A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

terça-feira, agosto 30, 2011

REPORTAGEM, UMA AVENTURA DENTRO DO COMUNISMO REAL - Miguel Esteves Cardoso

interessante



DOMINGO, 16 DE SETEMBRO DE 2007


De Miguel Esteves Cardoso na Revista Sábado

REPORTAGEM, UMA AVENTURA DENTRO DO COMUNISMO REAL.


O MEC FOI À FESTA DO AVANTE!REPORTAGEM, 



Uma aventura dentro do comunismo real.“””””””E teve medo, muito medo. Às constantes tentativas de intimidação por parte dos inimigos comunistas, o repórter assumidamente reaccionário respondeu com a sua polaróide e registou todas as adversidades. Entre uma e outra conversas mais azeda, ainda teve tempo para comer bem e beber melhor.Artigo de Miguel Esteves Cardoso.
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“Dizem-se muitas mentiras acerca da Festa do Avante! Estas são as mais populares: que é irrelevante; que é um anacronismo; que é decadente; que é um grande negócio disfarçado de festa; que já perdeu o conteúdo político; que hoje é só comes e bebes.
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Já é a Segunda vez que lá vou e posso garantir que não é nada dessas coisas e que não só é escusado como perigoso fingir que é. Porque a verdade verdadinha é que a Festa do Avante faz um bocadinho de medo.
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O que se segue não é tanto uma crónica sobre essa festa como a reportagem de um preconceito acerca dela - um preconceito gigantesco que envolve a grande maioria dos portugueses. Ou pelo menos a mim.
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Porque é que a Festa do Avante faz medo?É muita gente; muita alegria; muita convicção; muito propósito comum. Pode não ser de bom-tom dizê-lo, mas o choque inicial é sempre o mesmo: chiça!, Afinal os comunistas são mais que as mães. E bem dispostos. Porquê tão bem dispostos? O que é que eles sabem que eu ainda não sei?
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É sempre desconfortável estar rodeado por pessoas com ideias contrárias às nossas. Mas quando a multidão é gigante e a ideia é contrária é só uma só – então, muito francamente, é aterrador.
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Até por uma questão de respeito, o Partido Comunista Português merece que se tenha medo dele. Tratá-lo como uma relíquia engraçada do século XX é uma desconsideração e um perigo. Mal por mal, mais vale acreditar que comem criancinhas ao pequeno-almoço.
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BEM SEI QUE A condescendência é uma arma e que fica bem elogiar os comunistas como fiéis aos princípios e tocantemente inamovíveis, coitadinhos.É esta a maneira mais fácil de fingir que não existem e de esperar, com toda a estupidez, que, se os ignoramos, acabarão por se ir embora.


