A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

segunda-feira, abril 29, 2013

2013 a Ferro e Fogo – Vagas de fundo (parte II.1)

Parte I aqui.
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Quando a crise financeira explodiu em 2007-2008 a primeira reacção de muitos analistas do “regime” foi classificá-la como um fenómeno restrito ao sector financeiro e aos EUA, há vários exemplos disso… O relatório do FMI sobre a economia Grega publicado em Dezembro de 2007 é elucidativo:
Economic growth will continue to be driven by domestic demand in the coming years.(…) Consumer demand is also expected to remain robust. (…) The Greek banking system remains healthy, adequately capitalized, and highly profitable, but some developments will need to be monitored closely. (ainda há quem leve estas aventesmas a sério????)
Quando a crise passou do sector financeiro para a “economia real” ( como se existi-se algum muro ou barreira a separá-los, como se o sector financeiro não fosse uma componente, até a principal, do actual sistema económico mundial…), muito consideraram que era uma crise séria, mas passageira. De facto em 2010-2011 as principais economias mundiais (Alemanha e seus satélites norte europeus, EUA, China) recuperaram e voltaram a crescer… A crise parecia restrita aos PIIGS europeus, as cigarras pecadoras que mereciam pagar pelos seus “pecados”… Mas a realidade não encaixa nessa visão moralista. Na verdade a maior parte dos indicadores económicos indicam que a recuperação da actividade económica em 2010-2011 não chegou aos níveis pré crise, o volume de tráfego de mercadorias é um bom indicador.
O ano de 2012, para quem tenha dois dedos de testa, mais não é do que o prenúncio da enormidade que se avizinha. Em 2012 a zona euro no seu conjunto está em recessão e a produção industrial da EU27 em contracção. No resto do mundo o crescimento económico arrefeceu, a China é o exemplo paradigmático.
A actual crise não é um soluço ou um percalço que será rapidamente superado, estamos a viver uma depressão apenas comparável há que se iniciou em 1929. As consequências desta crise serão profundas, no plano económico, político, social e cultural. O sistema-mundo que irá emergir após esta crise será muito diferente daquele em que vivemos até 2007. Estamos a viver numa era de transição em que os anteriores equilíbrios políticos, sociais e geopolíticos são insustentáveis. Até se atingirem novos compromissos e equilíbrios irá decorrer um longo período de intensa conflitualidade. A forma que esses novos equilíbrios tomarão dependerá do resultado das lutas que forem (que estão a ser) travadas.
O pensamento acima exposto não é propriamente o cúmulo da originalidade. Existe uma quantidade quase infinita de livros e artigos que debatem a profundidade desta crise e das suas consequências. Destaco os seguintes textos:
A crise do Capitalismo Democrático“, Streeck
Crise Estrutural” e “Crise Estrutural, e agora?“, Wallerstein
O centro não vai aguentar, ascensão e queda do liberalismo“, Amin
Vivendo no fim de uma era“, Žižek (esta crítica de um cronista do regime é deliciosa LOL)
O argumento que pretendo vincar não é que estamos a viver a “crise final do capitalismo”, não pretendo iniciar essa discussão, até porque primeiro teria de se definir o que é o “capitalismo”, uma palavra usada para designar tudo e mais alguma coisa desde sistemas políticos, hábitos culturais, e claro está, uma dada forma de organização do sistema económico e da propriedade. É possível afirmar-se que o sistema-mundo em 1914 era “capitalista”(existindo ainda fortes traços aristocraticó-feudais), em 1945 também se poderá dizer que o sistema-mundo era “capitalista”(existindo importantes bolsas de resistência ” comunistas”)… Mas ninguém negará que entre 1914 e 1945 houve mudanças profundas, apenas olhando para o mapa da Europa muito se pode deduzir.
map-europe-1871-1914
