A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sábado, dezembro 30, 2006



7 FATIAS DE SAUDADE EMIGRAMADA

Era um emigrante com seu fadário recheado de esperança no regresso. Derreteu os dias da sua vida a erigir palaciano sonho em tijolo forjado, na aldeia ou vilória do encantamento, na inglória desforra dos dias expatriados.
Sonegou num recanto bem resguardado da alma trinta e tal anos de fidelíssimas venturas pré-anunciadas. Porém, quando despertou da sua letargia o tempo ditara-lhe que estava na véspera da descida ao bojo da terra que, no íntimo, nunca soubera amar, e lhe tribulara a alma de canseiras e saudade. Húmus estranho , fendido, para lhe arrecadar o corpo e recolher a alma calcinada de uma realidade por viver.
*****
Nunca acreditei que um emigrante tivesse duas pátrias. Acredito sim, na dupla expatriação. O que ele tem (tenho, teremos?) são dois lugares do mundo para sonhar e nenhum para realisticamente viver. O drama é testemunhar a vida esgotar-se, virtualmente bipartida sem real possível; o drama é testemunhar a vida finar-se na sua própria virtualidade.
Sempre que quero regressar ao mítico da infância, sintonizo Portugal. Fontes, milheirais, homens de barba de três dias, mulheres enlutadas de cesto à cabeça, uma carroça com o cheiro a erva, o ressoar do gemido de uma nora, a pachorrenta vaca de olhos vendados, o chocalhar das águas de lata em lata, uma sombra onde me resguardo a testemunhar uma sinfonia de vento e sorver o espectáculo da natureza.
Ah!... Umas uvas brancas, gulosas, com refulgências de sol a desejarem ser tragadas por um cristão, e a luz avassaladora, emoldurando de encanto as folhas da vinha e sobre este cenário uma rola desata a arrulhar. Silêncio.
*****
Não existe um único dia que me não assome à memória o sabor do vento, sussurrante nos pinheiros, um barquito a baloiçar nas águas da Malhada ou um rosto de velho pescador, barba desgrenhada e cigarro a fumegar, pendente dos lábios, com redes entre as mãos, ou aquela ponte que diziam romana, tecida de nacos de pedra sabiamente argamassada, cor cravo, resistível aos séculos, por entre juncos esgrouviados e uns fios de água.
Por aí fumei uns cigarritos furtivos. No torpor da nicotina, de olhos inebriados, colhi a luz refulgida na ria entre águas plácidas onde navegava um moliceiro tão suave que, ainda hoje, não sei sonhar mais inebriante idílio paisagístico.
Se vivesse em Ílhavo, todos os dias faria uma romagem de saudade pelas ruelas onde a infância se petrificou. Regressaria oniricamente ao único tempo em que a inocência e a candura eram possíveis, aplacando o vazio do presente com a levitação dos rostos que persistem acompanhar-me, pactuantes em gestos e vozes saudosas no fadário da vida. Afinal, estamos a cada passo a tropeçar na memória-viva dos mortos que connosco encenaram o palco da vida. A qualquer segundo emergem, talvez (quem o saberá?) com o propósito de nos reavivar o seu do nosso destino.
*****
Miguel Torga, com a presciência anímica que lhe é reconhecida afirmara, discorrendo sobre a emigração: "Regressar é quebrar o encanto, permanecer, perpetuar o drama". Bem aventurados serão aqueles que nem quebraram o encanto, nem estão lúcida, nem minimamente conscientes do drama e vão alimentando todos os sonhos, exclusivamente do pão de cada dia. Há destes sábios que sem o saber o são.
*****
De onde emerge este desejo obstinado de regressar às raízes? Será um desejo inconsciente de tentar inutilmente recuperar o tempo da mítica infância?
Há tempos, li algures, um poeta dizer que as nossas raízes não residem na terra, mas no tempo.
De facto. Quando regresso a Portugal, percorre-me a alegria de um tempo redescoberto. Mas, em abono da verdade, nem a terra nem eu somos os mesmos. Contudo, apesar desta dorida realidade, não há desencontros. O reencontro é cada vez mais desejado e poético. As memórias avivam-se neste desejo obstinado de voltar a onde não se pode, senão pela memória. Ah! O tal espaço mítico e verdadeiro da infância... As memórias, autenticamente fiéis, os decénios transcorridos, os sonhos do regresso fenecidos e o tempo-algoz a dirimir impiedoso os dias sobrantes. Percorre-me a mágoa de saber o inexorável da morte. As pessoas idosas da minha infância já se escapuliram; os caminhos que abrigavam amoras e silvedos estão abarrotadas de casario. Até o velho alpendre, com o seu portão carcomido de histórias, onde um namorisco se abrigou dos chuviscos, entre o aroma da resina, a rama seca de pinheiro e peças museológicas: um podão, uma foice, pedaços a esmo de charruas desengonçadas, pendentes de pregos esturricados de ferrugem, um molho de erva a rever as águas da vessada, o arrulhar de uma rola cativa e os tais chuviscos que adocicavam as beijocas furtivas e um fio de vento que sinfonizava de ventura uns olhos que saciavam todas as sedes da alma. Tudo feneceu. Hoje é cimento sobre cimento, ferro sobre ferro, sem alma e portão de zinco.
Abominei o progresso. Distorceram-me as imagens da memória, desfeitearam o cenário dos dias encantados na inebriação de um rosto que fora toda a alegria possível, sonho de todos os sonhos: um namorisco na plenitude de todas as labaredas da alma.
*****
Não é impunemente que se desfeiteia o destino. Na minha alma vive um povo, o ressoar de um língua tão autêntica e íntima ( tal o acto de respirar), uma língua adocicada, melódica e melosa, sem arestas. Escuta, meu amigo: foram gerações que moldaram o sangue do sentir. Contra esse facto nada posso. Além de me defrontar com a saudade que se grudou no cerne da alma e aí reside. Definitivamente. Para que o destino se cumpra é necessário o reencontro vivo com a terra que tatuou no espírito este malfadado jeito de sentir a saudade. Sou um pedaço desmembrado de Portugal. Para estes padecimentos da alma, haveria a cura do regresso.
Quereis então saber qual a condenação de um emigrante? Nenhuma escolha abrange o todo. Entre a pátria e os filhos haverá escolha? Digam os heróis do silêncio, aqueles que sabem rilhar a saudade, silentes, porque entendem que sofrer, publicamente, constitui desgraça, despromoção. Afinal não somos um fragilíssimo sopro de espírito em barro vestido? Temíveis, são aqueles que nunca choram, os que escarnecem de quem padece e não sabem perdoar quem sofre e nos cortam a prumo a esperança com a sua própria desolação. Haverá pecado maior que destituir um homem do sonho, ainda que saibamos que apenas e tão-somente do sonho se trata?
*****
Não sou desta terra onde desemboquei, mercenário de sonhos estrangeirados. Nada aqui testemunhou a minha infância. Nem viela, nem o adro da igreja, nem o cheiro a jarro em dia de romaria; nem as velhas embiocadas a ladainhar pelas esquinas as mazelas alheias; nem os gritos da garotada pontapeando trapos esféricos, clamando: "Passa a bola!"; nem o cheiro a sardinhas que ensardinhavam o ar de névoas fumarentas, entre fogareiro e abanador, com o gato a estraçalhar uma espinha misericordiosa; nem o repicar dos sinos anunciando um baptismo ou o ressoar tétrico das badaladas que anunciavam o retorno do corpo ao seio da terra.
Explicada está a desolação que me assola a alma emigrada, tal procela em terra alheia. Sou náufrago do pão em duas terras madrastas, sem outra bússola que não seja a miragem do regresso com que entretenho este sonho com que me ludibrio.

