A capa da mais recente edição da economist faz-me
lembrar algumas das pinturas de Bosch ou Bruegel. Isto
encaixa bem com o título que escolhi para esta série de posts “2013 a Ferro e
Fogo”, no seu conjunto formarão uma espécie de balanço e perspectivas orientado
para a luta social e política. Este é o primeiro texto dessa série, uma espécie
de introdução.
O produto interno bruto(PIB) português em 2012 irá contrair-se em cerca de
3%, são estas as
projecções nacionais e do FMI no seu
relatório de Outubro de 2012. É fundamental relembrar que em
Março de 2011 o Banco de Portugal previa para 2012 um crescimento de 0.3%,
em Abril de 2011 o
FMI previa para Portugal uma redução de 0,5%, em Setembro de
2011 o FMI revia esse número para 1,8%. A realidade ( e ainda não temos os
números finais) é que a contracção da economia portuguesa é aproximadamente o
dobro da última previsão para 2012 feita em 2011. Este fenómeno não é único a
Portugal, as previsões do FMI em Setembro de 2011 para a zona Euro eram de um
crescimento de 1,1% em 2012, chegados a Outubro de 2012 constata-se que a zona
euro irá ter uma redução no PIB de 0,4%.
Estes números de Outubro de 2012 são a constatação de um facto mais do
que uma previsão, a não ser que o FMI também siga a filosofia do João Pinto
jogador do FCP, imortalizado pelo seu comentário, “prognósticos só no final do
jogo”.
Em Outubro de 2012 as previsões para 2013 do FMI são de uma contracção do PIB
nacional de 1%. Para a zona euro prevê-se um crescimento de 0.2%…
Para lá dos números temos as declarações Passo-Gasparianas, ainda em
Agosto deste ano Passos afirmou que 2013 seria o ano do fim da recessão. O
vice presidente do PSD em Janeiro de 2012 afirmou que 2012 seria o “ano
de preparação do crescimento económico“. Gaspar também em Janeiro havia
afirmado que 2012
seria um ponto de viragem. Estas declarações foram todas elas FALHADAS. E se
alguma coisa se pode dizer das previsões para 2013 é que são optimistas e
que provavelmente a contracção da economia será mais acentuada… É importante
reter estes números e declarações, sobretudo quando surgem novos cantos da
sereia a apontar a segunda metade de 2013, ou 2014, como o início da retoma (mesmo
os que agora fogem à questão, mais tarde serão tentados a atirar mais areia
para os olhos do povo)…
Mas o PIB é uma medida muito agregada, há outros números que em conjunto
traduzem melhor a catástrofe económica. A queda acentuada quer
dos passageiros nos transportes públicos, quer do tráfego
nas auto-estradas. Ou seja, pura e simplesmente os Portugueses estão a
deslocar-se menos e a mover menos bens. Estão também a
falar menos ao telemóvel. E o país esvazia-se, porque a
natalidade cai a pique e a emigração
sobe. O desemprego
dispara, e abrange sectores muito dispares, da
banca às grandes superfícies, para
não falar na liquidação do pequeno comércio e n outros sectores. Não
há capital disponível para que agora se acumulem stocks e se realize o
trabalho necessário à própria reprodução do capital, não há investimento, o
consumo afunda-se, as exportações são uma miragem quando a nível global há um
recuo no crescimento ou mesmo contracção da economia (como é o caso Europeu onde
estão os maiores parceiros comerciais de Portugal).
E ainda para lá dos números há as alterações qualitativas
e estruturais que abrangem toda a realidade económica, social e cultural. A
recuperação da mundividência Salazarista da pobreza e do papel do Estado feito
por Jonet
é mais que revoltante, em certo sentido é já o reflexo de uma sociedade em
rápida mutação-degeneração. Estamos longe da utopia liberal de uma economia
movida pelo livre empreendedorismo não constrangido pelas amarras estatais, num
clima de sã concorrência. Aquilo a que assistimos é a uma economia movida a
favores à sombra do orçamento de estado, onde monopólios
naturais, serviços
públicos e activos
da nação são vendidos e/ou concessionados a
quem paga a mais alta comissão. Estas “comissões” não são apenas monetárias
e os os beneficiários não são individuais, o objectivo é pagar outros favores e
alargar/engordar a rede clientelar (parece
que até já há um jogo de computador que retrata isso). O suposto benefício
que viria para o público em geral, devido a uma uma “melhor gestão” dos
privados, esbarra na realidade do que são as parcerias público
privadas… A utopia liberal que nos vendem, é na realidade uma espécie de
neo-feudalismo reaccionário e pré-moderno.
Independentemente de não concordar com toda a sua análise, Pacheco Pereira é
quem tem feito alguns dos melhores retratos da actual sociedade portuguesa.
