por Miguel Urbano Rodrigues
Li em 1961, na Guiné Conakri, a tradução francesa da História do Partido Comunista (bolchevique) da URSS, revista e aprovada em 1938 pelo Comité Central do PCUS. Em Portugal, por iniciativa do camarada Carlos Costa, a referida História foi publicada em 2010 [1] com o subtítulo Breve Curso e um prefácio, muito elogioso, de Leandro Martins, então chefe da redação do Avante!. A iniciativa gerou polémica no PCP.
[1] História do Partido Comunista (bolchevique) da URSS , Edição de Para a História do Socialismo, Portugal, Agosto de 2010, 527 páginasOLHARES INCOMPATÍVEIS SOBRE A HISTÓRIA Tenho na minha biblioteca de Gaia a citada História do Partido Comunista (bolchevique), diferentes edições da História da União Soviética, editadas em espanhol pela Editorial Progresso de Moscovo [2] , e a tradução portuguesa da História da Grande Revolução Socialista de Outubro da mesma editora [3] , editada en 1977. A História do PCUS publicada em 1938 e aprovada pelo Comité Central do Partido foi traduzida em 67 línguas e dela foram vendidos mais de 42 milhões de exemplares. Mas, após o XX Congresso, foi retirada das livrarias e bibliotecas soviéticas. Não foi sem uma sensação de mal-estar que decidi expressar a minha opinião sobre essa obra, a da Revolução de Outubro e uma das Histórias da Rússia e da URSS, a elaborada pelos historiadores A. Fadeiev, Bridsov, Chermensky, Golikov e A. Sakharov, membros da Academia das Ciências da União Soviética. Foi editada em espanhol, também pela Progresso, em 1960. Porquê o mal-estar? Por estar consciente da extrema dificuldade de estabelecer fronteiras entre o positivo e o negativo, entre a evocação da História e a deturpação da História que, por vezes no mesmo capítulo, ora coincidem ora se fundem ou cruzam em confusão labiríntica. Na História do Partido Comunista (bolchevique) os primeiros três capítulos são dedicados ao combate pela criação de um partido operário revolucionário (o futuro Partido Operário Social Democrata da Rússia - POSDR, inicialmente marxista), à luta dos bolcheviques contra os mencheviques e à primeira revolução russa (1904/1907). A narrativa é interessante, com destaque para o papel decisivo que Lenin desempenhou nessa fase histórica. Os capítulos 4, 5 e 6 incidem sobre o período que vai da reação stolypiana à Revolução de Fevereiro de 17 que derrubou a autocracia czarista. Uma informação muito rica e inédita para os leitores do Ocidente valoriza essas páginas que iluminam a ascensão e o fortalecimento contínuo do Partido bolchevique e a importância da obra teórica de Lenin como ideólogo. As Teses leninistas de Abril, que implicaram uma viragem decisiva na linha do Partido, merecem atenção especial. Ao exigir "todo o Poder aos Sovietes", Lenin sepultou a ideia da longa duração da revolução democrático-burguesa, mobilizando o Partido e os trabalhadores contra o Governo Provisório da Rússia, esboçando a estratégia da revolução proletária rumo ao socialismo. No capítulo 7 os autores da História do Partido evocam os acontecimentos que precederam a Revolução de Outubro e a preparação desta, com muitas citações de Lenin que facilitam a compreensão das lutas travadas contra o Governo de Kerenski e no próprio Soviete de Petrogrado. Mas a linguagem do livro, a partir do 4º capítulo, dedicado à reação stolypiana no período que precedeu o início da guerra de 1914/18, muda muito e distancia-se do rigor, da serenidade e isenção exigíveis a historiadores responsáveis, como são académicos soviéticos de prestígio mundial como Evgueni Tarlé. Para caracterizar o oportunismo dos mencheviques, dos economicistas, dos empiriocriticistas e denunciar e criticar os erros de Kamenev, Zinoviev, Rikov, Preobrazhensky, Trotsky e demonstrar a sua incompatibilidade com o leninismo, os autores da História do Partido Comunista (bolchevique) da URSS recorrem a uma adjetivação agressiva e insultuosa e deturpam grosseiramente a História. Repetidamente, Stalin começa a aparecer em muitas páginas, sendo-lhe atribuídas decisões e iniciativas importantes numa época em que era ainda um dirigente pouco destacado do Partido, embora próximo de Lenin. Não é verdade que Trotsky tenha aderido ao Partido para o minar por dentro, com o objetivo de o destruir. Kamenev e Zinoviev assumiram nas vésperas da insurreição de Outubro posições que levaram Lenin a qualificá-los de traidores, mas a atitude de Trotsky, que era presidente do Soviete de Petrogrado, não suscitou então qualquer crítica de Lenin. Relativamente às negociações de Brest Litovsk os autores da História do Partido Comunista deturpam também os acontecimentos. Lenin censurou Trotsky, que era o chefe da delegação soviética, por não ter cumprido as instruções para assinar a paz com os alemães, mas nunca chamou traidores a ele e a Bukharin, que assumira uma posição ultraesquerdista, nem a Radek e Piatakov. Afirmam os referidos historiadores que eles formavam um grupo anti bolchevique que travou "no seio do partido uma luta furiosa contra Lenin". É falso que planeavam "prender V.I. Lenin, J.V. Stalin e I.M. Sverdlov, assassiná-los e formar um novo governo de bukharinistas, trotskistas e sociais revolucionários de esquerda". É falso que Trotsky, tendo "como lugar tenentes na