Dinheiro
Quem é Soares dos Santos, o milionário discreto
25-09-2013
Após anunciar que ia deixar a presidência da Jerónimo Martins, conheça o perfil do empresário que não usa computador
Por nome do jornalista a bold
Tinha acabado de alugar um apartamento em Londres para onde tencionava mudar-se enquanto não terminassem as sessões de radioterapia. O cancro na próstata estava controlado e Alexandre Soares dos Santos não esperava a nova surpresa: desta vez tinham-lhe descoberto um problema nas artérias, que o obrigava a ser internado e operado ao coração num hospital britânico. Teve de ficar mais tempo. Quando regressou a Portugal, tentou uma fusão com Belmiro de Azevedo: o dono do Continente foi visitá-lo a casa, mas não houve acordo. Não seria o último problema de saúde do presidente de conselho de administração da Jerónimo Martins.
Em 2005 repetiu a experiência de final dos anos 90: foi internado e operado em Inglaterra, novamente devido a problemas cardíacos. Já em Portugal, dividia o tempo de repouso entre a casa de Lisboa e a Quinta da Parreira, em Ourém – um convento recuperado, com azulejos do século XVII e uma capela, em que é tradição casar os filhos. E tentava entreter-se a ver sessões do Canal Parlamento na televisão de casa. “Ficava horrorizado. Então é para aquilo que se reúnem?”, disse em entrevista ao ‘Jornal de Negócios’. Os problemas de saúde foram uma surpresa: apesar de não dispensar a cozinha tradicional portuguesa (como o bacalhau com couves no Natal) e de gostar de bons vinhos, Soares dos Santos evitava gorduras. Tinha motivos para ser cuidadoso: o pai, Elísio Alexandre dos Santos, teve um ataque cardíaco fulminante no Brasil, em 1967 – morreu num quarto de hotel em São Paulo, durante uma visita ao filho, então director de marketing da filial brasileirada Unilever. Soares dos Santos tinha 33 anos quando decidiu regressar a Portugal para tomar conta dos negócios da família. “Foi um dos momentos mais marcantes da minha vida” disse, em 2006, à revista interna da empresa ‘A Nossa Gente’.
Agora, o anúncio da saída de Soares dos Santos da Jerónimo Martins foi feito aos colaboradores precisamente no dia em que o empresário celebrou 79 anos. “A Jerónimo Martins SGPS, S.A. divulga que, em 23 de Setembro de 2013, Elísio Alexandre Soares dos Santos informou que renuncia a partir do dia 1 de Novembro de 2013, por razões pessoais, ao cargo de presidente do conselho de administração da sociedade”, diz o comunicado enviado à CMVM, um documento onde os trabalhadores manifestam a “mais profunda gratidão pela visão estratégica e ousadia com que construiu, ao longo dos últimos 45 anos, o que a Jerónimo Martins é hoje”.
O filho Pedro, à frente da JM desde 2010, fala polaco
Em 2011 entrou directamente para a 512.ªposição da lista de milionários da ‘Forbes’. De acordo com a revista norte-americana tinha na altura uma fortuna avaliada em 1,63 mil milhões de euros e era o segundo homem mais rico de Portugal, depois de Américo Amorim. Em 2010, o patrão da Jerónimo Martins, dona da cadeia de supermercados Pingo Doce, aumentou a sua fortuna em 52% – mais de metade dos lucros foram conseguidos na Polónia. Mas enquanto não deixa o cargo, continua a chegar às 8h30 à empresa e não gosta de luxos: o único que se lhe conhece é um Jaguar que comprou nos anos 90 e ainda mantém.