Quando fala da crise como
ponto de não retorno para muitos, quando nas suas tendências para 2013
refere que tudo
irá de mal a pior e que o bom povo vai ficar mau, revela estar em sintonia
com o momento histórico. Nicolau Santos no seu “Os cavalos
também se abatem” é menos analítico, mais emocional, mas a mensagem é
semelhante Estamos a evoluir da vida minimamente confortável para a pobreza
e da pobreza para a indigência.(…)temos de nos preparar para o tsunami social
que vai devastar o país em 2013. Será o ano da total desesperança, do desespero,
da impotência – mas também da indignação e da revolta. Estes não são
radicais esquerdistas anti-sistema, são os intelectuais mais lúcidos do
regime.
De facto, a contestação irá crescer nos próximos tempos. A manifestação de 15
de Setembro abriu uma
nova fase na luta popular anti-reaccionária e se é certo que existirão
momentos de alguma acalmia, a tendência de fundo é o alargamento e crescente
radicalização dos protestos. Fui publicando alguns textos acerca deste novo
período que complementam este balanço: Apontamentos
para o “Outono Quente”; “Outono
Quente”, seis comentários elementares; Reuniões
Governo/FMI são “guerra aberta contra Portugal” – Equacionando a resposta
insurrecional; MEGA-GREVE
varre o sul da Europa; 25N
Eleições na Catalunha. A Esquerda Radical Independentista soma e segue.
Parece-me que o tempo vem validando aquilo que tenho vindo a escrever.
É certo que ao contrário do que alguns esperariam (inclusivé
do PSD), o governo não caiu. A percepção é que cerrou fileiras e deu um
salto em frente, num fernesim de medidas e propostas: novo orçamento de estado;
as propostas de privatização da TAP, ANA, RTP, Águas CTT, CP; fim do princípio
da gratuitidade do ensino obrigatório e saúde; despedimentos em massa na função
pública (chamados eufemisticamente de “reforma do estado”)… Mas o movimento de
protesto já demonstrou ter uma capacidade real de influência, realço dois grupos
de vitórias:
1º – Em dois casos concretos o governo foi obrigado a recuar, no caso da TSU
e agora
na TAP. Nesta última situação é óbvio que a
desculpa das “garantias bancárias”, não passa de isso mesmo, uma desculpa
para ceder face à pressão social.
2º – O Governo e o seu programa encontram-se muito mais fragilizados e a sua
base de apoio reduziu-se. Um dos pilares deste governo, o
pacto social, está de facto moribundo. Os
amarelos da UGT, estão em processo
de demarcação. O PS “não oficial”, já entendeu que tem de romper com
Passos-Gaspar-Relvas, o que inclui a adopção
de um tom semi-populista-demagógico e a exigência de demissão do governo. O
PS oficial é mais cauteloso, mas também quebrou
com a sua postura de apoio incondicional. Mesmo no seio do PSD o apoio a
este governo está cada vez mais periclitante, o
aproximar das eleições autárquicas irá aumentar as tensões internas. Tudo
isto é resultado da intensa pressão popular e do instinto de sobrevivência
político dos agentes em causa. Não espero nada a não ser manobras
de diversão por parte do PS-UGT, mas a quebra do pacto social em torno deste
governo e do seu programa, abre o espaço necessário à derrota do governo e à
vitória do movimento popular.
Isto demonstra que o bando de saqueadores que tomou conta do governo,
parlamento e presidência da república, mesmo controlando todos esses órgãos,
não pode agir impunemente. Demonstra que é possível resistir e vencer. Nicolau e
Pacheco falam de uma inevitável radicalização do protesto com um tom algo
sombrio, como se isso fosse mais uma “praga bíblica” a juntar-se às que hoje em
dia já se abatem sobre a sociedade portuguesa. Ora a radicalização e alargamento
da luta popular é exactamente o oposto, é única esperança para uma superação
democrática e solidária da crise.
Este é o momento em que me parece ser útil fazer um “balanço e perspectivas”
à situação politicó-social. Existe um amplo consenso acerca da necessidade de
derrubar o governo. Numa recente manifestação Arménio Carlos afirmou “Nós
vamos a jogo não é para perder, é para ganhar e vamos ganhar“.
Mas o que é realmente necessário para causar a queda do governo? É previsível
o CDS-PP quebrar a coligação? O Cavaco demitir o Governo? Um terramoto nas
eleições autárquicas causaria a queda do governo? Mesmo considerando que o
governo poderia cair na sequência das autárquicas (formalmente nem Passos tem
de se demitir, nem Cavaco de o demitir…), já se imaginou os danos que mais 10
meses desta governação irá causar? E mesmo que o governo caía, e depois? Como
ficará o acordo com a Troika? Se o PS o substituir o que mudará de substância? É
importantíssimo que Arménio diga que estamos aqui para ganhar, é um importante
sinal às massas, mas o que significa “ganhar”? Irá a EDP ser renacionalizada?
Irão as gravosas leis laborais ser revistas? Irão os subsídios de férias e
natal, desemprego e outras prestações sociais ser repostas? O que será realmente
possível e necessário fazer para encontrar uma saída progressista para a
crise?