luta Kamenev, Zinoviev e Bukharin, tentava "criar ma URSS uma organização politica da nova burguesia, partido da restauração capitalista". A prova de que não tinham agido como conspiradores e traidores foi a nomeação posterior de todos eles para tarefas da maior responsabilidade, precisamente por indicação de Lenin. Trotsky foi Comissário da Defesa durante o período mais dramático da guerra civil e da intervenção militar das potências da Entente, dos EUA e do Japão; Zinoviev assumiu a presidência da III Internacional com a aprovação de Lenin; Bukharin foi chefe da redação do Pravda de l924 a 1929, com o aval de Stalin. No capítulo 9 a deturpação da História prossegue. Ainda em vida de Lenin, Trotsky, durante o debate sobre os Sindicatos e a função da NEP assumiu posições que foram duramente criticadas por Lenin, mas continuou no Politburo com a aprovação deste. Nas páginas dedicadas ao XIII Congresso do Partido, a breve referência à Carta que Lenin, já inválido, lhe dirigiu a 24 de dezembro de 1922, meses antes de sofrer o último e devastador derrame cerebral, omite o conteúdo e significado desse documento fundamental. Os autores da História afirmam que "Nos acordos tomados pelo XIII Congresso foram levadas em conta todas as indicações feitas por Lenin nos seus últimos artigos e cartas". Trata-se de uma indesculpável inverdade. A Carta de Lenin e a adenda do dia 4 de Janeiro de 1923 foram lidas a muitos delegados mas não publicadas. Somente foram publicamente divulgadas na URSS em 1956. Porquê? Nessa Carta Lenin transmitia ao Congresso a sua opinião sobre os mais destacados membros do Comité Central, cuja ampliação ele propunha. A CARTA DE LENIN AO XIII CONGRESSO Pela sua importância transcrevo a seguir excertos da extensa carta de Lenin ao XIII Congresso na qual chamava a atenção para o grave perigo que ameaçava o Partido se não fossem introduzidas alterações na sua estrutura de direção: "O camarada Stalin, tendo chegado a secretário-geral, tem concentrado nas suas mãos um enorme poder, e não estou seguro de que o utilizará sempre com suficiente prudência. Por outro lado, o camarada Trotsky, como já demonstrou a sua luta contra o CC devido ao problema do Comissariado do Povo para as Vias de Comunicação, não se destacou apenas pela sua grande capacidade. Como pessoa, embora seja o homem mais dotado do atual CC, tem demasiada confiança em si mesmo e é excessivamente atraído pelas facetas puramente administrativas das coisas". Esboçava depois em poucas linhas os perfis de Kamenev, Zinoviev, Piatakov, e Tomsky que eram então, com Bukharin, Trotsky, Stalin e ele, membros do Politburo. A Bukharin apontava as fragilidades, mas elogiava-o também muito. Sobre Stalin advertia nessa adenda: "É demasiado brutal e esse defeito, perfeitamente tolerável nas relações entre nós, comunistas, não o é nas funções de secretário-geral. Proponho portanto aos camaradas que estudem uma forma de o transferir e nomear para esse lugar uma outra pessoa que somente tenha em todas as coisas uma única vantagem, a de ser mais tolerante, mais leal, mais educado, e mais atento para com os camaradas, de temperamento menos caprichoso, etc. Essas características podem parecer apenas pormenores, mas pelo que disse antes das relações entre Stalin e Trotsky, não são ínfimos pormenores mas pormenores que podem assumir uma importância decisiva". Contrariando especulações frequentes em historiadores do Ocidente, a hipótese de Trotsky ser nomeado secretário-geral é absurda. A velha guarda do Partido nunca o aceitaria. Há leves discrepâncias entre as traduções em inglês, francês, português e espanhol da Carta de Lenin ao Congresso e da adenda posterior. Mas são irrelevantes. A EPOPEIA DA RECONSTRUÇÃO DA RUSSIA E DA INDUSTRIALIZAÇÃO O capítulo 10 é o melhor do livro. A Rússia saíra arruinada da guerra mundial, da civil e da agressão das potências da Entente. Dezenas de cidades e centenas de aldeias tinham sido destruídas. A produção na agricultura e na indústria caíra para níveis muito inferiores aos de 1913. Durante a catastrófica seca de1921/22 milhões de pessoas morreram de fome. O governo soviético enfrentou tremendos desafios. As fábricas existentes eram obsoletas. Transcrevo da História do Partido: "Era necessário construir toda uma serie de setores industriais desconhecidos na Rússia czarista; construir novas fábricas de máquinas e ferramentas, de automóveis, de produtos químicos e metalúrgicos; organizar uma produção própria de motores e de materiais para a instalação de centrais elétricas; aumentar a extração de metais e carvão, pois assim o exigia a causa do triunfo do socialismo na URSS. Era necessário criar uma nova indústria de guerra, construir novas fábricas de artilharia, de munições, de aviões, de tanques e de metralhadoras, porque assim o exigiam os interesses de defesa da URSS nas condições do cerco imperialista. Era necessário construir fábricas de tratores, fábricas de máquinas agrícolas modernas para abastecer a agricultura, para dar a milhões de pequenos camponeses individuais a possibilidade de passarem à grande produção kolcosiana, porque assim o exigiam os interesses do triunfo do socialismo no campo". Essas tarefas gigantescas exigiam milhares de milhões de rublos. Ora