A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht
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domingo, maio 24, 2009

Como a China está lutando contra a crise global



O Ocidente está depositando as suas esperanças na China para reavivar a economia global. Pequim está orquestrando os seus esforços para combater a crise de forma tão meticulosa quanto anteriormente planejou a espetacular ascensão econômica do país.

Por Wieland Wagner, para o Der Spiegel*



Tudo é colorido de vermelho vivo, desde as coberturas das tendas que protegem dos elementos os inúmeros consumidores até os panfletos que os encorajam a comprar. Wang Shiqin, um agricultor de 62 anos, dirigiu-se apressadamente ao mercado nas primeiras horas da manhã. Assim como muitos consumidores daqui, ele já possui um televisor, mas agora quer comprar a sua primeira geladeira - subsidiada pelo governo chinês.

Há um clima misto de carnaval e competição no mercado de Feidong, uma cidade rural na província de Anhui, que fica a cerca de três horas de trem a noroeste de Xangai. Os vendedores apresentam barulhentamente eletrodomésticos, especialmente os de marcas nacionais, cujos preços estão reduzidos devido à campanha do governo para combater a crise financeira global.


Os chineses estão entre os maiores poupadores do mundo, depositando no banco uma parcela de suas rendas que é cinco vezes maior do que a proporção correspondente dos alemães. Mas agora o Partido Comunista quer promover o consumo coletivo.

A indústria chinesa global necessita principalmente, como novos consumidores, dos 800 milhões de agricultores do país. O mesmo ponto de vista prevalece no Ocidente, onde até mesmo a menor dose de otimismo sugerindo que a crise possa terminar em breve é absorvida com avidez.

Ponto de inflexão

Na semana passada, o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, afirmou cautelosamente que a economia global está "próxima a um ponto de inflexão". Em uma manchete de primeira página, o jornal alemão de economia e negócios Handelsblatt afirmou que "a queda livre da economia alemã parece ter chegado ao fim". A indústria de exportação da Alemanha poderia sair do vermelho, graças em parte à Ásia.

Mas até mesmo os membros do governo em Berlim não estão dispostos a arriscar uma previsão, não ousando afirmar se esta é de fato uma tendência de reversão ou simplesmente uma boa notícia isolada. A China parece ser a principal responsável por essa dose de otimismo. O Ocidente, por sua vez, está esperando que aumente o interesse da China por suas máquinas, produtos industriais e know-how.

O Ocidente deseja que milhões de consumidores chineses como o agricultor Wang substituam, pelo menos parcialmente, os consumidores da Europa e dos Estados Unidos, que, desde que a crise começou, estão comprando cada vez menos produtos "made in China". Só em abril, as exportações chinesas despencaram cerca de 22%.

Fundos maciços para regiões atrasadas

Não é necessário muito para convencer as massas chinesas a gastar o seu dinheiro, e elas entregam-se entusiasmadamente a um frenesi de consumo em Anhui e outras províncias - especialmente nas regiões relativamente atrasadas do oeste do país - nas quais Pequim está atualmente investindo uma grande quantidade de dinheiro governamental.

"Jiadian Xiaxiang", ou "Eletrodomésticos para as Vilas", é o título da campanha em andamento na China. O programa de estímulo econômico é simples: os compradores têm que se identificar como agricultores. Após comprarem os seus novos televisores, geladeiras, máquinas de lavar roupa ou telefones celulares, os consumidores têm um desconto de 13% do preço de compra nos escritórios locais de tributação.

Pequim está utilizando programas de estímulo governamental similares para estimular a compra de automóveis. Um imposto sobre a compra de certos carros pequenos foi reduzido pela metade, chegando a 5%. O governo está gastando o equivalente a cerca de € 560 milhões na esperança de estimular as vendas de automóveis nas zonas rurais. E a estratégia parece estar funcionando. Somente em março, os chineses compraram mais de 770 mil carros, o que representa uma aumento de 27% em relação ao mês anterior, e um novo recorde mensal.

