A Internacional

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terça-feira, março 03, 2009

Marx, teorias das crises do capitalismo e a posição dos comunistas (1)

28 DE FEVEREIRO DE 2009 - 17h54



por Sérgio Barroso*


Essa série de artigos retoma o debate sobre a interpretação marxiana – e marxista – das crises capitalistas. Seus objetivos são: a) buscar contribuir para a compreensão do fenômeno integrante da estrutura dinâmica do capitalismo – as crises – segundo a teoria de Karl Marx [1]; b) criticar interpretações anacrônicas do marxismo, algumas na crise global de agora ressuscitadas pela mania catastrofista e escatológica [2]; c) opinar sobre a posição teórica e política dos comunistas no enfrentamento da grande crise atual, a partir das lições emanadas da Grande Depressão (1873-96 e 1929-1939).



Na Bolsa de Valores Com efeito, tais objetivos se entrelaçam visando abrir caminhos num panorama marcado por grandes incertezas, o que dificulta horizontes mais claros para combates mais conseqüentes. Noutra palavras, análises reducionistas da teoria de Marx e Lênin frente aos complexos (e singulares) processos, como das grandes crises, resultam “ligeirinho” na substituição dum sistema tático de reforço das posições revolucionárias, pelo discurso estratégico errático.





Aspectos fundamentais inseparáveis: dinamismo e crises





Na primeira parte da série trataremos da correlação entre a valorização do valor (da mais-valia) como objetivo central da produção capitalista, o que resulta, do ponto de vista sistêmico, sempre em superacumulação, superprodução de capital - que também são ativos financeiros. Sempre que possível referenciando-nos na origem e no desenrolar da crise global que presenciamos.





1. Certamente que as crises no capitalismo não podem ser separadas da sua dinâmica própria, intrínseca. O capitalismo, em seu móvel de acumular por acumular, jamais se interessará pelas “necessidades sociais” das massas trabalhadoras. Isto diz respeito à sua “missão”, a qual, segundo Marx, é produzir em larguíssima escala, até superproduzir capital. Quer dizer, sobreinvestir para fazer crescer a produtividade social do trabalho e suplantar a concorrência, superproduzir para superlucrar, e superacumular capital em excesso e em todas as suas formas, referenciando-se numa dada taxa média de lucro.





Portanto, a superprodução de capital – essencialmente de máquinas, equipamentos, instalações, matérias-primas, e ativos financeiros, claro – é uma “novidade” do século 19, então anunciada por Marx contra as teorias Smith e Ricardo. Mais além, constitui imenso equívoco borrar as formas que redesenham as crises que mimetizam o desenvolvimento do capitalismo.





Exemplifico. Na crise atual, há quem, muito estranhamente repita que considerar “uma crise da ‘financeirização’” é “unilateralismo”, pois a crise não é só financeira, “apesar da relevância dos problemas nesta esfera”. Ora, primeiro não se trata de “crise de financeirização”, isso é desconversa. Trata-se sim de uma crise gestada num padrão de acumulação capitalista francamente voltado para a acumulação financeira, onde a financeirização dos mercados de riqueza se fez institucional. Segundo, repitamos: o capital nunca foi somente máquinas, equipamentos e instalações, tampouco mercadorias: é também ativos financeiros que rendem juros e dinheiro. Manipulado por capitalistas, o dinheiro produz mais dinheiro por ser reserva de valor, por agir como capital a juros (capital-dinheiro), por potencialmente atrair mais crédito. O capital procura valorizar-se sempre - sinuosamente tal qual uma serpente -movimentando-se entre o dinheiro, os ativos financeiros, as mercadorias ampliando sua base de valorização. Na operação crédito/capital a juros o capital converte-se em mercadoria e exprime-se "cada vez mais como puro capital", no capital por ações, e outros títulos financeiros que representam o direito de apropriação da riqueza [3]. É uma dimensão do movimento de suas formas, que o gênio Karl Marx denominou de “As três figuras do ciclo”:





“Sempre mudando de forma e se reproduzindo, parte do capital existe como capital-mercadoria que se converte em dinheiro; outra, como capital-dinheiro que se transforma em capital produtivo; uma terceira, como capital produtivo que se torna capital-mercadoria. A existência contínua dessas três formas decorre de o ciclo do capital global passar por essas três fases” [4].





Por isso que, para Robert Guttmann, “A crise atual, todavia, é diferente. Não apenas emanou do centro, em vez surgir de algum ponto da periferia, como também revelou falhas estruturais profundas na arquitetura institucional de contratos, fundos e mercados que compunham o sistema financeiro novo e desregulamentado. Estamos diante de uma crise sistêmica, que é sempre um evento de proporções épicas e efeitos duradouros. Claras são as distinções da preponderância esmagadora da finança, nesta crise."





Valorização, superacumulção e crises





2. Assim, conforme Marx: “a força motriz da produção capitalista é a valorização do capital, ou a seja a criação de mais-valia, sem nenhuma consideração para com o trabalhador” [5]. Daí que na dinâmica do capitalismo, a crise, ou seja, as crises são partes constitutivas da sua dinâmica estrutural. O que não quer dizer - que as crises são sempre estruturais desde priscas eras. Crescimento, recessão, recuperação, expansão e instabilidade - também estagnação - são as categorias principais do capitalismo de hoje, portanto historicamente datadas, e seu vetor de acumulação é projetado pela hegemonia da haute finance (Karl Polanyi).





