Fala Ferreira
Assim me saúdam os amigos de Guatemala.
Crítica do Passa a Palavra
A relação que tenho com as tomadas de posição do blog Passa a Palavra é, em certo sentido, semelhante às que tenho com o PCP. O seu ponto de partida é correto; mas o seu ponto de chegada é equivocado. Li e comentei o extenso texto do João Valente de Aguiar (JVA). Mas o argumento repete-se aqui e aqui. Mas é o primeiro destes últimos que me esclarece a essência da posição do grupo. Eles insistem que a saída mais provável de uma crise económica é o fascismo. E, portanto, que a ideia de “patriotismo de esquerda” – empregue, de fato, por Stálin para travar a sangria de militantes do PC Espanhol em direção à direita nacionalista – é um discurso de direita que estende um tapete vermelho ao fascismo. Por outra palavras, ao dizer-se patriótica, a esquerda coloca no debate político uma questão cara ao fascismo: a identidade nacional; em suma, faz o jogo do inimigo- .
Consequentemente, eles rejeitam a palavra de ordem de saída do euro. Não queria tocar na questão dos custo económicos e sociais. O JVA limita-se a concordar com o Francisco Louçã contra o Octávio Teixeira. Mas posso resumir a minha opinião em duas linhas. Octávio Teixeira faz contas supondo que sairíamos do euro sem tumulto social; Louçã assume que o tumulto social será tão grande que não há como fazer contas. Mas, ao mesmo tempo, Louçã assume que esse tumulto social manteria inócuo o poder a burguesia sobre a sociedade: desse modo, os custos incalculáveis da saída do euro seriam pagos pelos trabalhadores. Octávio Teixeira supõe a boa vontade da burguesia; Louçã supõe que a esquerda seria capaz de impor uma, mas só uma – a saída do euro – decisão à burguesia. Como se vê, o debate está mal enquadrado. Basta colocar a questão de quem é o sujeito da saída do euro para ver que é a burguesia! E que, portanto, a esquerda está a debater do ponto de vista da burguesia.
O segundo argumento do Passa a Palavra não se resolve assim. Defender a saída do euro é abrir a porta ao nacionalismo fascista – diz o Passa a Palavra. Aqui o sujeito é a esquerda. Mas terão razão? Aqui divergimos. Sem dúvida, o fascismo da primeira metade do século XX foi nacionalista. Mas será o fascismo do séc. XIX uma cópia do anterior? Será necessariamente chauvinista?
Todo o meu investimento no estudo da hipótese de uma solução fascista para a crise, me leva a crer que ela não é necessariamente nacionalista. O fascismo, pelo menos do modo como eu o entendo, é fruto, de um lado, da ideologia das massas desorganizadas e, do outro, do oportunismo da burguesia monopolista em servir-se dessa ideologia. De de ideologia se trata? Ora, as massas desorganizadas – compostas com elementos de todas as classes dominadas, de pequeno-burgueses a trabalhadores – encontram-se numa situação de dupla vulnerabilidade. Incerteza quanto ao seu futuro socioeconómico e incapacidade de organizarem-se e criar um projeto político próprio. No plano subjetivo, terminam 1) rejeitando as formas de luta tipicamente operárias, greves e manifestações, uma vez que elas só obrigam a burguesia a ceder porque criam mais incerteza. Ora, com a incerteza já sofrem as massas. Portanto, as massas são tipicamente de direita. (No 18 de brumário, Marx usa esta oposição entre classe com projeto político e massa sem projeto político, portanto, alienada). 2) Consequentemente, a única esperança para a situação em que se encontram está no surgimento de uma solução sebastiânica – ou, no caso português, salazarista. Facilmente, a burguesia monopolista lhe dará um D. Sebastião como deu Mussolini e Hitler no século passado. As massas investirão contra os sindicato, destruindo o movimento operário e abrirão caminha à reconstrução violenta do capitalismo.
