* Jorge Cádima
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O Papa falou de cátedra aos bispos portugueses que ouviram e calaram. Tão grande foi o seu desplante e o seu despudor que chegou a citar, como referência da sua intervenção, o Concílio Vaticano II, o mesmo que ele, como cardeal, tão activamente ajudou a apagar da memória dos católicos. E falou da crise da igreja como se ela se verificasse apenas em Portugal. Ora os problemas de incompatibilidade entre a Igreja e o Mundo são graves, irreversíveis e universais.
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Enquanto os cofres do Vaticano abarrotam de oiro, os seminários estão às moscas, a juventude foge das missas como o diabo da cruz e multidões tecnicamente «crentes» viram as costas às catequeses e ao dogma, irreconciliáveis com a vida moderna e com um racionalismo em movimento que não cessa de crescer.
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Como sempre, Bento XVI falou em código cifrado. Disse que o clero tinha de mudar de mentalidade, o que é tudo e nada é. Ele próprio, Ratzinger, é um exemplo vivo do pastor da igreja que não muda. Propõe novas estratégias mas impõe, simultaneamente, a intocabilidade do Dogma e a cega obediência à regra da cadeia hierárquica que defende o Primado da Fé, visa a extinção do Estado Social e reclama a paternidade do Capitalismo.
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A hierarquia católica enferma do delírio das grandezas. A maleita é fatal.
Os próximos passos dos bispos
Em Portugal, há um projecto canónico que se arrasta há anos e que os responsáveis católicos fingem esquecer. A sua sigla é “Reforma das paróquias portuguesas”, título que, tal como o que fez o papa no seu discurso, diz tudo sem nada dizer. A reforma das paróquias que é suposto implementar-se transcende os seus objectivos declarados: é a reforma global da igreja portuguesa. O papa conhece perfeitamente essa proposta. Nesse sentido, tudo o que disse pode ser considerado como uma luz verde, o tiro de partida para uma experimentação laboratorial num pequeno país de uma fórmula que, se resultar, poderá representar a sobrevivência da igreja católica na União Europeia.
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As grandes linhas gerais de orientação são bem conhecidas. O Vaticano é um firme aliado do Capitalismo e admira a vitalidade das mudanças neoliberais. Sobretudo, revê-se nos princípios universalmente aplicados das fusões de empresas, da mobilidade, da flexibilidade, da reconversão ou da privatização de competências do Estado. Envolta por sociedades que febrilmente se movimentam, a Igreja católica sente-se cada vez mais só. Há, pois, que mudar estratégias e estruturas.
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Tanto quanto se saiba, a «Reforma das Paróquias» visará fundamentalmente, numa primeira fase, extinguir ou reagrupar as pequenas paróquias rurais com populações reduzidas; e transferir para as organizações da Sociedade Civil (ONGS, IPSS, Misericórdias, Fundações) os espaços que o Poder vai sucessivamente abandonando na Saúde, no Ensino, no Comércio e Indústria, etc. A figura tradicional do pároco residente será totalmente extinta. Em sua substituição funcionarão, a partir das sedes de concelho ou de distrito, equipas mistas de grande mobilidade e capacidade de intervenção, juntando agentes da Acção Social e catequistas «agentes da Pastoral». As escolas católicas localizadas nos centros urbanos lançarão grandes movimentos de alfabetização e de formação profissional, acompanhados por Aulas da Religião. Organizar-se-ão, no mesmo sentido, equipas sanitárias móveis e hospitais católicos, nomeadamente hospitais de retaguarda. Os financiamentos desta grande mudança social serão garantidos quer pelo Estado - parceiro principal – quer por grupos económicos patrocinadores quer, ainda, por empresas da igreja com fins lucrativos. Com o tempo, estas estruturas orgânicas laico-confessionais abrangerão toda a comunidade. A Igreja ganhará em influência, o Estado capitalista libertar-se-á do peso morto da acção social e o grande capital virá a beneficiar de novos fatias de mercado e de melhor qualidade de mão-de-obra. O Ensino, naturalmente, será feudo católico.
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O projecto existe, Ratzinger conhece-o bem e dá-lhe a sua bênção. O episcopado português, ultraconservador e situacionista, fica entalado entre a espada e a parede. Terá de aceitar participar numa aventura sem garantias, para a qual não existe alternativa, sempre sob a ameaça de não haver retorno. A situação é dramática. Se o projecto avançar, a Igreja apostará o seu futuro na vitória ou na morte do capitalismo. Caso a tentativa não avance e seja abandonada, a Igreja perder-se-á nas areias do deserto e da indiferença dos homens.
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Trata-se de uma reforma de alto risco. Para dentro da esfera religiosa terão de ser transportados os métodos capitalistas que arrastam os despedimentos, as deslocalizações e as rupturas políticas de alianças provisórias e de cultura efémera.