os cofres do Tesouro estavam vazios. Como o Poder soviético havia anulado todas as dívidas a países capitalistas contraídas pela autocracia czarista, o crédito estrangeiro era uma impossibilidade absoluta. Os excedentes da agricultura eram a única fonte a que o Poder soviético podia recorrer. Mas para os obter era indispensável que a agricultura estivesse em condições de os produzir. Um duplo desafio se colocava: empreender a coletivização das terras e modernizar em tempo mínimo a agricultura, dotando os kolkhoses e os sovkhoses (quintas do Estado) de meios técnicos adequados. O Poder Soviético, contra as previsões de Paris, Londres e Washington, que consideravam impossível a sua sobrevivência, ganhou essa batalha épica. Ela coincidiu com intensas lutas internas no Partido (Trotsky foi expulso em 1927 e deportado para o Cazaquistão, Kamenev e Zinoviev também foram expulsos, embora tenham sido posteriormente readmitidos) e exigiu a destruição dos kulaks que tinham enriquecido enormemente durante a NEP. Não há precedentes na História da Humanidade para transformações tão profundas e rápidas como as que então ocorreram na URSS. Em 1926/27 foram investidos na indústria mil milhões de rublos, três anos depois 5 mil milhões. Nesse breve período foram construídas a Central Elétrica do Dnieper, o caminho-de-ferro que ligou o Turquestão à Sibéria, a gigantesca fábrica de tratores de Stalinegrado, a fábrica de automóveis AMO. Em 1928 a superfície dos kolkhoses era de 1 390 000 hectares; em 1929 ultrapassava 4 262 080 hectares e em 1930 15 milhões de hectares. No triénio 1930/33 a indústria cresceu o dobro. Esses êxitos foram porem manchados por graves desvios dos princípios e valores leninistas. Na coletivização das terras não foram apenas os kulaks o alvo da repressão. Ela atingiu também e brutalmente, milhões de pequenos camponeses que resistiram à integração nos kolkhoses. Stalin criticou os "excessos esquerdistas" de quadros do Partido num artigo em que denunciou os "graves erros daqueles que se tinham desviado da linha do Partido" através de medidas de coação administrativa". São obviamente fantasistas as estatísticas forjadas no Ocidente segundo as quais dezenas de milhões de camponeses russos e ucranianos foram mortos no processo de coletivização. Mas é inegável que cabem a Stalin grandes responsabilidades por crimes cometidos nesse período. A História do Partido Comunista (bolchevique) é omissa a esse respeito. As ideias de Lenin sobre a coletivização eram incompatíveis com a política de Stalin para a agricultura e com os métodos a que recorreu num contexto de exacerbada luta dentro do Comité Central. Mas, a minha discordância frontal da estratégia do secretário-geral do PCUS, já investido do enorme poder que Lenin temia e denunciou, não me impede de reconhecer que ele foi um revolucionário excecionalmente dotado que realizou em menos de uma década uma obra colossal. Distancio-me totalmente dos elogios insistentes e ditirâmbicos a Stalin, mas registo que, terminado com êxito antes do prazo o I Plano Quinquenal, a Rússia se transformara de país agrário atrasado, com estruturas medievais, num grande país industrial. Um país em que quase 75% da população adulta era analfabeta tornou-se um país instruído e culto com uma rede impressionante de escolas superiores, secundárias e básicas em que eram ensinadas as línguas de dezenas de nacionalidades que conviviam no espaço soviético do Báltico e do Mar Negro ao Pacífico; o primeiro país do mundo em que o Estado garantia a saúde a educação gratuita a todos os cidadãos. CONCLUSÕES No capítulo das Conclusões os autores da História do Partido (bolchevique) tentam apresentar o regime soviético no final dos anos 30 como a concretização do leninismo. Stalin seria o seu intérprete fiel. O andamento da História demonstrou a falsidade dessa aspiração. Já na época, o culto da personalidade de Stalin era incompatível com o projeto de Lenin. Somente em 1956 no XX Congresso do PCUS foi levantado o tema. Khrushchov, que nunca havia dirigido a mais leve critica ao secretário-geral, esboçou dele um perfil medonho. Posteriormente soube-se que o famoso Relatório ao Congresso estava semeado de informações falsas. Mas o culto da personalidade de Stalin, por ele estimulado, foi uma realidade. A chamada desestalinização não pode esconder que a chegada ao poder de Khrushchov assinalou o início da política revisionista que conduziu à destruição da URSS. Quem enterrou o Socialismo na União Soviética foi Gorbatchov, mas quem abriu a cova foi Khrushchov. SOBRE A HISTÓRIA DA GRANDE REVOLUÇÃO SOCIALISTA DE OUTUBRO A versão portuguesa, publicada em 1977 pela Progresso foi preparada por um grupo de académicos, mas a editora soviética não cita os seus nomes. Pelo estilo, pela linguagem e pelas fontes consultadas (que ocupam 71 páginas no índice) é uma obra muito diferente da História do Partido Comunista (bolchevique) de 1938. As primeiras referências a divergências na fração bolchevique do POSDR aparecem somente nas páginas 152 e 163. Os autores sublinham que Trotsky, Kamenev e Zinoviev não acreditavam na "vitória da revolução socialista na Rússia", Os dois últimos denunciaram mesmo num artigo a preparação da insurreição do 7 de novembro (25 de Outubro no calendário Juliano, ainda vigente) o que levou Lenin a acusá-los de "traidores". A III Parte da História em apreço é dedicada à Edificação do Estado Soviético e a Transformações Revolucionárias no País. Nas 200 páginas que ocupa são frequentes as críticas a Kamenev e Zinoviev e escassas as referencias a Stalin e Trotsky. As críticas a Trotsky surgem a propósito das posições contraditórias que assumiu como chefe da delegação soviética nas negociações de paz de Brest Litovsk com os alemães e os austríacos. Mas a linguagem dessas críticas não é agressiva. Os autores escrevem que "Tal como os comunistas "de esquerda" (então liderados por Bukharin), Trotsky não acreditava na possibilidade de conservar o Poder Soviético sem o apoio das revoluções nos países da Europa ocidental. Lenin tinha dado instruções para assinar o tratado de paz se os alemães apresentassem um ultimato". E Trotsky, como chefe da delegação, ignorou as indicações de Lenin, refugiando-se na fórmula absurda "nem paz nem guerra!" Mas quando os alemães retomaram a ofensiva a 18 de Fevereiro, Trotsky, na reunião de emergência do Comité Central, votou com Lenin pela assinatura imediata do tratado imposto pelos alemães, o que se fez a 3 de Março. Os autores não referem sequer a expulsão de Trotsky do Partido em 1927 e a sua deportação para a Ásia Central. Esse grupo de historiadores são obviamente seguidores disciplinados da linha revisionista adotada pelo PCUS após o XX Congresso. E refletem na sua História um tipo de sectarismo tão condenável como o dos redatores da História do Partido Comunista (bolchevique). A escassez de referências a Trotsky não se justifica. Se é falso que ele tenha sido o cérebro de um plano tenebroso que visaria desmembrar a URSS, entregando o Extremo Oriente aos japoneses e a Ucrânia a Hitler, é indesmentível que o fundador da IV Internacional conspirou permanentemente no exílio contra a União Soviética. UMA HISTÓRIA DA URSS TAMBÉM POLÉMICA A História da URSS preparada pelos cinco membros da Academia das Ciências citados no início deste artigo é também uma obra polémica na qual a deturpação dos acontecimentos históricos reflete o espirito do revisionismo khrushchoviano. É um manual pouco ambicioso destinado à juventude. O título é aliás incorreto porque os autores tentam condensar em quatrocentas e poucas páginas a história dos povos que desde o paleolítico se instalaram ao longo dos séculos no espaço da futura União Soviética. O Capítulo I, de Bridsov e A. Sakharov, é dedicado às comunidades primitivas e ao período da escravidão. No Capítulo II, de Sakharov, o tema é o feudalismo e abrange a fundação do Estado Russo, as invasões mongóis, a desintegração da Horda de Ouro, e finda com o desenvolvimento na Rússia das relações capitalistas. A perspetival marxista não é facilmente identificável nessas páginas que contêm informações muito interessantes, ausentes nos trabalhos de historiadores ocidentais sobre esses períodos. O nome de Stalin aparece pela primeira vez na página 141, incluído numa lista de bolcheviques que lutavam contra os mencheviques. Kamenev é citado na página 202 como líder dos "oportunistas de direita". Bukharin e Preobrazhensky na página 206 como "capituladores". Trotsky é criticado (pág. 212) por "ter violado as instruções do CC do Partido e do governo soviético, negando-se a assinar as condições de paz". A Stalin é atribuído, com Vorochilov, o êxito da vitória sobre Krasnov (pág. 231) em Tsaristsin (futura Stalinegrado). O trotskismo volta a ser citado criticamente na pág. 258. Bukharin e Rykov são qualificados de "grupo anti partido de oportunistas" (pág. 261) Nas páginas dedicadas à coletivização da agricultura a violação dos princípios do Partido é atribuída a funcionários e aos sovietes locais e valorizada como importante a crítica de Stalin a esses desvios. Mas não há referências aos crimes cometidos e à deportarão maciça de camponeses. O Historiador não alude sequer aos processos dos anos 30 que findaram com os fuzilamentos de Kamenev, Zinoviev, Rakovsky, Bukharin, Preobrazhensky e outros velhos bolcheviques. As primeiras referências ao culto da personalidade de Stalin aparecem na página 281. O autor do capítulo afirma que "a idolatria a Stalin infligiu graves danos ao Partido Comunista e à sociedade soviética" e sublinha que os êxitos obtidos pelo Partido e as massas populares foram injustamente atribuídos a Stalin. No capítulo dedicado à II Guerra Mundial salienta-se que Stalin "assumiu a direção militar, económica e politica dom país, concentrando nas suas mãos a plenitude do Poder do Estado" (pág. 287). No Capítulo IV, o académico F. Golikov dedica largo espaço (página 312 e seguintes) ao XX Congresso, informando que nele foi discutido o relatório do primeiro secretário, Khrushchov, sublinhando que "a questão de superar o culto da personalidade de Stalin e as suas consequências" mereceu especial atenção. "O Congresso – escreve Golikov – revelou audaz e sinceramente as faltas e as deficiências no trabalho, resultantes da idolatria a Stalin, sobretudo nos últimos anos da sua vida e atividade. Alheio ao espirito do marxismo-leninismo e à natureza do regime socialista da sociedade, a androlatria travou o desenvolvimento