se instalou nesses países com sua derrocada. Afinal, se essas sociedades já eram capitalistas, por que estão sendo necessárias rupturas políticas, econômicas, sociais e culturais tão profundas e traumáticas para adequar seu desenvolvimento à “normalidade” do mundo capitalista? (...) Basta lembrar que a superação dos regimes nazi-fascistas na Europa do pós-guerra não produziu crise semelhante. Enfim, nos termos da teoria marxista, fica evidente que os países do Leste estão passando por um processo de profunda ruptura sistêmica (grifo do autor), e não de mera transformação superestrutural.”

Segundo Wallerstein: “Assim como não há sistemas feudais, tampouco existem sistemas socialistas na economia-mundo hoje. Só existe um sistema mundial (...) com uma forma capitalista por definição. (...) o socialismo implica na criação de outro tipo de sistema-mundo que não é nem um império-mundo, nem uma economia-mundo capitalista, mas um governo-mundo socialista.” (9).

Mas o próprio autor analisado alerta para o surgimento, pós-1917 de “movimentos anti-sistêmicos” que inclusive chegaram ao poder nacional em muitos países. Porém, o limite deste tipo de movimento que alcança o poder reside em sua própria forma nacional cuja necessidade de desenvolvimento e reprodução acaba, necessariamente, tornando-se fatores de cooptação pelo “sistema-mundo”. Assim, em Wallerstein, assim como para Trotsky, vemos uma base teórica de negação da questão nacional, assim como da não-observância da evidência empírica de que há muito tempo o comércio internacional praticado pelos países socialistas, principalmente a China hoje, dá-se de forma planificada e não como no capitalismo onde também nesse aspecto ainda reina a anarquia da produção. Logo, também no aspecto do comércio internacional, o mesmo deve ser visto a partir de suas múltiplas determinações, inclusive a determinação política.

Obedecendo a uma visão de conjunto e não desprezando o fator “comércio externo” no âmbito do desenvolvimento interno de países como a China, a magnitude de seu mercado interno (ainda não explorado em sua potencialidade) torna aos poucos diminuto o papel estratégico do comércio exterior em seu já citado desenvolvimento interno. No estratégico, conforme o exemplo das relações comerciais chinesas com a periferia, o comércio exterior é variável central, tanto na derrocada da atual estrutura imperialista, quanto da transição capitalismo-socialismo em âmbito mundial.

Na toada do sistema-mundo de Wallerstein e em sua idéia de governo-mundo socialista, nos resta expor que para ele somente uma ruptura global poderá colocar o capitalismo em xeque. Desta forma aproxima-se da perspectiva do filósofo húngaro Istvan Meszáros da necessidade de um movimento social mundial como pré-requisito à derrubada do capitalismo.

O idealismo desta perspectiva de desenvolvimento histórico nos remete, novamente, à negação da centralidade da formação social no processo de transição no âmbito de diferentes modos de produção. Pois, inclusive para Marx, a vitória internacional do socialismo não prescindia da vitória inicial nas formações mais avançadas do mundo, França, Inglaterra e Alemanha. Ainda, desloca-se da lógica marxista, que nos mira a não investigar a forma de funcionamento de uma economia praticada na África Central partindo das mesmas leis que regem o funcionamento da Bolsa de Valores de Nova Iorque e os planos qüinqüenais chineses. A única similaridade nesses casos é o da existência de homens buscando sua reprodução social. Reforçando esta nota é valida a seguinte observação de Engels, para quem: “As condições sob as quais os homens produzem e trocam o que foi produzido variam muito para cada país e, dentro de cada país, de geração para geração. Por isso, a Economia Política não pode ser a mesma para todos os países nem para todas as épocas históricas” (10).

Da mesma maneira que a Economia Política não pode ser a mesma para todos os países, a transição capitalismo-socialismo não é algo possível, cientificamente, fora dos marcos nacionais. Deve-se essa conclusão particular no fato de os ritmos e as transformações se condicionarem (também) à fatores internos de cada formação. Ao abstrairmos ao nível de uma totalidade verdadeira e exata, concluiremos, empiricamente, que na atual quadra histórica somente no “elo débil do imperialismo” é que as transformações qualitativas são possíveis. Transformações tais que devem estar em concorde com as com leis sociais e naturais. Leis estas que fogem da manipulação humana.