O que havia de nacionalismo na solução fascista da década de 1930 era o “sebastianismo”. Foi o Estado nacional que surgiu como salvador na situação trágica da crise de 1929. Mas não está garantido que seja o Estado nacional que venha a ser apontado como salvador da atual crise. Pode até ser a Comissão Europeia e – a surgir e vento em poupa – o Banco Europeu de Investimento. Nesse caso, o argumento do Passa a Palavra volta-se contra ele e defender o euro pode ser, no fim de contas, o tapete vermelho para uma solução fascista. Além do mais, não vale a pena argumentar que o nacionalismo é melhor enraizado que o europeísmo. Na década de 1930, o nacionalismo estava pouco melhor enraizado que o europeísmo de hoje. (Lembremos que a unificação da Itália e a unificação da Alemanha terminaram ambas em 1870. E que na passagem do séc. XIX para o XX se contava uma anedota segundo a qual o El Rei de Portugal havia perguntado a uma embarcação de pescas “- Sois portugueses? A resposta foi “- Não Majestade. Somos da Póvoa de Varzim!”).
Isto não impede que eu reconheça que o “patriotismo de esquerda”, incompatível com o “internacionalismo proletário” , tolde a visão da esquerda atual. Em primeiro lugar, porque a pátria anula as classes. Ao discutir o que o país deve ou não deve fazer está-se, na verdade, a debater o que a burguesia deve ou não deve fazer. Em outras palavras, a esquerda está a assumir o ponto de vista burguês. Mas também é verdade que o Passa a Palavra ao fazer a crítica do “patriotismo de esquerda” deixa de lado a crítica do imperialismo alemão e europeu! Creio que a saída, como propôs Floristã Fernandes para o caso brasileiro, é que a luta contra o imperialismo não é uma luta contra a burguesia estrangeira (no nosso caso, alemã). Mas, antes de mais, uma luta contra a burguesia nacional a quem o imperialismo serve (a banca)! Pois, sem apoio interno, nenhum imperialismo é possível.
Nacionalismo e anticapitalismo
Li, finalmente, o texto do do João Valente Aguiar sobre o discurso nacionalista da esquerda (ver parte 1, 2, 3 e 4). Vale a pena ler também a tomada de posição prévia do João no 5dias, e um debate entre ele e o Miguel Serras Pereira (mote e resposta) no Vias de Facto.
1. O João acusa os partidos de esquerda de subsumirem o discurso de classe ao discurso patriótico. Por exemplo, quando se protesta contra o FMI, se faz em nome da soberania nacional antes de fazer-se contra o aumento da exploração do trabalho. Crítica-se o imperialismo alemão sem que “imperialismo” seja pensado pelo seu teor económico (exportação de capital e retirada de mais-valia), senão pelo seu teor político (conquista de território). As comparações entre Merkel e Hilter demonstram este erro – Hitler nunca foi imperialista no sentido que Lénin entendia o imperialismo.
O discurso patriótico condena a esquerda a dois erros:
a) O discurso propriamente marxista, isto é, assente na oposição entre trabalhadores e burgueses, aparece inevitavelmente subordinada ao discurso nacionalista. (Além de, implicitamente, recusar património genético do marxismo – o internacionalismo proletário). Consequentemente, não apenas se indica o caminho errado aos trabalhadores, como esse caminho arrisca-se ainda a ser o do fascismo.
b) Se a burguesia abandona hoje os Estados nacionais – depreende-se das ideias do João – é porque a economia é já europeia. A infraestrutura ultrapassou a super-estrutura. Portanto, a burguesia desmantela os Estados nacionais porque nenhuma solução nacional pode ser encontrada para a crise. Isto implica que, mesmo para o proletariado, não há soluções nacionais. O patriotismo é a defesa de uma super-estrutura inadequada para lidar esta crise estrutural.
