A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sexta-feira, dezembro 27, 2013

As manifestações atípicas ainda estão “dentro dos limites” da democracia

 

Portugal estará em 2014 mais vulnerável a episódios de agitação social, diz um estudo internacional. Politólogos consideram que a contestação deste ano ainda está “controlada” por ser organizada por sindicatos.
A Assembleia da República foi este ano palco de inúmeros protestos inéditos MIGUEL MANSO

Depois das grandoladas, dos sucessivos desacatos nas galerias do Parlamento, da ocupação das escadarias até à porta da Assembleia da República, do braço-de-ferro para atravessar a ponte 25 de Abril, da invasão dos ministérios, 2014 poderá trazer ainda mais protestos.
A previsão é do Economist Intelligence Unit (EIU), um think tankindependente do grupo da revista Economist que se dedica à pesquisa, previsão e análise económica, que coloca Portugal no grupo dos países com “alto risco” de agitação social no próximo ano, quando há cinco anos tinha uma classificação de “risco moderado”.
De um total de 150 países analisados, Portugal está entre os 46 em que o risco de existirem tumultos e protestos em 2014 é alto, havendo depois 19 Estados com “muito alto risco” de terem protestos problemáticos nas ruas.
Na Primavera de 2009, quando os analistas do EIU fizeram a anterior edição do estudo com os mesmos países, Portugal estava no grupo dos que tinham um risco moderado de instabilidade política e social. Mas a realidade portuguesa era também muito diferente nessa altura. Estava-se em ano de eleições - europeias em Maio, legislativas em Setembro e autárquicas em Outubro -, houve aumentos para a função pública e no salário mínimo, e o país observava com alguma distância as consequências da crise do subprime nos Estados Unidos. A crise da Zona Euro só começaria no final de 2009.
Agora, tal como Portugal, há mais 18 países nos grupos de alto risco, que já contam com 65 Estados. O Médio Oriente, Norte de África, Europa do Sul e os Balcãs estarão “particularmente vulneráveis”, aponta o estudo.
De acordo com Laza Kekic, do EIU, ainda que os problemas económicos sejam sempre um pré-requisito para os protestos, não explicam toda a explosão da contestação. “A redução nos rendimentos e a alta taxa de desemprego nem sempre resultam em agitação social. Só quando os problemas económicos são acompanhados por outros elementos de vulnerabilidade há um alto risco de instabilidade. Tais factores incluem uma grande desigualdade nos rendimentos, um governo fraco, baixos níveis de apoio social, tensões étnicas e um historial de violência e desordem pública. Recentemente, a faísca para os tumultos tem sido a erosão da confiança nos governos e nas instituições: a crise da democracia”, afirma a Economist citando Laza Kekic.
"Encenações e happenings"?
Portugal assistiu este ano a um aumento de acções de protesto atípicas, como as grandoladas e as invasões de ministérios, mas sem detenções ou episódios de violência como em 2012. O que demonstra, segundo o politólogo José Adelino Maltês, que os protestos são “encenações e happenings” organizados com o intuito de aparecerem nas notícias, e que ainda estão “dentro dos limites da democracia”. Portugal viveu um ano “extremamente cordato” numa “teatrocracia”, onde impera a “estética neo-realista” e que mostra que “a democracia está forte”.

Disso são exemplos as manifestações onde “não há sinais de insurreição”, as supostas “invasões de ministérios” que foram, afinal “ocupações controladas, planeadas com antecedência, numa espécie de blitzkrieg da CGTP para dizer que tem força e capacidade de mobilização”, considera Adelino Maltês. Outro caso é o do braço-de-ferro entre o Governo e a central sindical liderada por Arménio Carlos, que insistiu em fazer uma manifestação atravessando a Ponte 25 de Abril e que acabou por a desconvocar e substituir por uma concentração em Alcântara.
António Costa Pinto, investigador do Instituto de Ciências Sociais, considera que a imaginação demonstrada na variedade dos protestos advém da multiplicidade de cidadãos atingidos pelas medidas de austeridade. Além disso, “há segmentos da sociedade para quem os instrumentos tradicionais de protestos já não são eficazes”. Por exemplo: como é que um desempregado pode fazer greve? Daí o recurso a métodos alternativos como a invasão de ministérios, que serviu para dar voz, durante umas horas, às reivindicações específicas dos enfermeiros que não queriam sair da entrada do Ministério da Saúde.
Ausência de extremistas organizados
Não há mais casos como o da invasão da escadaria do Parlamento, na manifestação das forças de segurança, em que aparentemente a situação quase saiu do controlo, porque os protestos são organizados pelos sindicatos e não por grupos radicais. “Quanto maior for o enquadramento dos protestos pelo movimento sindical, menor é a violência”, defende António Costa Pinto, investigador do Instituto de Ciências Sociais. “Temos uma extrema-esquerda que não tem representação, e não há fascistas suficientemente organizados para conseguirem fazer uma manifestação”, acrescenta Adelino Maltês.

Porém, enquanto Adelino Maltês desvaloriza a importância da voz de Mário Soares, que nos dois encontros da Aula Magna avisava que vem aí violência e que a culpa é do Governo e de Cavaco Silva, Costa Pinto considera que ter um antigo chefe de Estado a falar assim, “dá alguma cobertura para acções eventualmente violentas”.
Na Primavera, além dos deputados, do primeiro-ministro e do ministro Paulo Portas no Parlamento, também diversos ministros como Miguel Relvas, Paulo Macedo ou Paula Teixeira da Cruz foram brindados com a canção Grândola, Vila Morena entoada em várias ocasiões.
A 26 de Novembro, depois da manifestação contra a aprovação do Orçamento do Estado para 2014, grupos de sindicalistas da CGTP invadiram, à tarde, os ministérios das Finanças, Saúde, Educação e Ambiente, exigindo reuniões com os ministros sobre medidas de cortes sectoriais. Só alguns foram atendidos. Os protestos nas galerias do Parlamento deram origem a 60 autos até ao início de Dezembro, como o PÚBLICO noticiou, mas apenas se conhece um processo contra um cidadão de Leiria, já que o Ministério Público não revela o que fez aos autos.
De acordo com os dados mais recentes da Direcção Nacional da PSP, de Janeiro até 4 de Novembro foram contabilizadas 1477 manifestações por todo o país, sendo mais de metade em Lisboa (843) – com o destino principal a ser a AR -, 191 no Porto e 69 em Setúbal. Este valor representa quase metade das 3012 manifestações do ano passado contabilizadas pelo Relatório Anual de Segurança Interna.

quinta-feira, dezembro 12, 2013

Manuel Loff - Violência ?