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Em 1914 a Europa a leste do Reno era praticamente dominada por três impérios, com raízes fortemente aristocráticas e autocráticas. O II Reich Alemão, o Império Austro-Húngaro e a Rússia Czarista. O Imperialismo Europeu estava no seu auge, com practicamente toda a África e vastas partes da Ásia sobre seu controlo directo. Mesmo onde havia regimes parlamentares liberais o sufrágio universal era uma miragem. Os direitos laborais, o direito à greve, o descanso de dois dias semanais, segurança social, sistemas de saúde, férias pagas,  tudo isso era ou inexistente ou (na melhor das hipóteses) restrito a sectores ultra minoritários. A estratificação social e a diferença entre classes  era vincada não só pela diferença de poder económico mas também por normas culturais profundamente enraizadas… Agora pensemos em como era o mundo em 1945 e nos 30 anos que se lhe seguiram? Sim em 1914 o mundo era “capitalista”, em 1945 também… Mas a organização política, económica, os hábitos e a cultura mudaram profundamente, o sistema-mundo de 1914 e de 1945 eram muito diferentes.
O ponto onde quero chegar é que independentemente do mundo em 2045 poder vir a ser qualificado como “capitalista”, será tão diferente de 2014 como 1914 foi diferente de 1945. E como será então o mundo em 2045? Bem isso será o resultado das lutas que se irão travar. No global o mundo em 1945 era bem melhor do que em 1914… Mas não foi fácil… E por mais que alguns se escandalizem, para que em 45 as perspectivas fossem bem melhores que em 14 foram necessárias coisas como a Revolução Bolchevique ou a “Ordem 227“. Não é certo que haverá novas guerras mundiais, aliás se houverem serão tão diferentes (e semelhantes) das guerras mundiais do século XX como essas foram das guerras Napoleónicas do século XIX. Também as revoluções do século XXI serão tão iguais a 1917, como 1917 foi igual a 1789-1792. Aquilo que é certo é que a intensidade da luta atingirá níveis semelhantes, sendo que a forma que essas lutas tomarão serão moldadas pelas condições sociais e geopolíticas do século XXI (diferentes das de 1789 ou 1917).
Mas há uma importante conclusão a reter, é de que nesta nova era de transição os tiradas inflamadas de um MaratO Homem tem o direito de lidar com os opressores devorando seus corações palpitantes“, poderão não apenas vir a ser adequadas como necessárias. Talvez sejam expressões demasiado hiperbólicas para já, mas são necessárias para acordar muita gente dos anestesiantes anos 90 com o seu elán liberaló-pacifista onde lutas sangrentas apenas aconteciam em distantes paragens… Basta pensar na reacção que umas quantas pedras atiradas aos que actuaram como mercenários do Cavaco-Passos-Gaspar+Portas causaram. Vá lá que vai havendo quem tem alguma memória histórica.
Neste momento é fundamental perceber que os eventos de 14 de Novembro são apenas um leve prelúdio daquilo que será necessário acontecer para que de 2014 a 2045 os ganhos (ou a derrota de projectos tenebrosos) sejam pelo menos ao nível do que se conseguiu em 1914-1945.
De forma a reforçar o argumento da inevitabilidade do agudizar das contradições e ao mesmo tempo identificar algumas tendências que moldarão o mundo onde se darão os 1917s e 1792s do futuro, parece-me útil discutir quatro grandes áreas/temas:
- Monopolização e economias de escala.
- A Revolução Digital, telecomunicações e gestão da informação.
- A emergência da China e dos “BRIC”, miragem ou realidade?
- A escassez de recursos e a sustentabilidade material do actual modelo económico, a centralidade da luta social e os mitos eco-deterministas.
A Europa e as suas múltiplas contradições sociais, inter-estados (países do sul versus norte, Reino Unido em curso para sair da UE…) e intra-estados (Espanha-Catalunha, Reino Unido-Escócia, Itália-Lombardia) é o palco chave a curto prazo. O arco mediterrânico do euro Portugal-Espanha-Itália-Grécia-Chipre-Eslovénia é o elo fraco da cadeia capitalista/sistema-mundo. Por esta ser uma análise mais próxima e de mais curto prazo não será discutida neste texto em específico, fica para a parte III.
Parte II.2 aqui.

2 respostas a 2013 a Ferro e Fogo – Vagas de fundo (parte II.1)


  1. Gambino diz:
    Bom texto!
    Infelizmente, o 14 de Novembro não suscitou uma resposta mais vigorosa e não deu azo a uma legítima revolta popular, mas, pelo contrário, serviu para afastar manifestações do parlamento. É pena! Espero que o curto prazo que preconizas seja verdadeiramente curto, mas temo que somos semelhantes aqueles que viverem em 1870 e anunciaram plenos pulmões a inevitabilidade de uma revolução social que só chegaria 50 anos depois.

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