Barbosa Tavares, Brampton, Canadá.

Ano Novo (Popular – Brasil)

Chegamos em sua morada
Eu
e meus companheiros
Nós andamos festejando
O primeiro de janeiro

Entrada do ano novo
Com prazer e alegria
Com grande contentamento
Eu festejo este dia

Eu festejo o Ano Novo
Com muita moralidade
Deus do céu lhe dê saúde
E muita felicidade

Acordai se estás dormindo
Neste sono tão profundo
Levante e seja bem-vinda
Mais um ano neste mundo

Senhora dona da casa
É uma flor de maravilha
Venha nos dar seu anos
Junto com sua família

O meu terno está cantando
Para alegrar a todo ano
Nós andando festejando
A entrada do Ano Novo

Meu senhor dono da casa
Deus do céu que lhe ajude
Que passe este 60
Gozando boa saúde

Eu festejo o Ano Novo
Nesta data querida
É mais um ano que passamos
No calendário da vida

Meu senhor dono da casa
Estamos aqui de novo
Parabéns muita saúde
E um feliz Ano Novo


quinta-feira, dezembro 28, 2006

RECEITA DE ANO NOVO
Carlos Drummond de Andrade

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegrama?).
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.


sexta-feira, dezembro 22, 2006


Flying Children, 1992. Paula Rego
O Menino Negro não entrou na roda
O menino negro não entrou na roda
das crianças brancas - as crianças brancas
que brincavam todas numa roda viva
de canções festivas , gargalhadas francas...

O menino negro não entrou na roda.
E chegou o vento junto das crianças
- e bailou com elas e cantou com elas
as canções e danças das suaves brisas,
as canções e danças das brutais procelas.
O menino negro não entrou na roda.
Pássaros, em bando, voaram chilreando
sobre as cabecinhas lindas dos meninos
e pousaram todos em redor. Por fim,
bailaram seus vôos, cantando seus hinos...
O menino negro não entrou na roda.
"Venha cá, pretinho, venha cá brincar"
- disse um dos meninos com seu ar feliz.
A mamã, zelosa, logo fez reparo;
o menino branco já não quiz, não quiz...
O menino negro não entrou na roda.
O menino negro não entrou na roda
das crianças brancas. Desolado, absorto,
ficou só, parado com olhar cego,
ficou só, calado com voz de morto.

Geraldo Bessa Victor (Angola)
in “Mucanda” (1964)

quinta-feira, dezembro 21, 2006


PROVÉRBIOS DE NATAL


Pelo Natal, poda natural.
Pelo Natal, sacha o faval.
Quem vareja antes do Natal deixa o azeite no olival.
Se queres bom alhal, planta-o pelo Natal.
No Natal, tem o alho bico de pardal.
Caindo o Natal à segunda-feira, pode o lavrador alugar a eira.
Ande o frio onde andar, no Natal há-de chegar.
Natal molhado: ano melhorado.
No Natal, é bom chover e melhor nevar.
Mal vai a Portugal se não houver três cheias antes do Natal.

No Natal, fiar; no Entrudo, dobar; na Quaresma, tecer; e na Páscoa, coser

Páscoa a assoalhar: Natal atrás do lar.
Natal à lareira: Páscoa na soalheira.
Natal em casa: Páscoa na praça.

Por Santo André, pega no porco pelo pé. Se ele disser cué, cué, diz-lhe que tempo é; se ele disser que tal, que tal, guarda-o para o Natal.
Dos Santos ao Natal, inverno natural.


TUDO NA VIDA SE TRANSFORMA E NADA É IGUAL AO QUE JÁ PASSOU, EMBORA SEMELHANTE POSSA PARECER!

Bem, pessoal, embarcando na quadra natalícia que cada vez menos festiva é, vai sendo tempo de deixar os habituais votos de boas festas e bom ano, embora cada vez mais sombrios sejam para a maioria e para a humanidade os dias que se avizinham.
Tudo muda e o Pai Natal não passa afinal duma invenção da Coca Cola e o Menino Jesus para uma certa parte da humanidade que nisso cria já deixou de oferecer prendas ou mesmo responder aos díspares ou contraditórios pedidos que ainda lhe fazem, mentalmente, em reza ou por escrito.
Vejam lá como são as coisas. Lá em Luanda - Angola - como aqui no Puto (Portugal) fazia-se a consoada com bacalhau e rabanadas e arroz doce e aletria e bolo rei e nozes e pinhões e passas e camarão e no Ano Novo champagne e fogo de artifício iluminando o negrume da noite, deslumbrantemente reflectido nas calmas águas da baía. E havia também árvore de Natal com bolas coloridas e lâmpadas pisca-pisca e fios brilhantes multicolores. A coroar a árvore uma estrela brilhante. E na véspera, lá se punham os sapatos à espera do dia seguinte, bem de manhã cedinho, para, alvoraçados, vermos as prendas que o Menino Jesus lá colocara e que pedidos haviam sido satisfeitos. E juntarmo-nos depois todos, nos quintais ou na rua ou de casa em casa, para vermos as prendas uns dos outros. Lá em casa, livros [em francês, português ou inglês], muitos, mas também soldados de chumbo ou de plástico, miniaturas de carros, chocolates, aviões, engenhos mecânicos, construções de armar, em cartolina, madeira ou de metal (meccano), um microscópio, uma bicicleta, uns patins, a máquina fotográfica «caixote» da Kodak ... E com as construções de armar e outras miniaturas se ia aumentado todos os anos a «cidade» do comboio eléctrico, que da primeira vez o meu pai armou em surpresa por entre a louça da mesa de jantar, no quintal onde comíamos habitualmente. Davam-se e recebiam-se muitas prendas.
Mas nem tudo era igual. Em Luanda, salvo no presépio, não havia nem burros, nem ovelhas, nem pastores ... Nem neve, primeiro substituída por flocos de algodão hidrófilo e depois por uma bisnaga de spray mais «realista». E também não havia frio - era tempo de calor e também das grandes chuvadas e assustadoras e ensurdecedoras e relampejantes e rápidas trovoadas trovejantes - o pino da estação quente - e muitas vezes o dia de Natal era passado na praia, tal como os antecedentes e subsequentes, e à noite jantava-se fora, num restaurante na Ilha [do Cabo] ou em casa de uma das muitas famílias amigas com quem se convivia durante o ano.
Depois, com a entrada no Liceu, a realidade dita pela minha mãe - quem dava as prendas não era o Menino Jesus mas sim os Pais, os familiares, os amigos e conhecidos. E do Natal subsistiu apenas e durante muitos anos a troca de presentes e o (re)encontro da família. Mas tudo passa e o tempo vai afastando as pessoas e levando aqueles que povoaram a nossa infância, meninice ou adolescência a sumirem-se, levados pelas voltas e reviravoltas da vida ou pela morte.
E o que fica hoje é a voragem das prendas apressadamente compradas como obrigação ou simples ritual, os postais, os telefonemas, os sms ou as mensagens electrónicas, cada vez mais apressados ou despersonalizados. E o sem sentido dos rituais e o vazio e a pressa deste tempo passar rapidamente na voragem do nada, papel de embrulho rasgado e lançado para o cesto dos papéis.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

O português no mundo

* Victor Nogueira


A língua portuguesa, com mais de 230 milhões de falantes, é o sétimo idioma mais divulgado no mundo e o terceiro do Ocidente. Língua oficial única de Brasil e Portugal e, com outros idiomas, de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, o português é ainda uma importante língua minoritária em Andorra, Luxemburgo, Namíbia, Suíça e África do Sul.