2. Estou totalmente de acordo com o primeiro argumento. Aliás, se a minha análise é correta, o argumento do João não é apenas uma teimosia. (Ainda que fosse uma teimosia, sabemos, pela crítica de Marx a Lassale, que são essas teimosias intelectuais que distinguem o socialismo científico do socialismo utópico). Como tenho argumentado, as classes trabalhadores têm-se dividido entre a luta contra o capitalismo e a luta conta a corrupção, entre a luta contra o sistema e a luta contra as opções por dentro do sistema. De fracasso em fracasso, a primeira levar-nos-á à tomada de consciência (assim esperavam Marx e Engels quando escreveram o Manifesto Comunista). De fracasso em fracasso, a segunda luta levar-nos-á certamente ao fascismo. É por isso que os partidos de esquerda não podem nem sequer flertar (piscar o olho, como dizia o Carvalhas) outro discurso que não o discurso de classe. O discurso patriótico não é somente errado… é fascista.
3. O segundo argumento, esse, é péssimo. O João tem pelo menos a intuição das suas contradições, quando se pergunta (na primeira nota de rodapé da parte 3) se a vanguarda proletária deve preocupar-se com questões tipicamente burguesas. A resposta é não na medida em que não se trata de dizer o que fazer (“na medida em que não se trata de salvar o capitalismo”). E sim na medida em que se trata “avaliar as tendências de desenvolvimento do capitalismo e as encruzilhadas reais e concretas em que a luta da classe trabalhadora pode prosseguir”. Mas, ao longo do texto, esquece tudo o que disse, e afirma: “Quem à esquerda tem defendido a saída do euro talvez devesse começar por confrontar as suas teses delirantes com os dados e as alternativas concretas em cima da mesa”.
De facto, se discutir o fim ou não do euro (bem como a renegociação ou o repúdio da dívida pública) são questões burguesas, quais são as questões “operárias”? Em poucas palavras, pode dizer-se que as perguntas “operárias” são aquelas que se colocam à classe operária na sua posição de classe. Grosso modo, uma classe pode ser dominante ou estar dominada; e, sendo dominada, estar em refluxo ou acumulando forças. Estas três situações não são mais do que uma síntese de um número infinito de arranjos quando se considera não apenas a existência de mais de duas classes mas igualmente as suas frações. Portanto, a primeira pergunta que se coloca a todas as classes dominadas é ‘qual o arranjo de classes existente?’; ‘em que lugar se encontra a minha classe?’. Somente à classe dominante convém não partir destas questões. Perguntar ‘qual é a melhor opção para o país?’ implica, no melhor dos casos, ignorar a divisão de classes existente e, no pior dos casos, legitimar a hierarquia entre classes – ou, pelo menos, todas as coisas que sustentam essa hierarquia.
Além de contraproducente, o debate tipicamente burguês não leva a lado nenhum. Como se reconhece, de imediato, o debate burguês? É fácil. Dada a questão ‘devemos sair do euro?’, coloca-se outra ‘nós quem?’. “Nós portugueses” – o que visivelmente, pegando no primeiro argumento do João, é uma maneira indireta de obliterar o critério de classe pelo critério da nacionalidade. Ao mesmo tempo, enquanto a resposta não for “nós vanguarda” ou, pelo menos, “nós trabalhadores”, a resposta dada ao ‘Devemos?’ nunca implica consequências práticas. Vemos que a questão ‘Devemos sair do euro?’ só se torna prática para a burguesia que, sendo classe dominante, dirige o Estado de acordo com essa resposta. Torna-se evidente que se trata de uma questão tipicamente burguesa e não proletária. Além do mais, a justeza da resposta dada só se determina na prática; e estamos longe de poder testar na prática a opinião do João acerca da saída do euro.