Assim poderemos nos sentar sobre teorias científicas – como a teoria do imperialismo de Lênin –, e não em “fórmulas” que estão mais próximas de “becos sem saída” que de necessárias luzes ao futuro do desenvolvimento da teoria revolucionária e da humanidade em conseqüência.


O “convite ao desenvolvimento” feito à China



A ênfase na externalidade em detrimento de um equilíbrio que contemple, na análise, o processo de desenvolvimento da formação social em si mesma, sua relação com o mundo exterior e a síntese do interno e o externo, acrescida de uma visão estratificadora – a até certo ponto despolitizada – das relações entre nações levou, por parte de Wallerstein a elaboração que relaciona desequilíbrios estruturais nas estruturas econômicas do “centro” e o respectivo reordenamento geográfico de cadeias produtivas na busca por uma harmonia entre rebaixamento de custos de produção e ampliação de demanda com o desenvolvimento econômico de países “semi-periféricos” (11), de forma que o ciclo da “economia-mundo” voltasse à sua fase de expansão.

Mas retornando, essa visão determinista do processo de desenvolvimento do capitalismo é que se convencionou nomear a via chinesa de desenvolvimento como um caso de “desenvolvimento à convite” (12), caracterizado pelo beneficiamento da potência dominante, os Estados Unidos, de uma realocação de suas empresas privadas em prol de novos mercados e menores custos de forma que o fantasma da inflação deixe de se tornar uma ameaça de contorno político no horizonte de um país onde a “democracia” é medida de acordo com a capacidade de consumo e endividamento de sua população.

A contestação a esta tese não pode ser feita pela via simplista de sua negação em favor de uma internalidade solitária inerente ao processo, o que redundaria cair na mesma receita reducionista da idéia que se busca refutar. Afinal, em perspectiva histórica, o comércio internacional passou de uma variável quase insignificante na Idade Média (comércio inter-feudal) para variável de alta relevância nos tempos atuais, de forma que a periferia sente os efeitos, em seu próprio processo de desenvolvimento, da atuação dos ciclos de média e larga duração do centro do sistema. Assim, como, por exemplo, com o Brasil (que, entre 1930 e 1980, reagiu ativamente às emissões cíclicas do centro), a forma como determinada nação periférica reagir (ativa ou passivamente) denotará em maior ou menor grau de desenvolvimento. Assim, o atraso ou dinamismo dependem, também, do fator externo. Não se guarda dúvidas disso.

Logo, deve-se reconhecer que geopoliticamente a China foi grande beneficiária da contenda EUA/URSS, num processo que se inicia em 1972 com a visita de Nixon ao país e passa por 1979, momento aquele em que a China obteve dos EUA o tratamento de “nação mais favorecida” e foi classificada como “nação em desenvolvimento” redundando em redução tarifas no âmbito do mercado americano para têxteis e vestuários chineses (13). Todo esse movimento foi de grande relevância ao sucesso de um programa de modernização que se assenta no busca por superávits comerciais que de um lado possibilite a modernização da manufatura do país e por outro uma política de juros atraente ao crédito interno. Enfim, negar tal movimento pode trazer o mesmo prejuízo ao conjunto necessário para se formar uma opinião justa, como, por exemplo, ocorre com muita freqüência no Brasil, onde se condena JK por ter internacionalizado a economia brasileira ao trazer as gigantes automobilísticas ao país, porém poucos se dão conta de que somente com a citada internacionalização é que foi possível a estruturação de uma ampla cadeia industrial nacional de autopeças, transformando o Brasil numa potência no setor. Raciocínio semelhante cabe à China e seu crescente adensamento produtivo nacional.