A língua de Camões predomina igualmente em numerosas comunidades de emigrantes residentes em várias cidades do planeta, designadamente Paris (França), Toronto, Hamilton, Montreal e Gatineau (Canadá), Boston, New Jersey e Miami (EUA) e Nagoya e Hamamatsu (Japão).

Embora existam documentos em português desde o século XII, só em 1290 o rei D. Dinis lhe confere o estatuto oficial de «língua portuguesa».

No século XV e XVI, à medida que Portugal criava o primeiro império colonial e comercial europeu, a nossa fala espalha-se pelo mundo, desde a costa Africana até à Ásia e América, incorporando vocábulos indígenas.


Outros aspectos deste tema podem ser encontrados em
http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_portuguesa ou
http://grupo-paralaxe.net/LinguaPortuguesa/index.php?option=com_content&task=view&id=16&Itemid=47 Igualmente interessante é o material disponível em
http://acd.ufrj.br/~pead/tema05/por-tm05.html

Com dois padrões de escrita reconhecidos internacionalmente - o português europeu (onde se inclui o português africano) e o português do Brasil - esta última variante é a mais estudada e utilizada, representando cerca de 80 por cento dos falantes.

Alguns especialistas consideram o galego como parte da língua portuguesa, porém oficialmente são idiomas distintos
(http://pt.wikipedia.org/?title=Galaico-portugu%C3%AAs_%28hist%C3%B3rico).

A distribuição geográfica do português, suas variedades, dialectos e crioulos pode ser vista em http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_portuguesa e em
http://www.instituto-camoes.pt/CVC/hlp/geografia/index.html. Neste último sítio também podem ouvir-se registos sonoros de dialectos portugueses ou de outros países fora da Europa. No Observatório da Língua Portuguesa (http://www.observatoriolp.com/ ) também se encontra informação interessante.

Vestígios da língua portuguesa e da presença de Portugal no Mundo podem ser encontrados em http://www.colonialvoyage.com/ (inglês). Um catálogo de influências da música portuguesa na sequência dos «descobrimentos» encontra-se em
http://www.tradisom.com/portugues/catalogo/index.html , com um mapa que permite a pesquisa por países.

Victor Nogueira

Publicado no Jornal do STAL nº 83 (Setembro 2006)

terça-feira, novembro 07, 2006

EM LUTA PELA DEFESA DO DIREITO AO TRABALHO, À SAÚDE E A UMA VIDA COM DIGNIDADE.

* Victor Nogueira

O Governo prossegue a sua política de desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, do Sistema Público de Ensino e do Sistema Público universal e solidário da Segurança Social, para além da privatização do que resta do Sector Empresarial do Estado, tudo isto em benefício da Banca, dos Seguros e do Grande Capital.

O Orçamento de Estado proposto para 2007 é gravoso para os trabalhadores, para os pensionistas, para os jovens, para as mulheres, numa palavra, para a generalidade da população, em nada contribuindo para relançamento e desenvolvimento da sociedade e da economia portuguesas e do seu sector produtivo. O que está em causa é uma feroz e gravíssima ofensiva lançada contra importantes direitos alcançados pela luta do Povo Português, consagrados na Constituição da República.

Também contra os trabalhadores da Administração Pública, que asseguram alguns desses direitos essenciais e basilares, prossegue o violento ataque por parte do Governo, mantendo-se o congelamento da progressão dos escalões, os cortes nas comparticipações da ADSE, a redução do vinculo público a favor da generalização do contrato individual de trabalho, acabando com o sistema de carreiras. Isto para não falar na alteração das regras da aposentação e na real ameaça de despedimentos pela extinção de serviços públicos que asseguram importantes Funções Sociais do Estado Por outro lado o aumento salarial proposto é de 1,5%, reduzido na prática a 1% devido ao aumento de 0,5 % nos descontos para a ADSE. Este aumento salarial não repõe a perda do poder de compra desde 2001, estimada em 7,7%, nem faz face à previsível subida generalizada dos preços de bens essenciais, incluindo o da energia eléctrica.

Por isso os trabalhadores continuam em luta. Após a grandiosa manifestação de 12 de Outubro, promovida pela CGTP, que reuniu cerca 100 mil manifestantes, a Administração Pública estará em luta em 9 e 10 de Novembro, com uma greve nacional

E em 25 de Novembro a CGTP promove acções descentralizadas por uma nova política ao serviço dos trabalhadores, dos reformados e da generalidade das populações.

A LUTA É DE TODOS NÓS !

quinta-feira, outubro 26, 2006

Fados do Tempo da Outra Senhora (1) Calçada de Carriche - António Gedeão




Calçada de Carriche

Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada


António Gedeão

terça-feira, outubro 24, 2006

NA FONTE ESTÁ LEONOR

Na fonte está Leonor
lavando a talha e chorando,
as amigas perguntando:
vistes lá o meu amor?

VOLTAS

Posto o pensamento nele,
porque a tudo o Amor a obriga,
cantava, mas a cantiga
eram suspiros por ele.
Nisto estava Leonor
o seu desejo enganando,
às amigas perguntando:
vistes lá o meu amor?

O rosto sobre uma mão,
os olhos no chão pregados,
que, do chorar já cansados,
algum descanso lhe dão.
Desta sorte Leonor
suspende de quando em quando
sua dor; e, em si tornando,
mais pesada sente a dor.

Não deita dos olhos água,
que não quer que a dor se abrande
Amor, porque em mágoa grande
seca as lágrimas a mágoa.
Que, depois de seu amor
soube novas, perguntando,
d'improviso a vi chorando.
Olhai que extremos de dor!

CAMÕES
LEONOR

A Leonor continua descalça,
o que sempre lhe deu certa graça.

Pelo menos não cheira a chulé
e tem nuvem de pó sobre o pé.

Digam lá se as madames do Alvor
são tão lindas como esta Leonor

Um filhito ranhoso na mão,
uma ideia já podre no pão.

Meia dúzia de sonhos partidos,
a seus pés, como cacos de vidros.

Digam lá se as madames do Alvor
são tão lindas como esta Leonor.


António Cabral, Antologia dos Poemas Durienses, Chaves, Edições Tartaruga, 1999.
VAI FORMOSA E NÃO SEGURA

I

Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura:
Vai formosa e não segura.

II

Se tivesse umas chinelas
iria melhor...; mas não:
com dinheiro das chinelas
compra um pouco mais de pão.
Virá o dia em que os pés
não sintam a terra dura?
Leonor sonha de mais:
vai formosa e não segura.

Formosa! Não vale a pena
ter nos olhos uma aurora
quando na vida – que vida! –
o sol se foi embora.
Se os filhos se alimentassem
com a sua formosura...
Leonor pensa de mais:
vai formosa e não segura.

Há verduras pelos prados,
há verduras no caminho;
no olmo de ao pé da fonte
canta, livre, um passarinho,
Mas ela não canta, não,
que a voz perdeu a doçura.
Leonor sofre de mais:
vai formosa e não segura.

Porque sofre? Nunca soube
nem saberá a razão.
Vai encher a talha de água,
só não enche o coração.
Virá um dia... virá...
Os olhos voam na altura
Leonor não anda: sonha.
Vai formosa e não segura.

