02.Jul.10 ::  Outros autores
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Receio que  estejamos nos estágios iniciais de uma terceira depressão. E o custo  para a economia mundial será imenso
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Recessões são comuns; depressões são raras. Pelo que sei, houve  apenas duas eras qualificadas como «depressões» na ocasião: os anos de  deflação e instabilidade que acompanharam o Pânico de 1873, e os anos de  desemprego em massa, após a crise financeira de 1929-31.
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Nem a Longa Depressão do século XIX nem a Grande Depressão, no  século XX, registaram declínio contínuo. Pelo contrário, ambas tiveram  períodos de crescimento. Mas esses períodos de melhoria jamais foram  suficientes para desfazer os danos provocados pela depressão inicial e  foram seguidos de recaídas.
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Receio que estejamos nos estágios iniciais de uma terceira  depressão. Que provavelmente vai se assemelhar mais à Longa Depressão do  que a uma Grande Depressão mais severa. Mas o custo – para a economia  mundial e, sobretudo, para as milhões de pessoas arruinadas pela falta  de emprego – será imenso.
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E essa terceira depressão tem a ver, principalmente, com o fracasso  político. Em todo o mundo – e, mais recentemente, no desanimador  encontro do G-20 – os governos mostram-se obcecados com a inflação  quando a ameaça é a deflação, e insistem na necessidade de apertar o  cinto, quando o problema de fato são os gastos inadequados.
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Em 2008 e 2009, parecia que tínhamos aprendido com a história. Ao  contrário dos seus predecessores, que elevavam as taxas de juro para  enfrentar uma crise financeira, os atuais líderes do Federal Reserve e  do Banco Central Europeu (BCE) cortaram os juros e partiram em apoio aos  mercados de crédito. 
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Ao contrário dos governos do passado, que tentaram equilibrar os  orçamentos para combater uma economia em declínio, os governos hoje  deixam os déficits crescerem. E melhores políticas ajudaram o mundo a  evitar o colapso total: podemos dizer que a recessão causada pela crise  acabou no Verão (no Hemisfério Norte) passado.
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Mas os futuros historiadores vão nos dizer que esse não foi o fim da  terceira depressão, da mesma maneira que a retoma econômica em 1933 não  foi o fim da Grande Depressão. Afinal, o desemprego – especialmente a  longo prazo – continua em níveis que seriam considerados catastróficos  há alguns anos. E tanto os Estados Unidos como a Europa estão perto de  cair na mesma armadilha deflacionária que atingiu o Japão. 
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Diante desse quadro, você poderia esperar que os legisladores  entendessem que não fizeram o suficiente para promover a recuperação.  Mas não. Nos últimos meses observamos o ressurgimento da ortodoxia do  equilíbrio orçamentário e da moeda forte. 
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O ressurgimento dessas teses antiquadas é mais evidente na Europa.  Mas, em termos práticos, os EUA não estão agindo muito melhor. O FED  parece consciente dos riscos de deflação – mas o que propõe fazer é:  nada. O governo Obama entende os perigos de uma austeridade fiscal  prematura – mas, como republicanos e democratas conservadores não  aprovam uma ajuda adicional aos governos estaduais, essa austeridade se  impõe de qualquer maneira, com os cortes nos orçamentos estaduais e  municipais.
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Por que essa virada da política? Os radicais com frequência  referem-se às dificuldades da Grécia e outros países na periferia da  Europa para justificar seus atos. E é verdade que os investidores  atacaram os governos com déficits incontroláveis. Mas não há evidência  de que uma austeridade a curto prazo, ante uma economia deprimida, vai  tranquilizar os investidores. 
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Pelo contrário: a Grécia concordou com um plano de austeridade, mas  viu seus riscos se ampliarem; a Irlanda estabeleceu cortes brutais dos  gastos públicos e foi tratada pelos mercados como um país com risco  maior que a Espanha, que até agora resiste em adotar medidas drásticas  propugnadas pelos radicais.