(A este respeito vale acrescentar que os estudos sistematizados na parte 3 do artigo do João supõem que a desvalorização da moeda nos países que sairiam do euro seriam compensada por um aumento das taxas aduaneiras do comércio desse país para a zona euro. Assim, os ganhos de competitividade externa devido à desvalorização da moeda seriam anulados pela imposição de taxas de importação. Deste modo, os custos da saída do euro seria até 10 vezes maiores que o pagamento da dívida. Ora, este suposto tem muito que se lhe diga: a Islândia desvalorizou a moeda em relação ao euro em 40%. Nem por isso a zona euro aumentou os impostos sobre os seus produtos. Por outro lado, a saída da Grécia da zona euro poria em causa a credibilidade do euro assim como do novo dracma. As consequências disto poderiam ser insignificantes e ao fim de uns meses essa credibilidade podia estar reestabelecidas. Mas como os homens são difíceis de prever, elas poderiam ser enormes. E a Europa poderia entrar num buraco sem fundo. Em suma: as consequências do fim do euro são imprevisíveis. Só arriscando poderemos verificá-las).
4. É preciso lembrar que a classe operária saiu de uma situação de refluxo para uma situação de acumulo de forças para identificar as questões que realmente se colocam a essa classe. A primeira delas é ‘como vamos acelerar esse processo de acumulação de forças?’. O movimento avança a passo de tartaruga. Exige-se da vanguarda revolucionária o estudo da composição de classe da sociedade de modo a identificar estratégias do tipo bola de neve. Em poucas palavras, qual é a aliança entre classes mais pertinente nesta fase e como devem dirigir-se ao governo? A minha intuição é que a disputa acerca desta questão na primeira metade do séc. XX enrijeceu este debate. Assim hoje temos modelos prontos: seja a aliança operário-camponês leninista; seja a aliança operário-capas médias da era pós-stalinista da União soviética. A verdade é que a sociedade se complexificou muito após a II Guerra Mundial e, portanto, é provável que nenhuma destas soluções sirva. Colocar a questão não em termos de classe, mas em termos de frações de classe, pode ajudar a 1) romper com os modelos prontos e 2) apreender a complexidade da sociedade contemporânea.
Isto não implica que os partidos de esquerda não devam ter uma posição sobre questões tipicamente burguesas nesta época de acumulação de forças. É cedo para romper de vez com as instituições capitalistas – por exemplo, a Assembleia da República – e, portanto, somos obrigados a ter soluções para gerir o capitalismo. Mas deixa-me preocupado ver a esquerda a gastar rios de tinta sobre se é preciso ou não sair do euro, se é preciso ou não pagar a dívida, etc., isto é, ver a esquerda mais ocupada com questões tipicamente burguesas do que com questões operárias. É o efeito, mas também a causa, do atraso na “tomada de consciência” da classe operária. Mais do que superar estes desacordos, é imprescindível que entremos em desacordo – que é uma maneira de ver as várias faces de uma questão – sobre as questões realmente de esquerda.
5. A minha análise das questões que eu considero realmente de esquerda está aqui. A base em que esse resumo se apoia está aqui e aqui.
http://falaferreira.wordpress.com/2012/08/19/nacionalismo-e-anticapitalismo/
Olá Ermelinda
É verdade que está confuso. É difícil meter o Rossio na Betesga. O Passa a Palavra, como podes ver seguindo os links (aqui e aqui, para além destes: 1, 2, 3 e 4), tem defendido a permanência de Portugal no euro – assumindo, por vezes um sectarismo anti-PCP – por duas ordens de razão.
a) A saída de Portugal do euro era pior para os trabalhadores.
b) Quem defende isso parte de um ponto de vista patriótico e, ainda que lhe chame “patriotismo de esquerda” (como o PCP), comete um erro. Todo o patriotismo/nacionalismo é de direita.
Quando a a) eu acho que o debate está mal feito. Mas não vou alongar-me na questão. Fica para outro post neste blog. Até porque o Passa a Palavra limita-se a concordar com o Louçã e, já agora, com o Eugénio Rosa contra o Octávio Teixeira e o João Rodrigues. (Ponho estes quatro nomes para mostrar que é algo que não divide o PCP do BE, mas divide internamente o PCP e o BE).