António Cabral, Antologia dos Poemas Durienses, Chaves, Edições Tartaruga, 1999.
cantiga
VAI FORMOSA E NÃO SEGURA

CANTIGA

Descalça vai para a fonte,
Leanor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.

A talha leva pedrada,
Pucarinho de feição,
Saia de cor de limão,
Beatilha soqueixada;
Cantando de madrugada,
Pisa as flores na verdura:
Vai fermosa, e não segura.

Leva na mão a rodilha,
Feita da sua toalha;
Com üa sustenta a talha,
Ergue com outra a fraldilha;
Mostra os pés por maravilha,
Que a neve deixam escura:
Vai fermosa, e não segura.


As flores, por onde passa,
Se o pé lhe acerta de pôr,
Ficam de inveja sem cor,
E de vergonha com graça;
Qualquer pegada que faça
Faz florescer a verdura:
Vai formosa, e não segura.

Não na ver o Sol lhe val,
Por não ter novo inimigo;
Mas ela corre perigo,
Se na fonte se vê tal;
Descuidada deste mal,
Se vai ver na fonte pura:
Vai fermosa, e não segura.

Francisco Rodrigues Lobo
redondilha
VAI FORMOSA E NÃO SEGURA

Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura
Vai formosa e não segura!

Leva na cabeça o pote
O testo nas mãos de prata
Cinta de fina escarlata
Dainho de chamalote
Traz a vasquinha de cote
Mais branca que a neve pura
Vai formosa e não segura!

Descobre a touca a garganta
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor d'encarnado
Tão linda que o mundo espanta
Chove nela graça tanta
Que dá graça à formosura
Vai formosa e não segura!

CAMÕES

segunda-feira, outubro 23, 2006




PROCISSÃO

Tocam os sinos da torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Mesmo na frente, marchando a compasso,
De fardas novas, vem o solidó.
Quando o regente lhe acena com o braço,
Logo o trombone faz popó, popó.

Olha os bombeiros, tão bem alinhados!
Que se houver fogo vai tudo num fole.
Trazem ao ombro brilhantes machados,
E os capacetes rebrilham ao sol.

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Olha os irmãos da nossa confraria!
Muito solenes nas opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos bigodes e tais sobrancelhas!

Ai, que bonitos que vão os anjinhos!
Com que cuidado os vestiram em casa!
Um deles leva a coroa de espinhos.
E o mais pequeno perdeu uma asa!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Pelas janelas, as mães e as filhas,
As colchas ricas, formando troféu.
E os lindos rostos, por trás das mantilhas,
Parecem anjos que vieram do Céu!

Com o calor, o Prior aflito.
E o povo ajoelha ao passar o andor.
Não há na aldeia nada mais bonito
Que estes passeios de Nosso Senhor!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Já passou a procissão.

António Lopes Ribeiro

António Gedeão - Poema da auto-estrada

POEMA DA AUTO-ESTRADA

Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta
Vai na brasa de lambreta.

Leva calções de pirata,
vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina
de impaciente nervura.
Como guache lustroso,
amarelo de indantreno
blusinha de terileno
desfraldada na cintura.

Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.

Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.

Como um rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.

Na confusão dos sentidos
já nem percebe, Leonor,
se o que lhe chegou aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.

Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.


António Gedeão, Máquina de Fogo, 1961

sexta-feira, outubro 20, 2006

PERGUNTAS DE UM OPERÁRIO LETRADO

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruida,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Indias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas

BRECHT

quinta-feira, outubro 19, 2006

Achamentos, Descobrimentos ou Encontros de Culturas - Uma outra abordagem !



* Victor Nogueira

Nós achamos ou descobrimos aquilo que desconhecemos ou perdemos. E ao achar ou descobrir nós encontramos!

Se é certo que a Humanidade iniciou sua caminhada a partir de África e dali se espalhou pelo Mundo, então esses nossos antepassados foram os primeiros e verdadeiros descobridores de terras até então não percepcionadas pelo Homem/Mulher. «Frágeis» seres enfrentando dantescos e desconhecidos perigos e contrariedades. Dessas caminhadas, dessas descobertas, não ficaram registos escritos e, na ausência de meios de comunicação na vastidão da terra, as novas comunidades perderam o contacto e da ancestralidade ficaram alguns mitos e lendas comuns.

Separadas e isoladas, cada uma para seu lado, essas comunidades foram-se desenvolvendo, criando suas formas e regras para organização da sociedade e de interpretação da Natureza e de seu relacionamento com ela, foram criando seus próprios sistemas de valores, foram atingindo estádios de «desenvolvimento» e de conhecimento diferenciados.

Cortez ao desembarcar no actual México encontrou uma civilização complexa, a dos Aztecas, como «desenvolvidas» eram as dos Maias e dos Incas. Confundiram-no os Aztecas com Quetzalcóatl, um Deus por eles muitas vezes até aí representado por um «homem branco, barbado e de olhos claros», que prometera voltar. Mas Cortez nada tinha da «bondade» de Quetzalcóatl nem chegara para cumprir as promessas deste.

Grandes navegadores foram os Vikings, provenientes do Norte da Europa (Escandinávia), que atingiram também o continente que veio a chamar-se América, muito antes de Colombo, Cabral ou Américo Vespucci, mas que não deixaram registos escritos das suas façanhas, o que não significa que não tenham ocorrido pela análise de testemunhos de outra espécie. Com efeito há testemunhos arqueológicos da descoberta da América do Norte, por Leif Eriksson da Groenlândia (1000 d.C.), que lhe deu o nome de Vinland. Um pequeno povoado foi fundado na península norte na Terra Nova (Canadá), mas a hostilidade dos indígenas locais e o clima frio provocaram o fim desta colónia ao fim de alguns anos. Os restos arqueológicos deste local - L'Anse aux Meadows - estão classificados como Património Mundial, pela UNESCO.

Como hoje se questiona que a 1ª viagem de circum-navegação tenha sido feita por Fernão de Magalhães, português ao serviço do Rei de Castela, avançando-se com o feito duma esquadra chinesa bem antes, em 1421.

E se a descoberta do caminho marítimo para a Índia é reivindicada pelos portugueses e atribuída a Vasco da Gama (1498), a verdade é que desde há longos a China conhecia a Europa e esta sabia da existência da China, não só através dos mercadores árabes como do veneziano Marco Pólo (1254 - 1324), que percorreu a terrestre Rota da Seda.

Certa história regista os feitos enaltecendo não a plebe que está por detrás deles mas sim os «chefes» ou comandantes. A História fala de Vasco da Gama mas não regista os nomes dos marinheiros que permitiram a este comandar a esquadra e sem os quais nunca lá teria chegado. A História refere o nome de Cabral como «descobridor» do Brasil, mas quem sabe o nome do gajeiro que do alto da gávea primeiro avistou terras do Brasil, disso dando conta ao comandante? Descuido de Pêro Vaz de Caminha? A história regista o nome de Edmund Hillary como o 1º ser humano que subiu ao Everest (terá sido?), mas ele não fez a proeza sozinho, antes contou com o apoio de outrem. Quem conhece o nome do sherpa Tenzing Norgay?