da democracia soviética e impediu o avanço da União Soviética para o comunismo. Mas, ao criticar os "aspetos erróneos da atividade de Stalin" a nova direção do Partido afirma que "como fiel marxista-leninista e firme revolucionário Stalin ocupará o seu devido lugar na História". Na sessão plenária do CC de junho de 1957 salienta-se que "foi derrotado e desmascarado o grupo anti partido integrado por Malenkov, Kaganovitch, Molotov, Bulganin e Shepilov". Seguem-se páginas apologéticas dos extraordinários êxitos que o PCUS sob a direção de Khrushchov estaria alcançando e que permitiriam à URSS "ocupar nos próximos 15 anos o primeiro lugar no mundo tanto quanto ao volume global da produção como à produção per capita. No país será criada a base material e técnica do comunismo". Para mal da humanidade, essa previsão otimista foi desmentida pela História. Pelo estilo e linguagem, no Ensaio em apreço transparece com clareza a mentalidade revisionista que empurrou a URSS para a sua desagregação e a reimplantação na Rússia do capitalismo. É um trabalho que não contribuiu para o prestígio da historiografia soviética. Transcorridas décadas, é minha convicção firme que a História do Partido Comunista (bolchevique) de 1938, a História da Grande Revolução de Outubro e as diferentes Histórias da URSS editadas nos anos 70 deturparam todas, com objetivos opostos, a História real de acontecimentos que deixaram marcas inapagáveis no caminhar da humanidade. É útil recordar que a grande maioria dos historiadores ocidentais, epígonos do capitalismo, longe de contribuírem para iluminar a história real da União Soviética, a deturpam com perversidade para demonizar o marxismo e Lenin. Em vésperas das comemorações do centenário da Revolução de Outubro, sinto a necessidade de afirmar que, não obstante as graves deformações que desnaturaram o projeto de Lenin, o desaparecimento da URSS configurou uma tragédia para a humanidade. A vitória da Revolução Socialista foi o maior acontecimento da História e a sua herança confirma que foi a experiência mais justa e ambiciosa de libertação do homem da sua exploração milenária. [2] História da Grande Revolução Socialista de Outubro, Edições Progresso, Moscovo, 1977, 676 páginas [3] Historia de la URSS (Ensayo), publicada em 1960 pelas Edições Progresso, de Moscovo, 422 páginas Serpa e Vila Nova de Gaia, Setembro e Outubro de 2016 O original encontra-se em www.odiario.info/reflexao-sobre-historias-polemicas-do-pcus/ Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |
"e como que a experiência é a madre das cousas, por ela soubemos radicalmente a verdade" (Duarte Pacheco Pereira)
A Internacional
quarta-feira, novembro 02, 2016
Reflexão sobre histórias polémicas do PCUS, da Revolução de Outubro e da URSS
quinta-feira, agosto 09, 2012
Medvedev anuncia "desestalinização" da Rússia
DOMINGO, 28 DE NOVEMBRO DE 2010
Medvedev anuncia "desestalinização" da Rússia
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O fantasma do Comunismo: Stálin |
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Comemoração do Dia da Vitória sobre o Fascismo conta com a presença de Stálin em São Petersburgo |
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Manifestação comunista na Rússia. Camarada Stálin presente! |
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Cartaz de Stálin decora as ruas na Rússia |
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Milhares de russos marcham na Praça Vermelha no aniversário de Stálin |
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Stálin vive! |
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Milhares de russos homenageiam os 130 anos de Stálin |
sábado, maio 23, 2009
Lênin, Stalin e a questão das nacionalidades
20 DE MAIO DE 2009 - 17h59
Lênin, Stalin e a questão das nacionalidades
por Augusto Buonicore*
Stalin e Lenin em 1919
Dezenas e centenas de milhões de pessoas pertencentes aos povos asiáticos e africanos, que suportavam a opressão nacional na forma mais brutal e mais cruel, ficavam comumente fora do campo visual dos "socialistas". Não se atreviam a colocar no mesmo plano os brancos e os de pele escura, os negros "incultos" e os irlandeses "civilizados", os hindus "atrasados" e os polacos "ilustrados". Ainda que fosse necessário lutar pela emancipação das nacionalidades européias que não gozavam da plenitude dos seus direitos, não seria digno de um "socialista decente" (...) falar a sério da emancipação das colônias "indispensáveis" à "manutenção" da "civilização"."
A principal obra do marxismo-leninismo sobre a questão nacional foi, sem dúvida, o ensaio "O Marxismo e o Problema Nacional", redigido por Stalin entre 1912 e 1913. Sobre esse trabalho pioneiro, Lênin afirmou: "Encontra-se agora entre nós um magnífico georgiano, que escreveu um grande artigo (...), para cujo fim reuniu todos os materiais austríacos e outros". Meses mais tarde, ainda afirmaria: "na literatura doutrinária marxista, os fundamentos do programa nacional da social-democracia já foram analisados ultimamente (aqui se destaca, em primeiro lugar, o artigo de Stalin)". Essas duas citações comprovam que não tem sentido a afirmação de Michael Löwy de que o artigo teria sido "decepcionante aos olhos de Vladimir Ilitch".