As festas do Avante, por muito que custe aos anticomunistas reconhecê-lo, são magníficas.
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É espantoso ver o que se alcança com um bocadinho de colaboração. Não só no sentido verdadeiro, de trabalhar com os outros, como no nobre, que é trabalhar de graça.
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A condescendência leva-nos a alvitrar que “assim também eu” e que as festas dos outros partidos também seriam boas caso estivessem um ano inteiro a prepará-las. Está bem, está: nem assim iam lá. Porque não basta trabalhar: também é preciso querer mudar o mundo. E querer só por si, não chega. É preciso ter a certeza que se vai mudá-lo.
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Em vez de usar, para explicar tudo, o velho chavão da “ capacidade de organização” do velho PCP, temos é que perguntar porque é que se dão ao trabalho de se organizarem.Porque os comunistas não se limitam a acreditar que a história lhes dará razão: acreditam que são a razão da própria história. É por isso que não podem parar; que aguentam todas as derrotas e todos os revezes; que são dotados de uma avassaladora e paradoxalmente energética paciência; porque acreditam que são a última barreira entre a civilização e a selvajaria. E talvez sejam. Basta completar a frase "Se não fossem os comunistas, hoje não haveria..." e compreende-se que, para eles, são muitas as conquistas meramente "burguesas " que lhe devemos, como o direito à greve e à liberdade de expressão.
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É por isso que não se sentem “derrotados”. O desaparecimento da URSS, por exemplo, pode ter sido chato mas, na amplitude do panorama marxista-leninista, foi apenas um contratempo. Mas não é só por isso que a Festa do Avante faz medo. Também porque é convincente. Os comunas não só sabem divertir-se como são mestres, como nunca vi, do à-vontade. Todos fazem o que lhes apetece, sem complexos nem receios de qualquer espécie. Até o show off é mínimo e saudável.
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Toda a gente se trata da mesma maneira, sem falsas distâncias nem proximidades. Ninguém procura controlar, convencer ou impressionar ninguém. As palavras são ditas conforme saem e as discussões são espontâneas e animadas. É muito refrescante esta honestidade. É bom (mas raro) uma pessoa sentir-se à vontade em público. Na Festa do Avante é automático.
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Dava-nos jeito que se vestissem todos da mesma maneira e dissessem e fizessem as mesmas coisas - paciência. Dava-nos jeito que estivessem eufóricos; tragicamente iluminados pela inevitabilidade do comunismo - mas não estão. Estão é fartos do capitalismo - e um bocadinho zangados.
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Não há psicologias de multidões para ninguém: são mais que muitos, mas cada um está na sua. Isto é muito importante. Ninguém ali está a ser levado ou foi trazido ou está só por estar. Nada é forçado. Não há chamarizes nem compulsões. Vale tudo até o aborrecimento. Ou seja: é o contrário do que se pensa quando se pensa num comício ou numa festa obrigatória. Muito menos comunista.
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Sabe bem passear no meio de tanta rebeldia. Sabe bem ficar confuso. Todos os portugueses haviam de ir de cinco em cinco anos a uma Festa do Avante, só para enxotar estereótipos e baralhar ideias. Convinha-nos pensar que as comunas eram um rebanho mas a parecença é mais com um jardim zoológico inteiro. Ali uma zebra; em frente um leão e um flamingo; aqui ao lado uma manada de guardas a dormir na relva.
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QUANDO SE CHEGA à Festa o que mais impressiona é a falta de paranóia. Ninguém está ansioso, a começar pelos seguranças que nos deixam passar só com um sorriso, sem nos vasculhar as malas ou apalpar as ancas. Em matéria de livre de trânsito, é como voltar aos anos 60.
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Só essa ausência de suspeita vale o preço do bilhete. Nos tempos que correm, vale ouro. Há milhares de pessoas a entrar e a sair mas não há bichas. A circulação é perfeitamente sanguínea. É muito bom quando não desconfiamos de nós.
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Mesmo assim tenho de confessar, como reaccionário que sou, que me passou pela cabeça que a razão de tanta preocupação talvez fosse a probabilidade de todos os potenciais bombistas já estarem lá dentro, nos pavilhões internacionais, a beber copos uns com os outros e a divertirem-se.
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A Festa do Avante é sempre maior do que se pensa. Está muito bem arrumada ao ponto de permitir deambulações e descobertas alegres. Ao admirar a grandiosidade das avenidas e dos quarteirões de restaurantes, representando o país inteiro e os PALOP, é difícil não pensar numa versão democrática da Exposição do Mundo Português, expurgada de pompa e de artifício. E de salazarismo, claro.
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Assim se chega a outro preconceito conveniente. Dava-nos jeito que a festa do PCP fosse partidária, sectária e ideologicamente estrangeirada. Na verdade, não podia ser mais portuguesa e saudavelmente nacionalista.
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O desaparecimento da União Soviética foi, deste ponto de vista, particularmente infeliz por ter eliminado a potência cujas ordens eram cegamente obedecidas pelo PCP.
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Sem a orientação e o financiamento de Moscovo, o PCP deveria ter também fenecido e finado. Mas não: ei-lo. Grande chatice.Quer se queira quer não (eu não queria), sente-se na Festa do Avante! Que está ali uma reserva ecológica de Portugal. Se por acaso falharem os modelos vigentes, poderemos ir buscar as sementes e os enxertos para começar tudo o que é Portugal outra vez.
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A teimosia comunista é culturalmente valiosa porque é a nossa própria cultura que é teimosa. A diferença às modas e às tendências dos comunistas não é uma atitude: é um dos resultados daquela persistência dos nossos hábitos. Não é uma defesa ideológica: é uma prática que reforça e eterniza só por ser praticada. (Fiquemos por aqui que já estou a escrever à comunista).
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A Exposição do Mundo português era “para inglês ver”, mas a Festa do Avante! Em muitos aspectos importantes, parece mesmo inglesa. Para mais, inglesa no sentido irreal. As bichas, direitinhas e céleres, não podiam ser menos portuguesas. Nem tão-pouco a maneira como cada pessoa limpa a mesa antes de se levantar, deixando-a impecável.