E depois, o olhar que temos de descobrimentos, achamentos e encontros é o olhar de quem domina, durante muito tempo o olhar dos Europeus, como se a Europa fosse o centro e o farol do Mundo e da Humanidade. Mas os descobertos ou achados também têm a sua visão, os seus Heróis, que seguramente não serão os mesmos. E os povos «achados» ou «descobertos» não eram em termos de organização e de conhecimentos «inferiores» aos «Europeus». Talvez sofressem no entanto dum «defeito»: terem sido talvez demasiado crédulos quanto às boas intenções dos que se vieram a apresentar como «descobridores» ou «achadores».

Para o mesmo local encontramos frequentemente duas designações: a dos que já estavam e a dos que depois lá chegaram. Qual deve prevalecer e porque prevaleceu a que prevaleceu?

Aqui na internet, gigantesca biblioteca onde nem tudo merece crédito e muito tem de ser joeirado, pode ler-se, por exemplo, acerca de «Índios e Portugueses - O Encontro de Duas Culturas»: «Durante os primeiros anos do Descobrimento, os nativos foram tratados "como parceiros comerciais", uma vez que os interesses portugueses voltavam-se ao comércio do pau-brasil, realizado na base do escambo. Segundo os cronistas da época, os indígenas consideravam os europeus, amigos ou inimigos, conforme fossem tratados: amistosamente ou com hostilidade. Com o passar do tempo, e ante a necessidade crescente de mão-de-obra dos senhores de engenho, essa relação sofreu alterações. Com a instalação do Governo Geral, em 1549, intensificou-se a escravidão dos indigenas nas diversas atividades desenvolvidas na Colônia, gerando constantes conflitos.»
(http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo01/duas_culturas.html)

Relatos semelhantes poderiam ser feitos relativamente ao encontro entre os poderosos Reinos de Portugal e do Congo, para além de outros que em África havia, que levaram ao desenvolvimento da escravatura para permitir o funcionamento de roças e de engenhos na América ou na Europa.

Para além da consulta de Lopes, Duarte e Pigafetta, Filippo. Relação do Reino do Congo e das Terras Circunvizinhas, Câmara Municipal de Amarante, 2000, pistas sobre este assunto podem ser encontradas também a partir de http://www.historia.uff.br/tempo/textos/artg6-7.PDF
ou http://www.suapesquisa.com/afric/ )

Victor Nogueira
Publicado no PortugalClub

terça-feira, outubro 17, 2006


O MAIOR PORTUGUÊS DE TODOS OS TEMPOS (1)
ZÉ POVINHO OU FERNÃO MENDES PINTO
* Victor Nogueira

Numa época de crise resolveu a RTP lançar um concurso, o «supra-sumo da democracia» em votação electrónica, por sms ou telefónica, tendo esta maior peso e sendo duas delas com custos de valor acrescentado.

É obra reduzir cerca de oito séculos de história colectiva a uma única personalidade, O ou A MAIOR de todos os tempos, quando se consideram áreas tão distintas como a política, a ciência, a arte, a pintura, a música,o cinema, o teatro, a literatura, o desporto, a religião, as viagens de descobrimentos, etc, etc, etc.

Em certos meios instalou-se a polémica porque a RTP na sua lista exemplar não tinha incluído António Salazar, gritando-se «contra» o lápis azul e o «regresso» da «Censura», embora seja sempre limitada, por razões várias, a listagem que poderia ser elaborada.

Polémicas à parte nenhum dos grandes portugueses ou portuguesas existiu desligado da sociedade e do tempo em que viveram, nenhum deles alcançou o que quer que seja sem a «colaboração» e o trabalho de outros, muitos ou poucos, cujos nomes a história grande ou pequena não registaram ou mal registam.

Sem os camponeses que constituíam o grosso das tropas de Afonso Henriques e outros «senhores» não seriam tomadas de assalto cidades ou alimentadas as tropas ou as populações das cidades sitiadas e saqueadas, sem a arraia miúda o Mestre de Avis não teria sido aclamado rei nem dado origem ao ascenso da burguesia e duma «nova» classe nobre, sem a peonagem Nuno Álvares Pereira não teria derrotado a cavalaria castelhana em Aljubarrota e preservado a independência face ao reino de Castela, sem escravos e cartógrafos o Infante D. Henrique não teria lançado a gesta dos descobrimentos, sem a marinhagem, a soldadesca e os artífices as naus não teriam saído da barra do Tejo nem construído fortes por todo o mundo, sem os agricultores não se teriam produzido os alimentos e sem pescadores não haveria peixe à mesa, sem os artesãos e os operários não se teriam construído os equipamentos, a maquinaria e os produtos necessários à satisfação das necessidades populacionais, distribuídos pelos bufarinheiros e comerciantes.

A perseguição da riqueza ou a fuga à miséria estiveram por detrás da separação do Condado Portucalense face ao Reino de Leão e ao seu alargamento e, posteriormente, dos Portugueses por todo o mundo, muitas vezes tentando buscar lá fora o que a pátria madrasta lhes negava e continua a negar dentro de portas. Graças aos emigrantes e às ex-colónias a língua portuguesa é a 6ª mais falada no mundo,do Brasil a Timor, e dela permanecem vestígios um pouco por toda a parte.

Foi a arraia miúda que apoiou sem êxito o Prior do Crato face às pretensões hegemónicas dos Filipes de Castela, foram os camponeses que constituiram o grosso das tropas na Guerra da Restauração da Independência no século XVII e combateram as tropas invasoras napoleónicas no século XIX ou alinharam pelo liberal D. Pedro IV ou pelo absolutista D. Miguel, numa guerra civil fratricida.

Dividida, muitas vezes, em campos opostos, foi a populaça com as suas virtudes e defeitos que construiu Portugal e permitiu que alguns poucos sobressaíssem, umas vezes favorecendo outras impedindo golpes palacianos como o queem 25 de Abril de 1974 se preparava entre o general Spínola e Marcelo Caetano.

Por isso, votaria no Zé Povinho, criação de Rafael Bordalo Pinheiro. Mas, como este é um personagem sem existência real, «alegórico», resta-me votar em FERNÃO MENDES PINTO.

Fernão Mendes Pinto é um grande aventureiro português,do século XVI. De Montemor-o-Velho, viajou entre a exuberante Índia, a misteriosa China e o exótico Japão. Experiências que o levaram a escrever a "Peregrinação", extraordinário livro de viagens e aventuras, testemunho da grandeza e miséria da expansão de Portugal pelo mundo desconhecido na Europa. Foi Mendes Pinto moço da corte, pirata, comerciante, soldado, «religioso», diplomata,mendigo, escravo ... Na sua obra "considerava que os homens eram iguais, independentemente da sua religião, credo ou situação" e «documenta de forma extremamente viva o impacto das civilizações orientais sobre os europeus recém-chegados e, sobretudo, constitui uma análise extremamente realista da acção dos portugueses no Oriente, muito mais realista que a visão heróica transmitida por Camões n' Os Lusíadas.»

Victor Nogueira
O que há em mim é sobretudo cansaço

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço...

Álvaro de Campos

segunda-feira, setembro 25, 2006


Dizem que os livros são os nossos melhores e maiores amigos.
Mas os livros não se sentam á nossa beira,
nem têm olhos, nem sorriem
nem nos abraçam,
nem connosco passeiam pela rua, pelo campo.
Nada podemos dar aos livros
senão as letras dos nossos pensamentos
ou um pouco de nós
para que chegue aos outros.

Os livros têm os olhos que nós temos.
E os seus lábios são os nossos lábios.
Porque se os livros tivessem olhos
e lábios e mãos e dedos
seriam talvez pessoas
mas nunca livros.