Mas, afinal, o que diz o festejado artigo? Stalin começa, justamente, pela definição de nação. Ela não seria, como afirmavam alguns ideólogos de direita, uma comunidade de raças. As nações reais se comporiam de elementos de "tribos" e "raças" diferentes. "A atual nação italiana, afirmava ele, foi formada por etruscos, romanos, germânicos, gregos e árabes etc. A nação francesa foi constituída por gauleses, romanos, bretões, germânicos etc.". Ou seja, ao contrário do que muitos possam pensar, não somente o brasileiro é um povo etnicamente miscigenado. Esse é um fenômeno quase universal. Segundo a ciência moderna, confirmando o marxismo, não existem povos puros nem mesmo raças.
Para Stalin nação seria, antes de tudo, "uma comunidade estável, historicamente formada, de idioma, de território, de vida econômica e de psicologia manifestada na comunidade de cultura" e, conclui peremptório, "nenhum desses traços distintos, tomado isoladamente, é suficiente para definir a nação (...) basta que falte um só desses elementos para que a nação deixe de existir." Esclarece, no entanto, que esses elementos se articulam de maneira diferente na construção de cada nação particular.
Dentro dos critérios apresentados, os judeus europeus no início do século 20 não formariam propriamente uma nação. Eles, na sua grande maioria, já estavam integrados às nações na qual habitavam e com as quais compartilhavam o território, a língua, a vida econômica e até mesmo certa psicologia comuns. Um operário judeu francês pertenceria à nação francesa, a mesma coisa o operário judeu britânico. Possivelmente assim pensava a grande maioria dos judeus europeus antes do avanço da ideologia sionista.
Naquele momento Stalin e os bolcheviques polemizavam contra uma corrente socialista denominada autro-marxista. Um dos seus principais expoentes, Oto Bauer, havia escrito um livro muito influente: "A questão nacional e a social-democracia" (1909). A mais importante obra socialista produzida sobre o tema até então.
Para Bauer a nação seria "um conjunto de homens unidos numa comunidade de caráter à base de uma comunidade de destinos". Essa definição fluída – com uma forte tônica no elemento cultural – leva-o, por exemplo, a definir os judeus espalhados por todo o mundo como povo-nação, pois estariam unificados numa mesma comunidade de destino. Sobre esse ponto específico, contestou Stalin: "que vínculos nacionais podem mediar, por exemplo, entre judeus georgianos, daguestanos, russos e norte-americanos, completamente desligados uns dos outros, que vivem em diferentes territórios e falam distintos idiomas?" e concluiu: "ao identificar a nação com o caráter nacional, separa a nação do terreno que está assentada e a converte numa espécie de força invisível, que se basta a si mesma". Em outras palavras, Bauer escorregaria para posições fortemente idealistas.
Diga-se a favor de Bauer que, em algumas passagens de seu livro, chegou a reconhecer que o capitalismo estava incorporando os judeus às nações já existentes e que o fato de não terem um território e um língua próprios havia contribuído para esse processo de "desnacionalização". Assim, acabou, sem se dar conta disso, aderindo às teses leninistas sobre a questão judaica. Um parêntesis: estranhamente, seria o próprio Stalin uma das principais personalidades a contribuir para a constituição de um Estado judeu na Palestina em 1948, renegando frontalmente o que dizia em 1913.
Para os marxista-leninistas o Estado e a nação são fenômenos sociais distintos. Existiram – e existem - inúmeras nações sem Estado e muitos Estados que abarcam no seu interior várias nações. A indevida inclusão do Estado na definição de nação pode justificar a exclusão dos povos de países dependentes e colonizados e mesmo das minorias nacionais oprimidas. Por fim, os marxista-leninistas definem nacionalidade como um atributo da (condição de pertencer a uma) nação. Ela não é um formalismo jurídico-político.
Nação e movimento nacional
Para Stalin a nação seria uma categoria histórica da época da ascensão das sociedades burguesas modernas na Europa. No caso europeu ocidental, esse processo se deu concomitantemente com a formação dos Estados nacionais. Esse fenômeno se observou em Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Itália e Alemanha. É claro que houve exceções importantes como a Irlanda, nação submetida ao Estado Inglês, e a Polônia, nação submetida ao Estado Czarista.
O que foi uma exceção na Europa ocidental tornou-se quase uma regra no restante do mundo. A tendência na Europa oriental, por exemplo, foi a formação de Estados multinacionais como os Impérios Russo, Austro-Húngaro e Otomano. Isso foi fruto da inexistência de uma revolução burguesa e dos entraves apresentados ao desenvolvimento pleno do capitalismo. As nações submetidas, incorporadas nesses estados multinacionais, chegaram tarde demais para o grande banquete capitalista e colonial.
Assim, escreveu Stalin, "enquanto no Ocidente da Europa nascem Estados puramente nacionais, sem opressão nacional, no Oriente nascem Estados multinacionais com uma nação desenvolvida, à frente, encontrando-se as demais nações, menos desenvolvidas, em submissão política e mais tarde também econômica em relação à nação dominante". Na época imperialista, mesmo o primeiro grupo de países – capitalistas europeus desenvolvidos – "transpõe os limites do Estado Nacional e estende o seu território a expensas dos vizinhos, próximos e distantes", transformando-se em Estados multinacionais e coloniais.