OPINIÃO

Violência? (I)

A resistência tem-se feito sem violência física! E a direita é a primeira a não se conformar com a sua ausência. Porquê?
A polémica está aí: aproxima-se um ciclo de violência social em Portugal? Ou de violência é já feito o nosso quotidiano desde há, pelo menos, os três anos do protetorado da troika? Haverá entre nós uma cultura da violência que propicie a sua expressão sociopolítica nos próximos tempos?
Aquilo que estamos a viver e o pavoroso processo de degradação da democracia têm pouco ou nada a ver com tudo quanto foi a nossa história recente, desde que, pelo menos, a Constituição entrou em vigor. Não é preciso estarmos radicalmente contra a receita que nos prescrevem (mas a que não se submetem aqueles que prescrevem) para perceber esta natureza diferente do que nos está a acontecer. É a própria ministra Maria Luís dos Swaps que apresenta o OE como produto daexcecionalidade em que vivemos.
Já aqui o escrevi várias vezes: não estamos face a uma simples viragem de política económica, nem a uma mera reforma do Estado. O que se está a fazer em Portugal é uma mudança de regime! Ela decorre do austeritarismo que nos impõe este Governo e nos começaram a impor os três anteriores, escorados, desde 2011, numa troika que ninguém elegeu e que ninguém submete a controlo democrático. Os vencedores das últimas quatro eleições não levaram a votos nenhuma destas medidas, escudando-se, uma vez chegados ao poder, na excecionalidade. Essa é a regra de qualquer ditadura: em nome do que os governantes definem como o bem comum, toda a norma se auto-justifica pela sua origem num sistema de decisão que não tem – aliás: não deve! (cf. Salazar e apureza da decisão) – que consultar os dominados, muito menos ratificar qualquer coisa que eles próprios não saberiam entender. Os súbditos de semelhantes regimes são tratados como pacientes que não entendem o diagnóstico do que sofrem, muito menos entenderão a cura! É o que anda por aí a pregar João César das Neves, essa pobre e lutadora “voz da consciência”, “merecendo insulto e agressão”, que se confronta com um povo para quem “revelar a realidade é intolerável”. Neves é outro dos intelectuais orgânicos da direita para quem a democracia em que vivíamos era uma ilusão, que há que substituir pelo realismo – e um realismo moral: “Portugal viveu décadas de grandezas a crédito, que só podia acabar numa crise terrível. Agora, quando a inelutabilidade da dívida nos apanhou, inventamos novas ilusões para nos eximirmos às responsabilidades e justificarmos a raiva contra os cortes inevitáveis.” É isso mesmo: você, que não se chama Oliveira e Costa, Dias Loureiro ou Alberto João, por exemplo, andou, admita-o!, a viver de “grandeza a crédito” e quer agora fugir com o rabo à seringa, e “justificar” a sua “raiva” com “novas ilusões” – por exemplo, renegociar a dívida, querer saber se é legítima toda ela, querer que a pague quem a contraiu. “E ai de quem desmascarar essas tolices!”, “esta fantasia, em que todo o aparelho político-mediático anda apostado desde então”, esta “magna operação de desinformação”, escreve o profeta da Universidade Católica (DN, 25.11.2013). Neves não é um qualquer ministro (chegará o dia...) a dizer-nos que é “excecional” o que se nos impõe, que tudo pode até ser reversível quando nos voltarmos a portar bem. Ele quer convencer-nos da nossa culpa coletiva: fomos nós e só nós a correr para o precipício!
Perante semelhante manipulação e inversão dos fatores da história recente da economia e das relações sociais em Portugal (quem decretou a entrada no euro?, quem liberalizou as transações financeiras e a circulação de capitais?, quem fechou os olhos a todas as trapaças da banca?, quem privatizou tudo o que pôde e substituiu empresas públicas por PPP ruinosas?, quem congelou, e depois degradou, salários e empurrou assalariados ao crédito?, quem disse depois que isso era prosperidade?), é de admirar que a “raiva” (Neves dixit) tome conta de quem se vê esbulhado, hostilizado, empobrecido, angustiado, e, ainda por cima, responsabilizado por tudo isto?...
A direita, ou pelo menos os intelectuais orgânicos que por ela fazem o serviço de soltar nos media o que a maioria dos governantes ainda se não atreve a verbalizar, está há anos à espera da violência dos resistentes e dos inconformados; não precisa que Mário Soares ou Helena Roseta a invoquem, advertindo da sua eventualidade. A direita sabe bem das consequências sociais do que anda a fazer e surpreende-se (e não só ela) da ausência de violência física nas manifestações e nas greves desde que começou a mais intensa (desde 1975) fase de mobilização social em que os portugueses se envolveram, começada ainda em pleno Governo Sócrates. Anda à espera das montras partidas, dos polícias agredidos, de assaltos a supermercados, quem sabe se de algum atentado. Anda há meses a gritar que “vem aí o lobo!” Veja-se a reação patética da presidente da Assembleia, que comparou com nazis os manifestantes indignados nas bancadas do público que interromperam uma votação; veja-se os disparates daqueles que acharam que grandolar Relvas, Passos ou Crato era pôr em causa a liberdade de expressão (excluída, claro está, a expressão no Diário da República...).
Essa é a realidade, surpreendente ou não: a resistência tem-se feito sem violência física! E a direita é a primeira a não se conformar com a sua ausência. Porquê?
 

OPINIÃO

Violência? (II)

A morte de Nelson Mandela trouxe de novo à ribalta o debate sobre a legitimidade da violência como forma de resistência perante a injustiça, a opressão. Não creio ser preciso retomar os exemplos da desavergonhada hipocrisia que por aí vai (Cavaco, Durão Barroso, Cameron e tutti quanti) relativamente ao homem que, em 1964, explicara porque se “sentira moralmente obrigado” a recorrer à violência contra o apartheid perante o tribunal que o condenaria a prisão perpétua. Bastará reler o que ele então disse: “A dura realidade era que a única coisa que o povo africano tinha conseguido depois de 50 anos de não violência era uma legislação cada vez mais repressiva e direitos cada vez mais mitigados. Nesse momento, a violência já se tinha convertido, de facto, num elemento caraterístico da cena política sul-africana”, porque decorria do próprio sistema de “supremacia branca”. “Cheguei à conclusão de que a violência era, neste país, inevitável, seria pouco realista continuar a pregar a paz e a não violênci
O que Helena Roseta disse há dias atrás, no chamado Encontro das Esquerdas da Aula Magna, não é muito diferente: "Quando um povo é privado dos seus direitos e de uma forma violenta se vê privado dos seus meios de subsistência e se vê privado do direito a uma vida decente em todas as idades – em particular na idade mais idosa –, quando isso acontece, toda a doutrina, incluindo a doutrina social da igreja, diz que nesses casos a violência é legítima para pôr cobro à violência" (Negócios online, 22.11.2013). Onde está, afinal, a surpresa? Um dos documentos fundadores da modernidade política e do Estado liberal, a Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, não dizia já em 1789, no seu artigo III, que um dos “direitos naturais e imprescritíveis do homem” era o da “resistência à opressão”?