Não é o objectivo deste texto dar uma resposta cabal a todas estas questões,
nem providenciar uma calendarização detalhada do menu necessário ao derrube do
governo e derrota do “processo reaccionário em curso”. Mas é possível e a meu
ver necessário: Ter uma compreensão do que efectivamente se está a passar em
Portugal e do papel/objectivos das várias forças em presença; perceber quais as
mais prováveis evoluções na situação político-social; perceber o real
significado e impacto de diferentes caminhos propostos à esquerda; identificar
propostas/acções que serão erros monumentais a evitar; identificar algumas
acções, métodos e políticas que irão, garantidamente (ou com grande
probabilidade) trazer bons resultados; identificar contradições e equívocos
comuns na Esquerda a evitar neste momento; reflectir acerca de propostas que
geralmente e de forma algo superficial são rejeitadas à priori mas que poderão
ser muitíssimo adequadas ao actual momento histórico.
Em resumo, perceber o que se passa, ter noção do que é mais previsível vir a
acontecer, identificar o que de certeza não deve ser feito, identificar o que
muito provavelmente terá bons resultados. Isto está longe de dar um roteiro de
acção detalhado do que fazer, isso em política é algo absolutamente imbecil.
Porque a informação ao nosso dispor é limitada e, sobretudo num momento tão
dinâmico como este, há sempre imprevistos e imponderáveis que influenciarão de
forma importante os acontecimentos e que nós não controlamos (às vezes até
ninguém controla). Mas é possível e necessário mapear os possíveis cenários e
balizar o rumo a seguir.
A análise que farei será estruturada da seguinte forma, onde cada ponto
corresponderá a um post:
1 – “Vagas de fundo”, vivemos numa era de transição do sistema global, é um
tema mais implícito que explícito em vários dos
meus
textos, vou discuti-lo um pouco mais detalhadamente. Dentro desta transição
sistémica, em conjunção com ela e parte dela referenciarei quatro grandes vagas
de fundo/tendências que são simultâneamente motores e sinais desta transição
inexorável. Haverá outras, mas estas quatro parecem-me as mais relevantes. a)
Crescente monopolização do capital, b)Revolução Digital-Internet, c) Emergência
da China (BRIC?) no sistema mundo, ou o fim da hegemonia
Europa+Anglo-Saxões(EUA/Canadá/Reino Unido/Austrália)+Japão d) A escassez de
recursos e a questão ecológica.
Mencionarei algumas discussões recentes acerca da “tendência decrescente da
taxa de lucro”, mas não pretendo deduzir nenhuma lei geral do desenvolvimento do
capitalismo num sentido abstracto e genérico. Não é esse o objectivo. A ideia
fundamental é identificar as forças produtivas e relações de produção que são
simultâneamente determinantes no sistema-mundo actual e estão em mutação. O
ponto fundamental é que a transição em curso irá implicar uma
intensidade/conflitualidade semelhante ao que se viveu nos períodos 1914-1945 ou
1775-1815, os conflitos irão se expressar de forma diferente, mas a intensidade
será semelhante.
2 – “Previsões e Realidade”, olharei mais a curto e médio prazo, para as
previsões e estimativas oficiais do PIB para 2013-2014, isto em conjunção com a
análise das tais “vagas de fundo”. Parece-me que a noção de recuperação em 2013
ou 2014 é altamente optimista, o mais provável é uma nova recessão. A Europa
estará no centro da tempestade, as tensões intra e inter nações,
o conflito social e a crise económica irão intensificar-se e reforçar-se
mutuamente. Portugal, um dos Porcos(PIIGS) na periferia meridional do IV
Reich(aka União Europeia) será um campo de batalha relevante. Muito do que cá se
passa é determinado pelo exterior, mas é preciso reconhecer que uma das cadeias
mais fracas (se não a mais fraca…) do sistema-mundo/capitalismo actual são
exactamente os PIIGS. A “Revolta dos Porcos” terá um impacto que se fará sentir
bem para lá deste canto da Europa…
3 – “Portugal. O governo, a reacção e a Resistência”, pretendo expor quais os
objectivos, forças e limitações do governo Passos-Relvas-Gaspar + Portas.
Analisar também as várias forças que a ele resistem. Debater os vários cenários
possíveis para a evolução da situação político-social-económica nacional.
4 – “3 questões estratégicas”, terminarei com uma discussão de
três prementes questões estratégicas para o campo da Esquerda anti-troika. a)
Alianças e postura face ao PS, b) O Euro, colete de forças do IV Reich, c) Luta
de massas, na rua e perspectivas insurreccionais.
5 – “Pontos chave”, síntese das conclusões fundamentais desta reflexão.
PS – Prevejo que até final de Janeiro este balanço estará
concluído
Tudo considerado, o resultado é a desordem pública, que talvez dê em revolução, que talvez seja democrática, e que não o sendo, talvez dê um regime de esquerda!
Talvez seja isso mesmo.JMenos afunilado em torno da amada ordem pública dos regimes que ama.
Sem reparar que a desordem pública é quotidiana.Sob a pata deste governo de crápulas.