Victor Nogueira (1969)
HÁ SEMPRE UM RAPAZ TRISTE

Há sempre um rapaz triste
em frente a um barco

(a água é sempre azul
e sempre fresca)

Em que país encontraria
um emprego e esquecimento

em que país encontraria
amor e compreensão

Em que país
sentiriam
a sua vida e a sua morte

Não respondem as gaivotas
porque voam

Há sempre um rapaz triste
com lágrimas nos olhos
em frente a um barco

António Reis - Poemas Quotidianos, pág. 22, Porto, [1957].

sexta-feira, setembro 22, 2006

ADEUS

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

AS MÃOS - quatro poemas diversos






Estão roucas as palavras
gastas as tuas mãos
duras
secas
cortantes
como punhais

Victor Nogueira


AS MÃOS

Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema - e são de terra.
Com mãos se faz a guerra - e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas, mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor, cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.

Manuel Alegre


AS MÃOS

Que tristeza tão inútil essas mãos
que nem sempre são flores
que se dêem:
abertas são apenas abandono,
fechadas são pálpebras imensas
carregadas de sono.

Eugénio de Andrade


50.
Não é nas mãos
que desespero

As minhas mãos
só trabalham
e adormecem

esfriam
ou arrefecem

Não desmaiam
nem têm rios

Têm ossos
músculos
e sangue

poros também
por onde transpiro

mais nada têm

António Reis – Poemas Quotidianos

quarta-feira, setembro 20, 2006



EUGÉNIO DE ANDRADE - Três poemas

SERÃO PALAVRAS SÓ

Diremos prado bosque
primavera,
e tudo o que dissermos
é só para dizermos
que fomos jovens.

Diremos mãe amor
um barco
e só diremos
que nada há
para levar ao coração.

Diremos terra ou mar
ou madressilva,
mas sem música no sangue
serão palavras só,
e só palavras, o que diremos.

(Eugénio de Andrade)

Lisboa ...

Alguém diz com lentidão:
"Lisboa, sabes ..."
Eu sei. É uma rapariga
descalça e leve,
um vento súbito e claro
nos cabelos,
algumas rugas finas
a espreitar-lhe os olhos,
a solidão aberta
nos lábios e nos dedos,
descendo degraus
e degraus
e degraus até ao rio.

Eu sei. E tu sabias?

(Eugénio de Andrade)


34. Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos como animais envelhecidos;
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor
vamos caindo ao chão apodrecidos.

(Eugénio de Andrade)

terça-feira, setembro 19, 2006

EFEMÉRIDES ENTRE AGOSTO E SETEMBRO



1.- O HOLOCAUSTO NUCLEAR, no Japão

Com a rendição incondicional do Japão em 14 de Agosto de 1945 terminou a mortífera 2ª Grande Guerra Mundial, precedida do lançamento, pelos EUA, das duas primeiras bombas atómicas, sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaqui, completamente arrasadas, respectivamente em 6 e 9 de Agosto desse ano.

Dos 400 mil habitantes de Hiroshima, cerca de 260 mil morreram instantaneamente. Em Nagasaqui, com cerca de 170 mil habitantes, o lançamento da bomba nuclear provocou de imediato cerca de 39 mil mortos, atingindo nos dois casos cerca de 200 mil feridos cuja forma de tratamento era completamente desconhecida.

A necessidade militar deste acto de barbárie é questionado, resultando duma decisão do Presidente Truman que não teve em conta a opinião de comandos militares dos EUA nem o facto do Japão estar derrotado, designadamente após a declaração de guerra feita pela URSS com a consequente invasão da Manchúria.

As sequelas dos bombardeamentos ainda se fazem sentir nos dias de hoje entre as populações civis japonesas e seus descendentes e acabaram por dar origem à corrida aos armamentos entre os EUA e a URSS bem como ao aparecimento de várias potências nucleares, algumas regionais, apesar dos tratados de não proliferação nuclear.

2.- ONZE DE SETEMBRO, no Chile

Em 11 de Setembro de 1973 um golpe militar apoiado pelos EUA e liderado pelo General Pinochet derrubou o Governo democrático de Salvador Allende, pondo fim a uma experiência de transição pacífica para o socialismo, por via eleitoral.

Por detrás do golpe militar estava o Secretário de Estado norte americano Henry Kissinger, laureado com o Prêmio Nobel da Paz em 1973, que afirmara: «Eu não vejo porque nós temos de esperar e olhar um país se tornar comunista devido a irresponsabilidade de seu povo»

Apesar da dissolução do Parlamento e da imediata instauração duma feroz e repressiva ditadura, das caravanas da morte e do assassinato e tortura de milhares de chilenos, o Governo de Pinochet foi reconhecido quase de imediato pelos EUA, cujo Presidente na altura era Nixon, e apoiado durante 17 anos.

Nada de original para um País que em nome da «Democracia e da Liberdade», por todo o mundo, incluindo a América Latina, conspira para derrubar Governos que ponham em causa os interesses do capitalismo, travestido de «economia de mercado» mais ou menos «neo-liberal».

3. - Vinte e oito de SETEMBRO, em Portugal

Um fracasso foi o 28 de Setembro de 1974, em Portugal, onde abortou uma pretensa «manifestação da maioria silenciosa», apoiada pelo então Presidente da República General Spínola, para tentar travar a participação popular nas transformações sociais e políticas emergentes do 25 de Abril de 1974 e tentar também inverter o processo de descolonização então em curso.

Aqui não foram avante as teses de Kissinger para transformar Portugal numa «vacina» exemplar para a Europa, apostando-se com êxito no PS de Mário Soares que, desde 1976, em alternância com o PPD/PSD e a muleta do CDS/PP, em nome da «democracia e da liberdade», têm rasgado sucessivas promessas eleitorais, trapaceando sistematicamente o sentido maioritário do voto popular.

Assim, desde 25 de Novembro de 1975 e após as eleições de 1976, aqueles partidos, paulatinamente, têm traído e destruído as esperanças, os sonhos e as conquistas de Abril. Esperanças, sonhos e conquistas então consagradas pela Assembleia Constituinte, que se pretendiam baseadas na Paz entre os Povos e na construção duma democracia política, económica, cultural e social rumo ao socialismo e a uma sociedade igualitária, mais justa, fraterna, livre e solidária.
VN

segunda-feira, setembro 18, 2006

Alda Lara - Mulheres Angolanas Históricas (8)

PRESENÇA AFRICANA


E apesar de tudo,
ainda sou a mesma!
Livre esguia,
filha eterna de quanta rebeldia
me sagrou.
Mãe-África!
Mãe forte da floresta e do deserto,
ainda sou,
a Irmã-Mulher
de tudo o que em ti vibra
puro e incerto...

A dos coqueiros,
de cabeleiras verdes
e corpos arrojados
sobre o azul...
A do dendém
nascendo dos abraços das palmeiras...

A do sol bom, mordendo
o chão das Ingombotas...
A das acácias rubras,
salpicando de sangue as avenidas,
longas e floridas...

Sim!, ainda sou a mesma.
A do amor transbordando
pelos carregadores do cais
suados e confusos,
pelos bairros imundos e dormentes
(Rua 11!...Rua 11!...)
pelos meninos
de barriga inchada e olhos fundos...

Sem dores nem alegrias,
de tronco nu e musculoso,
a raça escreve a prumo,
a força destes dias...

E eu revendo ainda, e sempre, nela,
aquela
longa historia inconsequente...

Minha terra...
Minha, eternamente...