Não sei se Roseta pensa que é iminente em Portugal a irrupção da violência por motivos sociais, praticada por quem é vítima desta vastíssima operação de expropriação dos assalariados e dos mais pobres que estamos a viver. Pessoalmente, não estou convencido que assim seja. Nem convencido, nem desejoso – nem ela o estará. A violência dos oprimidos coloca-os, antes de mais, à mercê do imenso poder opressivo do Estado (vale a pena recordar o que hoje sabemos sobre o controlo e a vigilância totalitárias a que estamos sujeitos por parte dos serviços de informação?) e dos ricos que dispõem de dinheiro para pagarem a quem, dentro ou fora do Estado, consiga replicar a violência que este pode praticar. Por outro lado, a degradação moral que é intrínseca à violência física, e que raramente incomoda algum dos opressores que a ela recorre, é o primeiro dos fatores de divisão dos oprimidos. Foi sempre assim na história portuguesa desde o séc. XIX: enquanto as direitas raramente hesitaram em recorrer à violência contra a mudança, as esquerdas dividiram-se perante a utilidade, a finalidade e a legitimidade desta. Se é certo que a ditadura caiu em 1974 pela força militar, é sintomático que tal tenha acontecido sem derramamento de sangue (salvo o dos assassinados pela PIDE no próprio dia 25 de abril). E é identicamente revelador que em todo o processo revolucionário português tenham morrido 16 pessoas por motivos políticos, quase todos assassinados pela extrema-direita bombista – contra quase 591 na tão modelar transição democrática espanhola, quase 200 dos quais, segundo Mariano Sánchez (La Transición Sangrienta, Península), vítimas de violência “organizada, animada ou instrumentalizada pelas instituições do Estado”. Não digo que sejamos uma sociedade imune à violência, nada disso. Digo é que ela não tem, desde há muito tempo, sustentação social representativa no terreno sociopolítico.

Estou, sim, convencido que vivemos uma mudança de regime que não precisa (ainda...) de carros armados nas ruas e esquadrilhas aéreas a sobrevoar cidades. Mas a violência está aí, contamina todo o nosso quotidiano. A violência que exerce o patrão sobre o trabalhador, impondo-lhe regras não negociadas, ameaçando-o de desemprego, ainda por cima respaldado por um governo que descreve o processo como “flexibilidade laboral”. A do banco sobre o devedor, o mesmo banco que esbanjou fortunas em aventuras offshorianas para alguns dos seus acionistas, que abriu um buraco negro de proporções cósmicas na nossa economia que está a ser pago por quem sofre cortes salariais que ajudam a tornar impossível pagar dívidas. A violência do ministro que decreta e a do deputado que aprova o empobrecimento dos assalariados e o agravamento da miséria daquele a quem esta violência já despojou do emprego. Ou a violência, muito mais direta, do polícia sobre o manifestante (até mesmo quando ele é outro polícia...) – ou julgar-se-á, por acaso, que todas estas não são formas de violência?

A direita bem pode fingir que anda à espera da violência nas ruas. O que ela procura esconder é que a violência já cá está há muito tempo. E não é da responsabilidade de nenhum manifestante.

http://www.publico.pt/politica/noticia/violencia-ii-1615952

"Os hospitais desesperam para se verem livres dos doentes que lhes dão prejuízo"

ENTREVISTA

"Os hospitais desesperam para se verem livres dos doentes que lhes dão prejuízo"

O Ministério da Saúde tem de alterar o modelo de financiamento que está a obrigar os hospitais públicos a fazerem “desnatação de doentes”, defende o bastonário da Ordem dos Médicos, o único candidato ao cargo nas eleições desta quinta-feira.
No primeiro mandato como bastonário da Ordem dos Médicos (OM), José Manuel Silva, 54 anos, protagonizou várias polémicas e alternou entre elogios e críticas ao ministro da Saúde. Agora que candidata a um segundo mandato, sem adversários (só há corrida eleitoral nos conselhos regionais do Centro e do Sul, com dois candidatos cada), o especialista em Medicina Interna defende que Paulo Macedo é o ministro “mais qualificado” deste Governo, ao mesmo tempo que afirma que ele está mais preocupado em cortar do que em reformar.
Resultado? José Manuel Silva, que dá aulas na Faculdade de Medicina de Coimbra, onde se formou, conclui que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) está a “perder qualidade”, que há uma “clara desmotivação dos profissionais” e que os serviços estão a funcionar com “constrangimentos dramáticos”. Dá o exemplo do serviço de urgência do Hospital de Aveiro, onde recentemente viu “39 doentes em macas, alguns há três dias, à espera de cama”.
Quando venceu as últimas eleições, enunciou, no seu discurso de tomada de posse, uma série de compromissos, um dos quais era o da revisão dos estatutos da Ordem, que permitirá acelerar a resposta às queixas dos cidadãos.
Era a questão primeira. O processo de revisão dos estatutos está concluído, elaboramos uma proposta que foi apresentada em Fevereiro ao Ministério da Saúde. Isto é essencial. Temos só cinco elementos nos conselhos disciplinares regionais. Nos novos estatutos está previsto o aumento do número de elementos e são eleitos suplentes,  portanto as decisões da Ordem vão ser muito mais ágeis. Nós temos a consciência de que os atrasos dão muito má imagem [da instituição].

Há médicos condenados em tribunal, por crimes graves, que continuam a exercer. A OM não pode fazer nada nestas situações?
O problema é que também temos o inverso. Há decisões da Ordem impugnadas em tribunal. Dou-lhe o exemplo de um médico que foi condenado a suspensão, por pedofilia [abuso sexual de menores],  mas recorreu para o tribunal administrativo e esse processo está a marinar há três anos.

As pessoas fazem cada vez mais queixas à Ordem?
Sim, mas a esmagadora maioria são queixas sem consistência, sem prova possível. E temos tomado decisões. No último Conselho Nacional de Disciplina decidimos mais uma expulsão. Estamos empenhados em separar o trigo do joio e absolutamente determinados em demonstrar que as nossas decisões de auto-regulação disciplinar não são corporativas. Só que podemos decidir rapidamente sobre questões técnicas mas não sobre decisões que impliquem uma investigação judicial, como por exemplo as fraudes no circuito do medicamento e com receitas.  Vamos ter que esperar que as sentenças transitem em julgado. Em todos estes casos, os médicos  também correm o risco de expulsão. Não queremos pessoas fraudulentas dentro da classe. Agora, se o tribunal ilibar as pessoas não podemos aplicar-lhe uma pena, elas recorrem.

Mas uma coisa é o crime, outra coisa é a deontologia.
Sim, aliás foi exactamente por isso que um psiquiatra do Porto [acusado de violação de uma doente]  foi condenado a expulsão.