Sob um variado ângulo de análise, sabe-se que o marxismo só pode alcançar o status de ciência pela solidez de seu método. A máxima de que se é concreto, deve ser investigado sob suas múltiplas determinações serve para alçar ao seu devido lugar a geopolítica do desenvolvimento chinês: trata-se de uma, dentre as varias determinações que compõem o processo.

***

Independente do fator geopolítico e seu peso, ao observador mais atento da história chinesa – não somente do desenvolvimento recente, mas principalmente das partes que formam o conjunto desta nacionalidade – soa um tanto quanto estranho atribuir seu fantástico desempenho em variegados campos a uma conjuntura em que a potência hegemônica instaura um “convite” ao desenvolvimento. Da mesma forma, não é fácil acreditar que Bismarck tivesse “jogado” com o chefe de governo inglês, que de seu turno, “permitiu” que da Alemanha nascesse um novo paradigma tecnológico capaz de deslocar a Inglaterra da dianteira do desenvolvimento tecnológico da época. Ou então, num repente positivista, passaríamos a crer que imigrantes europeus no rumo do nordeste dos EUA ou do Planalto Paulista chegaram nas citadas regiões e ao encontrarem condições propícias para a reprodução do espírito empreendedor do self made man (e implantaram as raízes de clusters industriais competitivos na atualidade) tiveram que, amiúde as condições propícias, aguardar permissões externas à concretização de seus sonhos e anseios...

Nação com mais de 5.000 anos de história corrente, Estado Nacional surgido antes do instituto da propriedade privada, artífice milenar do planejamento econômico, de grandes obras hidráulicas, de grandiosas vilas mercantis e do concurso público como forma de selecionar quadros ao serviço público; lócus de onde surgiram propostas filosóficas de fôlego; vanguardeiros da maior rebelião social, não somente do século 20, mas também de todos os tempos e feita sem mesmo a “permissão” ou o “convite” da toda poderosa URSS e contra todas as premissas de lá importadas e impostas.

Mesmo que se sustente empiricamente a “virtuosidade” (nada mais antidialético do que essa variação semântica) das relações entre EUA e China, de um lado diagnostica-se propostas antagônicas de mundo, ao contrário da Inglaterra e Alemanha no século 19, vê-se formações sociais distintas em todos os aspectos, com exceção do dinamismo da pequena produção mercantil.

Além dos elementos constitutivos da formação chinesa, as Quatro Modernizações (agricultura, industria, ciência e tecnologia e defesa nacional) foram amplificadas por Zhou Enlai ainda no início da década de 1960, portanto muito antes do restabelecimento das relações entre China e EUA. Os contratos de responsabilidade entre o Estado e as famílias camponesas que servira de base à ampliação do mercado interno chinês – pós-1978 –, logo condição objetiva à uma demanda crescente de bens industriais já estavam no horizonte de Deng Xiaoping em 1962 (14) e, mesmo hoje, ao contrário do Japão na década de 1980, a China responde uma por uma das várias investidas norte-americanas, seja no campo da economia (câmbio e qualidade dos produtos) e da política interna (direitos humanos, democracia), política externa (Taiwan e influencia chinesa na África e América Latina).



Ora, antes de uma “virtuosidade” sem fundo histórico e teórico/metodológico, não estaríamos diante de um caso típico de um acúmulo de forças no sentido leninista do termo em que a China, no âmbito de organismos como a ONU e a OMC, deliberadamente busca o isolamento estratégico de seu inimigo estratégico? (15)

Acúmulo de forças este que inclui como instrumento, não espantosamente, o financiamento dos chamados déficits gêmeos do imperialismo, numa ousadia política, que no desenrolar dos acontecimentos será de grande proveito nesta contenda de dimensões históricas lubrificada pela política concreta e imediata, porém devidamente motorizada por uma contínua, longa e inescapável luta-de-classes, algo que ninguém está fora e muito menos passível de se abster. Principalmente os chineses.