A pontualidade é uma das suas regras. Por isso, na Jerónimo Martins, as reuniões raramente começam à hora marcada. Soares dos Santos faz questão de dar início às conversas 15 minutos antes do previsto. Não tem motivos para se atrasar: vive na Rua das Amoreiras, a 500metros da sede da empresa, na Torre 3 de um dos mais antigos centros comerciais de Lisboa. E vai muitas vezes a pé para o trabalho. Na secretária do seu gabinete, no 9.º piso do edifício, os papéis estão divididos por áreas e organizados por níveis de urgência. O gestor tem um endereço de email, mas não usa computador – é a secretária que lhe entrega os documentos já impressos. Quando precisa de responder escreve à mão ou dita textos às assistentes.
Jardim Gonçalves ajudou a empresa a escapa à falência
Atrás da secretária do seu gabinete há um mapa do Porto, a cidade onde nasceu e estudou nos primeiros anos de escola, no colégio interno Almeida Garrett, onde se repetiam as refeições com feijão. “Nessa altura, o médico dentista Joaquim Sá Carneiro, amigo do seu pai, era uma das pessoas que o visitava”, recorda o amigo Artur Santos Silva. O médico era tio de Francisco Sá Carneiro, colega do jovem Elísio – primeiro nome do gestor, que assina E. Alexandre Soares dos Santos.
E pelo menos uma coisa mudou na sua vida: durante anos não comeu feijão. Também nunca fumou charutos, foi fã de carros americanos ou deu festas na casa Banzão, como fazia o pai. Pelo contrário, detesta vida social, o seu hobby é a família e faz questão de se manter discreto. Mas frequentou o curso que o pai sempre quis tirar e só não seguiu porque não tinha dinheiro. Alexandre fez os dois primeiros anos de Direito na Universidade de Lisboa mas, no terceiro ano, chumbou à cadeira dada por Marcello Caetano. Foi nessa altura que trocou a faculdade por um estágio na Unilever.
Meses antes de se casar com Maria Teresa Mendes da Silveira e Castro, mudou-se para um quarto alugado na Alemanha e começou a trabalhar como vendedor– passou cinco meses a vender margarina e teve que carregar caixotes. O pai, que também tinha começado a carreira a importar barras de margarina que vendia em pacotes de quilo, não gostou. Não deixaram de se falar, mas tinham uma relação tensa. Depois da Alemanha, Soares dos Santos trabalhou na Irlanda, em França e em São Paulo. Mas foi no Brasil que teve o primeiro cargo de responsabilidade, como director de marketing– liderou a campanha do Omo, o primeiro detergente a aparecer numa novela brasileira, ‘O Direito de Nascer’, na TVTupi.
Com Sócrates a relação é fria: Soares dos Santos acusou-o de mentir
Cinco anos depois de regressar a Portugal esteve quase a acrescentar um quinto país à sua experiência internacional: no Natal de 1973 discutiu com a mulher a possibilidade de se mudarem para Luanda – Teresa acompanhou-o em todas as viagens e nunca trabalhou. Ficou cá, mas, com a guerra colonial, teve de transferir 100 trabalhadores para a colónia de férias da Praia das Maçãs. Os filhos habituaram-se às mudanças: Teresa, uma das sete filhas, nasceu em São Paulo. Em Portugal, no 25 de Abril de 1974, Soares dos Santos só teve uma ameaça de ocupação: os sindicatos apresentaram um pedido de aumento salarial de dois contos com um prazo de 24 horas para responder. O empresário cedeu.
Nos anos 80, o império da família multiplicou-se: comprou 170 lojas e criou a cadeia Pingo Doce – o nome foi sugerido por uma funcionária que já se reformou. Mas também teve operações falhadas: entrou no Brasil em 1995 e saiu em 2002, depois de vários anos de resultados negativos – os administradores deixaram de receber bónus e de poder trocar de carro e os salários dos funcionários foram cortados. Nessa altura, Soares dos Santos reuniu a sós no BCP com Jardim Gonçalves, que lhe concedeu um empréstimo e o salvou da falência. O gestor gosta de pessoas ambiciosas. Durante uma entrevista de emprego (encarregava-se directamente de escolher os funcionários e alguns estagiários), perguntou ao candidato qual era a sua ambição na empresa. “A sua cadeira”, apontou o candidato. Foi imediatamente contratado, conta o amigo José Roquette, da Herdade do Esporão.