O fato dos irlandeses, bascos, húngaros, tchecos, polacos, croatas, letões, lituanos, ucranianos, georgianos, armênios, curdos, albaneses etc. não terem conseguido se constituir enquanto Estados nacionais não fazem deles nações sem direitos históricos. Para o leninismo todos teriam o direito de lutar pela autonomia nacional. Os povos das nações subjugadas tiveram consciência disso e responderam aos opressores com poderosos movimentos nacionais libertadores no século 20.
A direção da luta nacional nesta primeira etapa – se referindo à Europa oriental e à Ásia pré-capitalistas – caberia a burguesia ascendente, que poderia arrastar o jovem proletariado e os camponeses. A constatação de que a revolução nacional deveria ser, na sua essência, burguesa não deveria conduzir à falsa conclusão "que o proletariado não devia lutar contra a política de opressão das nacionalidades. A restrição da liberdade de movimentos, a privação dos direitos eleitorais, a perseguição ao idioma, a redução das escolas e outras medidas repressivas afetariam os operários em grau não menor, ou maior talvez, que à burguesia."
Ao defender a importância da luta pela independência nacional para o proletariado, ele também alertou para um problema importante. Contraditoriamente, essa política nacionalista podia "desviar a atenção de extensas camadas da população dos problemas sociais, dos problemas da luta de classes (...) para os problemas "comuns" ao proletariado e à burguesia. E isso criaria um terreno favorável às prédicas mentirosas sobre a "harmonia de interesses", ao mesmo tempo serviria para esconder os interesses de classe do proletariado, para escravizar moralmente os operários". E concluiu: "Por isso, precisamente, não podia o proletariado consciente colocar-se sob a bandeira "nacional" da burguesia".
Em outras palavras, a luta nacional não devia servir de véu para mascarar inconciliável luta de classes que existe entre a burguesia e o proletariado. Quando isso acontece, o nacionalismo – de instrumento importante de luta antiimperialista – se torna um elemento de submissão ideológica do proletariado à burguesia. Essas, portanto, são as duas faces do movimento nacionalista.
Como vimos, e isso é central, a consequência lógica (e política) da definição leninista de nação é a defesa intransigente do direito das nações – de todas as nações, pequenas ou grandes - à autodeterminação. Autodeterminação não apenas como a compreendiam os autro-marxistas, sinônimo de autodeterminação cultural. Escreveu Lênin: "por autodeterminação das nações entendemos a sua separação estatal das coletividades nacionais estrangeiras, a formação de um Estado Nacional independente (...) seria errado entender por direito à autodeterminação tudo que não seja o direito à existência estatal separada". Por isso, o leninismo era estruturalmente avesso a todo e qualquer tipo de chauvinismo nacional de fundo burguês e pequeno-burguês.
Embora a definição de nação stalinista esteja no fundamental correta, ela contêm várias lacunas – algumas preenchidas posteriormente e outras não. A primeira delas é a afirmação categórica que a nação se define pela existência, ao mesmo tempo, dos elementos território, unidade econômica, língua, cultura comuns. Sabemos, por exemplo, que quando houve a unificação da nação italiana havia na península várias línguas. Isso aconteceu em muitos outros países. Ou seja, Estado Nacional nasceu antes da unificação lingüística. A língua nacional não foi um elemento a priori e sim uma construção posterior para dar maior consistência a nação e ao Estado.
Não foi sem razão - mas com certo exagero – que, após a unificação italiana, uma dos participantes daquele movimento afirmou: "Nós fizemos a Itália, agora temos que fazer os italianos". Essa frase adaptada poderia servir para uma grande parte dos países, no sentido que o povo-nação plenamente constituído foi fruto da revolução política burguesa e da homogeneização construída pela ação dos Estados nacionais modernos. Mesmo na França e Alemanha do final do século 18 apenas uma parte de população falava uma única e mesma língua – a língua nacional adotada era apenas uma das possibilidades históricas.
Outra imprecisão é a encarar a construção da nação apenas como uma conseqüência lógica do desenvolvimento do capitalismo e que só a burguesia poderia ser vanguarda desse processo. Isso tem sentido se pensarmos no "tempo histórico" que o mundo começava a viver – o da ascensão e expansão do capitalismo. Mas, quando pensamos nos casos concretos as coisas são bem diferentes. Sabemos que muitos países iniciaram seu movimento nacional contra a opressão colonial nos marcos de sociedades pré-capitalistas e tiveram na sua direção elementos ainda feudais. Depois da revolução socialista de outubro de 1917, uma parte das revoluções nacional-libertadoras foi dirigida por correntes comunistas, representando os operários e camponeses pobres.
A maior crítica que atualmente se faz do conceito stalinista de nação é quanto ao seu esquematismo e objetivismo. Destaca-se nessa crítica Benedict Anderson, que resgata Bauer ao definir as nações modernas enquanto comunidades imaginárias e o historiador Eric Hobsbawn que as entende como criações culturais e classistas. Contudo, foge aos objetivos desse breve artigo tratar das contribuições originais desses autores marxistas contemporâneos.
Michael Löwy afirmou que "uma nação não pode ser definida tendo apenas como base critérios abstratos, externos e "objetivos". A dimensão subjetiva, ou seja, a consciência de uma identidade nacional, a vitalidade da cultura nacional, e existência de um político nacional, também são importantes". Isso é correto, contudo a nação também não pode ser conseqüência da auto-definição de uma comunidade dada. Por outro lado, esses aspectos subjetivos (elementos psicológicos e culturais) também estavam presentes na definição de Stalin.