Os programas de estímulo recentemente ajudaram a China a superar os Estados Unidos como o maior mercado mundial de automóveis. Esses programas governamentais, financiados com o auxílio das enormes reservas monetárias chinesas, poderão beneficiar também o Ocidente.

China é que mais investe

Nenhum outro país está injetando dinheiro de maneira tão entusiasmada no exausto ciclo econômico, e em quase nenhum outro lugar um governo intervem tão rigorosa e profundamente no mercado como na República Popular da China.

A China foi um dos primeiros países a anunciar um programa de estímulo econômico. Em novembro de 2008, o governo em Pequim lançou um plano de dois anos para injetar quatro trilhões de yuans (cerca de € 450 bilhões) na economia. Isso é cerca de sete vezes a quantia que o governo alemão pretende investir na sua economia.

Desde o início da crise, Pequim criou novos projetos de infraestrutura praticamente com o apertar de um botão. Alguns projetos tinham sido planejados havia muito tempo, mas outros são totalmente novos. Entre eles está a pavimentação e a reforma de 300 mil quilômetros de rodovias, bem como um investimento equivalente a € 68 bilhões em novas ferrovias, o que é aproximadamente o dobro do ano passado.

No ano anterior, Pequim adiou vários projetos, em parte para reduzir a poluição durante os Jogos Olímpicos, mas também para esfriar aquilo que à época era uma economia super-aquecida. Com parte dessa estratégia, antes da crise o banco central da China aumentou em ocasiões a taxa de juros, mas a seguir reverteu freneticamente essa rota, tendo reduzido desde então os juros em cinco ocasiões consecutivas. Agora os planejadores econômicos de Pequim estão novamente aumentando o ritmo de todos os setores da economia.

Frente à crise, o governo e o Partido Comunista estão colocando rapidamente de lado as considerações relativas à proteção ambiental e à sustentabilidade, que foram levantadas cada vez mais nos últimos anos, tanto no exterior quanto na China. Em apenas dois dias, o Ministério do Meio Ambiente do país aprovou apressadamente 90 projetos que têm um valor total de 240 bilhões de yuans (€ 27 bilhões), incluindo usinas de geração de energia elétrica, usinas de alumínio, fábricas de cimento e siderúrgicas. Esse processo acelerado de aprovação é apelidado, sem nenhuma ironia, de "Passagem Verde".

Os comunistas da China veem-se subitamente mais uma vez em seu elemento. Eles estão bastante acostumados com campanhas governamentais, desde à época que o então líder Mao Tsé-tung invocou o fatídico "Grande Salto Adiante" na década de cinquenta, e mais tarde lançou a Revolução Cultural.

Embarcados na mesma canoa furada

Atualmente, o inimigo número um do partido é a crise global, que é originária principalmente dos Estados Unidos, o importante mercado de exportação de Pequim. A China está preocupada também com os seus investimentos financeiros nos Estados Unidos. Tendo cerca de um terço das suas reservas em moeda estrangeira de US$ 1,9 trilhão (€ 1,4 trilhão) investido em títulos do Tesouro dos Estados Unidos, a China é o maior credor da superpotência ocidental. Em outras palavras, chineses e norte-americanos estão essencialmente embarcados na mesma canoa furada.

Para proteger os seus devedores do colapso, os chineses têm como única opção continuar comprando títulos do Tesouro norte-americano. Porém, Pequim está tirando vantagem da crise para apresentar-se como uma alternativa aos Estados Unidos e como uma futura superpotência. Para a liderança chinesa é gratificante observar o Ocidente buscando soluções que cheiram a capitalismo estatal.

