«Quantos somos? Como somos? Novos e velhos – iguais! Sendo o que nós sempre fomos, cada vez seremos mais!»
Um velho ditado popular diz que «não há Sábado sem sol, Domingo sem missa, nem Segunda sem preguiça». Seria de acrescentar «nem semana em que não apareça alguém a anunciar o inelutável definhamento e morte do Partido Comunista».
Os golpes vêm da esquerda e da direita, vêm do capital e da pequena burguesia, vêm das fracções bem pagas da classe trabalhadora, a dita «classe média» que do alto do seu bom salário e atrás do seu colarinho branco invectiva os trabalhadores, sujos de óleo, de tinta, de terra. Se o Partido tem intelectuais entre os seus quadros dirigentes, é porque perdeu de vista o seu enraizamento na classe operária e concedeu em ser um partido burguês para os operários; se por outro lado são eleitos para a sua direcção operários e trabalhadores manuais, assim se prova que o Partido soçobrou ao obreirismo e não percebe no que consiste a unidade do proletariado; se o Partido expulsa quem pratica o divisionismo, o fraccionismo, quem tenta servir-se da classe operária em vez de a servir, é porque é dogmático, e monolítico, e conservador, e (supremo crime!) estalinista; se pelo contrário é defensor de uma via para o socialismo onde se reconhece a necessidade de um processo histórico em etapas sucessivas, para as quais diferentes alianças serão feitas com diferentes classes e camadas sociais, eis que se insurgem outros tantos arremessando ao Partido o apodo de revisionista, de reformista, de quantos «istas» lhe ocorram. Em última análise, a conclusão é unânime e velha de quase 50 anos: o Partido não serve mais, não faz o que deve, está eivado de erros e desvios, é questão de tempo até que os operários e demais trabalhadores desertem em massa das suas fileiras e acorram, em correrias, para os braços das luminárias portadoras da verdadeira doutrina que levará à salvação eterna os explorados e oprimidos.
A realidade objectiva, que, suponho, terá um enleio parcial pelo revisionismo e o social-fascismo-aliado-objectivo-da-burguesia, tem-se todavia esforçado por provar um aforismo britânico de que Lenine muito gostava – o de que «os factos são teimosos». E não apenas não se verifica a débâcle do PCP, anunciada desde os anos 60, como continuamos a vê-lo, quase cinco décadas volvidas, na vanguarda da luta dos trabalhadores, liderando e desenvolvendo a organização dos trabalhadores, a luta de massas, levando a cabo greves e manifestações, afirmando-se no terreno, marcando presença ao lado das populações em todas as suas lutas, maiores ou mais pequenas, e em defesa dos seus interesses, de todos eles. Propõe-se o encerramento de um hospital, e entre os que dinamizam a luta da população lá encontramos os comunistas; fala-se na extinção de uma freguesia, e à frente dos que se insurgem lá estão os comunistas; uma comissão de utentes reclama redução do preço de portagens, transportes, taxas moderadoras? É sem esforço que encontramos comunistas a animar essa comissão. Trata-se contudo de uma luta por serviços públicos, para que não feche um posto dos CTT, uma repartição das finanças, um centro de emprego? Estranhamente, os grupúsculos de críticos estão, enquanto a população luta, demasiado ocupados com a produção de extensos textos a demonstrar, irrefutavelmente, a progressiva inutilidade do PCP para a luta de massas para se aperceberem do sempre progressivo crescimento da importância do Partido… dentro da luta de massas!
São estes que, quando notícias como este estudo da Marktest vem a lume ficam, de cara à banda, surpreendidíssimos com a forma como a realidade não compreende que as condições subjectivas e objectivas das massas ultrapassaram há muito a estreiteza da linha política do Partido e estão maduras para o passo seguinte, o golpe final, a jornada gloriosa, entre outras patacoadas. A realidade, desgraçada, não sabe que as massas estão muito mais avançadas que os seus falsos dirigente. A realidade, malvada, sofisma o desejo pulsante de cada trabalhador de ser guiado pelos verdadeiros intérpretes dos seus interesses objectivos. A realidade, maldita, não deixa que esses trabalhadores compreendam o estalinismo cruel e a disciplina férrea e insuportável que a máquina esmagadora do Partido impõe sobre os seus militantes e todo o movimento operário, negando a cada homem a expressão da sua individualidade, coagindo-o a uma revolução onde não poderá dançar. A realidade, espúria, decerto a soldo de Moscovo, preclude os trabalhadores e o povo de perceberem a relevância da liberdade de crítica, da existência de correntes, da modernidade desempoeirada e lúdica, encerra-os num cinzentismo de lutas hierarquizadas e incompreensão da relevância ímpar do combate ao especismo e do uso da arroba em vez do plural masculino (e patriarcal) para dinamitar o capitalismo. E é com estes truques e batotas que a realidade, que não percebe a própria realidade, que não é uma realidade autoconsciente e reflexiva, atribui, no fim, 16,6% das intenções de voto ao PCP.
Nesta hora de profunda alegria para aqueles que, como eu, fazem, lutam, militam no Partido, perante resultados tão animadores e um alento considerável para lutas futuras, deixo para os críticos uma palavra de conforto: não desistam. De tanto metralharem a realidade com as vossas demonstrações evidentes da falência do PCP e da emergência que já se vê, já aí vem, já tem a cabeça de fora, já cheira, já fala, já anda, da emergência de novos sujeitos políticos à esquerda, de novos partidos do proletariado, de novas estruturas informais horizontais e flexíveis de organização da luta por contraponto ao verticalismo esmagador e maquinal do estalinismo foice-e-martelo – de tanto vos ouvir, a realidade pode ser que vos dê uma abébia um destes dias. Pequenina que seja. Assim como as abébias que as miúdas giras, mesmo muito giras, dão aos tipos feios que chateiam a pedir para tomarem café, para ver se eles se calam e não chateiam. Pensem na realidade como a vossa miúda gira, pessoal. E em vocês mesmos como gajos que, eventualmente sendo feios, têm todavia enorme beleza interior.
Sobre João Vilela
Professor de História da Arte algures na cidade do Porto, licenciado em História e mestre em História e Educação, portista e comunista, falo de política, economia, educação, cultura, e, se me der na veneta, até de nudez feminina. Este blogue é para me entreter, e contará com «a little help from my friends» volta e meia.
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