A formação da URSS
Logo após a revolução russa de fevereiro de 1917, os bolcheviques, conseqüentes com seu programa, afirmaram que "era preciso outorgar aos povos oprimidos, que faziam parte da Rússia, o direito de decidirem eles mesmos a questão de se desejam continuar dentro do Estado russo ou se querem sair dele e constituir-se em Estados independentes". Na questão do direito dos povos-nações à autodeterminação, os revolucionários russos operaram uma verdadeira revolução teórica e política no movimento socialista.
Lênin foi duramente criticado pelos direitistas chauvinistas e por setores esquerdistas ditos internacionalistas de estar procurando, de um lado, dividir a nação e, de outro, dividir os trabalhadores em interesses nacionais mesquinhos. Retrucou irônico o líder bolchevique: "Acusar os partidários da liberdade de autodeterminação, isto é, da liberdade de separação, de estimular o separatismo é tão absurdo e hipócrita como acusar os partidários da liberdade do divórcio de estimular a destruição dos laços familiares". Continuou ele: "Posso reconhecer a uma nação o direito da separação, mas isso não significa que a obrigue a separar-se. O povo tem o direito a separar-se, mas pode, segundo seja a situação, não usar desse direito".
Ele se voltou, principalmente, contra o chauvinismo, ideologia tipicamente burguesa e que influenciava elementos de seu próprio partido: "O real significado de classe da hostilidade liberal em relação aos princípios da autodeterminação política das nações é um só: o nacional-liberalismo, a salvaguardar os privilégios estatais da burguesia grã-russa". Os bolcheviques deveriam evitar ceder "aos preconceitos nacionalistas" dos que reconheciam a sua nação como "exemplar", a única com o privilégio histórico de se edificar enquanto Estado nacional. Nisso residia o chauvinismo de todas as nações opressoras, pequenas ou grandes.
Sabemos que mesmo nações dominadas pelo imperialismo podem exercer opressão sobre as minorias nacionais que vivem sob o seu próprio território. Recusam para elas o que reivindicam para si. Caso típico é a opressão imposta às nações indígenas na América Latina.
Contudo, a situação não seria tão fácil de ser resolvida no vasto império russo que se desfazia aos golpes de uma profunda revolução popular e socialista. O direito à separação deveria ser respeitado, mas a unidade das jovens repúblicas soviéticas que se formavam a partir da dissolução do império russo se tornava uma necessidade para própria sobrevivência delas. A destruição da República dos Conselhos da Hungria (1919) representou um alerta para todos. Divididas numa miríade de pequenos estados socialistas elas ficavam fragilizadas diante da pressão política, econômica, ideológica e, principalmente, militar do imperialismo unificado.
Escreveu Stalin, em 1921, nos estertores da guerra civil e da ocupação estrangeira que quase pôs fim à experiência soviética: "A existência isolada das diferentes Repúblicas Soviéticas é instável e insegura, porque sua existência se encontra ameaçada pelos Estados capitalistas. Os interesses comuns da defesa das Repúblicas Soviéticas (...) impõe a necessidade da união estatal das diferentes Repúblicas Soviéticas como única via de salvação diante da escravidão imperialista e da opressão nacional".
Como resposta a essa situação nova, em dezembro de 1922, foi constituída a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Ela inicialmente incluiu quatro repúblicas: a federação Russa, a federação trans-caucasiana e as repúblicas socialistas da Ucrânia e Bielo-Rússia. A elas iriam se agregar várias outras repúblicas ao longo das décadas que se seguiram. Essa foi uma grande obra de engenharia estatal e social que, com altos e baixos, sobreviveu por cerca de setenta anos.
Lênin, no final da vida, definiria alguns aspectos da política das nacionalidades de Stalin, especialmente no tratamento aos georgianos, como chauvinista grão-russo. Para ele era preciso distinguir claramente o nacionalismo das nações opressoras (a Rússia) e o nacionalismo das nações oprimidas (a Geórgia). Fato que, às vezes, Stalin parecia não compreender. O chauvinismo grão-russo, por razões militares, reapareceu com força durante a 2ª Guerra Mundial. A dissolução da URSS no início da década de 1990 deve nos levar a refletir seriamente sobre as virtudes e vicissitudes daquela experiência histórica.
Ver também os artigos:
O marxismo e a questão colonial e racial (1ª parte):
O marxismo e a questão colonial e racial (2ª parte):
Bibliografia:
Balakrishnan, Gopa – Um mapa da questão nacional, Ed. Contraponto, RJ, 1996
Cherstobitov, V. – URSS: Solução da questão nacional, Ed. Progresso, Moscou, 1987
Hobsbawn, Eric J. – Nações e nacionalismo desde 1780, Ed. Paz e Terra, RJ, 2002
Lênin, V.I. – Sobre o direito das nações à autodeterminação, Ed. Avante!, Lisboa, 1978
Löwy, Michael – Nacionalismo e internacionalismo, Ed. Xamã, S.P., 2000
Marx, K. - El colonialismo, Grijaldo, México, DF, 1970.
Pinsky, Jaime (org.) - Questão nacional e marxismo, Brasiliense, SP, 1980.
Stalin, J. – O marxismo e o problema nacional e colonial, Ed. Ciências Humanas, S.P., 1979.
*Augusto Buonicore, Historiador, mestre em ciência política pela Unicamp
* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
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