A questão central do Passa a Palavra e do JVA é a segunda e, a meu ver, está meio errada. Há três pontos que devem ser tocados:
1.º O aspeto em que ele está certo. O “patriotismo de esquerda” nada tem de esquerda. Em primeiro lugar, foi inventado por Stálin para estancar a sangria de operários do PC Espanhol, quando estes foram atraídos pelo nacionalismo fascista. Em segundo lugar, está nas antípodas do “internacionalismo proletário” que sempre fundou o pensamento de Marx e Lénin e que se traduz na frase “nem guerra entre nações, nem paz entre classes. Em terceiro lugar, quando o PCP, o PCTP/MRPP ou mesmo o BE se perguntam “o que os Portugueses devem fazer?”, e procuram dar uma resposta, estão a pensar – consciente ou inconscientemente – do ponto de vista burguês. Pois só a classe dominante ou em vias de tornar-se dominante coloca os problemas a partir da nação e não de si mesma. Afinal, quando se pergunta “o que Portugal pode fazer?”, está-se, na realidade, a perguntar “o que quem manda em Portugal pode fazer?”, logo “o que é que a burguesia portuguesa pode fazer?”.
A minha crítica ao Passa a Palavra, e a todo o debate acerca da saída do euro, é que ele é sempre posto, por todos, do ponto de vista nacional… logo burguês. Mesmo o Passa a Palavra, defendendo o contrário, não consegue evitá-lo.
2.º O aspeto em que ele está meio certo. O patriotismo é sempre fascista, porque a caraterística fundamental do fascismo é o chauvinismo. Com a defesa de um “patriotismo de esquerda”, as organizações de esquerda estão, na verdade, a defender um valor caro ao fascismo, portanto a estender-lhe um tapete vermelho para crescer. Isto é falso! Só é verdade se aceitarmos que o fascismo do século XX será igual ao fascismo do segundo quartel do século XX. Mas a coisa é complicada e temos que ver duas coisa.
i) A iminência do fascismo. Nisto o JVA tem mais razão que o PCP que erra ao defender uma “democracia avançada”, isto é, um capitalismo com direitos sociais para os trabalhadores. Isto só é possível com um crescimento do PIB na ordem dos 5% ao ano. Nós estamos com um decrescimento de 1 a 3%. Nestas condições objetivas, só é possível duas coisas: ou a destruição violenta do capitalismo; ou a reorganização igualmente violenta do capitalismo. Por outras palavras, estamos condenados a optar entre o Socialismo e o fascismo.
(Aliás, em abono de verdade, o JVA considera não haver condições para fazer o socialismo, mas sim para evitar o fascismo. Quer dizer que, como o PCP, ele também supõe a possibilidade de uma “democracia avançada”. Mas, ao contrário do PCP, o JVA acredita que este “capitalismo bom” só é possível se for construído com toda a Europa e não apenas em Portugal. Partido da esfera nacional ele é impossível).
ii) As determinantes subjetiva do fascismo. Para o JVA, a principal determinante subjetiva do fascismo é o nacionalismo. Não só para ele: conheço inúmeros intelectuais de esquerda que defendem o mesmo. Leandro Konder tem um excelente trabalho argumentado isso. Contudo, eu baseio-me tanto nas minhas análises da conjuntura atual quanto numa análise recente sobre porque é que os pobres brasileiros votavam, até 2003, na direita (não conheço análises semelhantes para Portugal).
Ora, os trabalhadores mais pobres votam à direita por uma razão muito simples: eles detestam quem faz greves e manifestações, portanto, a esquerda. Deixa-me explicar-te porquê. Primeiro, eles não têm um emprego seguro; segundo, por isso mesmo, é raro participarem em sindicatos e outras organizações. Por outras palavras, eles são duplamente vulneráveis: económica e politicamente. Ora, as greves e as manifestações só funcionam – só obrigam a burguesia a ceder – porque geram incerteza. Mas se essa incerteza é aceitável para os trabalhadores que fazem a greve – quase sempre trabalhadores do Estado – , ela é inaceitável para outros que já vivem numa situação de vulnerabilidade.
