20 DE MARÇO DE 2009 - 16h48
O relator da ONU para os territórios palestinos, Richard Falk, afirma que há indícios legais de que Israel cometeu crimes de guerra em sua recente ofensiva em Gaza e pede que um grupo de analistas averigue sua denúncia.
Em seu relatório ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, que apresentará na segunda-feira, Falk conclui que a ação militar israelense em Gaza não estava legalmente justificada e foi potencialmente um crime de guerra.
Segundo Falk, se não é possível distinguir entre os alvos militares e os civis, como define as condições de Gaza, "então lançar os ataques é inerentemente ilegal e poderia constituir um crime de guerra da maior magnitude sob a lei internacional".
Seu relatório afirma que "os ataques se dirigiram a áreas densamente povoadas, (...) sendo previsível que hospitais, escolas e igrejas e sedes da ONU fossem atingidos pelos bombardeios israelenses, causando numerosas vítimas civis".
Um segundo agravante para Falk é o fato de que todas as fronteiras da faixa de Gaza ficaram fechadas, de forma que "os civis não podiam escapar dos locais atacados".
"Em uma política beligerante sem precedentes, Israel rejeitou a permissão a toda a população civil de Gaza -com a exceção de 200 mulheres estrangeiras- de abandonar a área de guerra durante os 22 dias de ataques que começaram em 27 de dezembro", acrescenta em seu relatório.
"Ao fazer isto, crianças, mulheres, doentes e incapacitados foram incapazes de fugir das operações militares de Israel, e esta condição se agravou pela ausência de locais para se esconder em Gaza, dado seu pequeno tamanho, sua densa população e a ausência de refúgios naturais ou construídos pelo homem".
Na ofensiva, morreram 1.434 palestinos, dos quais 235 eram combatentes, 239 policiais e 960 civis, entre eles 288 crianças e 121 mulheres, segundo as autoridades de Saúde do governo do Hamas.
Além deles, 5.303 palestinos foram feridos, entre eles 1.606 crianças e 828 mulheres, enquanto 21 mil imóveis foram gravemente danificados, segundo a mesma fonte.
O relator rejeita a defesa israelense de que a ofensiva ocorreu em resposta aos lançamentos de foguetes do Hamas contra seu território.
Segundo Falk, "durante o período de cessar-fogo dos meses anteriores, foi predominantemente Israel quem o violava, e o Hamas quem respondia (...) em 79% dos casos".
Em um desses casos, em novembro, um ataque israelense matou seis integrantes do Hamas, que, segundo Israel, faziam um túnel para sequestrar soldados como Gilad Shalit, refém do grupo que controla a faixa de Gaza desde 2006.
A agressão israelense em Gaza, que durou de 27 de dezembro de 2008 a 18 de janeiro deste ano, ocorreu, no entanto, após ataques do Hamas, que rejeitou a prorrogação do cessar-fogo que iria até 19 de dezembro e passou a lançar foguetes contra o território israelense três dias antes.
Na conclusão de seu relatório, Falk propõe uma investigação por "três ou mais respeitados especialistas em leis internacionais de direitos humanos e lei criminal internacional", acrescentando que devem ser examinados igualmente os lançamentos de foguetes pelo Hamas.
Falk acredita que podem se aplicar as jurisprudências dos principais tribunais internacionais (ex-Iugoslávia, Ruanda e Tribunal Penal Internacional).
Relatos vivos dos crimes de guerra
Ao mesmo tempo, dezenas de organizações israelenses de defesa dos direitos humanos exigiram um inquérito independente sobre os supostos crimes de guerra do exército israelita em Gaza, um dia depois de terem sido revelados novos testemunhos de soldados sobre disparos contra civis na última agressão, entre dezembro e janeiro.
Uma dezena de grupos, incluindo a B’Tselem e a Associação de Direitos Civicos, divulgaram comunicados defendendo que a decisão do procurador geral do exército, de abrir dois inquéritos sobre a morte de civis palestinos, não oferece as garantias de independencia necessárias.
O diario Haaretz acusou nesta sexta-feira o exército de "acordar demasiado tarde" para estes casos. O Haaretz foi o jornal que começou a publicar os depoimentos dos soldados que admitem ter assassinado civis palestinos e destruído intencionalmente as suas casas, recorrendo a regras de combate "muito permissivas".
Os depoimentos foram de oficiais e soldados rasos que frequentam o curso preparatório pré-militar Yitzhak Rabin na Oranim Academic College, na cidade de Tivon.
Foram entrevistados em 13 de fevereiro, durante uma discussão sobre a guerra. A transcrição da sessão foi publicada esta semana na newsletter dos estudantes do curso e vai também ser reproduzida na íntegra nas próximas edições do Haaretz.
Entre os trechos já publicados está o relato de um líder de um pelotão de infantaria, que descreve um incidente em que um atirador teria disparado "por engano" contra uma mãe palestina e seus dois filhos.
"Havia uma casa com uma família lá dentro... ordenámos que fossem para um quarto. Mais tarde, saímos da casa e um outro pelotão entrou, poucos dias depois, houve uma ordem para libertar a família. Os soldados estavam posicionados no andar de cima, e um atirador estava posicionado no telhado", descreve.
"O comandante do batalhão libertou a família e disse-lhe que se dirigisse para o lado direito. A mãe e as duas crianças não compreenderam e foram para o lado esquerdo, mas eles esqueceram-se de dizer ao atirador que estava no telhado que tinham libertado a família e que não devia atirar e... ele fez o que era adequado, ele seguiu as ordens."
De acordo com o líder do pelotão, "o atirador viu uma mulher e as crianças aproximarem-se para além das linhas que ele tinha sido informado que ninguém podia passar. Ele disparou imediatamente sobre eles. De qualquer modo, o que aconteceu é que no fim ele matou-os."
Vidas palestinas são "menos importantes"
"Penso que ele não se sentiu mal com o assunto, porque no fim de tudo, ele fez o seu trabalho de acordo com as ordens que lhe foram dadas. E a atmosfera no geral, pelo que eu percebi pela maioria dos homens com que falei... Não sei como descrever isto... As vidas dos palestinos, digamos que, é algo muito, mas muito menos importante do que as vidas dos nossos soldados. Por isso, no que lhes diz respeito, eles podem justificá-lo dessa maneira."
Os testemunhos inéditos das situações que cercam as agressões vividas por pilotos de combate e soldados de infantaria estão em aberta contradição em relação à posição oficial dos militares, que defendem que a "operação" e o "comportamento" das tropas israelenses foram "irrepreensíveis".
Um líder de outro pelotão da mesma brigada relatou outro crime, no qual o comandante da companhia ordenou que ele atirasse e matasse uma mulher palestina mais velha.
"O líder do pelotão discutiu com o seu comando sobre as regras de combate, que permitiam a destruição de casas sem ter que avisar com antecedência os residentes. Depois de as ordens terem sido alteradas, os soldados que lideravam os pelotões queixaram-se que ‘deviam matar toda a gente que lá estava [no centro de Gaza]’. Todos os que lá estão são terroristas."
Este soldado afirmou ainda que "não se tem a impressão, pelos oficiais, de que exista algum tipo de lógica. Escrever ‘morte aos árabes’ nas paredes, tirar fotografias de famílias e cuspir sobre elas, só porque se pode fazê-lo, isto é o mais importante. Para perceber o quanto as forças de segurança desceram no domínio da ética, a sério. É disto que eu me vou lembrar", finalizou.
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in Vermelho 2009.03-20
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