Notas:

(1) Sobre as “hegemonias” no âmbito do marxismo brasileiro e na análise de sua formação social ler: VIEIRA, Graciana M. E. D. : Formação social brasileira e Geografia: reflexões sobre um debate interrompido. Dissertação de Mestrado apresentada ao PPGEO/UFSC. 1992. Florianópolis. 1992. .Sobre as premissas de Wallerstein sugerimos: WALLERSTEIN, I.: “The Capitalist World Economy”. In, Essays by Immanuel Wallerstein. Cambridge University Press, 1979

(2) VIEIRA, Graciana M. E. D. : Formação social brasileira e Geografia: reflexões sobre um debate interrompido. Dissertação de Mestrado apresentada ao PPGEO/UFSC. 1992, p. 94.

(3) WALLERSTEIN, I.: “Patterns and Prospectives of the Capitalist World-Economy”. In, The Politics of World Economy. Cambridge University Press, 1974.

(4) Wallerstein, Mauro Marini, Gunter Frank e outros se surpreenderiam caso percebessem o engendramento (no Brasil) de ciclos endógenos de curta duração ainda no seio da fazenda de escravos, prenunciando processos de substituição de importações com mais de um século de antecedência aos de tipo industriais iniciados na primeira metade do século XX .

(5) Idem ao 23, p. 72.

(6) VIEIRA, Graciana M. E. D. : Formação social brasileira e Geografia: reflexões sobre um debate interrompido. Dissertação de Mestrado apresentada ao PPGEO/UFSC. 1992, p. 92.

(7) DOBB, M.: A evolução do capitalismo. Zahar. 1976, p. 155-156. Citado por: Graciana M. E. D. : Formação social brasileira e Geografia: reflexões sobre um debate interrompido. Dissertação de Mestrado apresentada ao PPGEO/UFSC. 1992, p. 92.

(8) Sobre as duas formas de transição, ler: MARX, K. “Considerações históricas sobre o capital comercial”. In, O Capital. Tomo 3, Vol. 6. e LENIN, V. “Prefácio à 2° Edição”. In, El desarrollo del capitalismo em Rusia. Ariel História. Barcelona, 1974.

(9) In, FERNANDES, L. O Enigma do Socialismo Real – Um balanço crítico das principais teorias marxistas e ocidentais. Mauad, 2000, p. 138.

(10) ENGELS, F.: AntiDüring. Paz e Terra. São Paulo, 3ª ed., 1990, p. 127.

(11) Elaboração de forte apelo pela aparência de historicidade que dela procede (tal movimento explica o surgimento em determinados períodos de potências econômicas como a Alemanha e o Japão e até o Brasil, pós-1930), por muito tempo, e ainda hoje, tem expressão no Brasil no pensamento cepalino, que a nosso ver perdeu força com o “milagre brasileiro”, momento este em que tais idéias (segundo Furtado, o “Brasil era um país sem futuro”) foram postas em xeque pela própria dinâmica interna do processo de acumulação em nosso país. Dentre nossos economistas, somente Ignácio Rangel, dada sua sólida formação marxista radical e sofisticação rara entre os marxistas brasileiros, demonstrou fôlego no desmonte das premissas do “dependendismo” e sua face estruturalista/cepalina brasileira.

(12) Sobre os termos, as circunstâncias e os desdobramentos, inclusive no que cerne a uma “intimidade” no campo da finança global deste “convite” ler, WALLERSTEIN, I.: “The U. S. and China: Enemies or Allies?”. Fernand Braudel Center. Birghamton University. 01/03/2000. Disponível em: http://archives.econ.utah.edu/archives/pen-1/2000m04.1/msg00073.htm

(13) MEDEIROS, Carlos Aguiar de: Economia e Política do Desenvolvimento Recente na China. Revista de Economia Política. Vol.19, nº 3, julho-setembro/1999, p. 13.

(14) XIAOPING, D. “Restore agricultural prodution”. In, Selected Works of Deng Xiaoping. Foreign Languages Press, Beijing. 1983, vol 1, pp. 335-340.