No seu discurso de tomada de posse, também dizia que queria criar a figura de provedor do doente. O que é que aconteceu?
Acabamos por não criar essa figura porque achamos que quem se devia assumir como provedor do doente era a própria OM e o bastonário. Temos tido uma associação muito próxima com as associações de doentes.

Quais são as suas prioridades para os próximos três anos?
Defini três grandes linhas de actuação, uma das quais é lançar o debate sobre a proletarização dos médicos e do SNS. Estamos a ter cada vez mais uma medicina a duas velocidades, uma para os ricos e outra para os pobres. Outra passa por alterar a contratualização/financiamento dos cuidados de saúde, que está a distorcer o SNS, a obrigar os hospitais a fazer desnatação de doentes. Também pretendo avaliar as condições de exercício da medicina e a qualidade em todo o continente e ilhas.

O problema central é o do financiamento?
O financiamento hospitalar é absolutamente deficiente. Temos uma situação caricata. Temos uma directiva transfronteiriça que permite a um doente do Algarve ir tratar-se a Berlim, mas há legislação interna que proíbe a um doente do Algarve ir tratar-se a Lisboa. Neste momento as fronteiras internas são mais inultrapassáveis do que as europeias. Está tudo errado porque os hospitais desesperam para se verem livres dos doentes que lhes dão prejuízo. Não se pode financiar doentes cirúrgicos todos pelos mesmo valor [seja qual for o custo que implicam de facto]. Não mexer nesta questão é uma das maiores manchas deste ministério. São situações perversas e paradoxais relativamente às quais não se tem tomado qualquer medida efectiva.

Por que razão é que acha que o ministro Paulo Macedo não altera esta situação?
Porque tem prevalecido a preocupação de cortar e não de reformar. Já basta. Já temos uma despesaper capita muito abaixo da média da OCDE, uma comparticipação directa dos cidadãos para as despesas em saúde muito acima da média da OCDE e os nossos indicadores de saúde já estão a sofrer, por exemplo com o aumento da taxa de mortalidade infantil.

Tem elogiado o actual ministro da Saúde mas, ao mesmo tempo, diz  que ele sofre de uma obsessão financeira.
Tenho uma boa impressão do ministro da Saúde e das suas qualidades técnicas e humanas. Considero até que é o ministro mais qualificado do Governo. Outra questão são as medidas que toma. Não posso deixar de reconhecer que há duas medidas muito positivas – a redução do preço dos medicamentos e o combate à fraude e corrupção na saúde – mas, depois, há outras questões que obviamente criticamos, como o facto de a reforma dos cuidados de saúde primários estar em banho-maria, a contratualização na saúde não existir e não haver uma avaliação de  base para se definir a reforma hospitalar em Portugal.

Está a falar da concentração e do encerramento de serviços hospitalares?
Isso não é reforma. Concentrar serviços  é o que qualquer merceeiro faz. É preciso, primeiro, saber o que é que o país necessita e aonde. Só depois disso é que se pode fazer a reforma hospitalar.

Mas o ministro já pediu estudos sobre a reforma da rede hospitalar a uma série de entidades e de especialistas.
Porque é que será que ainda não fez a reforma? Porque se calhar os estudos estão todos mal feitos.

Como avalia o estado do Serviço Nacional de Saúde, depois dos sucessivos cortes?
Os cortes continuam, até para além daquilo que é recomendado pela troika. Há centenas de jovens especialistas a serem contratados, mas há muitas dificuldades, por exemplo nas urgências que são o espelho do SNS. No Hospital de Aveiro, que visitei recentemente, vi 39 doentes em macas, alguns há três dias, à espera de cama. O Serviço de Medicina Interna chega a ter uma taxa de ocupação superior a 200% (quando deveria ser de 85%), o que é um sinal de péssima qualidade. Agora, a culpa é do conselho de administração? Não. Obrigaram-no a encerrar camas em Estarreja e em Águeda…

Isso significa que o SNS piorou?
O SNS está a funcionar com um claro comprometimento da qualidade. Estamos a perder qualidade no SNS, que está a ser decapitado do topo da carreira. Centenas de médicos reformaram-se antecipadamente. Amputar a hierarquia é uma das piores vilanias que se podem fazer ao SNS. Abriram 130 vagas para assistentes graduados seniores, quando seriam necessárias vinte vezes mais. Há uma clara desmotivação dos profissionais de saúde e constrangimentos dramáticos no funcionamento dos serviços. Depois, o que acontece é como no futebol: mesmo que os jogadores sejam muito bons, a equipa perde.

Tinha dito no seu discurso de tomada de posse que o bastonário da OM não podia correr o risco de se transformar numa espécie de comentador desportivo da saúde.
Isso foi antes de rebentar a crise actual. A crise caiu-nos em cima, o que me obrigou a uma intervenção muito distinta.
 
Os médicos perderam um pouco do prestígio que tinham?
Acho que não, mantêm o prestígio, mas neste momento há muito mais médicos, há mais acessibilidade, o que é bom.

Mas a Ordem não se tem cansado de repetir que estão a ser formados médicos a mais em Portugal.
Dizemos isso com base em dados técnicos. Há um estudo que estima que podemos ter nove mil médicos a mais, até 2025.

Esses médicos podem emigrar, como acontece noutras profissões.
Já estão a fazê-lo. Fazem-no por terem no estrangeiro melhores perspectivas de desenvolvimento e realização profissional, o que está comprometido em Portugal porque os cortes na saúde estão a impedir o acesso à tecnologia e à medicação inovadora. É preciso que entre o Ministério da Saúde e as câmaras municipais se criem medidas de discriminação positiva para fixar médicos no interior do país, de forma a não termos este paradoxo de formar profissionais a mais e haver zonas onde há falta de médicos porque eles emigram.

O que seria, para si, uma boa votação nestas eleições?
O que me deixaria satisfeito seria ter mais votos do que na eleição de há três anos, em valor absoluto [teve cerca de  3700 votos ].

Mas isso é menos do que 10% do universo dos médicos portugueses.
Sim, haverá cerca de 45 mil inscritos na Ordem.

No primeiro mandato, enfrentou oposição interna, quando o parecer sobre o racionamento de medicamentos, depois de ter sido criticado por si, foi considerado equilibrado pelo Conselho de Ética da OM, que até se demitiu.
Não quero voltar a essa polémica. São águas passadas. Foi nomeado um novo conselho de ética e no último número da revista da OM está publicado um novo parecer.

Recentemente foi acusados pelos deputados da Comissão Parlamentar de Saúde de ter usado expressões grosseiras num editorial a propósito da lei sobre as terapêuticas não convencionais. Vai pedir-lhes desculpa, como eles reclamam?
Não, eles é que deviam pedir desculpa aos portugueses pela forma como a medicina tradicional chinesa foi aprovada.
 

quarta-feira, dezembro 11, 2013

Quando Soares dos Santos se põe a pensar

Daniel Oliveira

8:00 Quarta feira, 11 de dezembro de 2013



 Não há banqueiro e retalhista que não bote faladura sobre o futuro do país, que não dê conselhos a governantes e que não faça profundas análises socioeconómicas, sempre num tom categórico de quem se dirige a um bando de incapazes. Os jornalistas e os políticos, que têm uma profunda admiração pelos seus extratos bancários e pelas oportunidades de carreira que eles podem oferecer, ou que são apenas deslumbrados, bebem as suas palavras. E muito portugueses, que confundem sucesso com sabedoria, também.

