José Paulo Gascão
“Mais do que um dever, vetar a venda Vivo foi uma bravata – temperada pela não percepção de que em capitalismo o poder político está subordinado ao poder económico – que levou Sócrates a enfrentar os interesses imediatos do grupo BES. Mas em capitalismo, como claramente sentenciou um ex-presidente do Bundesbank, «os políticos devem acatar as decisões dos mercados».”
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Quando, em Maio passado, a espanhola Telefónica fez a primeira oferta para a compra da participação da PT na Vivo, a maior empresa de telefones móveis do Brasil, poucos imaginariam o vendaval político que esta proposta provocaria na política portuguesa.
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Mostrando não ter ainda compreendido que o Estado surge numa determinada fase do desenvolvimento das sociedades como consequência da sua divisão em classes e que, embora seja apresentado por teóricos e políticos burgueses como acima da sociedade e das classes (o Estado somos todos nós, dizem enganosamente), esta super-estrutura é um instrumento de domínio da classe no poder, e os governos os executores da vontade dessa classe, Sócrates declarou que «as golden shares [acções privilegiadas] existem para ser utilizadas se for caso disso». Na véspera, Ricardo Salgado que se tem assumido como o porta-voz do grande capital mostrou claramente que se ia entrar numa fase de regateio e a sua vontade de vender, e enviou ao governo o recado pela imprensa: «Diz-se que tudo tem um preço, menos a honra».
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«Mudam-se os tempos,
mudam-se as vontades»
mudam-se as vontades»
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Não foi esta a primeira vez que a Telefónica tentou comprar a posição da PT na Vivo. No início de 2007, quando já se gastavam rios de tinta com previsões da presente crise embora sem data marcada no calendário, foi outra a reacção do BES. Então, depois de reconhecer que «a actual parceria com a Telefónica é inviável», o banqueiro admitia «várias soluções, a começar pela compra da posição da Telefónica na empresa proprietária da Vivo».
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Vivia-se em plena euforia de uma especulação financeira garantida pelo financiamento da banca portuguesa internacionalmente. Por permitir uma mais fácil acumulação de capital, o imobiliário tornou-se o principal impulsionador da especulação financeira. A banca financiava o loteador, o construtor, e por último o comprador do andar. Na abertura de uma conta era preciso resistir para não ficar com um cartão de crédito.
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Uma orgia financeira a que o rebentar da crise pôs abruptamente fim em 2008.
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É com este pano de fundo que desde Maio passado se estica o regateio com a Telefónica de 5.700 até 7.150 milhões de euros, cerca de 70% de todo o produto bancário nacional em 2009, «uma pipa de massa» que explica a mudança de opinião do BES e dos membros do «núcleo duro» que gravitam à sua volta, Ongoing e Visabeira.
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Como o pagamento de dividendos seria dentro de dez meses e a compra de uma participação noutro eventual operador telefónico teria o seu tempo de maturação e negociação, no imediato e a curto prazo estariam ultrapassados algumas das dificuldades de financiamento da banca portuguesa, ao menos as de alguns bancos.
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A queda de Sócrates
Se antes das eleições já eram visíveis sinais de que Sócrates tinha perdido o apoio do grande capital, com a perda da maioria absoluta e a eleição do novo líder do PSD ficou claro que o grande capital considerava o turno do PS terminado e que passara os seus favores para o PSD e Passos Coelho, o bivitelino gémeo político de Sócrates.
Se antes das eleições já eram visíveis sinais de que Sócrates tinha perdido o apoio do grande capital, com a perda da maioria absoluta e a eleição do novo líder do PSD ficou claro que o grande capital considerava o turno do PS terminado e que passara os seus favores para o PSD e Passos Coelho, o bivitelino gémeo político de Sócrates.
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Mais do que um dever, vetar a venda Vivo foi uma bravata – temperada pela não percepção de que em capitalismo o poder político está subordinado ao poder económico – que levou Sócrates a enfrentar os interesses imediatos do grupo BES. Mas em capitalismo, como claramente sentenciou um ex-presidente do Bundesbank, «os políticos devem acatar as decisões dos mercados».
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Procurando confundir, Sócrates e Passos Coelho inventam inexistentes diferenças ideológicas. Passos Coelho procura capitalizar o real desejo de mudança existente no eleitorado português e esconder o que efectivamente quer; Sócrates tenta mostrar uma matriz ideológica que não tem e a que deitou a última pá de terra com a conclusão do processo de fusão ideológica do PS com a direita e a rendição incondicional neoliberalismo. Uma vergonha.
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Em queda livre, Sócrates arrasta com ele o PS para uma derrota, apenas adiada pela crise e a necessidade de respeitar os apertados períodos que a próxima eleição para Presidente da República impõe. Isso mesmo foi compreendido dentro do PS, como bem o mostram as críticas cada vez menos veladas à sua acção e ao governo, e a multiplicação de disponíveis e pré-disponíveis à sua sucessão.
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O veto e a UE
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A utilização de uma golden share provocou uma onda de protestos do grande capital europeu. A utilização de vetos por parte dos Estados, por vezes até sem golden share, é prática habitual na UE sempre que os governos entendem ser esse um seu dever de protecção de uma empresa por eles considerada estratégica. A Bélgica viu mesmo reconhecida uma sua empresa distribuidora de energia ser reconhecida pela Comissão Europeia como estratégica, a Espanha já protegeu assim a sua maior empresa de energia eléctrica, e a Alemanha impediu e impedirá que a maioria do capital alemão na Volkswagen passe para mãos estrangeiras.
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A questão é que a UE é um desenvolvido embrião de um super-Estado com todas as características e objectivos de um Estado, ao serviço da classe no poder, não lhe faltando sequer um elevado quadro de funcionários e agora até já um exército cedido pelos Estados membros. Por isso se assume como primeiro guardião dos interesses dos monopólios na Europa e em todos e cada um dos países, e da concentração e centralização do capital.
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A entrada de Portugal da UE trouxe-nos a perda de grande parte da nossa produção agrícola, da nossa indústria e das nossas pescas. Chegou agora a vez das empresas tecnologicamente desenvolvidas?
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Com o desenvolvimento do capitalismo até à presente fase de senilidade começam a surgir, aqui e além, as primeiras vozes em defesa da saída dos seus países da União Europeia. Acautelando males maiores, o artigo 50º do Tratado de Lisboa prevê que o eventual desejo de um Estado soberano sair da UE tenha de ser aprovado pelo Conselho Europeu e pelo Parlamento Europeu…
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Lisboa, 20 de Julho de 2010.
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