(15) Devemos buscar a verdade nos fatos: a China com seu crescente poderio financeiro tem posto fora de ordem as barbaridades praticadas pelos instrumentos geridos pelo imperialismo (FMI, Banco Mundial) pós-Bretton Woods. Até onde se sabe e apesar das contradições inerentes ao processo em si da relação entre a China e muitos países africanos, os chineses não colocam em questão a soberania em matéria de política econômica e de manipulação do orçamento interno de nenhum país africano com quem comercializa ou concede empréstimos. Muito menos “perdoou” as dívidas externas dos países mais pobres do mundo em troca de abertura comercial como propusera recentemente Tony Blair.





*Elias Jabbour, é Doutorando e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, membro do Conselho Editorial da Revista Princípios e autor de ''China: infra-estruturas e crescimento econômico'' 256 pág. (Anita Garibaldi).



* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.

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13 DE FEVEREIRO DE 2008 - 18h44

Reflexões sobre a China: (3) Economia Política + Geografia



por Elias Jabbour*

O pilar de minha pesquisa reside no ponto de encontro entre a Economia Política e a Geografia, mais notadamente entre as categorias nodais da Economia Política com a categoria marxista de Formação Econômico-Social. Desta forma nesta parte 3 ao procurar trilhar os caminhos percorridos pelas disciplinas citadas tento assentar as bases metodológicas da investigação em curso.


Não somente isso: demonstrar, também, que o grande paradigma metodológico - não somente à compreensão da China - das ciências humanas e do marxismo de uma forma geral reside na apreensão e utilização da categoria marxista de Formação Econômica Social. Essa perspectiva – da Formação Econômico-Social – deve ser enfatizada no mesmo grau de proporção que formas generalizantes de método (esquemas circulacionistas, tipo “teoria da dependência”, o “sistema-mundo” de I. Wallerstein e sua pobre ramificação em R. Kurz) ganham corpo e espaço tanto no campo marxista, quanto nas ciências humanas como um todo.

O objeto da Economia Política e seu caráter de classe


Independente da exposição de esquemas e modelos de desenvolvimento é importante proceder, mesmo que de forma inicial, a uma relação entre a Economia Política – e seu objeto de estudo – e a Geografia e uma de suas subtotalidades - a Geografia Econômica. Isto serve a uma melhor compreensão pari passu à consciência de que a própria aplicação de modelos e/ou esquemas deve-se obedecer à lógica do funcionamento da Formação sócio-espacial. Até por que a formação Econômico-social, como construção histórica, pode ser tida e lida como o ponto de encontro entre diferentes ramos das ciências humanas. E isso fica mais clarificado na medida em se chega no nível do específico, como é o caso da China e seu processo recente de desenvolvimento, como veremos mais adiante.


***


O processo econômico é um conjunto de ações humanas que se repetem constantemente. Em condições determinadas, resultantes de um certo desenvolvimento histórico da sociedade, essas ações se repetem de maneira definida, isto é, caracterizam-se por um conjunto de regularidades específicas. Podemos decompor essas regularidades em certos elementos, constituídos por relações repetindo-se constantemente entre as diversas ações ou atividades que compõem essas ações. Tais ações são designadas pelo nome de leis econômicas (1). Tais leis, que podem ser aludidas como as “leis da Economia Política” refletem o caráter regular de processos que se realizam independente da vontade humana. Porém, diferentemente das leis da natureza, que têm caráter duradouro, as leis econômicas têm caráter historicamente definido.


Segundo Stálin, “Aqui, da mesma forma que nas Ciências Naturais, as leis do desenvolvimento econômico são objetivas, refletem os processos do desenvolvimento econômico, que se realizam independente da vontade dos homens. Os homens podem descobrir essas leis, conhecê-las, e, baseando-se nelas utilizá-las no interesse da sociedade, dar outro rumo à ação destruidora de algumas leis, limitar sua esfera de ação, dar livre curso a outras leis que abrem caminho pra adiante; mas não podem destruí-las ou criar novas leis econômicas” (2).


Logo, as leis econômicas: seu caráter, sua objetividade, alcance histórico, modo de ação, relações mútuas e suas conseqüências nas múltiplas determinações do concreto são o objeto de estudo da Economia Política.