Um dos empresários mais ouvido é Alexandre Soares dos Santos. E é aquele que, sem qualquer dúvida, se atira mais facilmente para fora de pé. É que saber vender iogurtes de pedaços, bacalhau demolhado da Noruega e champôs anticaspa não nos dá obrigatoriamente habilitações culturais e políticas fora do comum. Mesmo quando destinamos parte do dinheiro conseguido com a venda de Oreos e rolos Renova ao financiamento de fundações para propaganda ideológica.
Ultimamente, Soares dos Santos deu mais algumas entrevistas. Uma delas foi ao "Jornal de Negócios". E a sensação do leitor que tenha a escolaridade obrigatória roçará a vergonha alheia. Minto se disser que não aprendi nada. Fiquei a saber que a dieta portuguesa, ao contrário da polaca, é péssima para o negócio, porque "é peixe grelhado, é peixe grelhado, não variamos nada". Lendo o resto da entrevista, percebemos que era sobre isto, e apenas sobre isto, que Soares dos Santos deveria falar. Mas não. O merceeiro, com o mesmíssimo direito que assiste a qualquer cidadão, mas com uma reverência de todos que claramente não lhe é merecida, pelo menos quando fala dos assuntos da governação, vai muito mais longe. Fala da história de Portugal e do seu futuro, da economia, da política, da sociedade. Vou concentrar-me apenas em poucos temas, porque a entrevista de cinco página é exaustiva e duma densidade que merece uma análise mais cuidada.
Como sabemos, Portugal está sem rumo. Há mesmo quem considere que se perdeu. Apesar de reconhecer que está quase tudo melhor do que antes do 25 de novembro (o 25 de abril foi apenas "uma revolução comunista"), Soares dos Santos consegue encontrar a origem de todos os nossos problemas: termos descolonizado Angola. "Devíamos ter descolonizado Cabo Verde, São Tomé, Guiné, Moçambique, talvez, e nunca Angola. Os laços de carinho, de afeto, entre Angola e Portugal eram reais. (...) Devíamos ter feito uma associação qualquer. Uma confederação. Porque não? O que não se estudou foi nada." E Soares dos Santos, do alto do estudo que desenvolveu sobre os assuntos ultramarinos, considera que esta foi "a principal escolha do passado que determinou o presente atual", o que obrigou Portugal a entrar para a União Europeia. Portugal poderia, portanto, continuar orgulhosamente só, com uma colónia em África. Angolanos, vizinhos africanos, europeus, URSS, EUA, ninguém nos maçaria, porque quem não se consegue livrar da troika livra-se, com toda a facilidade, do mundo inteiro. A nossa salvação seria conseguirmos ser hoje o único país do planeta com uma colónia de grande dimensão. Pena que ninguém tenha estudado o suficiente para o perceber.
Da mesma fora que a soberania de Angola nada lhe diz, também dispensaria a nossa. Aliás, acha que "andamos a perder tempo a falar de soberania". "Não me importo de perder a minha soberania se, em troca, me derem alguma coisa melhor", diz o empresário que acha que a soberania é dele e que se troca como um vale de descontos. O seu pensamento sobre a democracia não é muito diferente. "Não vamos a parte nenhuma com eleições. Porque o nosso problema é dinheiro. Somos tesos e estamos falidos. Temos de unir a Nação [a tal que não precisa de soberania para nada] toda dentro do mesmo programa." Explica que o que nos falta é "método, disciplina e uma democracia musculada." É verdade que, um pouco antes, Soares dos Santos queixa-se que Portugal "detesta o debate e não quer discutir nada", mas agora afirma: "Não podemos discutir muito. É assim, é assim, toca para a frente". Venha portanto uma democracia musculada, porque as eleições não nos levam a lado nenhum, que toque para a frente um programa único, discutido mas pouco, para uma Nação que não quer ser soberana mas que ainda devia ter Angola. Perante tanto tema para reflexão, fica apenas um humilde apelo, no que suponho serei acompanhado por muitos portugueses insensíveis aos dramas comerciais de Soares dos Santos: que o programa único não inclua a ilegalização do peixe grelhado.
Uma das poucas utilidades destas entrevistas indigentes é retirar a patine de respeitabilidade democrática e intelectual a uma determinada elite económica. Percebemos como é anacrónica, provinciana e incrivelmente inculta. O drama é que é ela, e não aqueles que criaram empresas inovadoras e baseadas no conhecimento e na investigação, que apostaram na mão de obra qualificada e em acrescentar valor ao que produzem, que mais influência tem junto do poder político e mediático. É esta pequena elite de vendedores a retalho e bancários de luxo que se confunde com o poder político, o influencia e vive a sonhar com um passado perdido. E é este, e não a perda de Angola e o excesso de peixe grelhado, o drama histórico de Portugal: temos uma elite dominante que sempre foi pior do que o resto do país.
Mas a entrevista não acaba aqui. Outro dos problemas detetado por Soares dos Santos é a falta de lideranças e de quadros. Isso nota-se nas empresas e na política. E ele sabe porquê. Por causa do enorme fluxo migratório do passado. O dos anos 60? Não, que disparate. O de 1974 e 1975. "A nossa crise também vem de que em 1974-75 houve uma geração de portugueses que se foi embora. E essa geração de portugueses levou crianças e essas crianças não voltaram. Voltaram os pais, na maioria dos casos, mas as crianças cresceram e ficaram lá fora. Isso dá com que haja um "gap" de uma geração. E, parecendo que não, o "gap" desse geração encontra-se nas empresas, na política - porque na política é notório, não é? (...) Que estão a ser substituídos atualmente por jovens com muito pouca experiência. E isso vem a afetar em muito."
Por acaso os números dizem que a emigração caiu brutalmente do início dos anos 70 (sobretudo depois de 72/73) até ao início dos anos 80 (continuando ainda em queda até ao início dos anos 90). Por razões internas - a qualidade de vida melhorou muito - e por razões externas - começou uma crise petrolífera. Temos, desde os anos 30, o primeiro saldo migratório positivo (largamente positivo) durante a década de 70. Se há problema que não tivemos nesse período, em contraste com a década anterior, foi o da emigração. É por isso difícil acompanhar o raciocínio de Alexandre Soares dos Santos. Mas compreendemos se entrarmos na sua cabeça. E percebemos que o seu olhar sobre Portugal é marcado pelo que observa no seu minúsculo e hermético mundo, onde, de facto, muita gente saiu do país logo depois da "revolução comunista". E percebemos qual é o problema de procurar respostas para a nossa situação junto de pessoas com uma cultura política e uma experiência social tão limitadas. É que nascendo o seu conhecimento político exclusivamente da sua experiência (e não de leituras ou de atividade cívica) e sendo a sua experiência socialmente tão restrita, ele fala dum país onde habitam uns poucos milhares de pessoas. É essa ignorância sobre o país onde vive, que o fez pensar que Portugal tinha ficado deserto em 1974, que o faz hoje acreditar que não há fome, porque as famílias tratam disso. "O problema é grave, mas não é tão grave". Só achamos que sim porque "hoje, em Portugal, tudo é político, tudo vai para a televisão, tudo aparece como uma desgraça completa".
Imagino que Alexandre Soares dos Santos será um génio do retalho. Mas, não há como dizer isto duma forma simpática depois de ler esta entrevista, é um analfabeto político. Não tem mal. Cada um cultiva-se nos assuntos que lhe interessa. O que é preocupante é serem analfabetos políticos a determinarem, em grande parte, a promoção de futuros governantes, de estrelas da academia e de fazedores de opinião. A decidirem, através da pressão que vão exercendo, o futuro do país. Se, como democrata, me oponho à ideia de ver o poder económico a mandar no poder político, isso ainda me assusta mais quando me apercebo do calibre intelectual e cultural de quem detém, em Portugal, esse poder económico. Serei, nesta matéria, um snob. Tentarei corrigir esse defeito. Só que ler as entrevistas de Soares dos Santos não me ajuda nada a encontrar o caminho da virtude.