Os líderes chineses têm uma boa chance de vencer a competição global, pelo menos no curto prazo. Afinal, a economia de mercado planejada é a área deles. Além do mais, o Partido Comunista não tem que se preocupar com nenhum parlamento democraticamente eleito, que fosse capaz de procurar influenciar a sua "economia de mercado com características chinesas". E eles podem praticamente ordenar aos seus bancos estatais que concedam empréstimos às companhias, muitas das quais são também estatais.

Somente em março, os bancos chineses aumentaram o volume dos seus empréstimos às companhias em um valor equivalente a € 216 bilhões. Como resultado, os investimentos nas fábricas e nos imóveis nas áreas urbanas aumentaram mais de 30% de janeiro a abril.

Gerentes onipotentes da crise

O partido tem também enviado os seus membros para visitar companhias em todo o mundo. Parte do objetivo dessas visitas é determinar que companhias necessitam de apoio governamental. Ao mesmo tempo, as autoridades do partido passaram a pressionar os gerentes de companhias locais para que estes não demitam nem fechem fábricas - uma tendência que gerou uma onda inicial de protestos no país no final do ano passado.

A princípio, a crise pegou o partido de surpresa na província de Guangdong, o centro exportador no sudeste da China, uma região vizinha de Hong Kong. Quando milhares de fábricas privadas que produziam produtos baratos como sapatos e brinquedos foram fechadas, cerca de 20 milhões de trabalhadores migrantes em toda a China perderam os seus empregos. Mas as autoridades locais do partido garantiram o recebimento de salários atrasados pelos recém-desempregados.

Em Xangai, os gerentes de crise do Partido Comunista são praticamente onipotentes. Nesta cidade de arranha-céus, autoridades comunistas municipais controlam as grandes companhias mais importantes, das redes de supermercados à maior fabricante chinesa de automóveis. Recentemente, a cidade gastou um bilhão de yuans para salvar discretamente da falência a SVA, uma fabricante local de televisores de tela plana. "O partido é fundamental para superar as dificuldades econômicas", afirma Yu Zhengsheng, líder do Partido Comunista em Xangai.

O objetivo coletivo dos planejadores econômicos da China é obter um crescimento de 8%, o que a liderança de Pequim considera o patamar mínimo necessário para preservar a constantemente invocada harmonia social neste país enorme.

De fato, a China provavelmente anunciará no final do ano um crescimento que esteja totalmente sincronizado com os números planejados - não importando se o índice verdadeiro de crescimento seja de exatos 8% ou, por exemplo, de 7,8%.

Libertando a China da dependência das exportações

No primeiro trimestre de 2009, a terceira maior economia mundial cresceu 6,1%. O número é desapontador quando comparado ao crescimento de dois dígitos experimentado pela China até 2007. Não obstante, a República Popular da China ainda está em boa forma se comparada ao Ocidente, que está mergulhando cada vez mais profundamente na recessão.

O primeiro-ministro Wen Jiabao já indicou que ainda possui "mais pólvora" disponível para proteger o seu país da crise. Mas, ao construir novas estradas, ferrovias e aeroportos, Pequim só está elevando a proporção já elevada e nada saudável de tais investimentos na economia em geral, que já excedeu os 40% em 2007.

Oferecer descontos de impostos para carros e televisores não resolverá o verdadeiro desafio da China, que é libertar-se da dependência das exportações no longo prazo e estimular o consumo doméstico.

Para atingir esse objetivo, a China terá que reduzir a desigualdade crescente entre ricos e pobres. Na década de oitenta, os chineses das áreas urbanas ganhavam em média aproximadamente o dobro dos moradores das zonas rurais. Em 2008, a população urbana ganhava 3,3 vezes mais do que a população rural.

A República Popular da China necessita urgentemente desenvolver um sistema de bem estar social que seja bem mais amplo do que os atuais planos para essa área. A maioria dos 1,3 bilhão de habitantes da China não contam com serviços de saúde adequados nem com aposentadorias significantes.