Terra das acácias, dos dongos,
dos cólios baloiçando, mansamente...
Terra!
Ainda sou a mesma.
Ainda sou a que num canto novo
pura e livre,
me levanto,
ao aceno do teu povo!

(Alda Lara - 1930 / 1962)
(Angola)

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Alda Lara no D'Ali e D'Aqui
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De longe - Alda Lara

Rumo - Alda Lara

Modus Vivendi - Poesia e Pintura

De longe - Alda Lara

Testamento - Alda Lara

Presença Africana - Alda Lara

Rumo - Alda Lara

Alda Lara - Poesia e Breve biografia

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Quando regresso a casa, cada tarde,
a minha tristeza sai da alcova dela,
com a sua capa,
e começa a seguir-me:
se caminho, caminha,
se me sento, senta-se,
se choro, chora com o meu pranto
até à meia-noite. e nos cansamos.
então, vejo que a minha tristeza
entra na cozinha, abre a porta da geleira
tira um pedaço escuro de carne
e prepara-me o jantar.

Yusuf Al-Saigh (Palestina, 1929)
[Tradução de Adalberto Alves]

terça-feira, setembro 05, 2006


Estado Velho

Ah! não há dúvida
vocês existem, vocês persistem
vocês existem com grémios e tribunais
medidas de segurança e capitais
plenários mercenários festivais
grades torturas verbenas
cativeiros de longas penas
com vista para o mar
para matar

Palhaço
lacrimogénio
capacete de aço

Vocês existem bordados a ponto de cruz
fazendo a guerra sugando o povo
sorvendo a luz com estoris, coktails, recepções
canastas e ralys
whisky, coktails, cherries
trapeiras, esconsos, saguões
discursos, salmão, lagostas
pão duro, desespero e crostas
sorrisos de hospedeiras
e assassínios de ceifeiras

Palhaço
lacrimogénio
capacete de aço

Vocês existem, baionetas e chá com bolos
cooperativas, clubes de mães
concursos de gatos e cães
cães de luxo para lamber
cães polícias - polícias cães
para morder
barracas de lata para viver
salários de fome para sofrer
trapos, suor e lodo
amáveis conversas de casaca
e sobre as nossas cabeças
a matraca

Palhaço
lacrimogénio
capacete de aço

Ah! Não há dúvida
vocês continuam ainda a existir
até ao raio que vos há-de partir

Ary dos Santos

sábado, setembro 02, 2006

"António Aleixo - desenho de Tóssan"




António Aleixo - Quadras

Eu não sei porque razão
certos homens, a meu ver,
quanto mais pequenos são
maiores querem parecer.

Como um só não é bastante
Nós vamos ter , brevemente,
Dois guardas por habitante,
P´ra que não roubem a gente.

Sem que discurso eu pedisse,
ele falou, e eu escutei.
Gostei do que ele não disse;
do que disse não gostei

Quantas sedas aí vão,
quantos brancos colarinhos,
são pedacinhos de pão
roubados aos pobrezinhos!

Da guerra os grandes culpados
Que espalham a dor da terra,
São os menos acusados
Como culpados da guerra.

Há tantos burros mandando
Em homens de inteligência,
Que às vezes fico pensando
Que a burrice é uma ciência!

A quadra tem pouco espaço
Mas eu fico satisfeito
Quando numa quadra faço
Alguma coisa com jeito.


António Aleixo, poeta popular
1899-1949

terça-feira, agosto 29, 2006



















"Reflexo "- o meu avô Barroso - fotografia de Victor Nogueira


O lugar da Casa

Uma casa que fosse um areal
deserto; que nem casa fosse;
só um lugar
onde o lume foi aceso, e à sua roda
se sentou a alegria; e aqueceu
as mãos; e partiu porque tinha
um destino; coisa simples
e pouca, mas destino:
crescer como árvore, resistir
ao vento, ao rigor da invernia,
e certa manhã sentir os passos
de abril
ou, quem sabe?, a floração
dos ramos, que pareciam
secos, e de novo estremecem
com o repentino canto da cotovia.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, agosto 25, 2006







foto "Contraluz - autor desconhecido"


Do rio que tudo arrasta se
diz que é violento.
Mas ninguém diz violentas as
margens que o comprimem.

Bertold Brecht

sábado, agosto 19, 2006

Os jovens e a precariedade
* Rui Beles Vieira

No final da década de 80, início da década de 90, com a entrada de Portugal na, então, CEE e a suposta obrigatoriedade de serem transpostas e aplicadas várias convenções internacionais sobre política laboral, criou-se nas camadas mais jovens uma grande esperança no futuro.A tão propagandeada evolução a que o país iria assistir e as oportunidades nacionais e internacionais que iríamos ter, fez com que milhares de jovens sonhassem com um futuro risonho e com uma vida algo diferente da que os seus pais tiveram, durante as décadas de ditadura e a posterior instabilidade política e social que se seguiu ao 25 de Abril.

À medida que íamos terminando o secundário e os tão famosos cursos Técnico-profissionais, depois chamados Tecnológicos, ou ingressando na Universidade, acreditávamos que o sonho de um emprego estável seria possível. Afinal, para que serviriam tantos anos de investimento e sacrifícios financeiros de milhares de pais que ambicionavam o melhor para os seus filhos?
A pouco e pouco fomos observando o céu e verificámos que não era só composto de um azul infinito, do sol ou das estrelas; havia também nuvens, e cada Governo que chegava ao poder, encarregava-se de escurecer a tonalidade das nuvens já existentes e semear outras para que alguém as escurecesse depois.

Assim aconteceu com o Código do Trabalho; com as politicas sociais e de emprego, ou melhor, desemprego; com o financiamento de projectos sem qualquer sustentabilidade e prospecção futura; com a entrega ao desbarato de fundos comunitários a empresários sem escrúpulos, que hoje deslocam as suas empresas para qualquer parte do mundo, onde seja mais fácil explorar seres humanos, pois os trabalhadores portugueses agora deram na mania de não querer ser mais explorados – vejam só!

Com esta mania que os trabalhadores portugueses inventaram de se recusar a ser explorados pelas mesmas famílias de abutres de sempre, - sim, de sempre, porque algumas emigraram após o 25 de Abril mas já cá estão todas outra vez – os Governos de Direita e, agora este, que a ser julgado pelas medidas de Sócrates já se pode definir como de “Direita Radical”, esforçaram-se por cortar o mal pela raiz, ou seja, inventaram a necessidade de haver Trabalho Precário.
As empresas produtivas abandonam o país, mas em compensação os Governos criam as melhores condições, para a proliferação e desenvolvimento das Empresas de Trabalho Temporário e dos Outsourcings, com a desculpa de fazer face às leis do mercado, da competitividade e da concorrência própria da globalização.

Tudo isto, são desculpas para camuflar a realidade trazida pela subcontratação, prestação de serviços através de falsos recibos verdes ou estágios que nunca mais acabam, incluindo no próprio Estado.