Contudo, trata-se de uma direita sui generis, pois é uma direita que defende (no caso brasileiro) uma elevada participação do Estado na economia. No caso português é distinto: estes trabalhadores desorganizados politicamente acusam o Estado e a corrupção de estar na origem da crise. Mas os trabalhadores brasileiros de direita acreditam no Estado porque veem nele um D. Sebastião capaz de resolver a sua situação de pobreza. E nós também vemos, nos trabalhadores de direita portuguesa, a mesma esperança em salvadores sebastianicos. Ou, no caso particular de Portugal, a esperança no salazarismo.
Aqui chego a um dos pontos em que eu discordo do JVA. O nacionalismo chauvinista só foi uma caraterística do fascismo do segundo quartel do séc. XX na medida em que o Estado nacional surgiu como salvador. Hoje é muito mais provável que a Comissão Europeia e o recém criado Banco Europeu de Investimento assumam esse papel. Portanto, é provável que o fascismo do séc. XXI seja, não internacionalista, mas europeísta. Daí todo o apoio à “regra de ouro” que a Alemanha impôs ao resto da Europa. Se eu tenho razão, o argumento do JVA volta-se contra ele mesmo. (Vale acrescentar que, se o nacionalismo hoje é bem mais forte que o europeísmo, o nacionalismo do início do séc. XX era pouco mais forte que o europeísmo de hoje. Basta ver que unificação alemã e italiana foram terminadas por volta de 1870 e a criação de uma identidade nacional portuguesa só esteve completa no final do séc. XIX).
3.º O aspeto que ele esquece. Existe uma relação imperialista entre a Alemanha e o sul da Europa por detrás da crise. Uma das razões porque as taxas de juro da dívida pública portuguesa são tão altas é para ajudar os bancos portugueses (que cobram essa taxa de juro) a pagar o que “devem” aos bancos alemães. Os bancos alemães investiram muito na especulação imobiliária em Portugal, Grécia, Espanha, etc. E a Alemanha não está disposta agora a ficar com o prejuízo desse arranjinho de comadres entre alguns empresários do sul e toda a banca europeia (incluindo a alemã). Ao fazer tábua rasa de qualquer discussão ao nível da nação, o JVA perde de vista o imperialismo alemão
.
Pela minha parte, considero que é necessário sair do euro com parte do desmonte desse jogo imperialista e não por algum sentimento patriótico. A questão é: como não cair no discurso patriótico, inevitavelmente enganador (nisso estou de acordo com o JVA), e ao mesmo tempo fazer a crítica do imperialismo alemão? Isso Floristã Fernandes já resolveu há muito tempo: não havia imperialismo se a burguesia nacional – ou uma fração dela – não tivesse interesse nisso. Uma coutada no campo de um burguês da cidade não passa sem um mordomo. No caso português, o mordomo da Alemanha que transforma Portugal numa coutada alemã é a banca. Por isso, a solução não é nem a defesa vazia da soberania nacional (como faz o PCP), nem uma europeização da luta (como defende o JVA), mas a estatização da banca.
Crítica do Passa a Palavra (rev.)
Alguém me disse, com razão, que um texto que escrevi há dias estava confuso. É a crítica de um texto do blog Passa a Palavra disponível aqui. Respondi, nos comentários, a essa crítica com um esclarecimento do meu argumento. Não obstante, porque acho que a crítica é acertada, publico aqui a resposta.Olá Ermelinda
É verdade que está confuso. É difícil meter o Rossio na Betesga. O Passa a Palavra, como podes ver seguindo os links (aqui e aqui, para além destes: 1, 2, 3 e 4), tem defendido a permanência de Portugal no euro – assumindo, por vezes um sectarismo anti-PCP – por duas ordens de razão.
a) A saída de Portugal do euro era pior para os trabalhadores.
b) Quem defende isso parte de um ponto de vista patriótico e, ainda que lhe chame “patriotismo de esquerda” (como o PCP), comete um erro. Todo o patriotismo/nacionalismo é de direita.