A China, que se industrializou com atraso, necessita urgentemente - e bem mais do que o Ocidente - de empresários privados dispostos a assumir os riscos envolvidos no desenvolvimento das suas próprias marcas de alta tecnologia. Mas, em vez disso, os planejadores econômicos do país continuam socorrendo as gigantescas empresas estatais com os seus empréstimos.

Até mesmo o banco central de Pequim, no seu relatório trimestral mais recente, manifestou preocupação quanto à necessidade de a China acelerar "a inovação e a reforma".

Em vez disso, os líderes provinciais do partido procuram perpetuar a glória da organização erigindo prédios ostentatórios de aço e concreto. Ni Jinjie, um famoso comentarista financeiro, adverte que se Pequim continuar distribuindo dinheiro indiscriminadamente, "a estrutura da nossa economia poderá sofrer um rápido desequilíbrio".

A nova bolha da China já está começando a crescer silenciosamente nos mercados. Em Shenzhen, onde o índice das ações já subiu mais de 50% neste ano, os reguladores do mercado sentiram a necessidade de divulgar um alerta oficial aos investidores chineses: "Cuidado com os perigos da especulação cega com ações!".

Tradução: UOL

*Der Spiegel é um jornal alemão.

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in Vermelho - 23 DE MAIO DE 2009 - 20h11
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segunda-feira, abril 21, 2008

São Tomé e Príncipe: como roubar uma nação africana



Os moradores de uma minúscula ilha-Estado africana sonham com grande riqueza desde que petróleo foi descoberto em suas águas territoriais. Empresas, potências estrangeiras e políticos corruptos estão disputando licenças de exploração na esperança de obter riqueza

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O lobby do Hotel Miramar, em São Tomé, seria o cenário perfeito para um thriller de espionagem tropical. Ele é o melhor hotel da cidade, o que não significa muito, mas seu lobby com ar-condicionado, completo com sofás coloridos e vasos com plantas, se tornou um importante local de encontro para todos aqueles que têm algum negócio nesta ilha curiosa: atravessadores e seus assistentes, representantes de governos estrangeiros e organizações internacionais e um grande número de figuras duvidosas. Pessoas boas e ruins se congregam no lobby do Hotel Miramar, mas diferenciá-las não é fácil.

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Membros da Marinha dos Estados Unidos marcham pelo lobby toda manhã e embarcam em um ônibus para construir uma estação de radar (como todos sabem). No salão de café da manhã, duas mulheres e um homem olham silenciosamente para seus laptops; eles são membros de uma delegação do Banco Mundial que está em São Tomé para se reunir com ministros do governo. E há os homens em camisetas desbotadas que as pessoas dizem ser agentes da CIA, apesar de não ser necessariamente verdade. Boatos são comuns.

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As ilhas de São Tomé e Príncipe formam um único país soberano, com população de 160 mil habitantes. Até poucos anos atrás, a única fama das ilhas eram os selos postais de Marilyn Monroe, linhas de tele-sexo fraudulentas e um produto chave de exportação, o cacau.

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Isto é, até a descoberta de petróleo sob o leito marítimo além da costa do país. Poderá ser uma bênção ou uma maldição para este minúsculo país; e parece ter deixado todos loucos.

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O paradoxo da abundância

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No mapa mundial, São Tomé e Príncipe são dois pontos pouco detectáveis no Golfo da Guiné, quase exatamente na linha do Equador, a 200 quilômetros da costa do Gabão. O país é pacífico, democrático e desesperadamente pobre. Seus habitantes sobrevivem de ajuda estrangeira e empréstimos internacionais. Além da pequena produção de cacau, o país não possui produtos significativos.

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Os são-tomenses mal podiam acreditar em sua sorte quando estudos sísmicos concluídos nos anos 90 revelaram uma enorme reserva de 11 milhões de barris de petróleo pouco além de sua costa. Eles estavam ricos! Os são-tomenses repentinamente podiam sonhar em se tornar uma espécie de Brunei, um minúsculo e rico país africano onde as pessoas podiam viver despreocupadamente. O maná dos céus!

