Sobre a «redução do desemprego» e a «criação de postos de trabalho na agricultura»
Um velho ditado diz que não há Sábado sem sol, Domingo sem missa, nem Segunda sem preguiça. Também não há Verão sem Volta a Portugal, incêndios florestais, praia, cerveja na esplanada, e o Governo a usar o decréscimo sazonal do desemprego para vir vangloriar-se de que fez crescer a economia e já se vê luz no final do túnel.
Tudo nas recentes demonstrações de júbilo com a descida de 0,7% na taxa (nominal, recorde-se: não nos números reais) de desemprego seria apenas a repetição do banal nestas situações, se não tivesse aparecido mais um «argumento»: o de que desta vez é diferente porque (i) os postos de trabalho criados não estão ligados ao turismo, como é usual, mas à agricultura fundamentalmente, e (ii) porque a descida, de 0,7%, é mais considerável do que a usual, o que ilustra uma tendência estrutural. Será assim?
Ninguém neste Governo percebe nada, por elementar que seja, de agricultura. A começar pela ministra da tutela. Paulo Portas já descobriu que é possível caçar uns votos junto de determinadas franjas da população rural indo para as feira do Interior de bóina e samarra, mas no que concerne à substância da actividade é um retinto nabo. A prova disso está no desconhecimento (ou na dissimulação – e Portas é conhecido pelas suas dissimulações,vide a permanência no Governo coabitando com Maria Luís Albuquerque, classificada por ele próprio como tal) de que o Verão não é apenas a época da praia, das esplanadas, e dos turistas no All-Garve. No Verão também é tempo de inúmeras colheitas de uma série de produtos agrícolas e, todos os anos, em função disso cresce a procura sazonal de mão-de-obra pelos empresários agrícolas.
Essa procura de mão-de-obra é de há muitos anos suprida não pelas populações locais dos países onde as colheitas devem decorrer, mas por trabalhadores imigrantes, as mais das vezes agenciados por neo-esclavagistas do tráfico de seres humanos, que aliciados com promessas do El Dorado são submetidos a condições ignominiosas de exploração, violência, intimidação e opressão nos campos onde trabalham. É assim, ainda hoje, com muitos portugueses que vão para França nesta altura do ano, fazer a apanha da maçã e da uva; é assim com os incontáveis marroquinos que, na Andaluzia e na Catalunha, vão por este mesmo tempo colher pepinos e morangos; e tem sido assim desde há vários anos no Alentejo, na época das colheitas de azeitona, onde o recurso a trabalhadores romenos e tailandeses sobreexplorados e forçados a condições dantescas de trabalho foi denunciado já, aqui, pelo perigosíssimo esquerdista do bispo de Beja.
Em face disso, demos pois a palavra à confederação patronal que representa os grandes agrários portugueses, a CAP, e indaguemos como explica ele este crescimento do número de postos de trabalho no campo. E, seguindo o que noticia a Rádio Renascença, ficamos esclarecidos: João Machado, o tal Presidente da CAP, afirma que «[h]á um conjunto de empregos sazonais que normalmente não eram ocupados por portugueses, que não os aceitavam, mas agora com as dificuldades que estão a sentir estão a aceitar estes empregos. Por isso, estamos a importar menos mão-de-obra para as colheitas do que importávamos em anos anteriores». Recordando as condições em que romenos e tailandeses trabalhavam até aqui no Alentejo e sendo pouco crível que um qualquer rebate de consciência tenha tomado estes proprietários de terras, bem podemos imaginar com que vultuosos salários laboram estes trabalhadores. Bem podemos aferir quão devastador foi o pacto de agressão para as classes populares em Portugal, para tornar apetecível que façam estes trabalhos por estes salários. Bem podemos concluir que o efeito da governação PSD/CDS foi, literalmente, fazer de Portugal a Tailândia da Europa.
Sim, este número de desempregados é transitório e sazonal. Sim, repor-se-ão os valores de Março deste ano, mais cedo do que tarde. Isto é mera enunciação da evidência. Mas extrai-se desta notícia uma realidade mais soturna: a de que o grau de degradação das condições de vida dos trabalhadores portugueses já foi tão longe que, para dezenas de milhares deles, a vida servil de um imigrante tailandês a varejar azeitona no Alentejo já se tornou aceitável. Foi a isto que nos reduziu a política de direita dos últimos 37 anos. É este o interesse da troika nacional, é para isto que cá entrou a troika estrangeira. Nenhum trabalhador consciente pode tolerar este processo, e qualquer política progressista tem, necessariamente, de significar a derrota dos agentes deste processo de empobrecimento. Todos e cada um.
http://5dias.wordpress.com/2013/08/08/sobre-a-reducao-do-desemprego-e-a-criacao-de-postos-de-trabalho-na-agricultura/
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