As novas gerações vêem-se assim num pântano laboral, onde impera a lei do mais forte e que trouxe consequências tão graves como:

Os baixos salários e exploração de milhares de pessoas, na sua maioria jovens entre os 18 e 35 anos;Incerteza completa no futuro após os 35 anos de idade, visto que é nesta altura que as empresas responsáveis pela exploração das capacidades dos jovens, se descartam deles considerando-os velhos para as funções;

A impossibilidade de se construir uma carreira profissional estável, apesar do elevado nível académico dos trabalhadores;

Substituição de um ordenado condigno pelos mais variados prémios que, para além de desfalcar a Segurança Social, - visto que a esmagadora maioria da empresas não faz descontos em relação a estes prémios – desprotege gravemente os trabalhadores que, perante situações de Baixa Médica, Desemprego ou Reforma futura, vão receber apenas 65% do Ordenado Base declarado.
Desencoraja os jovens a constituir família, contribuindo para a baixa taxa de natalidade, que o país tem vindo a registar;

Torna difícil a acção sindical e a luta de trabalhadores, visto que estes têm medo de se manifestar devido aos vínculos precários;

Permite a perseguição sindical e chantagem com ameaças de despedimento imediato aos mais precários e impossibilidade de celebração futura de contratados sem termo, para os contratados a prazo;

Dificuldade em provar a ilegalidade desta selvajaria laboral, pois os Governos criaram e continuam a criar condições para que os responsáveis continuem impunes, não obrigando a I.G.T. a desempenhar o seu papel e aprovando legislação ambígua e desadequada.
Os Governos de Portugal e o patronato (liderado por grandes grupos económicos que antes estavam na sombra dos governos, mas que agora já se assumiram descaradamente ensinando ao actual Governo como implementar as políticas que mais os favorecem), pariram um monstro chamado Trabalho Precário, roubaram o futuro a milhares de jovens e destruíram muitos sonhos. Por isso Srº Primeiro Ministro, há-de ouvir falar de nós… pode ser que o provérbio popular “quem semeia ventos colhe tempestades” se realize mais depressa do que V. Exa. imagina…

Os jovens portugueses, não vão permitir por muito mais tempo este estado de coisas e não vão admitir ser identificados como “geração rasca” ou “escumalha”, porque, afinal, a tal escumalha de que o outro fala foi atirada para a exclusão social e para o desemprego por abutres iguais aos que por cá promovem o desemprego e a precariedade laboral!

A haver “geração rasca” ou “escumalha”, teríamos de procurá-las nos pequenos bandos de aves de rapina que ontem e hoje, em Portugal e no estrangeiro tentam alimentar-se o mais que podem das suas vítimas promovendo as desigualdades sociais e a continuação da exploração do homem pelo homem.

É contra esta realidade e por um futuro melhor que os jovens portugueses estão dispostos a lutar. O nosso sonho há-de realizar-se, e as ditas aves de rapina hão-de desaparecer no temporal que as próprias criaram!

Rui Beles Vieira

http://vidasprecarias.blogspot.com/2006_03_01_vidasprecarias_archive.html

quarta-feira, agosto 09, 2006

"sou um escritor de peças, mostro
o que vi, no mercado dos homens
vi como o homem é negociado, isso
eu mostro, eu, o escritor de peças.

Para poder mostrar o que vejo
consultei os espectáculos de outros
povos e de outras épocas
reescrevi algumas peças, com cuidado
examinando a técnica usada e
assimilando
aquilo que me podia ser útil.

E também as frases que eram
pronunciadas
dei a elas uma marca especial.
Para que fossem como as sentenças
que se anota
para que não sejam esquecidas."

B. Brecht

sábado, agosto 05, 2006


É a guerra aquele monstro

(...) Começando pela desconsolação da guerra, e guerra de tantos anos, tão universal, tão interior, tão contínua: oh que temerosa desconsolação! É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta. É a guerra aquela tempestade terrestre, que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as cidades, e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades, em que não há mal algum que, ou se não padeça, ou se não tema, nem bem que seja próprio e seguro. O pai não tem seguro o filho, o rico não tem segura a fazenda, o pobre não tem seguro o seu suor, o nobre não tem segura a honra, o eclesiástico não tem segura a imunidade, o religioso não tem segura a sua cela; e até Deus nos tempos e nos sacrários não está seguro. Esta era a primeira e mais viva desconsolacão que padecia Portugal no princípio deste mesmo ano.

(...) Que de tempos costuma gastar o Mundo, não digo no ajustamento de qualquer ponto de uma paz, mas só em registar e compor os cerimoniais dela! Tratados preliminares lhe chamam os políticos, mas quantos degraus se hão de subir e descer, quantas guardas se hão de romper e conquistar, antes de chegar às portas da paz, para que se fechem as de Jano? E depois de aceitas, com tanto exame de cláusulas, as plenipotências; depois de assentadas, com tantos ciúmes de autoridade, as juntas; depois de aberto o passo às que chamam conferências, e se haviam de chamar diferenças; que tempos e que eternidades são necessárias para compor os intricados e porfiados combates que ali se levantam de novo? Cada proposta é um pleito, cada dúvida uma dilação, cada conveniência uma discórdia, cada razão uma dificuldade, cada interesse um impossível, cada praça uma conquista, cada capítulo e cada cláusula dele uma batalha, e mil batalhas. Em cada palmo de terra encalha a paz, em cada gota de mar se afoga, em cada átomo de ar se suspende e pára. (...)

Pe António Vieira “Sermão Histórico e Panegírico nos Anos da Rainha D. Maria Francisca de Sabóia”

fotografia de Victor Nogueira - "Porto - cemitério de Agramonte"

sábado, julho 29, 2006




Sorriste
e

na tua voz

os pássaros vieram de longe

pensando que era madrugada!


Victor Nogueira





Quadro de Magritte

segunda-feira, julho 24, 2006


Um mundo de Contrastes
* Victor Nogueira

«Se tem mais de um milhão de euros em activos financeiros (acções, obrigações, fundos e depósitos bancários), então faz parte dos onze mil milionários portugueses», informa o Expresso de 22 de Julho.

Até nisto estamos atrasados, pois este valor corresponde apenas a 0,1 % da população portuguesa, apesar de em 2005 terem entrado mais 200 portugueses ou portuguesas para o clube dos ricos. Com efeito, a Espanha tem 148 mil milionários (0,3 % da população), o Reino Unido 448 mil (0,8 % da população) e a Alemanha 767 mil (0,9 %). Uma ninharia face aos EUA, onde existem 2,7 milhões de milionários, mesmo assim quase nada face aos 2,2 milhões de portugueses que vivem com a pensão mínima ou os 500 mil desempregados, que não param de crescer em Portugal. Sabe-se quem são os dez mais ricos de Portugal, entre os quais figura Belmiro de Azevedo, sucessivamente um dos 750 mais ricos do Mundo, segundo a revista Forbes. Mas o Expresso não publica os seus nomes.

Nem o Correio da Manhã, mais preocupado com os ordenados, custos e reformas «milionárias» pagas aos funcionários públicos.

Apesar da «crise mundial», ou por isso mesmo, em 2005 no mundo inteiro os milionários tiveram um crescimento de 10 %, isto é, foram acrescidos de 86 mil efectivos.


VN

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continua em O significado do Trabalho - Uma perspectiva Marxista - Harry Magdoff

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quinta-feira, julho 20, 2006

« Guerra Civil Espanhola - foto R. Capa - Morte dum combatente miliciano»



É a guerra o monstro que ceifa a vida

Ruína as casas, viola a criança;

Velhos, novos, não fogem à matança,

No campo a seara é já perdida.


O fogo e a peste, em grande corrida,

Afastam do burgo a bela festança;

O mal, a vida e natureza alcança.

Só dos loucos pode ela ser querida.


Homens, mulheres, crianças, lutam

Por outro mundo novo construir;

Cantam rouxinóis, bem alto voam águias.


Na verde planura os cordeiros vivam;

Na festa, na eira, todos a bailar,

P'la paz lutando, sem demagogias.

Victor Nogueira