Pelo seu caráter incontornavelmente expansivo [6], de outra parte, não seria possível a financeirização - um padrão que passou a ser imprescindível ao dinamismo determinado pela hegemonia da grande finança especulativa e concorrencial -, "brotar" da estagnação (veremos mais sobre isso noutro artigo). A exemplo, nas grandes fases expansivas antecedem a dinâmica das crises, geralmente: monopolização + financeirização + superacumulação (também de riqueza financeira fictícia) + crises [podendo haver ou não estagnação].





Está em Marx que o desenvolvimento do moderno sistema de crédito decorre da imperiosa necessidade de centralização de massas de capitais, o que coincide com o processo de autonomização do capital a juros, configurando um circuito financeiro que mobiliza, utiliza e centraliza capital monetário e valoriza capital fictício. É assim que: a) a proliferação de títulos financeiros passa “a ter uma circulação e valorização próprias”; b) as variadas formas de ativos “passam a ser disputadas pelas massas centralizadas de capital”, onde o investimento busca todos os espaços de valorização; onde a sistemática “transformação dos lucros em excedentes financeiros” se submetem “a uma lógica particular de valorização” [7].





Por suposto, o que importa destacar por enquanto é que o monopólio não apenas reafirma a tendência à superacumulação, como introduz novas determinações que terminam por agravar a instabilidade e a incerteza do cálculo capitalista, próprias desse regime de produção; muito mais ainda na época da “globalização financeira”. E que a teorização dos processos mais recentes que catapultam as crises via circuitos da “finança mundializada” (François Chesnais) são similares aos mecanismos originários das crises desse regime de produção. O que, mais uma vez, na presente crise global, pode ser constatado cabalmente na destruição de vários dos maiores bancos de “investimento”, gigantescos bancos e coração do sistema (exatamente) financeiro dos EUA.





Aliás, além de superacumulação-produção, devemos insistir em que a desproporção entre os departamentos e a lei de tendência de queda da taxa de lucro são igualmente fenômenos expressivos da dinâmica da crise. Crises que, conforme Marx, em última instância tem como determinação originária o antagonismo irresoluto: apropriação cada vez mais privada X produção cada vez mais expansivamente social.





O que veremos no próximo artigo.




Notas



[1] É inacreditável, mas há ainda quem pense a crise capitalista quando “a interrupção do processo de circulação do capital ocorre com a paralisação da venda de mercadorias...”. Assim Lênin combatia o rotundo fracasso das teses subconsumistas, costumeiramente copiadas repetidas vezes do marxista Paul Sweezy (“Teoria do desenvolvimento capitalista”): “Marx se limita a manifestar aqui [passagens do Livro II] sobre a teoria da realização uma contradição do capitalismo assinalada já em outras passagens de O Capital, a saber: a contradição entre a tendência à ampliação ilimitada da produção e a necessidade de um consumo limitado (a conseqüência da situação proletária das massas do povo)” (“Observación sobre el problema de La teoria de los mercados”, in: “Sobre El problema de los mercados”, p. 210, Madri, Siglo veinteuno, 1974).





[2] Os “adivinhadores de crise” são os mesmos que agora tergiversam sobre seu longo passado diuturno militante em prol da “catástrofe iminente” do capitalismo, da “decomposição iminente do padrão dólar”, e procuram confundir a análise as grandes crises do capitalismo, como a que transcorre, inúmeras vezes apontadas previamente como tendências que vinham se plasmando - dado o visível grau de superacumulção geral de capital, expansão, especulação, alavancagem e instabilidade -, com suas orações matinais dogmáticas proclamadas há mais de uma década! Chuta que um dia a casa cai...!



[3] Ver: “Capitalismo e crise contemporânea – a razão novamente oculta”, de A. S. Barroso, dissertação de Mestrado, Campinas, Unicamp/IE, 2003. A passagem tem por base observações de Braga, J. C. S. (2000).



[4] Em: “O Capital” Livro 2, v. 3, Cap. IV, p. 106, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, s/data.



[5] Em: “Capítulo inédito D’o Capital - resultado do processo de produção imediato”, Marx, p. 20, Porto, Escorpião, 1975.



[6] Há sim limite estrutural irreversível na dinâmica estrutural do capitalismo: enquanto investe perenemente em sua base técnica (desenvolvimento das forças produtivas como determinante histórico do desenvolvimento), parar alagá-la, expandir a produção e suplantar a concorrência, Das Kapital tem que reduzir, descartar, até mesmo destruir sua própria base de valorização: o trabalho humano e o tempo social necessário à sua subsistência e o da extração da mais-valia.



[7] Ver todo o Capitulo 2 (“O monopólio do capital”) do estudo que considero uma pequena obra-prima, “A contradição em processo – o capitalismo e suas crises”, do professor Frederico Mazzucchelli, especialmente as pp. 84-90 (Campinas, Unicamp/IE, 2004, 2ª edição).






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*Sérgio Barroso, Médico, doutorando em Economia Social e do Trabalho (Unicamp), membro do Comitê Central do PCdoB.




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