Quem é Soares dos Santos

Dinheiro

Quem é Soares dos Santos, o milionário discreto

25-09-2013

Após anunciar que ia deixar a presidência da Jerónimo Martins, conheça o perfil do empresário que não usa computador


Por nome do jornalista a bold



Tinha acabado de alugar um apartamento em Londres para onde tencionava mudar-se enquanto não terminassem as sessões de radioterapia. O cancro na próstata estava controlado e Alexandre Soares dos Santos não esperava a nova surpresa: desta vez tinham-lhe descoberto um problema nas artérias, que o obrigava a ser internado e operado ao coração num hospital britânico. Teve de ficar mais tempo. Quando regressou a Portugal, tentou uma fusão com Belmiro de Azevedo: o dono do Continente foi visitá-lo a casa, mas não houve acordo. Não seria o último problema de saúde do presidente de conselho de administração da Jerónimo Martins. 



Em 2005 repetiu a experiência de final dos anos 90: foi internado e operado em Inglaterra, novamente devido a problemas cardíacos. Já em Portugal, dividia o tempo de repouso entre a casa de Lisboa e a Quinta da Parreira, em Ourém – um convento recuperado, com azulejos do século XVII e uma capela, em que é tradição casar os filhos. E tentava entreter-se a ver sessões do Canal Parlamento na televisão de casa. “Ficava horrorizado. Então é para aquilo que se reúnem?”, disse em entrevista ao ‘Jornal de Negócios’. Os problemas de saúde foram uma surpresa: apesar de não dispensar a cozinha tradicional portuguesa (como o bacalhau com couves no Natal) e de gostar de bons vinhos, Soares dos Santos evitava gorduras. Tinha motivos para ser cuidadoso: o pai, Elísio Alexandre dos Santos, teve um ataque cardíaco fulminante no Brasil, em 1967 – morreu num quarto de hotel em São Paulo, durante uma visita ao filho, então director de marketing da filial brasileirada Unilever. Soares dos Santos tinha 33 anos quando decidiu regressar a Portugal para tomar conta dos negócios da família. “Foi um dos momentos mais marcantes da minha vida” disse, em 2006, à revista interna da empresa ‘A Nossa Gente’. 



Agora, o anúncio da saída de Soares dos Santos da Jerónimo Martins foi feito aos colaboradores precisamente no dia em que o empresário celebrou 79 anos. “A Jerónimo Martins SGPS, S.A. divulga que, em 23 de Setembro de 2013, Elísio Alexandre Soares dos Santos informou que renuncia a partir do dia 1 de Novembro de 2013, por razões pessoais, ao cargo de presidente do conselho de administração da sociedade”, diz o comunicado enviado à CMVM, um documento onde os trabalhadores manifestam a “mais profunda gratidão pela visão estratégica e ousadia com que construiu, ao longo dos últimos 45 anos, o que a Jerónimo Martins é hoje”.



 O filho Pedro, à frente da JM desde 2010, fala polaco



Em 2011 entrou directamente para a 512.ªposição da lista de milionários da ‘Forbes’. De acordo com a revista norte-americana tinha na altura uma fortuna avaliada em 1,63 mil milhões de euros e era o segundo homem mais rico de Portugal, depois de Américo Amorim. Em 2010, o patrão da Jerónimo Martins, dona da cadeia de supermercados Pingo Doce, aumentou a sua fortuna em 52% – mais de metade dos lucros foram conseguidos na Polónia. Mas enquanto não deixa o cargo, continua a chegar às 8h30 à empresa e não gosta de luxos: o único que se lhe conhece é um Jaguar que comprou nos anos 90 e ainda mantém. 



A pontualidade é uma das suas regras. Por isso, na Jerónimo Martins, as reuniões raramente começam à hora marcada. Soares dos Santos faz questão de dar início às conversas 15 minutos antes do previsto. Não tem motivos para se atrasar: vive na Rua das Amoreiras, a 500metros da sede da empresa, na Torre 3 de um dos mais antigos centros comerciais de Lisboa. E vai muitas vezes a pé para o trabalho. Na secretária do seu gabinete, no 9.º piso do edifício, os papéis estão divididos por áreas e organizados por níveis de urgência. O gestor tem um endereço de email, mas não usa computador – é a secretária que lhe entrega os documentos já impressos. Quando precisa de responder escreve à mão ou dita textos às assistentes.

Jardim Gonçalves ajudou a empresa a escapa à falência


Atrás da secretária do seu gabinete há um mapa do Porto, a cidade onde nasceu e estudou nos primeiros anos de escola, no colégio interno Almeida Garrett, onde se repetiam as refeições com feijão. “Nessa altura, o médico dentista Joaquim Sá Carneiro, amigo do seu pai, era uma das pessoas que o visitava”, recorda o amigo Artur Santos Silva. O médico era tio de Francisco Sá Carneiro, colega do jovem Elísio – primeiro nome do gestor, que assina E. Alexandre Soares dos Santos. 