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É como se os mercados entendessem o que os legisladores não  compreendem: que, embora a responsabilidade fiscal a longo prazo seja  importante, cortar gastos no meio de uma depressão vai aprofundar essa  depressão e abrir caminho para a deflação, o que é contraproducente. 
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Portanto, não acho que as coisas tenham a ver de fato com a Grécia,  ou com qualquer visão realista sobre o que priorizar: déficits ou  empregos. Em vez disso, trata-se da vitória de teses conservadoras que  não se baseiam numa análise racional e cujo principal dogma é que, nos  tempos difíceis, é preciso impor sofrimento a outras pessoas para  mostrar liderança.
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E quem pagará o preço pelo triunfo dessas teses? A resposta: dezenas  de milhões de desempregados, muitos deles sujeitos a ficar sem emprego  por anos e outros que nunca mais voltarão a trabalhar. 
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* Paul Krugman, economista galadoardo com o Prémio Nobel em 2008  é colaborador habitual do New York Times
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Este texto em português, traduzido do New York Times,  foi publicado no diário brasileiro Estado de S. Paulo
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 Tradução de Terezinha Martino
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http://www.odiario.info/?p=1656
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Economia
Paul Krugman: Austeridade contraproducente
O blog de economia do WSJ traz um artigo interessante  mostrando como a restrição dos benefícios aos desempregados pode na  verdade acabar aumentando o déficit no longo prazo, ao fazer com que  trabalhadores perto da idade de aposentadoria se vejam obrigados a  recorrer a programas de aposentadoria por invalidez. Mas a questão vai  muito além disto. 
Paul Krugman 
 
                               Há uma argumentação bastante  razoável segundo a qual medidas de austeridade no contexto de uma  economia em depressão equivalem, literalmente, a uma falsa poupança – no  longo prazo, os problemas orçamentários são agravados.
Pessoas como eu têm hesitado em expor tal argumentação em voz alta, por medo de sermos tachados de versão esquerdista de Arthur Laffer – mas que se dane a cautela, vou explicar do que se trata.
Funciona mais ou menos assim. Imaginemos um corte nos gastos equivalente a 1% do PIB. Isso tem a aparência de uma redução no orçamento, certo? Mas se o fizermos no caso de uma economia que se depara com o limite inferior zero, de modo que o Fed se veja impossibilitado de compensar os efeitos sobre a demanda com juros mais baixos, o resultado será um encolhimento da economia. Usemos um multiplicador de 1,4; os números podem ser ajustados a gosto.
Sabemos que uma economia mais fraca significa uma arrecadação menor. Suponhamos que cada dólar somado ou subtraído ao PIB represente US$ 0,25 em arrecadação, uma estimativa conservadora. Então a austeridade fiscal reduz a arrecadação em 0,35% do PIB; a proporção realmente poupada é de apenas 0,65%.
O governo precisa captar estes fundos por meio de empréstimos; digamos que os juros reais sejam de 3% (no momento eles são muito mais baixos do que isto.) No longo prazo, o impacto da austeridade sobre a posição fiscal será uma redução de 0,0195% do PIB no pagamento dos juros reais.
Espere: e se houver efeitos negativos de longo prazo decorrentes de um declínio mais profundo na economia? O artigo do WSJ mostrou um exemplo: trabalhadores excluídos permanentemente da força de trabalho. Há também o efeito negativo de uma economia em depressão que incide sobre o investimento privado. Temos os talentos desperdiçados porque os jovens têm suas carreiras prejudicadas pelo resto da vida. E assim por diante. E aí é que está o problema: se a economia se mostrar mais fraca no longo prazo, isso significa uma arrecadação menor, o que anula a quantia poupada pela austeridade inicial.