Quando a a) eu acho que o debate está mal feito. Mas não vou alongar-me na questão. Fica para outro post neste blog. Até porque o Passa a Palavra limita-se a concordar com o Louçã e, já agora, com o Eugénio Rosa contra o Octávio Teixeira e o João Rodrigues. (Ponho estes quatro nomes para mostrar que é algo que não divide o PCP do BE, mas divide internamente o PCP e o BE).
A questão central do Passa a Palavra e do JVA é a segunda e, a meu ver, está meio errada. Há três pontos que devem ser tocados:
1.º O aspeto em que ele está certo. O “patriotismo de esquerda” nada tem de esquerda. Em primeiro lugar, foi inventado por Stálin para estancar a sangria de operários do PC Espanhol, quando estes foram atraídos pelo nacionalismo fascista. Em segundo lugar, está nas antípodas do “internacionalismo proletário” que sempre fundou o pensamento de Marx e Lénin e que se traduz na frase “nem guerra entre nações, nem paz entre classes. Em terceiro lugar, quando o PCP, o PCTP/MRPP ou mesmo o BE se perguntam “o que os Portugueses devem fazer?”, e procuram dar uma resposta, estão a pensar – consciente ou inconscientemente – do ponto de vista burguês. Pois só a classe dominante ou em vias de tornar-se dominante coloca os problemas a partir da nação e não de si mesma. Afinal, quando se pergunta “o que Portugal pode fazer?”, está-se, na realidade, a perguntar “o que quem manda em Portugal pode fazer?”, logo “o que é que a burguesia portuguesa pode fazer?”.
A minha crítica ao Passa a Palavra, e a todo o debate acerca da saída do euro, é que ele é sempre posto, por todos, do ponto de vista nacional… logo burguês. Mesmo o Passa a Palavra, defendendo o contrário, não consegue evitá-lo.
2.º O aspeto em que ele está meio certo. O patriotismo é sempre fascista, porque a caraterística fundamental do fascismo é o chauvinismo. Com a defesa de um “patriotismo de esquerda”, as organizações de esquerda estão, na verdade, a defender um valor caro ao fascismo, portanto a estender-lhe um tapete vermelho para crescer. Isto é falso! Só é verdade se aceitarmos que o fascismo do século XX será igual ao fascismo do segundo quartel do século XX. Mas a coisa é complicada e temos que ver duas coisa.
i) A iminência do fascismo. Nisto o JVA tem mais razão que o PCP que erra ao defender uma “democracia avançada”, isto é, um capitalismo com direitos sociais para os trabalhadores. Isto só é possível com um crescimento do PIB na ordem dos 5% ao ano. Nós estamos com um decrescimento de 1 a 3%. Nestas condições objetivas, só é possível duas coisas: ou a destruição violenta do capitalismo; ou a reorganização igualmente violenta do capitalismo. Por outras palavras, estamos condenados a optar entre o Socialismo e o fascismo.
(Aliás, em abono de verdade, o JVA considera não haver condições para fazer o socialismo, mas sim para evitar o fascismo. Quer dizer que, como o PCP, ele também supõe a possibilidade de uma “democracia avançada”. Mas, ao contrário do PCP, o JVA acredita que este “capitalismo bom” só é possível se for construído com toda a Europa e não apenas em Portugal. Partido da esfera nacional ele é impossível).
ii) As determinantes subjetiva do fascismo. Para o JVA, a principal determinante subjetiva do fascismo é o nacionalismo. Não só para ele: conheço inúmeros intelectuais de esquerda que defendem o mesmo. Leandro Konder tem um excelente trabalho argumentado isso. Contudo, eu baseio-me tanto nas minhas análises da conjuntura atual quanto numa análise recente sobre porque é que os pobres brasileiros votavam, até 2003, na direita (não conheço análises semelhantes para Portugal).