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Então o resto do mundo ficou sabendo. Empresas dos Estados Unidos, China, Noruega e Canadá enviaram equipes para as ilhas, e governos estrangeiros -em particular os Estados Unidos e a grande vizinha de São Tomé, a Nigéria- começaram a demonstrar interesse.

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Uma riqueza de recursos naturais nem sempre faz bem para um país pobre. Isto se chama "paradoxo da abundância" e exemplos infelizes proliferam na vizinhança imediata de São Tomé.

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Um é a Nigéria, uma grande produtora de petróleo governada pelo regime corrupto do presidente Olusegun Obasanjo desde 2007. E há a Guiné Equatorial, cujo ditador brutal, Teodoro Obiang Nguema, mantém seu povo na pobreza; e o Gabão, onde a classe alta praticamente se apossou da riqueza do petróleo do país; e, é claro, Angola, ainda sofrendo dos efeitos de sua longa guerra civil.

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Quando o presidente são-tomense Fradique Melo de Menezes assumiu o governo em 2001, ele prometeu manter seu país livre desses problemas. Fradique é um homem baixinho e musculoso com um grande bigode -um mercador de cacau que trata a todos pelo primeiro nome. Ele impressionou a comunidade internacional quando falou sobre o desejo de usar a riqueza do petróleo para ajudar seu país.

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Fradique recorreu a Jeffrey Sachs, da Universidade de Colúmbia, em Nova York, o famoso especialista americano em ajuda para desenvolvimento, para orientação e apoio. Sachs já prestou consultoria a governos de todo o mundo e escreveu um livro chamado "O Fim da Pobreza". Ele viu uma oportunidade de transformar São Tomé em um modelo e levou suas melhores equipes para investigar o país pessoalmente. Suas metas eram ajudar todos os são-tomenses a dividirem a nova riqueza, evitando o erro de depender totalmente do petróleo. Ele seria um país sem conflitos violentos.

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E graças a Sachs, São Tomé possui uma nova lei do petróleo que pode ser a melhor do gênero no mundo. Ela exige que a receita do petróleo seja depositada diretamente em uma conta no Federal Reserve (o banco central americano) em Nova York. Apenas uma pequena parcela deste dinheiro pode ser reinserida no orçamento; o restante é poupado para o futuro. O controle do próprio petróleo cabe a uma comissão composta de são-tomenses de todo o espectro político do país.

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Assim, ao menos, é como "deveria" funcionar. Mas a comissão ainda não existe. E ninguém viu os contratos das companhias de petróleo, que deveriam ser divulgados publicamente. Isto não é exatamente surpreendente, dado que os políticos em São Tomé nem sempre cumprem a lei.

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Mas será que São Tomé pode se tornar um modelo para o mundo? O petróleo realmente existe?

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'A região de petróleo mais importante do mundo'

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Quando o presidente Fradique de Menezes chegou ao poder há mais de seis anos, ele impressionou tanto os especialistas quanto o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. A revista "New Yorker" escreveu: "Quem precisa da Arábia Saudita quando se tem São Tomé?" .

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Bush se reuniu com Fradique e 10 outros chefes de Estado africanos em setembro de 2002, e apesar de outros terem entediado o presidente com discursos em francês, Fradique teria falado de forma "eloqüente, em um bom inglês com leve sotaque, sobre os interesses comuns de São Tomé e dos Estados Unidos". Bush até mesmo parou de brincar com seu lápis.

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Fradique lembrou aos seus ouvintes dos "trágicos ataques ao World Trade Center e ao Pentágono" e destacou a importância de fontes alternativas de petróleo fora do politicamente volátil Oriente Médio. Seu país, ele disse, se encontra em uma "localização estratégica na região de petróleo mais importante do mundo -o alto-mar da costa oeste da África".

