ABRUPTO
23.1.13
09:47 (JPP)
(Escrito em 14 de Janeiro de 2013, publicado a 17. E estava já no discurso para 2013, escrito ainda em 2012: "Vamos fazer duas ou três emissões com sucesso em 2013, pequenas, a vários prazos, prudentes, e depois os alemães vão colocar-nos a mão por baixo e defender-nos dos mercados, porque com esse sucesso, já podemos ser apoiados pelo BCE. Foi o que nos prometeram, para podermos apresentar a saída da troika como um grande trunfo político." Há alturas em que não custa nada prever.)
“REGRESSAR AOS MERCADOS EM 2013”
Vamos admitir que Portugal “regressa aos mercados” em 2013, cumprindo aquilo que já é o único objectivo da política governamental que os seus responsáveis pensam que é realisticamente atingível antes de eleições. O défice, a dívida, a recessão ou um crescimento larvar resultado apenas de que não se pode estar sempre a descer, o desemprego, a crise social em todo o seu esplendor, as falências, o aumento da pobreza, tudo isto parece estar para continuar e durar muito para além do actual ciclo eleitoral. Mas, com o abaixamento dos juros nos mercados, que favorecem Portugal, a Irlanda e mesmo a Grécia, pode ser possível fazer algumas pequenas emissões com sucesso para dar pretexto a que a mão protectora do BCE se estenda sobre Portugal. O que conta é a mão do BCE e não o sucesso das emissões, mas será sempre dito o contrário. É mau? Não é, é bom, mais vale isso do que nada. Mas vale muito menos do que o governo quer dar a entender. É verdadeiramente “voltar aos mercados”? Não é, porque sem o aval do BCE seria impossível. É sustentável? Não é de todo, mas o governo pensa apenas até 2015, porque o “que se lixem as eleições” foi dito em ingsoc e doublespeak, a linguagem orwelliana em que uma coisa significa exactamente o seu contrário
Vamos de novo voltar à admissão principal de que Portugal “regressa aos mercados”. Significa isso que a troika se vai embora de vez? Errado, a troika fica cá mesmo sem cá estar. O Pacto Orçamental garante a continuidade da política da troika. “Bruxelas”, essa entidade mítica, passa a ter um direito de veto sobre os orçamentos, colocando o parlamento português sob tutela permanente naquela que foi a sua mais importante prerrogativa numa nação que era soberana. Os fundos comunitários já virão com a condição da obediência. E, depois, a mão benfazeja do BCE, e dos alemães que o controlam, só se estenderá se a política da troika se mantiver, e, em caso contrário, é que Portugal será mesmo “atirado” aos mercados, ou seja dura uma semana até pedir novo resgate. É verdade que a benevolência com Portugal se deve em grande parte ao facto de que para os decisores que contam nesta matéria, a começar por Angela Merkel, os actuais governantes tem-se esforçado em fazer o que lhes é pedido. Por isso Passos e Gaspar têm razão quando afirmam que Portugal, em particular a sua encarnação em Vítor Gaspar, tem aumentado a sua “credibilidade” junto dos mercados, porque estes sabem que enquanto a Alemanha e o BCE protegem Portugal, as emissões portuguesas, principalmente nos prazos mais curtos, são um bom investimento.
Mas, como Nossa Senhora, presume-se, não aparecerá em Wall Street, e muito menos em S. Bento, não há milagres que evitam que, mesmo com todas as protecções especiais, a “ida aos mercados”, se se der, seja artificial e acima de tudo muito frágil. Como, a continuar-se a mesma política da troika directamente na Grécia e em Portugal, e indirectamente na Espanha e na Itália, as crises são inevitáveis, quer no plano político, quer social, quer económico, como é que ficamos se de novo se der uma subida de juros em resposta a um agravamento da situação em qualquer país europeu? Ora esse agravamento é inevitável a prazo curto e a volatilidade dos mercados grande. Como é que faremos depois? Vamos de novo pedir o regresso da troika mais uma centena de milhar de milhões de euros de um novo resgate? Eu bem sei que para os responsáveis por esta política se isto acontecer depois de 2015, não é “culpa” deles, que fizeram sair nominalmente a troika de cá, mas de quem estiver no poder na altura. Mas a sua lavagem de mãos é como a de Sócrates em Paris: deixaram o menino no colo dos outros e foram-se à vida.
O que mais me espanta quando isto se discute e se saúda gloriosamente este “regresso” protegido e imperfeito aos mercados, é que quem lhe deita os foguetes antecipadamente tem mais que obrigação de saber que, no fundo, se trata apenas de ir pedir mais dinheiro, endividar-nos mais, e que é na aplicação desse dinheiro que está a chave. Ou seja, e cá vem a terrível frase feita, é a fragilidade estrutural da nossa economia, da nossa sociedade e da nossa política, que conta e isso não se resolve pedindo mais dinheiro, seja à troika seja aos mercados, mas sabendo como o aplicar bem, para depois o poder pagar. Superar estas fragilidades é que é a chave de qualquer regresso aos mercados que seja sustentável e sem crescimento não há nada para ninguém que seja sustentável. Sustentável, a palavra que mais entusiasma qualquer tecnocrata, mas com a qual eles têm uma mera relação platónica.
Aqui as águas dividem-se e entra em cena o conjunto de ideias superficiais que passa por ser ideologia. A crença, porque não é mais do que uma crença, de que colocadas as pedras no sítio certo, défice quase zero, dívida a ser paga, salários em baixo e mão-de-obra barata, estado apenas para os muito pobres e vagamente regulador para tudo o resto, sociedade competitiva porque empobrecida, separação de águas entre os “preguiçosos” e os “empreendedores”, austeridade mais autoridade, se entra num boom económico imparável que resolverá tudo e mostrará a validade das receitas da troika. Há quem acredite nisso, alguns yuppies já fora de época que são muito activos nas redes sociais, e cujo pensamento cabe em 140 caracteres, mas há acima de tudo quem precise disto, quem tenha interesse nisto, mesmo que não acredite muito no seu desfecho. Se posso pagar muito menos em salários e despedir quem quiser, não me importo de ser neo-liberal durante meia semana e na outra, quando quero aceder a alguns dinheiros comunitários, sou keynesiano se for preciso. Mas enquanto os primeiros andam já à procura de inimigos externos, o “povo habituado a ser protegido” é o primeiro candidato e as “corporações”, o segundo; os pragmáticos esforçam-se por aproveitar o que podem, porque sabem aquela verdade que toda esta ilusão pretende esconder: isto não vai durar muito. Ou, dito de outra maneira mais precisa: se continuar a haver democracia isto não vai durar muito. E aproveitam enquanto podem, até porque o “Monte Branco” e as Caimões não estão assim tão longe.
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