Qual deve ser a dimensão destes efeitos negativos para que a austeridade seja transformada numa perda líquida para o equilíbrio orçamentário? Não precisa ser grande demais. No meu exemplo, a quantia poupada no pagamento de juros reais proporcionada por medidas de austeridade equivalentes a 1% do PIB é inferior a 0,2% do PIB; se a proporção do PIB convertida em arrecadação for de 25%, isto significa que uma redução adicional no PIB da ordem de 0,8% seria suficiente para anular os supostos benefícios fiscais. Não é nada difícil imaginar a ocorrência de algo do tipo.
Em resumo, é fácil perceber que implementar medidas de austeridade agora é uma má ideia, não apenas por causa do seu impacto sobre a economia e os desempregados; pode ser que isso fracasse até na tentativa de ajudar a equilibrar o orçamento.
É importante perceber que não estou dizendo que os gastos governamentais sempre valem a pena, e nem que poupar dinheiro seja necessariamente contraproducente. Os efeitos que analisamos condizem com uma situação de armadilha de liquidez. Mas é esta a situação em que nos encontramos.
Pessoas como eu têm hesitado em expor tal argumentação em voz alta, por medo de sermos tachados de versão esquerdista de Arthur Laffer – mas que se dane a cautela, vou explicar do que se trata.
Funciona mais ou menos assim. Imaginemos um corte nos gastos equivalente a 1% do PIB. Isso tem a aparência de uma redução no orçamento, certo? Mas se o fizermos no caso de uma economia que se depara com o limite inferior zero, de modo que o Fed se veja impossibilitado de compensar os efeitos sobre a demanda com juros mais baixos, o resultado será um encolhimento da economia. Usemos um multiplicador de 1,4; os números podem ser ajustados a gosto.
Sabemos que uma economia mais fraca significa uma arrecadação menor. Suponhamos que cada dólar somado ou subtraído ao PIB represente US$ 0,25 em arrecadação, uma estimativa conservadora. Então a austeridade fiscal reduz a arrecadação em 0,35% do PIB; a proporção realmente poupada é de apenas 0,65%.
O governo precisa captar estes fundos por meio de empréstimos; digamos que os juros reais sejam de 3% (no momento eles são muito mais baixos do que isto.) No longo prazo, o impacto da austeridade sobre a posição fiscal será uma redução de 0,0195% do PIB no pagamento dos juros reais.
Espere: e se houver efeitos negativos de longo prazo decorrentes de um declínio mais profundo na economia? O artigo do WSJ mostrou um exemplo: trabalhadores excluídos permanentemente da força de trabalho. Há também o efeito negativo de uma economia em depressão que incide sobre o investimento privado. Temos os talentos desperdiçados porque os jovens têm suas carreiras prejudicadas pelo resto da vida. E assim por diante. E aí é que está o problema: se a economia se mostrar mais fraca no longo prazo, isso significa uma arrecadação menor, o que anula a quantia poupada pela austeridade inicial.
Qual deve ser a dimensão destes efeitos negativos para que a austeridade seja transformada numa perda líquida para o equilíbrio orçamentário? Não precisa ser grande demais. No meu exemplo, a quantia poupada no pagamento de juros reais proporcionada por medidas de austeridade equivalentes a 1% do PIB é inferior a 0,2% do PIB; se a proporção do PIB convertida em arrecadação for de 25%, isto significa que uma redução adicional no PIB da ordem de 0,8% seria suficiente para anular os supostos benefícios fiscais. Não é nada difícil imaginar a ocorrência de algo do tipo.
Em resumo, é fácil perceber que implementar medidas de austeridade agora é uma má ideia, não apenas por causa do seu impacto sobre a economia e os desempregados; pode ser que isso fracasse até na tentativa de ajudar a equilibrar o orçamento.
É importante perceber que não estou dizendo que os gastos governamentais sempre valem a pena, e nem que poupar dinheiro seja necessariamente contraproducente. Os efeitos que analisamos condizem com uma situação de armadilha de liquidez. Mas é esta a situação em que nos encontramos.
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