N.º 2071
8.Agosto.2013
- Vaz de Carvalho
A dívida: quem quer capitalismo paga-o!
1 – A dívida e os almoços grátis
Quando ouvimos a direita proclamar que temos de honrar os «nossos» compromissos e pagar as «nossas» dívidas, vem-nos à lembrança a resposta que a rainha Maria Pia (1), esposa de D. Luís, deu a um ministro ao ser instada acerca dos excessos do seu luxo: «Quem quer rainhas, paga-as!».
A questão da dívida nacional e o seu agravamento têm causas estruturais que radicam no crescente défice produtivo do País e que foi particularmente acentuada com as políticas do BCE e dos mecanismos do euro, que reduziram os países mais vulneráveis à servidão pela dívida. Donde, quem quer este BCE, este euro, esta UE da especulação financeira, dos monopólios e transnacionais, paga-os! O problema é que quem não quer, também os está a pagar!
Repare-se no seguinte: entre 1999 e 2012 Portugal pagou de juros de dívida 65 716,8 milhões de euros, a soma dos défices do Estado foi de 112 117 milhões, porém a dívida pública passou de 58 657,1 para 204 485 milhões de euros (mais 145,8 mil milhões!). Ou seja, quanto mais se paga mais se deve. (INE – Contas nacionais). Em 2012 os jurosrepresentaram nas Contas Públicas 69% do défice do Estado; em 2013 segundo previsões do governo no OE atingiriam cerca de 100% do défice do Estado.
É este o processo posto em prática pelo imperialismo para a extorsão de rendas financeiras e apropriação da propriedade pública (privatizações). A dívida externa pública dos países em desenvolvimento era, em 1970, de 40 mil milhões de dólares, em 2009 atingia 1460 mil milhões, porém no mesmo período foi pago como serviço de dívida 4529 mil milhões de dólares. Isto é, reembolsaram 98 vezes o que deviam em 1970, mas a dívida é 32 vezes maior, tudo isto em dólares(2).
A dívida é a forma de proporcionar os famosos «almoços grátis» à finança e monopólios, que os propagandistas do sistema dizem não serem possíveis para tudo o que é social. O BCE impõe que os estados se financiem junto da banca privada; esta recebe do BCE a 0,5% de juro, e empresta aos estados a um juro que depende tanto da especulação como de estratégias dos países dominantes. A Alemanha obtém juros a 0,5 ou a 1%, mas Portugal como muitos outros países obtêm a 5, 6, 7% e mesmo mais.
Para termos uma ideia de como este mecanismo actua lembremos o propalado «sucesso» da ida aos mercados» (!). Pediram-se 3000 milhões de euros, com juro de 5,68%, a 10 anos: recebemos 3000, pagamos 5212 milhões. Note-se: com uma taxa de 5,7% em 10 anos paga-se mais 74%; com uma taxa de 7% o empréstimo duplica. Compreende-se também o dogma do BCE de não querer inflação.
Pela via da dívida a troika impõe condições equivalentes à submissão dos povos por meios militares, obrigando as pessoas a perderem direitos, entregar partes crescentes do seu rendimento para alimentar a especulação, entregar ao desbarato património e serviços públicos e, finalmente, em nome de cumprir os «nossos compromissos», pretendendo reduzir a democracia a mera formalidade sem direito à escolha de alternativas.
2 - O ajustamento estrutural
Os comentadores são mobilizados para propagandear a ideia de que a austeridade é a condição para o «ajustamento estrutural» e que o pagamento das dívidas irá proporcionar crescimento futuro. Falso. É o caminho do colapso económico e social. Aquela propaganda serve precisamente para manter a sujeição pela dívida excluindo a análise de como a riqueza é criada, adquirida e distribuída e de que forma afecta o desenvolvimento.
Umas contas simples ajudam-nos a compreender a natureza do problema. Em 2012 o endividamento do Estado era 124% e o défice 6,4% do PIB. Com as actuais políticas, reduzir a dívida pública para 80% do PIB e o défice para 3% implicaria (mantendo o mesmo valor da dívida, ou seja, sem novos empréstimos) garantir um crescimento do PIB de 54,5% (3), portanto um crescimento médio ao longo de 10 anos da ordem dos 4,4 a 4,5%. Quanto ao défice, mesmo com este crescimento, seria necessário reduzir-se em 27,8% através da diminuição da despesa e/ou aumento da receita.
Se fizermos o mesmo exercício para o absurdo que é o Mecanismo Europeu de Estabilidade (aplaudido pelos partidos da troika como «regra de oiro») que exige sob a ameaça de «penalidades» (!) um endividamento público limitado a 60% do PIB e 0,5% de défice, teria de ser garantido um crescimento de 7,5% ao longo de 10 anos (ou de 3,6% ao longo de 20 anos) e uma redução de défice de 84%!
Mas crescimento como com as políticas da troika?! Os «cortes na despesa» feitos pela direita incidem sobre salários, prestações sociais e investimento, provocando a recessão, deixando intocados os juros, a tributação sobre rendas financeiras e monopolistas, além das PPP, SWAP, etc., que bloqueiam o crescimento.
3 – Duas escolhas
O prof. Michael Hudson cita o economista M. Flürscheim (1844 – 1912) referindo uma alegada afirmação de Napoleão, que dizia não entender como «o monstro do juro não tinha ainda destruído toda a humanidade», ao que Flürscheim comenta: «Teria assim sido há muito se a bancarrota e a revolução não tivessem sido os antídotos». Acrescenta Hudson: «E este é justamente o ponto. Alguma coisa tem de ser feita quando a matemática dos juros ultrapassa a capacidade da economia pagar» (4).
A austeridade torna o pagamento da dívida cada vez mais pesado; os interesses dos credores sobrepõem-se aos da economia nacional, ficando as nações devedoras e mais dependentes, suportando juros especulativos (com o argumento de que a economia do país não lhes dá garantias!), empurradas para exportações com baixos salários e baixa tecnologia ao serviço das transnacionais (é o mito de «captar investimento estrangeiro») e promovendo a emigração dos trabalhadores mais qualificados.
Os números que apresentamos servem para nos dar uma ideia de como a dívida nas condições da troika é impagável e como as políticas da UE e do euro estão apenas previstas para garantir rendimentos às oligarquias, «custe o que custar». Tudo isto prova como as referências ao «crescimento e emprego» ou «não se perderem os sacrifícios já feitos», não passam de reles embustes.
Números que revelam também como são justas e patrióticas as políticas de renegociação de dívida nos seus montantes, prazos e juros e a rejeição do pacto de agressão da troika, que o Partido defende e tem reivindicado.
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1 – D. Maria Pia de Saboia (1847-1911), rainha de Portugal, fazia questão de usar vestidos novos todos os dias expressamente vindos de Paris. Esta senhora ficou também conhecida como «O Anjo da Caridade». Eis o género de caridade (com muitos «pobrezinhos») que a direita aprecia.
2 – cadtm.org, «Les chifres de la dette 2011»
3 – Dívida em 2012 / 0,8 = PIB necessário
4 – «The Bubble and beyond», Michael Huson, Ed. ISLET, p. 97.
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