Economia para totós
Vou escrever sobre a última do Camilo Lourenço. Digo a última porque parece
que ele faz de propósito. Reconheço que, dentro do estilo, ele até é
relativamente moderado, embora seja a favor da über austeridade e eu não consiga
perceber porquê. Desta vez, o Camilo decidiu afirmar que é um disparate tirar
uma licenciatura em humanidades porque não há mercado. A escolha de uma
profissão deve ser feita, diz ele, tendo como norte as leis da oferta e da
procura. Optar por uma profissão é, digamos assim, um processo linear e
previsível. Tiras o curso de História, vais para o desemprego. Tiras o curso de
Gestão, acabas na Goldman, vais de férias para o Taiti e regalas-te numa piscina
a transbordar de garotas.
Isso das garotas interessa-me, é um belo incentivo, mas não julgo ser preciso
citar as estatísticas que demonstram ser elevadíssimo o desemprego entre todos
os jovens, licenciados ou não, embora haja áreas em que é certamente mais
elevada. Mas o Camilo não se limita a dizer que há profissões em que há mais
desemprego. Isso é evidente. O que ele sugere é mais abrasivo: que os mais novos
devem fazer as escolhas tendo em conta não a vocação e o talento individual, mas
o mercado. Faltam médicos? Vou para cirurgião, apesar de odiar sangue. Os
portugueses têm uma higiene oral horrível? As cáries são uma excelente
oportunidade de negócio.
De acordo com este método, as grandes escolhas de vida são coisas rasteiras.
Ser ou não ser é um sentimentalismo literário que já não vende. No essencial, a
vida é uma espécie de economia para totós. Quer escolher uma carreira? Abra o
Expresso Emprego e veja o que está a dar. Nada de dramas, impulsos, romantismos:
siga a manada. Na escola, a mesma coisa. As disciplinas dividem-se entre as
úteis e as inúteis. No primeiro grupo, a Matemática, as Ciências, o Chinês e,
claro, o Alemão. No segundo, a Literatura, a Música, as Artes.
O problema com este raciocínio é que não é raciocínio: é preconceito. Os
nossos sistemas educativos - defende a Harvard Business Review - centram-se em
ensinar os alunos de ciências e de gestão a controlar, prever, verificar,
garantir e testar dados. Não ensinam como navegar nas questões "e se..." ou em
futuros desconhecidos. "Se quer um pensamento original" - acrescenta a HBR -,
"precisa de libertar a criatividade das pessoas. Os humanistas são treinados
para serem criativos. Steve Jobs reconheceu como estudar caligrafia o levou a
criar o Mac."
Não são estas também as ferramentas que se exigem num mundo cada vez mais
complexo e dinâmico? Eu diria que sim. Diria que, em vez de apostar no Excel
para moldar o futuro - e falhar -, talvez faça sentido cultivar uma maior
variedade de talentos. Só assim um dia podemos fazer alguma coisa de original em
vez de passar o tempo a olhar para o retrovisor à procura do que era para ser e,
afinal, nunca será.
P. S. Já agora: há banqueiros da Goldman licenciados em História...
http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3078994&seccao=Andr%E9&page=-1
http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3078994&seccao=Andr%E9&page=-1
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