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A situação da igreja católica é já um bicho de sete cabeças. Equacionar um projecto desta grandeza, torna-se difícil mas possível. Traduzi-lo na acção, dar-lhe conteúdos sólidos, é matéria de dificuldade transcendente. Diríamos mesmo: o plano é impraticável.
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Enquanto os cofres do Vaticano abarrotam de oiro, os seminários estão às moscas, a juventude foge das missas como o diabo da cruz e multidões tecnicamente «crentes» viram as costas às catequeses e ao dogma, irreconciliáveis com a vida moderna e com um racionalismo em movimento que não cessa de crescer.
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Como sempre, Bento XVI falou em código cifrado. Disse que o clero tinha de mudar de mentalidade, o que é tudo e nada é. Ele próprio, Ratzinger, é um exemplo vivo do pastor da igreja que não muda. Propõe novas estratégias mas impõe, simultaneamente, a intocabilidade do Dogma e a cega obediência à regra da cadeia hierárquica que defende o Primado da Fé, visa a extinção do Estado Social e reclama a paternidade do Capitalismo.
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A hierarquia católica enferma do delírio das grandezas. A maleita é fatal.
Os próximos passos dos bispos
Em Portugal, há um projecto canónico que se arrasta há anos e que os responsáveis católicos fingem esquecer. A sua sigla é “Reforma das paróquias portuguesas”, título que, tal como o que fez o papa no seu discurso, diz tudo sem nada dizer. A reforma das paróquias que é suposto implementar-se transcende os seus objectivos declarados: é a reforma global da igreja portuguesa. O papa conhece perfeitamente essa proposta. Nesse sentido, tudo o que disse pode ser considerado como uma luz verde, o tiro de partida para uma experimentação laboratorial num pequeno país de uma fórmula que, se resultar, poderá representar a sobrevivência da igreja católica na União Europeia.
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As grandes linhas gerais de orientação são bem conhecidas. O Vaticano é um firme aliado do Capitalismo e admira a vitalidade das mudanças neoliberais. Sobretudo, revê-se nos princípios universalmente aplicados das fusões de empresas, da mobilidade, da flexibilidade, da reconversão ou da privatização de competências do Estado. Envolta por sociedades que febrilmente se movimentam, a Igreja católica sente-se cada vez mais só. Há, pois, que mudar estratégias e estruturas.
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Tanto quanto se saiba, a «Reforma das Paróquias» visará fundamentalmente, numa primeira fase, extinguir ou reagrupar as pequenas paróquias rurais com populações reduzidas; e transferir para as organizações da Sociedade Civil (ONGS, IPSS, Misericórdias, Fundações) os espaços que o Poder vai sucessivamente abandonando na Saúde, no Ensino, no Comércio e Indústria, etc. A figura tradicional do pároco residente será totalmente extinta. Em sua substituição funcionarão, a partir das sedes de concelho ou de distrito, equipas mistas de grande mobilidade e capacidade de intervenção, juntando agentes da Acção Social e catequistas «agentes da Pastoral». As escolas católicas localizadas nos centros urbanos lançarão grandes movimentos de alfabetização e de formação profissional, acompanhados por Aulas da Religião. Organizar-se-ão, no mesmo sentido, equipas sanitárias móveis e hospitais católicos, nomeadamente hospitais de retaguarda. Os financiamentos desta grande mudança social serão garantidos quer pelo Estado - parceiro principal – quer por grupos económicos patrocinadores quer, ainda, por empresas da igreja com fins lucrativos. Com o tempo, estas estruturas orgânicas laico-confessionais abrangerão toda a comunidade. A Igreja ganhará em influência, o Estado capitalista libertar-se-á do peso morto da acção social e o grande capital virá a beneficiar de novos fatias de mercado e de melhor qualidade de mão-de-obra. O Ensino, naturalmente, será feudo católico.
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O projecto existe, Ratzinger conhece-o bem e dá-lhe a sua bênção. O episcopado português, ultraconservador e situacionista, fica entalado entre a espada e a parede. Terá de aceitar participar numa aventura sem garantias, para a qual não existe alternativa, sempre sob a ameaça de não haver retorno. A situação é dramática. Se o projecto avançar, a Igreja apostará o seu futuro na vitória ou na morte do capitalismo. Caso a tentativa não avance e seja abandonada, a Igreja perder-se-á nas areias do deserto e da indiferença dos homens.
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Trata-se de uma reforma de alto risco. Para dentro da esfera religiosa terão de ser transportados os métodos capitalistas que arrastam os despedimentos, as deslocalizações e as rupturas políticas de alianças provisórias e de cultura efémera.
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A situação da igreja católica é já um bicho de sete cabeças. Equacionar um projecto desta grandeza, torna-se difícil mas possível. Traduzi-lo na acção, dar-lhe conteúdos sólidos, é matéria de dificuldade transcendente. Diríamos mesmo: o plano é impraticável.
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in Avante 2007.11.22
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