E pelo menos uma coisa mudou na sua vida: durante anos não comeu feijão. Também nunca fumou charutos, foi fã de carros americanos ou deu festas na casa Banzão, como fazia o pai. Pelo contrário, detesta vida social, o seu hobby é a família e faz questão de se manter discreto. Mas frequentou o curso que o pai sempre quis tirar e só não seguiu porque não tinha dinheiro. Alexandre fez os dois primeiros anos de Direito na Universidade de Lisboa mas, no terceiro ano, chumbou à cadeira dada por Marcello Caetano. Foi nessa altura que trocou a faculdade por um estágio na Unilever. 



Meses antes de se casar com Maria Teresa Mendes da Silveira e Castro, mudou-se para um quarto alugado na Alemanha e começou a trabalhar como vendedor– passou cinco meses a vender margarina e teve que carregar caixotes. O pai, que também tinha começado a carreira a importar barras de margarina que vendia em pacotes de quilo, não gostou. Não deixaram de se falar, mas tinham uma relação tensa. Depois da Alemanha, Soares dos Santos trabalhou na Irlanda, em França e em São Paulo. Mas foi no Brasil que teve o primeiro cargo de responsabilidade, como director de marketing– liderou a campanha do Omo, o primeiro detergente a aparecer numa novela brasileira, ‘O Direito de Nascer’, na TVTupi.
Com Sócrates a relação é fria: Soares dos Santos acusou-o de mentir


Cinco anos depois de regressar a Portugal esteve quase a acrescentar um quinto país à sua experiência internacional: no Natal de 1973 discutiu com a mulher a possibilidade de se mudarem para Luanda – Teresa acompanhou-o em todas as viagens e nunca trabalhou. Ficou cá, mas, com a guerra colonial, teve de transferir 100 trabalhadores para a colónia de férias da Praia das Maçãs. Os filhos habituaram-se às mudanças: Teresa, uma das sete filhas, nasceu em São Paulo. Em Portugal, no 25 de Abril de 1974, Soares dos Santos só teve uma ameaça de ocupação: os sindicatos apresentaram um pedido de aumento salarial de dois contos com um prazo de 24 horas para responder. O empresário cedeu. 



Nos anos 80, o império da família multiplicou-se: comprou 170 lojas e criou a cadeia Pingo Doce – o nome foi sugerido por uma funcionária que já se reformou. Mas também teve operações falhadas: entrou no Brasil em 1995 e saiu em 2002, depois de vários anos de resultados negativos – os administradores deixaram de receber bónus e de poder trocar de carro e os salários dos funcionários foram cortados. Nessa altura, Soares dos Santos reuniu a sós no BCP com Jardim Gonçalves, que lhe concedeu um empréstimo e o salvou da falência. O gestor gosta de pessoas ambiciosas. Durante uma entrevista de emprego (encarregava-se directamente de escolher os funcionários e alguns estagiários), perguntou ao candidato qual era a sua ambição na empresa. “A sua cadeira”, apontou o candidato. Foi imediatamente contratado, conta o amigo José Roquette, da Herdade do Esporão. 



Para diversificar os investimentos viajou pela Roménia, “uma bagunça”, pela Rússia, onde “a lei está ao sabor de uns senhores...”, Ucrânia e Polónia, cujos hotéis e restaurantes detestava. Em 1995 abriu uma loja em Poznan e em 1997 comprou a Biedronka, cadeia de minimercados. Estratégia: “A Polónia estava a sair do domínio soviético, as habitações tinham em média 10 metros quadrados por pessoa, não havia despensas e às vezes nem frigoríficos. Por isso, o ritmo de compras era quase diário e as pequenas lojas, espalhadas pelo país, deram resultado”, explica fonte do sector. Hoje, a Jerónimo Martins é o segundo maior empregador da Polónia, depois do Estado. 



Na inauguração da milésima loja no país, um dos quadros da empresa saiu do hospital só para estar presente na inauguração: tinha tido um ataque cardíaco há uma semana e voltou a ser internado depois do evento. Soares dos Santos sabe apenas algumas palavras da língua, mas o filho fala polaco e todos os quadros portugueses no país tiveram quatro meses de aulas. Os primeiros colaboradores a ir para a Polónia parecem ter gostado demais do país: o número de divórcios disparou. E se há coisas de que Soares dos Santos não abdica é dos fins-de-semana com os sete filhos, perto de 20 netos e já alguns bisnetos. Por isso, a segunda vaga a ir para a Polónia passou a ser acompanhada pela família. Não foi o único problema: quando instalaram o sistema informático perderam-se preços, atrasaram-se pagamentos e houve quebras de stocks. Perderam quase um milhão de euros.
Sempre que pode assiste a uma revista à portuguesa


Soares dos Santos não gosta de computadores, mas fala muito ao telemóvel e responde a SMS. Em 2008, durante a paralisação dos camionistas, usou a agenda: “Para ter a GNR a controlar um comboio de 84 camiões tive de deitar mão a tudo o que tinha de conhecimentos”, contou à agência Lusa. Teve 30 carros danificados, um queimado e quatro fábricas paradas. Vinte anos antes tinha sido surpreendido pelo incêndio do Chiado. Foi para a sede da empresa, na RuaIvens, mais cedo do que o normal. Chegou às 7h e distribuiu os produtos que se iam estragar pelos bombeiros, antes de a loja arder.
“Disse para retirarmos tudo o que estivesse nos frigoríficos. Comecei a ver pessoal a sair com caixotes debaixo do braço e a comer gelados, enquanto o Chiado ardia”, contou Vitorino Bandarra, um dos bombeiros presentes. O empresário estava em Portugal, mas podia não estar: Soares dos Santos divide as férias pela Quinta do Lago – duas semanas – e pelas estâncias de esqui da Suíça. Mas, aqui, só acompanha a família, não pratica. E também não tem paciência para passar o dia na praia: quando levava os filhos para uma casa alugada na Ericeira fechava -se numa barraca de praia a ler. Apesar de discreto, não foge a uma boa polémica. 



No início de 2011 disparou contra José Sócrates. “Não vale a pena continuarmos a mentir”, disse ao primeiro-ministro acusando-o de não reconhecer que o País está em recessão. “Truques é para o Sócrates. Aqui [na Jerónimo Martins] há planos, estratégias muito bem definidas e implementadas com muito rigor”, acusou. “Não basta ser rico para ser bem-educado”, respondeu-lhe Sócrates. Soares dos Santos tem exemplos para contra atacar. Em Miami foi surpreendido por um médico que lhe entregou um questionário de avaliação, para dizer se o especialista tinha chegado a horas, estava bem apresentado e explicou bem o diagnóstico. Em declarações ao ‘Diário Económico’ disse: “Isso é totalmente impossível em Portugal.”
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domingo, dezembro 08, 2013

Soares dos Santos deseja acordo entre PS e PSD para dez anos

 'Patrão' da Jerónimo Martins defende que o bem do país passa por um consenso prolongado pós junho de 2014, data prevista para o fim do programa de ajustamento.
Raquel Pinto



