Porque é que Seguro Caiu?
- Publicado em 29.05.2014
Há em Portugal aquele péssimo, erróneo e contra-revolucionário hábito de se entender que os partidos políticos não se devem meter na vida uns dos outros, deixando que cada qual cozinhe à sua maneira e nas suas próprias águas as crises políticas por que vai passando, como se tudo aquilo que acontece a um partido, por mais ou menos influente que seja, nada tivesse a ver com as classes e com a luta de classes que caracterizam a vida política no País e não devesse merecer de todos os partidos, de todas as classes e de todos os cidadãos conscientes uma apreciação interessada e criteriosa.
Esse hábito reaccionário e burlesco reanimou-se agora com a grave crise política que abala e envenena o partido socialista . Do PCP ao CDS, passando pelo PSD, o BE e até pelo recém-chegado cónego Pinto, todos se escusam de proferir opinião própria sobre a crise do PS, invocando em apoio ideológico aqueles consabidos provérbios ultra-reaccionários de não meter foice em seara alheia, nem colher entre marido e mulher, sem sequer curarem de saber se Costa e Seguro gostarão ou não de se verem representados em tão equívocas intimidades...
Ora a questão, do maior interesse como se vê, é esta: porque é que Seguro, ao cabo de três anos e sem passar pelo escrutínio legislativo, caiu como um tordo numa tarde alentejana? Dir-me-ão que não caiu ainda... Mas a sua queda é absolutamente inevitável...
Na verdade, Seguro caiu – ou irá cair muito em breve – por causa de uma contradição absolutamente insanável, que caracteriza a natureza do partido socialista: um partido que se reclama do apoio dos trabalhadores e da classe média (a pequena-burguesia), mas que propaga e defende a política definida e aplicada contra os trabalhadores e a pequena-burguesia pelas instituições europeias, pelos credores do Estado, pela Tróica, pelo capital monopolista germânico e pelo imperialismo.
Tal é a contradição que provoca todas as crises cíclicas do PS e, mais dia menos dia, vai dar cabo dele, como já deu cabo do partido socialista italiano, já atirou para quarto lugar do espectro eleitoral o partido socialista grego (Pasok), já despachou para terceiro lugar, com 13% do eleitorado, o partido socialista francês, ainda há dois anos com a maioria absoluta, que lhe permitiu eleger um presidente da República à primeira volta, já expulsou para terceiro lugar o partido trabalhista britânico e até já expediu para urgente congresso extraordinário de recauchutagem o partido socialista espanhol na oposição, afectado da mesma doença oncológica que atinge o partido de Seguro e de Costa.
Ao contrário do que pretendem os comentadores políticos encartados nos órgãos de comunicação social, não foram os resultados das últimas eleições europeias que provocaram a actual crise do partido socialista; ao invés, esses resultados apenas contribuíram para pôr a nu a verdadeira crise que consome o PS e que assenta na contradição política e ideológica que acima ficou descrita.
Decerto que nenhum operário esqueceu ainda – e também não o esqueceu nenhum elemento da classe média – que a situação de exploração, de roubo e de miséria em que todo o povo português vive hoje se deve à política do governo de Sócrates e, na sua continuação, à política do governo de traição nacional Coelho/Portas.
Quando António José Seguro, após a clamorosa derrota eleitoral de Sócrates, que entregou o Poder à direita e à extrema-direita, se alcandorou ao cargo de secretário-geral do partido socialista, esperar-se-ia que o novo líder dos chamados socialistas portugueses criticasse, sem ambiguidades, a política de Sócrates e do respectivo governo do PS, apresentando no congresso da vitória a linha e o programa políticos que iriam substituir a linha e o programa derrotados de José Sócrates.
Mas não! Seguro não só não criticou Sócrates e o caminho do seu governo reaccionário, responsável pelo resgate dos credores externos, imposto a Portugal pelo memorando de entendimento e pelo controlo da Tróica, não só não criticou Sócrates e o seu governo nem submeteu todo o PS à correspondente autocrítica política, como se declarou pronto a assumir as responsabilidades provenientes daquela política governamental suicida.
Seguro aceitou o memorando de entendimento, aceitou a Tróica, aceitou a política da Tróica e aceitou, votando a favor no parlamento, os primeiros orçamentos do governo Coelho/Portas impostos pela Tróica.
Pode ser que já ninguém se lembre hoje, mas Seguro aprovou, com o seu voto de traição, o orçamento de ladrões e de ladroagem assinado por Coelho, por Portas e por Gaspar.