O desenvolvimento científico da Economia Política, historicamente, está ligado aos interesses de determinadas classes progressistas. Seu desenvolvimento inicial remonta ao momento histórico em que se verificava na burguesia um reservatório de idéias avançadas. Em primeiro lugar, a Economia Política desenvolveu-se no quadro da superação do feudalismo pelo capitalismo e em associação com a burguesia progressista de então. Na medida em que a oposição capital-trabalho tornou-se a contradição principal – e com o surgimento do imperialismo, esta contradição principal criou um aspecto principal residido nas relações centro-periferia – a ciência em questão tornou-se associada aos interesses da classe operária e dos movimentos de libertação ocupados não somente com a libertação nacional em si, mas com a apreensão dos mecanismos essenciais de planejamento econômico aos seus programas de reconstrução nacional.


Assim, ligando-se ao empreendimento magno da humanidade, o socialismo científico, é que a Economia Política pode se desenvolver, e em compasso com outras ciências, dar maiores contribuições à busca da síntese das relações entre homem e natureza.

O caminho percorrido pela Geografia


Alguma similaridade pode ser encontrada na Geografia com o caminho percorrido pela Economia Política. Isso no que se refere, essencialmente, a um determinado fim de percurso em que ambas áreas do conhecimento passaram a ser influenciadas pelo marxismo, ou ao menos a caminharem ladeadas, pois o marxismo, assim como a Geografia e a Economia Política deve ser visto como uma ciência. Quanto ao método, isso fica a cargo da dialética, as leis gerais que regem o movimento.


Retornando, a tendência a uma postura holística e histórica da Geografia moderna é explicada por sua raiz filosófica comum ao marxismo, a filosofia clássica alemã. Porém diferente do marxismo, que nasce das idéias igualitaristas (típicas das terras comunais) embandeiradas pela burguesia radical no ápice da transição feudalismo-capitalismo, a Geografia surge a serviço do nacionalismo prussiano contra as investidas napoleônicas, sendo assim uma determinação que jogou papel de proa à arrancada alemã no rumo de seu capitalismo tardio (3).


Porém, somente após a Segunda Guerra Mundial é que essas duas correntes hegelianas se encontram. Expressão do grande prestígio alcançado pela vitória da União Soviética na citada guerra, o marxismo passa a pautar o estudo de geógrafos franceses. Em primeiro lugar, na abordagem em termos de gênero de vida e na escala em que foi importante à superação dos limites inerentes a tal noção, foi ganhando campo entre os geógrafos (4). Ao longo de algumas décadas, no âmbito da geografia francesa, o marxismo abriu luz à análise de estruturas objetivas (relações centro-periferia, p. ex.) e lançando mão de categorias analíticas, como por exemplo, imperialismo, colonialismo, forças produtivas, relações de produção, entre outros.

O paradigma das ciências humanas modernas na categoria de Formação Econômico-Social


Nesta explosão de criatividade acadêmica é que a categoria marxista de Formação Econômico-Social (ou Formação Social ou Formação Sócio-Espacial) é resgatada e em Milton Santos é elevada à condição de mais completa e apta categoria com capacidade de elevar qualitativamente o aparato metodológico da Geografia. Este salto permitiu o reencontro com uma Geografia humboldtiana, ou seja, uma ciência do todo e suas relações, mas principalmente, como a Economia Política para Engels, “uma ciência pautada pela matéria histórica” (5).


Marx utilizou de forma muito genérica a categoria de formação social como se vê no Prefácio à Crítica da Economia Política onde emprega esta expressão no mesmo sentido que deu à categoria de sociedade. A expressão e/ou categoria de formação social ganha força na análise estruturalista, porém ainda muito pobre, pois a relaciona sem muito rigor à categoria de modo de produção e que em muitos casos, como freqüentemente pode se observar em Althusser, acaba negando a unidade dialética de continuidade e descontinuidade do tempo histórico. Em oposição à leitura estruturalista, Emilio Sereni aufere que a noção de formação social permite revelar o funcionamento lógico-estrutural e/ou sociológico de uma dada sociedade. Assim, em Sereni a categoria de formação social ganha mais corpo e mais legitimidade epistemológica.