"Daqui a sete meses, o que eu gostaria de ver era um acordo entre o PS e o PSD a dez anos, que nunca mudasse". O desejo é de Alexandre Soares dos Santos, declarado numa entrevista ao programa Estado da Nação da TSF/Diário de Notícias.
Um consenso prolongado "não deve olhar para as próximas eleições", segundo o presidente da Jerónimo Martins, mas ter como meta a "recuperação" do país.
E avisa para o problema das candidaturas independentes, mesmo nas autarquias são "negativas" a médio prazo, tem que existir "disciplina". "Os partidos não estão a ver o problema e não se estão a organizar", afirma.
Soares dos Santos considera ainda "há Estado por todo o lado" e este não é um bom empresário. É tempo de decidir se "queremos uma sociedade baseada na iniciativa privada ou baseada no Estado". "Não podemos andar permanentemente a dizer que precisamos da inicativa privada e criticá-la, castigá-la, e acusá-la de tudo quanto se passa de mau neste país". E acrescenta: "A corrupção em Portugal não vem da iniciativa privada".
O empresário não vislumbra outro posicionamento para Portugal que não seja a Europa face à atual crise financeira e social. "O Brasil não liga nenhuma a Portugal, não precisa de Portugal", defende, e quanto aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, estes vão "viver anos e anos de convulsão".
Deixa críticas à "enorme falta de visão dos políticos europeus" que não conseguem compreender que hoje estão diante de uma "sociedade completamente diferente", com as gerações mais novas mais instruídas. É defensor de que as pessoas de 60 anos têm ainda um "extraordinário" contributo para a sociedade, quando a espetativa de vida está a caminhar para os 90.
"Como é que é possivel mandar gente para casa com 60 anos? Vão estar 30 anos a viver à custa de quem?", questiona. "E são pessoas em absoluto bom estado", conclui.



sexta-feira, dezembro 06, 2013

John Pilger - Mandela’s Tarnished Legacy

From Apartheid to Neoliberalism in South Africa

Mandela’s Tarnished Legacy

by JOHN PILGER
When I reported from South Africa in the 1960s, the Nazi admirer Johannes Vorster occupied the prime minister’s residence in Cape Town. Thirty years later, as I waited at the gates, it was as if the guards had not changed. White Afrikaners checked my ID with the confidence of men in secure work. One carried a copy of Long Walk to Freedom, Nelson Mandela’s autobiography. “It’s very eenspirational,” he said.
Mandela had just had his afternoon nap and looked sleepy; his shoelaces were untied. Wearing a bright gold shirt, he meandered into the room. “Welcome back,” said the first president of a democratic South Africa, beaming. “You must understand that to have been banned from my country is a great honour.” The sheer grace and charm of the man made you feel good. He chuckled about his elevation to sainthood. “That’s not the job I applied for,” he said drily.
Still, he was well used to deferential interviews and I was ticked off several times – “you completely forgot what I said” and “I have already explained that matter to you”. In brooking no criticism of the African National Congress (ANC), he revealed something of why millions of South Africans will mourn his passing but not his “legacy”.
I had asked him why the pledges he and the ANC had given on his release from prison in 1990 had not been kept. The liberation government, Mandela had promised, would take over the apartheid economy, including the banks – and “a change or modification of our views in this regard is inconceivable”.  Once in power, the party’s official policy to end the impoverishment of most South Africans, the Reconstruction and Development Programme (RDP), was abandoned, with one of his ministers boasting that the ANC’s politics were Thatcherite.
“You can put any label on it if you like,” he replied. “ …but, for this country, privatisation is the fundamental policy.”
“That’s the opposite of what you said in 1994.”
“You have to appreciate that every process incorporates a change.”
Few ordinary South Africans were aware that this “process” had begun in high secrecy more than two years before Mandela’s release when the ANC in exile had, in effect, done a deal with prominent members of the Afrikaaner elite at meetings in a stately home, Mells Park House, near Bath. The prime movers were the corporations that had underpinned apartheid.
Around the same time, Mandela was conducting his own secret negotiations. In 1982, he had been moved from Robben Island to Pollsmoor Prison, where he could receive and entertain people. The apartheid regime’s aim was to split the ANC between the “moderates” they could “do business with” (Mandela, Thabo Mbeki and Oliver Tambo) and those in the frontline townships who led the United Democratic Front (UDF). On 5 July, 1989, Mandela was spirited out of prison to meet P.W. Botha, the white minority president known as theGroot Krokodil (Big Crocodile). Mandela was delighted that Botha poured the tea.
With democratic elections in 1994, racial apartheid was ended, and economic apartheid had a new face.  During the 1980s, the Botha regime had offered black businessmen generous loans, allowing them set up companies outside the Bantustans. A new black bourgeoisie emerged quickly, along with a rampant cronyism. ANC chieftains moved into mansions in “golf and country estates”.  As disparities between white and black narrowed, they widened between black and black.
The familiar refrain that the new wealth would “trickle down” and “create jobs” was lost in dodgy merger deals and “restructuring” that cost jobs. For foreign companies, a black face on the board often ensured that nothing had changed. In 2001, George Soros told the Davos Economic Forum, “South Africa is in the hands of international capital.”
In the townships, people felt little change and were subjected to apartheid-era evictions; some expressed nostalgia for the “order” of the old regime.  The post-apartheid achievements in de-segregating daily life in South Africa, including schools, were  undercut by the extremes and corruption of a “neoliberalism” to which the ANC devoted itself.  This led directly to state crimes such as the massacre of 34 miners at Marikana in 2012, which evoked the infamous Sharpeville massacre more than half a century earlier. Both had been protests about injustice.
Mandela, too, fostered crony relationships with wealthy whites from the corporate world, including those who had profited from apartheid.  He saw this as part of “reconciliation”. Perhaps he and his beloved ANC had been in struggle and exile for so long they were willing to accept and collude with the forces that had been the people’s enemy. There were those who genuinely wanted radical change, including a few in the South African Communist Party, but it was the powerful influence of mission Christianity that may have left the most indelible mark. White liberals at home and abroad warmed to this, often ignoring or welcoming Mandela’s reluctance to spell out a coherent vision, as Amilcar Cabral and Pandit Nehru had done.
Ironically, Mandela seemed to change in retirement, alerting the world to the post 9/11 dangers of George W. Bush and Tony Blair. His description of Blair as “Bush’s foreign minister” was mischievously timed; Thabo Mbeki, his successor, was about to arrive in London to meet Blair. I wonder what he would make of the recent “pilgrimage” to his cell on Robben Island by Barack Obama, the unrelenting jailer of Guantanamo.
Mandela seemed unfailingly gracious. When my interview with him was over, he patted me on the arm as if to say I was forgiven for contradicting him. We walked to his silver Mercedes, which consumed his small grey head among a bevy of white men with huge arms and wires in their ears. One of them gave an order in Afrikaans and he was gone.
John Pilger’s film, Apartheid Did Not Die, can be viewed onwww.johnpilger.com