Seguro, esse mesmo seminarista que está agora de saída para Penamacor, apoiou o traidor Proença, líder da UGT, na assinatura do acordo tripartido (UGT, governo e patronato) dito de competitividade e emprego, que é o instrumento responsável pela emigração compulsiva de meio milhão de jovens, pelo desemprego, inemprego e inempregabilidade de dois milhões de trabalhadores, pelo aumento da duração da semana de trabalho de um mínimo de quarenta horas para um limite que pode ultrapassar as cinquenta horas semanais, pelo despedimento sem justa causa, pela redução do salário no trabalho extraordinário, pela eliminação de quatro feriados sujeitos a trabalho não pago.
Foi Seguro e todo o grupo parlamentar do PS quem se absteve na votação de todos os orçamentos do segundo ano de Tróica, e quem se absteve, com o mesmo grupo parlamentar, na votação do novo Código do Trabalho, código que em quase nada se distingue, não viesse ele recomendado por Merkel e Schäuble, dos regimes nazis de trabalho que existiam em Auschwitz, Dachau ou Treblinka.
Seguro mancomunou-se com o xexé de Boliqueime e, aqui tão perto como no Verão passado, esteve prestes a chegar a um acordo com o governo de traição nacional Coelho/Portas, impedindo, em todo o caso, que esse governo caísse e o presidente se visse forçado a dissolver a Assembleia da República e a convocar eleições legislativas antecipadas.
Seguro é aquele trânsfuga socialista que, ainda só há cinco meses, se aliou com o governo de vende-pátrias Coelho/Portas e permitiu que os capitalistas operando em Portugal vissem um desconto de 2% no imposto que haveriam de pagar ao Fisco, isto num momento em que até pensões miseráveis inferiores a 500 euros eram compelidas a pagar 18 euros de contribuição extraordinária de solidariedade...
E mais! Foi ainda este mesmo Seguro que, mais uma vez, assinou o Tratado Orçamental, tratado que liquidou totalmente a soberania portuguesa na elaboração do seu próprio orçamento, fixando-lhe antecipadamente o tecto máximo da dívida externa em 40% do PIB e o défice orçamental em 0,5%.
Este Seguro foi ao ponto de apoiar Coelho e Portas na reforma do regimento da Assembleia da República, liquidando alguns dos poucos direitos que a oposição conservava desde 1976.
Mas não é tudo. O pior é que Seguro e seus capangas, por mais do que uma vez, deixaram bem claro que, em caso de não obterem maioria – ou mesmo obtendo-a a sua preferência para alianças parlamentares ou governativas iria para o PSD ou até para o PSD e o CDS.
Ora, como é possível que um povo, massacrado nos últimos três anos por uma política de desemprego, emigração, roubo salarial, cortes nas pensões, aumento nos impostos, austeridade e pobreza, pode permitir que um partido, que se reclama dos trabalhadores e da classe média e é o principal partido da oposição, se proponha alianças futuras imediatas com a coligação que tem estado no Poder nestes últimos três anos de extrema miséria?
Claro está que aquela contradição superior e suprema, que representa a natureza e a matriz do PS, não irá desaparecer com a queda de Seguro.
O problema existencial do PS não é Seguro nem nenhum dos membros da sua elite dirigente: António Costa, Ferro Rodrigues, José Sócrates ou qualquer outro. Também estes últimos já expressaram, por mais do que uma vez, a sua disponibilidade para amanhã, ganhasse o PS as eleições legislativas, se aliarem às forças que hoje exploram e oprimem no governo os trabalhadores e o povo português.
Já alguma vez viu o leitor, nestes últimos três anos, António Costa, por uma só vez que fosse, condenar a assinatura do tratado orçamental por Seguro; condenar a votação parlamentar ou a abstenção dos orçamentos apresentados pelo governo PSD/CDS; condenar a abstenção na votação do novo Código do Trabalho ou o corte de 2% do imposto dos capitalistas?
Não, com certeza que nunca viu! Eles – Seguro, Costa, Sócrates, Ferro Rodrigues – são todos iguais dirigentes oportunistas de um partido oportunista.
O partido socialista português pode desaparecer - como aliás já desapareceu uma vez, quando tinha à sua frente homens da maior consideração como Antero de Quental ou Fontana -, mas não se espere que, com os actuais dirigentes, se ligue alguma vez à esquerda, aos operários, aos trabalhadores e constituam, como o obrigam as suas bases de apoio, uma frente democrática e patriótica, capaz de salvar o país da crise em que vive e de restituir-lhe a democracia, a soberania e a independência nacional.
O caminho está traçado há muito pelos operários e pelo povo. Veremos, todavia, sem nenhuma espécie de ilusões, como cai Seguro e como se alevanta quem o vai substituir.
Sempre sem ilusões!
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