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Foi uma jogada inteligente da parte de Fradique, porque o petróleo desta região tem enlouquecido os americanos. Eles atualmente importam 13% de seu petróleo da África sub-saariana; esse número deverá crescer para 25% em poucos anos. O petróleo africano é bastante procurado por causa de seu baixo conteúdo de enxofre e suas reservas geralmente marítimas, onde pode ser carregado em petroleiros sem a necessidade de se colocar os pés em um país.

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Para ficar rico, seja um ministro

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O homem que foi o primeiro-ministro de São Tomé até fevereiro de 2007 se chama Tomé Vera Cruz, um homem de aspecto poderoso encarregado de dirigir um país amargamente pobre. Durante seu mandato, São Tomé mergulhou em uma crise econômica severa. O preço do quilo de arroz aumentou cinco vezes. A comida é escassa e em grande parte importada, com iogurte vindo de Libreville, no Gabão, e as massas de Lisboa. Apesar de eletricidade estar disponível apenas 12 horas por dia, a empresa estatal de energia elétrica aumentou seus preços em 68%. Uma unidade policial de elite recentemente se rebelou, ocupando o quartel da polícia e fazendo o chefe de polícia como refém.

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Muitos atribuem estes novos problemas em São Tomé ao petróleo. "Nós desconfiamos uns dos outros", diz Tomé Vera Cruz. "Todos estão convencidos de que outros já estão embolsando o dinheiro. Muitas pessoas pararam de trabalhar e estão esperando pelo petróleo." A nova lei do petróleo, pelo menos, foi adotada, ele diz. "Mas é o mesmo que em outros lugares: você pode ter leis e tudo mais, mas você também tem pessoas." Ele ri em voz alta.

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Há um ditado em São Tomé: "Para ficar rico, tudo o que você precisa fazer é ser ministro por 24 horas".

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Veja, por exemplo, o ministro dos Recursos Naturais. Seu nome é Manuel de Deus Lima, e todos em São Tomé conhecem sua história: quando ele trabalhava para o banco central do país, ele fez um acordo com uma empresa de Liechtenstein para criação de uma moeda são-tomense comemorativa do milênio. O único problema é que uma parte dos lucros iria diretamente para ele. Lima foi sentenciado a dois anos sob condicional -o que não o impediu de ser nomeado ministro.

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Lima estudou na Alemanha Oriental. Ele fala alemão. Quando telefonamos para pedir uma entrevista, ele gritou ao telefone, em alemão: "Petróleo! Petróleo! Petróleo! Todo mundo vem aqui para escrever a respeito, mas ninguém quer nos ajudar a extraí-lo!" Então ele desligou.

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Não apenas ministros

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Mas os problemas não são puramente domésticos. A história de São Tomé e Príncipe é uma longa história de intervenção estrangeira. Quando os portugueses descobriram as ilhas no século 15, elas eram desabitadas. Navios portugueses compravam escravos africanos aqui com a intenção de enviá-los para as Américas. Os escravos plantavam cana-de-açúcar e posteriormente café e cacau. Não houve grande mudança -por séculos- até uma ditadura em Lisboa ser derrubada por um golpe militar em 1974. Os portugueses concederam rapidamente a independência para suas últimas colônias remanescentes, incluindo São Tomé e Príncipe, onde 100 mil negros africanos e outras pessoas multirraciais repentinamente tinham seu próprio país.

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Trinta e três anos depois, a ilha ainda enfrenta dificuldades. Apesar dos US$ 600 milhões em ajuda que o país recebe desde a independência, o padrão de vida continua caindo. Segundo o Banco Mundial, mais de 50% da população é considerada "pobre".

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Quando depósitos de petróleo foram detectados nos anos 90, o primeiro empresário a aparecer foi o sul-africano descendente de alemães chamado Christian Hellinger, que ganhou fortuna com os diamantes angolanos. Ao chegar, ele supostamente deu a cada ministro um gerador. Logo ele adquiriu o apelido de "Rei de São Tomé". Ele transferiu sua empresa de transporte aéreo para cá e foi o primeiro a explorar petróleo.