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As brigadas de limpeza por sua vez, estão sempre a passar, recolhendo e substituindo os sacos do lixo. Para uma festa daquele tamanho, com tanta gente a divertir-se, a sujidade é quase nenhuma. É maravilhoso ver o resultado de tanto civismo individual e de tanta competência administrativa. Raios os partam.
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Se a Festa do Avante dá uma pequena ideia de como seria Portugal se mandassem os comunistas, confessemos que não seria nada mau. A coisa está tão bem organizada que não se vê. Passa-se o mesmo com os seguranças - atentos mas invisíveis e deslizantes, sem interromper nem intimidar uma mosca.O preconceito anticomunista dá-os como disciplinados e regimentados – se calhar, estamos a confundi-los com a Mocidade portuguesa. Não são nada disso. A Festa funciona para que eles não tenham de funcionar. Ao contrário de tantos festivais apolíticos, não há pressa; a ansiedade da diversão; o cumprimento de rotinas obrigatórias; a preocupação com a aparência. Há até, sem se sentir ameaçado por tudo o que se passa à volta, um saudável tédio, de piquenique depois de uma barrigada, à espera da ocupação do sono.
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Quando se fala na capacidade de “mobilização” do PCP pretende-se criar a impressão de que os militantes são autómatos que acorrem a cada toque de sineta. Como falsa noção, é até das mais tranquilizadoras. Para os partidos menos mobilizadores, diante do fiasco das suas festas, consola pensar que os comunistas foram submetidos a uma lavagem ao cérebro.
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Nem vale a pena indagar acerca da marca do champô.
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Enquanto os outros partidos puxam dos bolsos para oferecer concertos de borla, a que assistem apenas familiares e transeuntes, a Festa do avante enche-se de entusiásticos pagadores de bilhetes.
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E porquê? Porque é a festa de todos eles. Eles não só querem lá estar como gostam de lá estar. Não há a distinção entre “nós” dirigentes e “eles” militantes, que impera nos outros partidos. Há um tu-cá-tu-lá quase de festa de finalistas.É UM ALÍVIO A FALTA de entusiasmo fabricado – e, num sentido geral de esforço. Não há consensos propostos ou unanimidades às quais aderir. Uns queixam-se de que já não é o que era e que dantes era melhor; outros que nunca foi tão bom.
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É claro que nada disto será novidade para quem lá vai. Parece óbvio. Mas para quem gosta de dar uma sacudidela aos preconceitos anticomunista é um exercício de higiene mental.Por muito que custe dize-lo, o preconceito - base, dos mais ligeiros snobismos e sectarismos ao mais feroz racismo, anda sempre à volta da noção de que “eles não são como nós”. É muito conveniente esta separação. Mas é tão ténue que basta uma pequena aproximação para perceber, de repente, que “afinal eles são como nós.
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Uma vez passada a tristeza pelo desaparecimento da justificação da nossa superioridade (e a vergonha por ter sido tão simples), sente-se de novo respeito pela cabeça de cada um.
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Espero que não se ofendam os sportinguistas e comunistas quando eu disser que estar na Festa do Avante! Foi como assistir à festa de rua quando o Sporting ganhou o campeonato. Até aí eu tinha a ideia, como sábio benfiquista, que os sportinguistas eram uma minúscula agremiação de queques em que um dos requisitos fundamentais era não gostar muito de futebol.
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Quando vi as multidões de sportinguistas a festejar – de todas as classes, cores e qualidades de camisolas -, fiquei tão espantado que ainda levei uns minutos a ficar profundamente deprimido.POR OUTRO LADO, quando se vê que os comunistas não fazem o favor de corresponder à conveniência instantaneamente arrumável das nossas expectativas – nem o PCP é o IKEA -, a primeira reacção é de canseira. Como quem diz:
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”Que chatice – não só não são iguais ao que eu pensava como são todos diferentes. Vou ter de avaliá-los um a um. Estou tramado. Nunca mais saiu daqui.”
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Nem tão pouco há a consolação ilusória do pick and choose....É uma sólida tradição dizer que temos de aprender com os comunistas... Infelizmente é impossível. Ser-se comunista é uma coisa inteira e não se pode estar a partir aos bocados. A força dos comunistas não é o sonho nem a saudade: é o dia-a dia; é o trabalho; é o ir fazendo; e resistindo, nas festas como nas lutas.Hás uma frase do Jerónimo de Sousa no comício de encerramento que diz tudo. A propósito de Cuba (que não está a atravessar um período particularmente feliz), diz que “resistir já é vencer”.É verdade – sobretudo se dermos a devida importância ao “já”. Aquele “já” é o contrário da pressa, mas é também “agora”.
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Na Festa do Avante! Não se vêem comunistas desiludidos ou frustrados. Nem tão pouco delirantemente esperançosos. A verdade é que se sente a consciência de que as coisas, por muito más que estejam, poderiam estar piores. Se não fossem os comunistas: eles.Há um contentamento que é próprio dos resistentes. Dos que existem apesar de a maioria os considerar ultrapassados, anacrónicos, extintos. Há um prazer na teimosia; em ser como se é. Para mais, a embirração dos comunistas, comparada com as dos outros partidos, é clássica e imbatível: a pobreza. De Portugal e de metade do mundo, num Portugal e num mundo onde uns poucos têm muito mais do que alguma vez poderiam precisar.
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NA FESTA DO AVANTE! Sente-se a satisfação de chatear. O PCP chateia. Os sindicatos chateiam. A dimensão e o êxito da Festa chateiam. Põem em causa as desculpas correntes da apatia. Do ensimesmamento online, do relativismo ou niilismo ideológico. Chatear é uma forma especialmente eficaz de resistir. Pode ser miudinho – mas, sendo constante, faz a diferença.Resistir é já vencer. A Festa do Avante é uma vitória anualmente renovada e ampliada dessa resistência. 
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... Verdade se diga, já não é sem dificuldade que resisto. Quando se despe um preconceito, o que é que se veste em vez dele? Resta-me apenas a independência de espírito para exprimir a única reacção inteligente a mais uma Festa do Avante: dar os parabéns a quem a fez e mais outros a quem lá esteve. Isto é, no caso pouco provável de não serem as mesmíssimas pessoas.Parabéns! E, para mais, pouquíssimo contrariado.”
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(E só com um bocadinho de nada com medo).

SÁBADO dia 13 de Setembro de 2007

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