Correia da Fonseca*
03.Jul.10  :: Editores
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Uma  reportagem do National Geographic Magazine, canal distribuído por cabo,  traz-nos notícias da Amazónia. Más notícias, como bem se poderia  esperar, mas não pelo motivo habitual que é a desflorestação imposta  pelo comércio de madeiras: desta vez trata-se da plantação  hiperintensiva de soja, propiciadora de fartos lucros mas devastadora  dos solos e com consequências verdadeiramente assassinas para as  populações. 
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Expondo as razões concretas de uma espécie de anunciado apocalipse  local, a reportagem de origem obviamente insuspeita explica-nos que a  fúria inescrupulosa dos plantadores de soja vai provocar o que pode ser  designado por morte ecológica do rio, e que daí até à destruição de uma  enorme e fundamental parcela da própria Amazónia não vai nenhuma  distância significativa. Acrescenta que os poderes públicos não parecem  interessados nas medidas inevitavelmente drásticas que poderiam suster a  catástrofe, ou talvez que não têm efectiva vocação para tanto, decerto  porque, ali como em muitos outros lugares, entre o poder político e a  ganância comercial não há efectiva fronteira mas, pelo contrário,  coincidência e sobreposição. 
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Quanto aos autóctones que tentam resistir ao desastre, não faltam os  que são abatidos sem que os matadores sejam punidos ou sequer  formalmente identificados, o que também não surpreende: é sabido que no  Brasil é uma sinistra tradição o assassínio dos que defendem a terra  contra as pilhagens. 
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A reportagem é, naturalmente, consternante: vagas notícias haviam  dito que a destruição da Amazónia tinha sido travada ou pelo menos  reduzida, que alguma pressão internacional em defesa do «pulmão do  mundo» conseguira consequências positivas, e até se admitira que talvez  seja assim no que se refere ao comércio madeireiro. 
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A verdade é que o telespectador vulgar não sabe dessas coisas, do  Brasil sabe o que lhe contam as telenovelas, sabe do futebol e do samba,  por aí se fica aliás presumivelmente satisfeito. Vem agora esta  informação acerca da destruição provocada pelas plantações de soja e  para quem tenha calhado vê-la terá sido um desapontamento. Mas não uma  surpresa. 
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A verdade é que até os mais distraídos, até muitos dos rendidos aos  benefícios de um progresso material que quase todos os meses nos oferece  telemóveis mais sofisticados, o que é fascinante, sabem que a gloriosa e  libérrima iniciativa privada tem os seus inconvenientes. Talvez porque  já ouviram falar do risco de esgotamento ou perversão de alguns bens de  utilização colectiva e global (água, ar, matérias-primas), do saque de  algumas regiões. 
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O derrame de crude que prossegue algures no Atlântico ao largo da  costa norte-americana terá sacudido um poucochinho a apatia  generalizada. Mas é de crer que a maioria dos inquietados tenda a  encolher os ombros e a esquecer, porque «não há-de ser nada». 
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O terrível, porém, é que ao invés de «não ser nada» pode ser tudo. A  questão é que a sobreexploração sem limites e anárquica, verdadeiro  motor do capitalismo ultraliberal que domina o mundo, contém em si  própria sementes de uma dinâmica de carácter verdadeiramente  apocalíptico. É certo que o planeta já provou que suporta e perdoa muita  coisa, mas é de uma leviandade criminosa e suicida presumir que perdoa  tudo. Pelo que, naturalmente, é preciso e urgente travar a cavalgada  para a autodestruição e, para tanto, ter o lúcido conhecimento do  contexto em que ela mergulha as suas raízes. São raízes poderosas, mas a  opção é simples: ou a gula insaciável do empresariado transnacional ou a  viabilização do futuro. A reportagem do Nacional Geographic Magazine  veio, à sua discreta escala, lembrar que é preciso escolher.  
* Correia da Fonseca é amigo e colaborador de odiario.info.
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http://www.odiario.info/?p=1657.
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