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Hellinger trouxe uma empresa para São Tomé que desde então só significa problemas. A pequena empresa nascida na Louisiana e atualmente sediada em Houston, se chama ERHC (Environmental Remediation Holding Corporation). Na época ela era especializada em dar destino aos resíduos da indústria do petróleo e não tinha entendimento nenhum de produção de petróleo. Mas a ERHC convenceu o governo a assinar um contrato em 1997. Por US$ 5 milhões a empresa recebeu direitos exclusivos sobre a comercialização e exploração de todas as reservas de petróleo de São Tomé pelos próximos 25 anos. A organização não-governamental Global Witness posteriormente chamou isto de "um dos acordos mais chocantes de todos os tempos".

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O país fez acordos com outras empresas, incluindo a ExxonMobil, mas aparentemente foram igualmente ruins. O presidente Fradique conseguiu renegociar alguns dos acordos, mas a ERHC, agora de propriedade de um nigeriano influente, ainda ganha sua parte das concessões e de novas descobertas de petróleo.

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O segundo problema de São Tomé sempre foi sua poderosa vizinha, a Nigéria, que não estava interessada em permitir que a minúscula nação lucrasse com petróleo em seu próprio quintal. A Nigéria contestou a fronteira marítima entre os dois países e forçou São Tomé a aceitar um acordo para formação de uma "Zona Conjunta de Desenvolvimento", no qual 40% da receita da produção de petróleo iria para São Tomé e 60% para a Nigéria.

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Quando os dois países leiloaram as primeiras licenças de exploração em 2003 e 2004, as coisas não transcorreram da forma como os são-tomenses esperavam. Grande parte das companhias de petróleo se manteve distante, exceto no caso do mais promissor setor na zona de petróleo, conhecido como Bloco 1, pelo qual um consórcio da Chevron e ExxonMobil conquistou a licença de exploração por US$ 123 milhões. Todavia, foi um dia monumental para São Tomé. Sua parcela de 40%, US$ 49 milhões, quase equivalia ao orçamento anual do país.

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Mas a Nigéria reteve o valor, usando seu controle do dinheiro para forçar São Tomé a conceder licenças a certas empresas pequenas na próxima rodada de leilão -empresas de propriedade de empresários nigerianos com laços estreitos com os políticos do país. O procurador-geral de São Tomé posteriormente expôs este esquema.

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'O que acontece se não houver petróleo?

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A história de São Tomé e seu petróleo é uma de acordos ruins em um país sem entendimento do setor de petróleo. Se alguém sabe disto é Patrice Trovoada, o filho rico do primeiro presidente eleito democraticamente, Miguel Trovoada. Ele esteve envolvido em quase todos os acordos.

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Ele se senta na varanda de sua quinta na praia -um homem de 46 anos robusto e com um grande sorriso- e nega qualquer culpa. Ele insiste que tudo o que fez foi tentar salvar o que outros tinham estragado.

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Ele foi inicialmente o ministro das Relações Exteriores de Fradique e posteriormente seu consultor de petróleo. Então Fradique o demitiu, se queixando de que os Trovoada estavam tratando o Estado como sua propriedade privada. Patrice se tornou seu rival.

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Atualmente ele é o primeiro-ministro do país. "Meu pai e eu escolhemos Fradique como presidente", ele diz. "Mas uma pessoa sempre pode cometer erros. O homem assumiu o governo e começou a falar demais. Blá, blá, blá. Sobre petróleo. Ele falava demais sobre petróleo. E lutou contra todos, contra a Nigéria, dizendo que estavam roubando isto e aquilo, que era um contrato ruim, blá blá blá." Ele ri de forma contida.