Ora, os trabalhadores mais pobres votam à direita por uma razão muito simples: eles detestam quem faz greves e manifestações, portanto, a esquerda. Deixa-me explicar-te porquê. Primeiro, eles não têm um emprego seguro; segundo, por isso mesmo, é raro participarem em sindicatos e outras organizações. Por outras palavras, eles são duplamente vulneráveis: económica e politicamente. Ora, as greves e as manifestações só funcionam – só obrigam a burguesia a ceder – porque geram incerteza. Mas se essa incerteza é aceitável para os trabalhadores que fazem a greve – quase sempre trabalhadores do Estado – , ela é inaceitável para outros que já vivem numa situação de vulnerabilidade.
Contudo, trata-se de uma direita sui generis, pois é uma direita que defende (no caso brasileiro) uma elevada participação do Estado na economia. No caso português é distinto: estes trabalhadores desorganizados politicamente acusam o Estado e a corrupção de estar na origem da crise. Mas os trabalhadores brasileiros de direita acreditam no Estado porque veem nele um D. Sebastião capaz de resolver a sua situação de pobreza. E nós também vemos, nos trabalhadores de direita portuguesa, a mesma esperança em salvadores sebastianicos. Ou, no caso particular de Portugal, a esperança no salazarismo.
Aqui chego a um dos pontos em que eu discordo do JVA. O nacionalismo chauvinista só foi uma caraterística do fascismo do segundo quartel do séc. XX na medida em que o Estado nacional surgiu como salvador. Hoje é muito mais provável que a Comissão Europeia e o recém criado Banco Europeu de Investimento assumam esse papel. Portanto, é provável que o fascismo do séc. XXI seja, não internacionalista, mas europeísta. Daí todo o apoio à “regra de ouro” que a Alemanha impôs ao resto da Europa. Se eu tenho razão, o argumento do JVA volta-se contra ele mesmo. (Vale acrescentar que, se o nacionalismo hoje é bem mais forte que o europeísmo, o nacionalismo do início do séc. XX era pouco mais forte que o europeísmo de hoje. Basta ver que unificação alemã e italiana foram terminadas por volta de 1870 e a criação de uma identidade nacional portuguesa só esteve completa no final do séc. XIX).
3.º O aspeto que ele esquece. Existe uma relação imperialista entre a Alemanha e o sul da Europa por detrás da crise. Uma das razões porque as taxas de juro da dívida pública portuguesa são tão altas é para ajudar os bancos portugueses (que cobram essa taxa de juro) a pagar o que “devem” aos bancos alemães. Os bancos alemães investiram muito na especulação imobiliária em Portugal, Grécia, Espanha, etc. E a Alemanha não está disposta agora a ficar com o prejuízo desse arranjinho de comadres entre alguns empresários do sul e toda a banca europeia (incluindo a alemã). Ao fazer tábua rasa de qualquer discussão ao nível da nação, o JVA perde de vista o imperialismo alemão
.
Pela minha parte, considero que é necessário sair do euro com parte do desmonte desse jogo imperialista e não por algum sentimento patriótico. A questão é: como não cair no discurso patriótico, inevitavelmente enganador (nisso estou de acordo com o JVA), e ao mesmo tempo fazer a crítica do imperialismo alemão? Isso Floristã Fernandes já resolveu há muito tempo: não havia imperialismo se a burguesia nacional – ou uma fração dela – não tivesse interesse nisso. Uma coutada no campo de um burguês da cidade não passa sem um mordomo. No caso português, o mordomo da Alemanha que transforma Portugal numa coutada alemã é a banca. Por isso, a solução não é nem a defesa vazia da soberania nacional (como faz o PCP), nem uma europeização da luta (como defende o JVA), mas a estatização da banca.
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