Porém, numa visão particular, é em Milton Santos que essa categoria atinge sua maturidade e ápice como unidade científica, pois para ele, mesmo que a formação social seja intrinsecamente ligada à categoria de modo de produção, ela está ligada à evolução de uma dada sociedade em sua totalidade histórica. Segundo ele (1982, p. 11), “A localização dos homens, das atividades e das coisas no espaço explica-se tanto pelas necessidades externas, aquelas do modo de produção puro, quanto pelas necessidades internas, representadas essencialmente pela estrutura de todas as procuras e a estrutura das classes, isto é, a formação social propriamente dita”.


Pela inclusão da localização dos homens como uma determinação que pode e deve ser abarcada pela categoria de formação social é que Armen Mamigonian (1996, p. 202) nos lembra que M. Santos, “(...) percebeu que formação social e geografia humana não coincidem completamente, menos pelas teorias que embasam aquela categoria marxista e esta área do conhecimento acadêmico do que pela prática indispensável de localização da geografia, nem sempre usada nos estudos de formação social, daí ter proposto a categoria de formação sócio-espacial.”


Daí não somente devermos a M. Santos um estado de maturidade dada a categoria de formação social, mas também a uma contribuição ao desenvolvimento do marxismo de grande vulto. Isso tem grande valia dada uma conjuntura que possibilita a transformação em senso comum de determinados “contrabandos conceituais” de tipo substituição da categoria de imperialismo por “globalização”, ou mesmo, a troca da idéia de “consciência de classe” pela vazia categoria de “cidadania”, que mais serve à perpetuação do atual status quo do que a sua necessária substituição.


Voltando ao cerne, é justamente por ser uma construção histórica (como concreto) é que vemos na categoria de Formação Econômico-Social o fio de Ariadne possibilitador de um estudo que combine Economia Política e Geografia permitindo assim, um verdadeiro salto na contribuição à elaboração de uma Economia Política do socialismo renovada e em condições de ser parte de um todo que envolve os desafios impostos tanto à teoria marxista quanto aos movimentos operários e de libertação nacional deste início de século.

Notas:


(1) LANGE, O.: Moderna Economia Política. Fundo de Cultura. Rio de Janeiro, 1962. p.55.


(2) STÁLIN, J.: Problemas Econômicos do Socialismo na URSS. Anita Garibaldi, 1991. pp. 03-04.


(3) Sobre isto ler: AMARAL PEREIRA, R. M.: Da geografia que se ensina à gênese da geografia moderna. Editora da UFSC, Florianópolis, 3° Edição, 1999, pp. 110 a 114.


(4) Para Max Sorre, gênero de vida, “(...) é uma noção que designa o conjunto mais ou menos coordenado das atividades espirituais e materiais consolidadas pela tradição, graças às quais um grupo humano assegura sua permanência em determinado meio.” In, SORRE, M.: “Fundamentos da geografia humana”. In, MEGALE, J. (org.): Max Sorre. Coleção Grandes Cientistas Sociais. n° 16, Ática, São Paulo, 1984, p. 90.


(5) idem ao 14, p. 221. Sobre a categoria de Formação Econômico-Social ler: SERENI, E. “La categoria de formación económico-social”. In, Cuadernos de Pasado e Presente. n° 39. Córdoba. Siglo XXI, 1976; SANTOS, M. Sociedade e Espaço: a formação social como teoria e como método. Espaço e Sociedade. Vozes, 2° edição. Petrópolis, 1982; MAMIGONIAN, A.: “A geografia e a formação social como teoria e como método”. In, SOUZA, M. A. A. (org.): O mundo do cidadão, o cidadão do mundo. Hucitec. São Paulo, 1996.





*Elias Jabbour, é Doutorando e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, membro do Conselho Editorial da Revista Princípios e autor de ''China: infra-estruturas e crescimento econômico'' 256 pág. (Anita Garibaldi).


* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
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30 DE JANEIRO DE 2008 - 13h16