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Patrice Trovoada é conhecido por dirigir um jipe Hummer com seus guarda-costas. Ele passou grande parte de sua vida fora do país. Ele fala português, a língua oficial de São Tomé, com sotaque; ele se converteu ao Islã. Ninguém sabe a origem de seu dinheiro. Ele é dono de uma empresa de construção em Houston, Texas. Ele disse que foi erroneamente acusado de envolvimento no tráfico de drogas.

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Ele não tem Jeffrey Sachs e a Universidade de Colúmbia em grande estima. Ele disse que apesar de apoiar a transparência, ele não vê por que toda a receita do petróleo deve ser depositada em uma conta bloqueada. Talvez fosse melhor manter parte dela em São Tomé.

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Trovoada diz que deseja arrumar as coisas em São Tomé, onde os políticos pararam de pensar desde que souberam do petróleo. Eles gastam dinheiro aos montes, ele diz. "O que acontecerá se não houver petróleo? E aí?" Ele sorri, claramente satisfeito consigo mesmo.

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Ele também diz que a corrupção faz parte da tradição da ilha e comprar votos faz parte do jogo. Ele faz isso, ele disse, assim como Fradique.

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Ainda um modelo?

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As primeiras sondagens experimentais foram realmente decepcionantes. A Chevron encontrou petróleo a uma profundidade de cerca de 1.700 metros, mas em quantidades tão pequenas e de qualidade tão ruim que não era "comercialmente viável".

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A busca por petróleo nem sempre leva a resultados claros. Dados sísmicos promissores não são garantia da existência de tanto petróleo quanto antecipado. É um pouco como pôquer: você tem uma boa idéia e faz sua aposta, e com sorte pode ganhar. Descobrir novo petróleo se tornou mais difícil. As empresas estão sondando em profundezas cada vez maiores, mas com o aumento do preço do petróleo, a exploração a grandes profundidades passa a valer a pena.

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Os chineses estão atualmente explorando no Bloco 2, enquanto os americano exploram o Bloco 3. A Addax, uma empresa suíça-canadense, está convencida de que petróleo pode ser encontrado a ponto de ter comprado direitos de exploração em todos os quatro blocos. Ela adquiriu a participação da Exxon no Bloco 1 no outono de 2007 por pouco menos de US$ 78 milhões. O representante da empresa, um americano chamado Tim Martinson, disse que é importante manter o otimismo neste ramo, e que "alguma produção" certamente se materializará, mas dificilmente antes de 2015.

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E Fradique? Ele há muito parou de falar sobre suas metas ambiciosas. Há rumores de que seu relacionamento com a equipe de Jeffrey Sachs esfriou.


Quase ninguém mais acredita que São Tomé será um modelo para o mundo. Joaquin Sacramento, um pescador, se encontra em uma praia na cidade de São João dos Angolares, a duas horas ao sul da capital. Ele está lixando seu barco de madeira, que colocou sobre blocos na praia, sob uma chuva quente. Ele é um homem de 39 anos e pele bem escura, vestindo uma camisa vermelha de time de futebol.

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A verdadeira questão em São Tomé gira em torno dele -se pessoas como Sacramento algum dia verão algum benefício do petróleo e se as visões otimistas de Sachs e de sua equipe foram exageradas.

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Sacramento não tem respostas. "Nós somos pescadores", ele diz. "Alguém tem que pescar. O petróleo é para os políticos."

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Ele sabe sobre o mar -ele conhece seus humores e a melhor hora do dia para pegar certos tipos de peixe. Mas ele sabe muito pouco sobre petróleo. Ele escutou que o mar fica vermelho quando as empresas perfuram e duvida que isto fará algum bem aos peixes.

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"O oceano é azul", ele diz. "É com que estão acostumados."

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Fonte: Der Spiegel / Mathieu von Rohr - Em São Tomé e Príncipe
Tradução: George El Khouri Andolfato
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in Vermelho
19 DE ABRIL DE 2008 - 15h14
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