Para diversificar os investimentos viajou pela Roménia, “uma bagunça”, pela Rússia, onde “a lei está ao sabor de uns senhores...”, Ucrânia e Polónia, cujos hotéis e restaurantes detestava. Em 1995 abriu uma loja em Poznan e em 1997 comprou a Biedronka, cadeia de minimercados. Estratégia: “A Polónia estava a sair do domínio soviético, as habitações tinham em média 10 metros quadrados por pessoa, não havia despensas e às vezes nem frigoríficos. Por isso, o ritmo de compras era quase diário e as pequenas lojas, espalhadas pelo país, deram resultado”, explica fonte do sector. Hoje, a Jerónimo Martins é o segundo maior empregador da Polónia, depois do Estado.
Na inauguração da milésima loja no país, um dos quadros da empresa saiu do hospital só para estar presente na inauguração: tinha tido um ataque cardíaco há uma semana e voltou a ser internado depois do evento. Soares dos Santos sabe apenas algumas palavras da língua, mas o filho fala polaco e todos os quadros portugueses no país tiveram quatro meses de aulas. Os primeiros colaboradores a ir para a Polónia parecem ter gostado demais do país: o número de divórcios disparou. E se há coisas de que Soares dos Santos não abdica é dos fins-de-semana com os sete filhos, perto de 20 netos e já alguns bisnetos. Por isso, a segunda vaga a ir para a Polónia passou a ser acompanhada pela família. Não foi o único problema: quando instalaram o sistema informático perderam-se preços, atrasaram-se pagamentos e houve quebras de stocks. Perderam quase um milhão de euros.
Sempre que pode assiste a uma revista à portuguesa
Soares dos Santos não gosta de computadores, mas fala muito ao telemóvel e responde a SMS. Em 2008, durante a paralisação dos camionistas, usou a agenda: “Para ter a GNR a controlar um comboio de 84 camiões tive de deitar mão a tudo o que tinha de conhecimentos”, contou à agência Lusa. Teve 30 carros danificados, um queimado e quatro fábricas paradas. Vinte anos antes tinha sido surpreendido pelo incêndio do Chiado. Foi para a sede da empresa, na RuaIvens, mais cedo do que o normal. Chegou às 7h e distribuiu os produtos que se iam estragar pelos bombeiros, antes de a loja arder.
“Disse para retirarmos tudo o que estivesse nos frigoríficos. Comecei a ver pessoal a sair com caixotes debaixo do braço e a comer gelados, enquanto o Chiado ardia”, contou Vitorino Bandarra, um dos bombeiros presentes. O empresário estava em Portugal, mas podia não estar: Soares dos Santos divide as férias pela Quinta do Lago – duas semanas – e pelas estâncias de esqui da Suíça. Mas, aqui, só acompanha a família, não pratica. E também não tem paciência para passar o dia na praia: quando levava os filhos para uma casa alugada na Ericeira fechava -se numa barraca de praia a ler. Apesar de discreto, não foge a uma boa polémica.
No início de 2011 disparou contra José Sócrates. “Não vale a pena continuarmos a mentir”, disse ao primeiro-ministro acusando-o de não reconhecer que o País está em recessão. “Truques é para o Sócrates. Aqui [na Jerónimo Martins] há planos, estratégias muito bem definidas e implementadas com muito rigor”, acusou. “Não basta ser rico para ser bem-educado”, respondeu-lhe Sócrates. Soares dos Santos tem exemplos para contra atacar. Em Miami foi surpreendido por um médico que lhe entregou um questionário de avaliação, para dizer se o especialista tinha chegado a horas, estava bem apresentado e explicou bem o diagnóstico. Em declarações ao ‘Diário Económico’ disse: “Isso é totalmente impossível em Portugal.”
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